Se a outra gosta…bonito lhe parece!

O provérbio não é este mas foi a adaptação que me ocorreu para os comportamentos sexuais seguintes.
Investigadores escoceses do Instituto de Investigação Facial reconhecem como motivação feminina na escolha de rostos masculinos a “aprovação” das suas correligionárias
O estudo envolveu a avaliação do “sex-appeal” de homens jovens (fotografias), em pose neutra e parecidos entre si – os mais atraentes recebiam melhor pontuação; os menos atraentes…
Um verdadeiro festival, não da canção, mas da beleza masculina.
Em seguida as participantes neste estudo viram um vídeo em que ao lado da imagem do homem, desta vez, estava uma de mulher -a sorrir, em pose neutra ou com cara de “poucas-amigas”.
O processo de avaliação voltou à primeira fase tendo os investigadores concluído que as mulheres pontuavam melhor os homens que estivessem ao lado de mulheres sorridentes.
Gerava-se um efeito de cobiça por empatia – “se ela sorri, é porque deve ser bonito”.
Para os psicólogos que conduziram o estudo, o processo de transmissão social das preferências (imitação) da atractividade facial é interessante porque se pensava, habitualmente, que estas escolhas eram um processo individual.
Afinal parece que as escolhas, neste caso afectivas, e que assumíamos como intrínsecas à nossa individualidade são condicionadas igualmente pelos nossos pares.

Mas as mulheres que não se preocupem; este comportamento de cobiça não é único da espécie humana, existindo diversos casos no mundo animal -a codorniz do Japão (Coturnix japonica), o galo-lira (Tetrao tetrix), entre muito outros exemplos.
As fêmeas de gamo (Dama dama) são animadas pelas escolhas das suas “irmãs”, verificando-se, experimentalmente, que preferem haréns a machos solitários. Ainda por explicar está o facto de não evidenciarem preferência entre haréns de tamanho semelhante.

Mas quais as vantagens para uma fêmea copiar a escolha de outra fêmea?
Para espécies nas quais os machos não contribuem no desenvolvimento das crias a imitação na escolha de parceiro pode ser vantajosa pois a imitação poupa “tempo e trabalho” na escolha dos machos mais bonitos. Essa propagação comportamental ajuda em situações em que a selecção de um parceiro deva ser feita de forma rápida – condições de aridez ou falta de alimento. Estas condições extremas conduzem ao carácter esporádico do acasalamento tendo o comportamento de imitação na escolha de parceiro um importante papel evolutivo.
Em espécies em que o macho ajuda a fêmea na alimentação das crias as vantagens da imitação da escolha de parceiro não são tão evidentes e claras, pois, por exemplo, a fêmea corre o risco do macho que escolheu dividir as tarefas com…outra fêmea.

Comportamentos de imitação deste tipo levantam especulações evolutivas pois surge a possibilidade de uma real transmissão cultural, neste caso na escolha de parceiros.
Abre-se, assim, caminho à especulação teórica de que a evolução e a propagação das características dessas espécies não se faz meramente a nível genético mas pode estar condicionada por mecanismo cultural ligado à selecção do parceiro.
Esta transmissão social afectaria a frequência dos genes individuais que estariam representados nas gerações futuras contribuindo, desta forma, para um caminho evolutivo diferente.

Voltando à experiência da selecção de homens bonitos, curiosamente, a atitude masculina é oposta à das mulheres.
Homens (fotos) acompanhados de sorrisos femininos foram os que receberam menor pontuação por parte dos seus camaradas.
Ou seja, os homens pontuaram melhor os seus pares que não tinham recebido sorrisos das participantes da experiência.
Nada como a competição masculina para baralhar os critérios estéticos, infere-se dos resultados. É a questão de ir a um bar com amigo muito bonito – corremos o risco de as mulheres não olharem para nós.
Com base nestes resultados há que ir bares com amigos feios…
A nós, homens, resta-nos fazer marketing – comecemos por uma amiga (que nos sorria muito, de preferência) para ver se desperta a cobiça feminina.
Ou talvez não…

Artigos científicos consultados
“Social transmission of face preferences among humans.” Proceedings of the Royal Society B: Biological Sciences, 16 Jan 2007, Page FirstCite, DOI 10.1098/rspb.2006.0205
“Evidence of social effects on mate choice in vertebrates.” Behavioural Processes 51 (2000) 167-175

Pintura – “Parnassus or Apollo and the Muses” de Simon VOUET (1640)
(Publicado no jornal O Primeiro de Janeiro a 01/2/2007)

Mãe-galinha – o outro lado dos dinossáurios

(Publicado no jornal O Primeiro de Janeiro a 12/01/2006)

Um destes dias conversava com uma amiga. Contava-me ela os seus problemas com a filha, das normais discussões e do seu mais que inquestionável amor maternal. “Porque eu sempre fui uma mãe-galinha e estas discussões custam-me tanto!”.
Sorri. Quem não teve discussões com os pais e quantas vezes não se ouviu esta expressão: é uma Mãe-galinha!
Esta expressão portuguesa resume um conjunto de comportamentos, a maioria racionais mas alguns perfeitamente irracionais, de afecto, protecção, conselho e sobretudo de muito amor.
Por defeito profissional, e depois desta conversa, não pude deixar de pensar nesta expressão, comum aos comportamentos humanos e aos dos seres que investigo – os dinossáurios.
As galinhas são aves. Como aves e, ao abrigo das mais actuais teorias evolutivas, são os actuais descendentes dos dinossáurios.
A tradicional visão dos dinossáurios, animais terríveis, enormes e desprovidos de qualquer comportamento maternal, contraria qualquer relacionamento com os comportamentos de uma mãe-galinha!
Tal não é verdade e podem ser apontados dois ou três exemplos que a paleontologia tem estudado e que vêm corroborar aquela expressão portuguesa.
Nos anos 70 do século passado, mais concretamente em 1978, o paleontólogo “Jack” Horner (conselheiro científico de Steven Spielberg no filme Jurassic Park) entrou numa loja de minerais no estado americano de Montana. O seu espanto foi imenso quando “deu de caras” com um esqueleto de um dinossáurio bebé. Após questionar os donos da loja onde tinha sido descoberto aquele fóssil, estes explicaram-lhe que o tinham feito numa área chamada “Egg Mountain” (montanha dos ovos). Disseram-lhe ainda que esta era uma zona rica em ossos de dinossáurios juvenis bem como de ovos – agora fazia sentido o nome da montanha.
Horner, após campanhas de prospecção e escavação no local, descobriu cerca de onze esqueletos de dinossáurios bebés, de um grupo de dinossáurios herbívoros chamados bicos-de-pato, os hadrossáurios. Os juvenis tinham cerca de 1m de comprimento. Na proximidade dos restos ósseos descobriu uma série de estruturas que veio a constatar serem de ninhos. As estruturas circulares tinham 2m de diâmetro e cerca de 70 cm de profundidade no centro estando a área coberta por pequenas cascas de ovos, em sedimentos do Cretácico superior (há cerca de 75 milhões de anos).
“Jack” Horner reconheceu um padrão no posicionamento e distribuição dos ninhos – tinha descoberto uma colónia de dinossáurios!

A MATERNIDADE NOS DINOSSÁURIOS
Até essa época pensava-se que os dinossáurios colocavam os seus ovos e os abandonavam de seguida, tendo as crias que sobreviver sozinhas. Com esta descoberta constatou-se que afinal os dinossáurios apresentavam um comportamento semelhante ao das aves e crocodilos – elaboravam construções onde as crias eram alimentadas e protegidas até terem atingido um determinado grau de desenvolvimento, ou seja construíam “ninhos”. Provas paleontológicas da alimentação dos juvenis são, por exemplo, fósseis de plantas regurgitadas encontrados nas imediações dos ninhos.
Horner baptizou esta espécie de dinossáurio de Maiasaura (Maia – boa mãe + sáuria – réptil) ou seja o dinossáurio boa-mãe! Estes dinossáurios atingiriam (quando adultos) cerca de 7m de comprimento
Tal como as aves altriciais (aquelas que precisam da protecção e alimentação parental até determinado grau de desenvolvimento) também os juvenis de Maiasaura (e outro dinossáurios entretanto descobertos) precisariam destes cuidados.
Mesmo não sabendo muito de paleontologia e evolução, a cultura popular portuguesa não deixa de ter razão quando uma mãe é extremosa nos seus cuidados, tal como os dinossáurios – é uma mãe-galinha!
E ainda bem!

O Plágio, o Bacalhau e a Rã

(Publicado no jornal O Primeiro de Janeiro a 18/01/2007)
O plágio humano pode ser uma homenagem. Pode ser um reconhecimento. Pode ser agradecimento público. Pode ser feito às claras.
Mas não é nada disso.
É antes uma forma de usurpação do trabalho alheio. Um conceder de auto-indulgência à mediocridade e ao deixa-andar. Um permanecer no contentamento da pasmaceira intelectual.
O acelerar da tristeza da mediania.
O caso de aparente plágio, e digo aparente porque ninguém, à excepção do Provedor do Público o categorizou assim, muito menos o Sindicato dos Jornalistas, levado a cabo pela jornalista Clara Barata, despertou em mim o desejo de procurar exemplos naturais que estivessem relacionados com plágio.
No artigo que escrevi nestas páginas há uns meses e intitulado Falsificações Naturais referi alguns exemplos de cópias e imitações levadas a cabo na Natureza.
Nele referi casos de Evolução Convergente como, por exemplo, os membros anteriores das aves, dos morcegos e dos pterossauros (répteis voadores, parentes e contemporâneos dos dinossauros).

g-morhua.jpgUm dos casos de evolução convergente que agora quero referir compreende proteínas que evitam o congelamento em águas muito frias.
Este tipo particular de glicoproteínas anticongelantes – AFGPs – permite aos peixes sobreviver em águas com temperaturas tão baixas quanto -1,9º C (a concentração de sal na água do mar baixa o ponto de congelação da mesma…).
Existem diferentes tipos de AFGPs que evitam o congelamento a diversos seres vivos – peixes, insectos e plantas – e em 1997 foi publicado no PNAS o caso de dois grupos de peixes filogenética (não-aparentados) e geograficamente distantes que possuem o mesmo tipo de anticongelante.
Este caso de evolução convergente tem como um dos protagonistas o denominado bacalhau do Árctico – Boreogadus saida (parente do bacalhau do Atlântico, Gadus morhua). O outro actor desta história de plágio natural habita o lado oposto do planeta – a Antártida – e dá pelo nome de Dissostichus mawsoni.
O mais interessante da referida publicação científica é o facto destes dois peixes – o do pólo norte e o do pólo sul, se assim os podemos chamar – terem desenvolvido o mesmo tipo de proteína anticongelante apesar de estarem separados quer ao nível da proximidade física quer “familiar”.
Outro facto curioso é de estes investigadores terem concluído que a mesma AFGP se originou por um percurso genético diferente nos distintos grupos bem como em momentos diferentes do passado. No caso do Dissostichus mawsoni do continente gelado do sul entre os 7 e os 15 milhões de anos; no caso do bacalhau do Árctico foi mais recente, há “apenas” 2 milhões de anos. Grupos e locais distintos utilizam as mesmas “armas”!

2123418706_c48a118323_o.jpgA rã do género Dendrobates pode ser uma verdadeira engenheira química. Esta variedade habita a América do Sul e América Central possuindo pele venenosa. Esta toxicidade cutânea tem fundamentalmente dois objectivos: repelir microrganismos que possam atacar a sua pele húmida e, por outro lado, defender-se dos ataques de predadores.
A matéria-prima para esta guerra química provém da ingestão que as rãs fazem quer de formigas, quer de artrópodes. O que investigadores descobriram é que os alcalóides -substâncias químicas tóxicas- não se apresentam na mesma forma em que foram ingeridas. No PNAS de Setembro de 2003, os investigadores relatam que a rã não só é capaz de ingerir os tóxicos como ainda os aperfeiçoa – até cinco vezes mais potentes!
A “maquinaria” celular – enzimas – destas rãs é verdadeiramente notável uma vez que não se limita a fazer “cortar e colar” dos venenos das formigas; melhoram-nos e aprimoram-nos!
Este caso não é plágio do mundo natural e deve servir-nos de referência- aproveitar o que há de bom, modificá-lo e produzir algo de novo.

O aparente silêncio a que a maioria da comunicação social remeteu o referido aparente plágio só me leva a concordar com Clara Ferreira Alves, que na última edição da revista Única do Expresso, escrevia “No mundo dos patrocínios e da subordinação ao economicismo, o jornalismo foi-se diluindo em formas que renegam e abandonam esse corpo de princípios e preceitos que fez o apogeu do jornalismo como quarto poder, e que determinará a sua queda e ascensão tecnológica dos “media” concorrentes.”
Esperemos que não.
Que a Wikipedia e outras formas de massificação da informação nos dias que correm sirvam para que aproveitemos o melhor, o transformemos e criemos algo de verdadeiramente original.

Nota – PNAS refere-se à publicação científica americana Proceedings of the National Academy of Sciences.

Imagens: identificada na primeira e a segunda daqui

Ocupas

Hermit crab in shell

(Publicado no jornal O Primeiro de Janeiro a 04/01/2007)


O período que vai entre o Natal e a Passagem de Ano passo-o entre a família, os amigos e a casa dos meus pais.

É uma altura em que o conceito de lar me diz muito – e acho que também à grande maioria das pessoas.
Aos amigos que vivem em Portugal juntam-se os novos emigrantes – os que saíram com um curso superior, tão diferentes daqueles que há umas décadas abandonavam o extremo oeste da Europa.
Mas essa é outra história.
A que quero hoje contar hoje surgiu de uma conversa com alguns desses amigos, à roda de cervejas, em que se falava de uma associação artística que surgiu e se mantém num prédio ocupado de Amesterdão.
Estes edifícios são prédios abandonados que foram (e são) ocupados por quem não tem abrigo e tiveram origem na década de 60 do século passado, especialmente na Alemanha, Holanda e Inglaterra, embora seja um fenómeno mais ou menos geral nos países desenvolvidos.
Não pretendo dissertar sobre as razões morais, económicas ou legais que estão na origem do squatting. Esta conversa lembrou-me antes os squatters que existem no mundo natural.
O primeiro de que me lembrei foi o caranguejo-eremita (género Pylopagurus).
Este crustáceo, de que existem muitas espécies, quer marinhas quer terrestres, não possui a carapaça típica dos populares caranguejos, apresentando um corpo mole, desprovido de protecção perante os predadores. Este animal desenvolveu, então, um comportamento equivalente ao dos ocupas humanos – aproveita as conchas vazias de gastrópodes. Essas conchas vão servir de “lar” ao caranguejo-eremita, protegendo-o dos perigos do meio-ambiente que o rodeia.
Quando este “ocupa” natural cresce e a concha já começa a “rebentar pelas costuras”, decide aventurar-se de novo no mercado imobiliário disponível – procura uma nova concha, desta vez com um tamanho adequado às suas necessidades.
Este comportamento de adaptação parece ser já bastante antigo, pois conhece-se pelo menos um caso (Paleopagurus) datado do Cretácico inferior (sensivelmente há 130 milhões de anos), em que fossilizaram ambos, hóspede e habitação. A casa do antepassado dos actuais caranguejos-eremita pertencia a um grupo diferente – era uma amonite – cefalópode extinto há 65 milhões de anos. Interessante é também o facto de a pinça maior (aquela que fica “à porta”) ter variado a sua forma ao longo do tempo. Assim, este gastrópode manteve um comportamento de aproveitamento de materiais naturais para a sua habitação e adaptou o seu próprio organismo às condições do imóvel natural disponível no mercado!
Mudam-se os tempos, mudam-se as casinhas!

Outro dos exemplos conhecidos de ocupação de casa alheia é o do cuco – Cuculus canorus.
Esta ave apresenta um comportamento bastante peculiar pois, ao contrário da maioria das aves, não constrói ninho. Opta, antes, por colocar os seus ovos em ninhos de outras aves.
Reed_warbler_cuckooPor mecanismos ainda não muito bem compreendidos, as fêmeas-cuco colocam os seus ovos unicamente em ninhos de espécies cuja cor de ovos não seja muito diferente da sua – mimetismo. Fazem-no provavelmente para evitar que os donos dos ninhos os detectem e abandonem, pois as fêmeas hospedeiras podem facilmente reconhecer ovos que não sejam seus.
Depois de eclodirem, os recém-nascidos cucos são muito diferentes das crias legítimas.
Paradoxalmente, os pais-adoptivos não reconhecem esta diferença na prole invasora, criando-os como se fossem seus.
Este comportamento é aparentemente contraditório em termos evolutivos, pois ao fim de alguns dias, e devido ao maior tamanho do cuco, este acaba por expulsar os seus irmãos adoptivos do ninho.
De certeza que as espécies hospedeiras anseiam uma nova lei de arrendamento!
Pais são quem cria!

O lar, seja construído, aproveitado, ocupado ou seja de que forma for, tem um valor muito importante, quer para humanos, quer para os seres vivos.

Imagens: daqui e daqui

Prendas de Natal do passado…


Nos últimos meses fomos brindados com várias prendas de Natal, de um passado mais ou menos remoto da História da Terra – pelo menos assim as quero entender…mas deve ser do espírito da época!
Com espírito semelhante ao dos reis Magos, também a História da Terra nos ofereceu novidades do seu passado.

OURO

Do Brasil chegaram notícias do dinossáurio mais antigo e primitivo, o ULBRA PVT016 – referência de colecção, pois ainda não foi baptizado. Esta “prenda” natalícia tem 228 milhões de anos (do período Triásico) e foi descoberto por paleontólogos da Universidade Luterana do Brasil.
Era um animal ágil, carnívoro e bípede (tal como todos os dinossáurios primitivos deslocava-se em duas patas) com 1,5 metros de comprimento e doze quilos.
Uma das particularidades deste animal reside na sua cintura pélvica (a bacia) pois, ao contrário de outros dinos primitivos, este apresentava 5 vértebras fundidas, o que lhe dava um maior equilíbrio na locomoção.
Esta característica anatómica até agora só tinha sido observada em dinossáurios mais recentes o que leva os paleontólogos a repensar grande parte da história evolutiva dos dinossáurios primitivos.

INCENSO

Há umas semanas um grupo de investigadores do IVPP (Instituto de Paleontologia e Paleoantropologia de Pequim) apresentou mais uma descoberta das fabulosas jazidas chinesas da Mongólia Interior, nada mais, nada menos do que o mais antigo mamífero planador – o Volaticotherium antiquus.
Os restos fossilizados deste animal estavam tão bem preservados que se conseguia identificar a membrana de pele que unia os membros anteriores e posteriores. Era esta membrana que permitia ao Volaticotherium planar, numa época em que as aves ainda não eram capazes de voar – há 125 milhões de anos.
Conhecem-se actualmente diversos grupos de mamíferos planadores, mas a “foto” de família ficou agora mais completa com o seu membro mais antigo.

MIRRA

A terceira oferenda da História da Terra vem de um passado um pouco mais remoto – do período Devónico (entre os 415-360 milhões de anos) – e de um grupo de animais raramente falados – os placodermos.
Os placodermos eram um grupo diversificado de peixes, revestidos de placas, que dominavam os mares num período em que não existiam vertebrados em terra.
Numa época em que o único peixe que ocupa o pensamento (e a mesa) dos portugueses é o bacalhau, falar deste parece um contra-senso, mas recentes estudos sobre a potência das mandíbulas do Dunkleosteus terrelli (assim se chamava este placodermo) revelaram que seriam capazes de uma dentada com força superior à do actual tubarão-branco.
Este enorme peixe seria capaz igualmente de movimentos de mandíbulas muito rápidos que, aliados à potência, o tornariam uma poderosa “máquina” de morder. Normalmente os peixes apresentam ou ma mordida forte ou mordida rápida; as duas características em simultâneo são raras.
Não é uma nova espécie, mas sim um novo conhecimento sobre algo que já se conhecia.

Uma última prenda (vai ser publicada no dia 22 de Dezembro na revista Science) vem da vizinha Espanha e é-me particularmente querida – é do grupo de dinossáurios em que estudo – os Saurópodes.
Os paleontólogos espanhóis “trouxeram” ao mundo uma nova espécie gigante – o saurópode Turiasaurus riodevensis. Este animal, segundo os autores do artigo, é o maior dinossáurio europeu e um dos maiores do mundo. A título de curiosidade o seu úmero (osso que vai do ombro ao cotovelo) tem quase 1,8 metros de comprimento.
Para além de ser um novo animal, as características do Turiasaurus também permitiram que os paleontólogos que o descreveram propusessem uma nova divisão na classificação dos saurópodes – o clado Turiasauria.
Rica prenda!

Tal como o Menino, nas palhinhas deitado, recebemos estas prendas certos de que poderíamos passar bem sem elas; mas que a nossa vida ficou mais rica e completa…pelo menos para mim ficou.
Boas Festas!
(Publicado no jornal O Primeiro de Janeiro a 22/12/2006)

Tempos de crise – apertar o coração e o fígado

A adaptação é uma das condições essenciais para que se sobreviva. Seja animal, planta, empresa ou relação.
Um dos ambientes terrestres com condições de vida mais inóspitas é o deserto.
As altas temperaturas dificultam a sobrevivência, as enormidades amplitudes térmicas entre o dia e a noite tornam o ambiente inacessível à maioria dos seres vivos, mas essencialmente é a falta de água que, de forma directa (para beber) ou indirecta (reduzindo o número de plantas que são a base da cadeia alimentar) condiciona a “habitabilidade” dos desertos.
Mas como é que os animais que vivem nesses ecossistemas sobrevivem a tais condições extremas?
Num artigo do próximo número de Julho/Agosto da revista “Physiological and Biochemical Zoology” são apresentadas alguns dos mecanismos de sobrevivência em ambientes desérticos.
A espécie analisada, a gazela da areia – Gazella subgutturosa marica, vive no Deserto da Arábia, um dos com condições climáticas mais extremas a nível mundial. Os investigadores verificaram que estes animais eram os que apresentavam menores perdas de água por evaporação nestes ambientes. Até aqui esta informação, embora importante, não surpreendia, pois era a resposta que se “esperava” de animais que sobrevivem em desertos.
Mas como evitar as perdas de um bem tão precioso como a água?
Em nossas casas sabemos que quando a entrada de dinheiro diminui só há uma coisa a fazer para equilibrar o orçamento – cortar nos gastos.
Pois a gazela faz exactamente o mesmo, embora deixar de ir ao cinema esteja longe dos seus pensamentos…
Estes animais, em momentos de maior carência hídrica e de alimentos, reduzem quer o peso do fígado quer o do próprio coração. As alterações fisiológicas naqueles órgãos são reveladoras de uma diminuição na taxa metabólica, ou seja na actividade celular dos organismos.
Será fácil de compreender que, tal como fazemos na economia doméstica, em tempos de necessidade estes animais apertam, literalmente onde podem – corações e fígados. Igualmente se descobriu que as gazelas, nesses tempos de crise de água e comida, aumentam o conteúdo de gordura no cérebro, proporcionado assim ao órgão fundamental a energia necessária ao seu funcionamento.
Assim as gazelas do Deserto da Arábia conseguem contornar os tempos de crise – reduzem o peso do fígado e coração e aumentam a gordura no cérebro.
Pura economia biológica.

E o Laos pariu um rato…


Sempre me disseram que ao coração de um homem se chegava pelo prato.
O que nunca me tinham dito é que também para as novas descobertas científicas se podia passar pelos mercados: um novo animal foi inicialmente descoberto graças à…gastronomia!
O Laos apresenta várias iguarias expostas nos mercados locais – ratos, esquilos, porcos-espinhos, e uns animais pouco vulgares que os locais apelidam de Kha-nyou. Estes roedores eram, até Maio de 2005, uns perfeitos desconhecidos para os cientistas – mas não para os “bons-garfos” do Laos – e foi num desses mercados que chamaram a atenção aos cientistas que adquiriram alguns exemplares.
Os Kha-nyou, cujo baptismo científico é Laonastes aenigmamus, medem cerca de 40 cm e embora não propriamente sejam ratos pertencem a uma ordem de roedores até hoje apenas conhecida pelos fósseis.
Após o estudo da sua estrutura anatómica (ossos) e ADN, os investigadores apuraram que aqueles animais pertenciam a uma família de roedores que se pensava extinta – Diatomyidae.
Os últimos membros desta família de roedores são conhecidos pelos fósseis do Miocénico do Paquistão, Índia, Tailândia, China e Japão.
Ao fim de 11 milhões de anos de “ausência”, o Kha-nyou reaparece em cena!
Animais que se julgavam extintos e “reaparecem” na actualidade recebem a designação pelos paleontólogos de Fauna Lázaro, em referência à personagem bíblica ressuscitada por Jesus.
(Publicado no jornal O Primeiro de Janeiro a 22/06/2006)

Mundial de Futebol – cangurus, coalas e extinções?


(Publicado no jornal O Primeiro de Janeiro a 10/06/2006)
O Campeonato do Mundo de futebol que se avizinha será um palco de intensos combates. Ao longo de Junho e parte de Julho assistiremos a confrontos entre intervenientes que terão o mesmo objectivo e jogarão com as mesmas regras.
Dos confrontos que se avizinham sairão sobreviventes e extintos; adaptados e inadaptados; momentos de sorte e azar; e, sobretudo, intervenientes que lograrão atingirem os seus objectivos e outros…que nem por isso.
Acima de tudo será um período em que tudo se decidirá e nada ficará como dantes.
O acontecimento que é o Mundial de futebol, pode apresentar algumas analogias, umas mais lineares que outras, com um dos processos fundamentais na História da Terra e dos seres vivos – a Evolução.
Encarando cada selecção como um organismo perceber-se-á que poderemos corresponder os jogadores aos órgãos ou estruturas dos organismos. Cada jogador é especializado numa determinada função e, no Mundial, teremos os melhores para um papel específico em campo – ou talvez não, já sei que falta o Quaresma…
Assumindo esta comparação poderemos então entrar neste momento “evolutivo” que é o Mundial.

“Mundiais” na História da Terra?


Existem momentos na História da Vida na Terra em que se alteram as condicionantes do meio ambiente (alterações climáticas; vulcanismo; impacto de objectos extraterrestres; etc.) ou mesmo as relações estabelecidas entre os próprios seres vivos.
Genericamente esses momentos conduzem a extinções que, em maior ou menor grau, conduzirão ao desaparecimento de espécies animais e vegetais. Para além do efeito directo sobre aquelas que desaparecem, existe igualmente um efeito sobre as que ficam – podem explorar e ocupar mais nichos ecológicos, inclusive os daquelas que foram extintas.
Um destes exemplos foi o que se passou no final do Cretácico com a extinção de muitas espécies, entre as quais os famosos dinossáurios (pelo menos os não-avianos).
Da mesma forma as equipas de futebol, em especial em momentos como o Mundial, também sofrem pressões do seu meio envolvente – desgaste físico; desgaste psicológico; lesões – e terão que gerir as tensões com as suas “armas” – capacidade técnica; rigor táctico; capacidade de se adaptar ao adversário.
Apesar de tecnicamente muito dotadas (por ex. o Brasil), tecnicamente disciplinadas (por ex. a Alemanha) e mentalmente fortes (aqui é mais difícil…), algumas selecções apresentam, por isso, um tipo de jogo muito especializado, por vezes sem capacidade de adaptação ao adversário e/ou às condições ambientes (apoio dos adeptos; temperatura; pressão dos media).
Normalmente estas equipas saem derrotadas em fases de eliminação pois não têm tempo ou engenho para se adaptarem, para corrigirem o que estava menos bem.
Na História Natural existem equivalentes.
A maioria das pessoas já ouviu falar, pelo menos uma vez, em marsupiais – por exemplo o canguru e o coala.
Este grupo de mamíferos, distingue-se, dos mamíferos placentários, de que nós humanos fazemos parte, por os seus descendentes se desenvolverem externamente, numa bolsa da fêmea – o marsúpio.
Os marsupiais surgiram no mesmo momento em que os mamíferos placentários, competindo com estes por nichos ecológicos semelhantes.
A América do Sul apresentou uma fauna variada e diversificada de marsupiais até ao instante geológico em que o Istmo do Panamá se formou – há cerca de 3 milhões de anos, no Pliocénico.
Esta estrutura geográfica permitiu que os mamíferos placentários do norte, até aí isolados dos “primos” meridionais, migrassem para sul. Deste confronto evolutivo ganharam em larga maioria os placentários tendo a maioria dos marsupiais existentes na América do Sul sido extinta – hoje em dia a larga maioria dos marsupiais existentes é proveniente da Austrália, que funcionou como refúgio para este grupo de animais.
Apesar de altamente especializados, os marsupiais não estavam preparados para o “combate evolutivo” com os placentários do norte.
Da forma semelhante, algumas selecções apresentam um “fio” de jogo bonito, tecnicamente muito desenvolvido mas sem capacidade adaptativa para confrontos com equipas tecnicamente menos desenvolvidas. Umas conseguem adaptar-se e superar o adversário. Outras e por diversos motivos não o conseguem.
Há quatro anos atrás encontrava-me em Madrid quando decorreu o jogo EUA-Portugal. A nossa selecção era tecnicamente mais forte; éramos favoritos. Mas tal como os marsupiais do sul, Portugal foi incapaz de se adaptar à mudança; perdemos porque fomos mais fracos fisicamente; porque menosprezámos o adversário; porque, enfim, não fomos capazes de nos adaptar ao “ambiente”.
Esperemos que a espécie “Selecção”, neste Mundial, consiga superar o momento de intensa pressão “evolutiva” a que estará sujeita, e que, após a “extinção” que se avizinha, possa transmitir a sua herança aos descendentes…


Referências: Erwin, D.H. 2001 Lessons from the past: Biotic recoveries from mass extinctions. PNAS vol. 98 no. 10 5399-5403

Imagens – Veer

Dinossáurio e Harry Potter


Uma nova espécie de dinossáurio foi baptizado em honra à escola de Harry Potter, Hogwarts. O nome da nova espécie, Dracorex hogwartsia, deriva das palavras latinas draco (dragão), rex (rei) e hogwartsia (da escola de feitiçaria de Harry Potter, Hogwarts).
Este dinossáurio pertence ao grupo dos Paquicefalossáurios (dinossáurios herbívoros que apresentavam o crâneo com uma enorme espessura de osso). Esta característica anatómica, bem como a presença de ornamentações no crâneo semelhantes a cornos, deveriam estar associadas a combates entre machos da mesma espécie em que os intervenientes fazem chocar os seus crâneos, tal como o fazem os carneiros-selvagens das Montanhas rochosas.
Obviamente que esta espécie também utilizaria este “arsenal” para se defender de eventuais predadores…

A Necessidade, o engenho e o Mecenas
Imagine que a ferramenta do seu trabalho avaria. Logicamente deveria ser reparada.
Mas se não existe verba para a reparação não é só o fruto do trabalho que é desperdiçado.
É-o também o investimento monetário que foi feito para adquirir o engenho; é-o o tempo e dinheiro em que se não produz e, finalmente, todo um processo produtivo que pode estar irremediavelmente desperdiçado. Na Ciência tal como na Indústria ou nos Serviços as consequências são idênticas. Os investigadores (no qual me incluo) do Museu Nacional de História Natural da Universidade de Lisboa (MNHN/UL) que efectuam investigação paleontológica utilizam um digitalizador Microscribe para recolherem dados 3D em ossos de dinossáurio.
Os dados 3D permitem que faça a reconstituição de alguns dos tecidos dos dinossáurios e vão permitir compreender melhor a Evolução dos enormes seres do passado do nosso planeta – como se movimentavam, como atingiram tamanhos descomunais.
Esses dados têm vindo a ser recolhidos em diversos Museus mundiais.
As verbas foram custosamente conseguidas à custa dos Projectos da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), verifica-se agora que o MNHN/UL não possui verbas para uma reparação orçada em 1500 €!!
Estará todo o trabalho e know-how (inédito a nível mundial) em riscos de se perder?
Terão os investigadores que fazer “rifas” paleontológicas para angariar o dinheiro?
O MNHN/UL deseja um Mecenas científico que permita resolver esta situação…

Blogs científicos
É difícil falar sobre as vantagens, ao nível da disseminação da informação, da Internet.
Encontrar uma referência, texto ou imagem neste enorme manancial de comunicação e disseminação de informação é fácil. Difícil é seleccionar e escolher as boas fontes.
Uma das áreas em que a Internet se tem vindo a desenvolver nos últimos anos é na produção de Blogs. Os blogs (ou blogues, em português) são páginas da Internet cujas actualizações (chamadas posts) são organizadas cronologicamente (como um diário). Basta apenas vontade inicial para cada qualquer um de nós criar o seu próprio espaço onde pode veicular as suas ideias, pensamentos e até as suas angústias e medos sobre todo e qualquer assunto.
Alguns blogs permitem efectuar comentários sobre o que foi escrito/opinado
No que diz respeito à divulgação científica e à literacia científica, os blogs vieram acelerar e massificar a informação do que é feito e produzido na Ciência.
Há assim uma maior democratização da informação científica difundida.
Alguns exemplos (portugueses e estrangeiros) de alguns blogs de carácter científico (listagem não exaustiva)

Tetrapod Zoology (darrennaish.blogspot.com) -blog do paleontólogo inglês Darren Naish; essencialmente sobre questões que dizem respeito à evolução dos Tetrapoda (animais com quatro membros, como por exemplo, os humanos, aves, répteis, etc.) –
Cais de Gaia (caisbio.blogspot.com) – blog que compila notícias relativas a descobertas científicas nomeadamente novas espécies ou novas maneiras de compreender as já conhecidas.
Geopedrados (geopedrados.blogspot.com) e Histórias da Geologia (historiadageologia.blogspot.com) – blogs que abordam questões de carácter geológico.
Moments of Science
(momentofscience.blogspot.com) – blog que apresenta alguns momentos de Ciência, em particular na Biotecnologia e Medicina.
(Publicado no jornal O Primeiro de Janeiro a 25/05/2006)

Grand Canyon e a Arte


É lugar comum em conversas de café discutir-se pintura, música, literatura ou história. Normalmente emitem-se opiniões e confrontam-se gostos. Digladiam-se conhecimentos mais ou menos fundamentados sobre vários campos do conhecimento.
Normalmente não se confundem tendências artísticas nem épocas históricas; arrumam-se os vários artistas nos movimentos e séculos respectivos.
Beethoven foi influenciado na sua produção artística pelo papel histórico e social de Napoleão Bonaparte e não por Átila, o Huno.
Picasso apesar de o poder ter feito (como seria?) não pintou o tecto da Capela Sistina.
Os Medici não patrocinaram a obra literária de Samuel Beckett.
Estes exemplos, que roçam o absurdo, servem apenas para ilustrar que, e bem, a literacia artística e histórica têm um papel nos acto sociais que não tem a literacia científica.
É socialmente reprovado se alguém comete um dos deslizes atrás mencionados; mas um deslize equivalente é desculpável se esse mesmo alguém afirmar que no Marão existem pegadas de dinossáurio, que o Jurássico é um título de um filme ou que nós somos o píncaro da Evolução.
As obras de arte exercem em nós o despertar de emoções mas queremos sempre complementá-las com um background de conhecimento (quem fez, quando fez, etc.). As duas componentes completam-se, permitindo desfrutar de uma forma mais completa aquilo que foi produzido. Ou não, dirão alguns puristas…
Duas realidades – obra de Arte vs Paisagem Natural – como ponto de partida para sublinhar que a Cultura Científica, em geral, e a História Natural, em particular, não têm na população uma tão forte influência como outra áreas do conhecimento.
Nunca fui ao Grand Canyon.
Devido à minha formação científica e à minha vivência pessoal, reconheço que essa maravilha da morfologia geológica tem um efeito tremendo em quem a observa pela primeira vez. No filme homónimo de Lawrence Kasdan, o Grand Canyon é utilizado como a manifestação telúrica da insignificância do Homem, quer temporal quer física.
Qualquer pessoa, diante daquele enorme desfiladeiro, sente que tudo é relativo. Insignificante. E gosta do que vê. Memoriza.
Apesar do inquestionável prazer provavelmente é apenas o fruir dos sentidos, não sendo mais completa a experiência devido à iliteracia científica do que se vê.
Se o turista souber que as centenas de metros de altura de rochas que observa foram o resultado de milhões de anos de sedimentação geológica talvez o efeito seja diferente. Se souber que os sulcos quilométricos que ornamentam o grande desfiladeiro são o resultado da lenta erosão levada a cabo pelo rio Colorado ao longo de milhões de anos, talvez ficasse mais deslumbrado.
Para apreciar algo de belo não é fundamental conhecer como se chegou até ele mas que ajuda a melhor o apreciar, ajuda!
O prazer que algumas obras de arte nos oferecem poderão não necessitar da Teoria; mas sem ela não a gozaremos por completo, ficando quase empurrados aos “Gostei ou não gostei”.
De maneira análoga uma paisagem natural pode ser apreciada meramente ao nível imediatista. Mas a emoção que essa paisagem desencadeia em nós pode ser trabalhada pela educação científica.
Melhor sentida?
De certo melhor protegida.
A literacia científica é fundamental como mais-valia para vermos e apreciarmos a Natureza que nos rodeia.
E, já agora, donde vem o nome Jurássico?
(Publicado no jornal O Primeiro de Janeiro a 20/04/2006)

O Falso Culpado

A cultura cinematográfica está repleta de ambientes de presídio.
Lugar-comum recorrente – o prisioneiro inocente. Vítima de uma qualquer trama mais ou menos maquiavélica, de um erro do sistema judicial, estes injustiçado faz tudo para se libertar daquela condição.
Recentemente a revista National Geographic publicou o estudo de manuscritos coptas que revelavam a remição do mais famoso dos traidores – Judas. Segundo os investigadores, Judas teria tido um papel essencial, a pedido de Jesus, no processo que levou à condenação de Cristo.
Este reescrever da história é fundamental não só para a própria compreensão dos fenómenos em jogo, como também para que se entenda que as realidades não são sempre como nos as “pintam”, nem tudo é preto-e-branco.
Na maioria das vezes vemos o que queremos ver.

Um dos objectivos do paleontólogo é descobrir os verdadeiros papéis de cada um dos “actores” do “filme” que é a História da Vida.
No século passado o Museu Americano de História Natural de Nova Iorque levou a cabo diversas expedições paleontológicas e antropológicas à Mongólia, mais concretamente ao deserto de Gobi. Descobrir vestígios de mamíferos primitivos e, em última análise, a origem do próprio Homem eram os seus intuitos.
Em 1923 (numa das várias campanhas do MAHN à Mongólia) foi descoberto um esqueleto quase completo de um dinossáurio carnívoro com características excepcionais – apresentava um crânio com mandíbula semelhante a um bico de papagaio.
Este dinossáurio foi encontrado sobre um ninho com ovos, que os paleontólogos pensavam ser de Protoceratops (dinossáurio herbívoro). Devido a associação do dinossáurio carnívoro com os ovos fossilizados, este foi baptizado de Ovirator (“ladrão de ovos”).
Estava descoberto um dinossáurio que se dedicava a roubar ovos!
A verdade científica diz-nos que existiram duas imprecisões nas inferências paleontológicas estabelecidas: a primeira que os ovos eram de Protoceratops e a segunda que o Oviraptor os estaria a roubar.
A primeira inferência, que condiciona a segunda, baseou-se na enorme quantidade de restos fósseis de Protoceratops encontrados no deserto de Gobi. Se foram encontradas enormes quantidades de vestígios ósseos de dinossáurios herbívoros porque não pertencerem os ovos àquela mesma espécie?
A segunda inferência é mais linear – dinossáurio carnívoro encontrado perto de ovos…havia um “crime” a acontecer!
Tínhamos o criminoso e tínhamos o motivo. Víamos o que queríamos ver.

O futuro reservaria um “apelo” neste tribunal paleontológico que absolveria o nosso ladrão-de-ovos.
Nos anos 90 do século passado, Phillip Currie do Museu Royal Tyrrel, descobriu novos ninhos de dinossáurio na Mongólia. Tal como nas primeiras descobertas também desta vez foi possível observar que o Oviraptor estava sobre um ninho. Ovos iguais aos conhecidos em 1923 jaziam nesse ninho. Mas desta vez um dos ovos tinha preservado um embrião. Era um embrião, não de Protoceratops, mas de…Oviraptor!
Estudos posteriores permitiram completar este puzzle – uma mãe (ou pai) Oviraptor havia sido surpreendida por uma tempestade de areia que a havia soterrado e aos ovos.
Desta forma o Oviraptor foi absolvido do seu “crime” – de ladrão de ovos passou a mãe/pai extremosos.
O caso do Oviraptor não foi um erro de casting. Foi apenas uma interpretação apressada, condicionada por aquilo que se queria ver.
Era um guião demasiado complexo para uma única leitura – a História da Vida na Terra.
Tal como o culpado nem sempre é o mordomo, também muito menos o foi o Oviraptor…

P.S.- o título remete para o filme de 1956 Wrong man (“O Falso Culpado”) de Alfred Hitchcock.
(Publicado no jornal O Primeiro de Janeiro a 20/04/2006)