Esta é Nossa

O pouco que se fez muito no meu sentir Portugal aconteceu quinta-feira.
Num mundo de homens-cópia* e países-clone, na quinta fomos diferentes.
Celebrámos um homem que não era cotado em Londres ou Tóquio, que não tinha valor em Nova Iorque.
Era rico em coisa nenhuma, vendia o que não dá lucro, esbanjava tempo, em tempos de crédito mal-parado.
Era homem num mundo de ratices.
Dizia adeus de braços abertos, sem nada em troca.
Há tempos assim.
Tempos em que sinto gana de não ser de outro lado que de um país que acena a quem passa.
País que tinha um bom louco que acenava.
Dá-nos pão?
Se calhar, mas pão para um alma desgastada.
Há maior poesia que esta?
Há.
Mas esta é nossa.

O Adeus, ao Sr. do ADEUS from João Nunes on Vimeo.

P.S. – para os meus queridos leitores do Brasil em baixo poderão perceber sobre quem falo no texto:
Aqui, aqui e aqui
* – palavra de José Manuel dos Santos, um dos melhores cronistas portugueses.

A Imortalidade de Um Saco Plástico

Sobre o vórtice do pacífico.
Sobre os dramas existenciais.
Sobre a morte e a necessidade de sermos desejados.
Sobre nós.
Tudo a partir da imortalidade de um saco plástico.
P.S. – uma lição de conservação planetária, bem melhor que lamechices à Al Gore.

Fonte – “Future States”
Inspiração – Micaela Sousa, “a place to be”

Pior que Portugal? (quase) Só o Haiti.

digitalizar0003.jpgPessoa afirmava que Jesus Cristo não percebia nada de finanças.
De mim, posso dizer o mesmo.
E de Sócrates, de mão dada com o Teixeira ministro.
Da leitura matinal e soalheira do periódico El País aprendi hoje bastante.
Nos últimos dez anos, e em 180 países, apenas Itália (179º) e Haiti (180º) fizeram pior do que Portugal em crescimento económico.
Sim, lugar 178º em crescimento económico.
Tudo bem, não serão as Finanças de que Sócrates parece nada saber, mas sim a Economia.
Mas desta, e já lá vão mais de 5 anos de navegação cheia de tretas, também o governo parece desorientado.
10 anos a nada crescer.
Porque não deixa o país em paz, sr. Engenheiro?
Pode ser que o país cresça mais sem a navegação tão entendida quanto a sua.
Ou mesmo sem qualquer navegação.
Citando o El País, sr. Engenheiro, foi uma época perdida.
(clicar na imagem para aumentar)
CRESCIMENTO_ECONOMICO_PORTUGAL_2000_2010 (Large).jpg
Imagens – jornal El País, 24 de Outubro de 2010, a partir de dados do FMI.

O regresso da tipa

bill,brandt,black,white,classic,miners,photography,south,wales-71269b11297e5b74c3e7f0ca3dd876cf_h.jpgA tipa iniciou o seu degredo quando eu ouvi um dia “O Inferno são os outros”.
Exagero, sempre me pareceu, embora com os anos uma patine de verdade lhe tenha assentado. E ela começou a ir-se.
Cada vez a vejo menos. Há dias que se foi de vez, penso.
Bancos, governos corruptos e/ou incompetentes, entre muitas outras inerências à condição humana, originaram que a frase de Sartre se tornasse um mantra para o mundo. Mantra a que resisto, é certo, mas persistente.
A crise gerada por homens que comem homens, outrora apelidados de canibais mas hoje em dia baptismo de especuladores financeiros, lançou o mundo na confusão e no caos. Estados que foram em auxílio da banca, à custa dos seus cidadão, pagam agora aquela ajuda com juros muito superiores.
Como há-de ela voltar?
A tipa tem razão, melhor que não a vejam.
O Inferno são os bancos?
Talvez.
O cinismo existencialista de Sartre não foi, nem é capaz de atrofiar a alegria quando vi o último mineiro chileno sair da cova.
A tipa, cada vez mais solitária nos dias que voam, insiste em regressar-me.
Gosto dela sempre que me visita, mesmo que à saída de uma mina chilena. E ainda que a tentem afastar com Sartrices do tipo “Só se safaram porque as TV’s quiseram” ou “Havia de ser na China que iam ver o que lhes tinha acontecido”, a verdade é que ela voltou-me.
Por quanto tempo?
Não sei.
Há dias em que a tipa me volta a aparecer.
Ainda bem que voltaste, esperança.
Imagem: Bill Brandt – Miners Returning to Daylight, South Wales (1931-35)

Embeiçamentos

01drawin.jpgNo meio de discussões esporádicas (graças a Deus…) que tenho no Twitter com os que designo de PS-boys, saliento a confusão que grassa naquelas cabeças.
Não me importaria um folículo se as ideias arreigadas naquelas vazias cabeças não fossem as mesmas do actual governo.
A questão passa pelo deslumbramento vigente pelas novas tecnologias, vulgo Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC’s).
Para os iluminados com quem discuto, o futuro do país passa, sem qualquer margem para dúvida, pela generalização massiva entre os jovens de Magalhães e outros derivados. Salientam, ainda, que as excelências desse novo mundo civilizacional só se farão sentir dentro de décadas.
Esta linha de raciocínio carece de sustento racional, revelando antes que estes senhores, e o governo por analogia de pensamento, confundem dois conceitos: Educação e TIC’s.
Enquanto a Educação poderá passar, com dificuldade é certo nos tempos que correm, sem as TIC’s, estas não servirão para nada sem uma formação educativa. Seguro como a gravidade.
Pensar e expressar o que se pensa é garante de que se poderá utilizar minimamente qualquer ferramenta tecnológica. Mais difícil, se não impossível, será quem não amestrou o seu raciocínio ou calcorreou os caminhos da expressão do seu intelecto, fazê-lo apenas com as TIC’s.
Reconheço vantagens nas tecnologia de informação e comunicação num contexto educativo, mas é um erro sobrepô-las às ferramentas básicas: ler, escrever e contar.
Esta inversão de prioridades é análoga à que vigorou há anos, onde o deslumbramento pelas auto-estradas asfaltou outras prioridades. Agora, temos o deslumbramento pelas novas tecnologias.
Ambos os embeiçamentos se esqueceram do essencial, ou seja, para quem se dirigem a Política e as políticas: para as pessoas.
Imagem – Pieter (the Elder) Bruegel “The Ass in the School” , 1556
Pen and Indian ink, 232 x 302 mm
Staatliche Museen, Berlin

A Muda

ECDISE_VESPA_2 (Large).jpgÉ, pouco a pouca muda-se o fato de férias e regressamos (espero) à capa do trabalho.
P.S. na imagem o resultado da muda ou ecdise de uma vespa (?), descoberta ontem enquanto aproveitava a réstia de férias, passeando os cães e comendo amêndoas colhidas directamente da fonte…
Imagem – Luís Azevedo Rodrigues

A Bruxa, o Polvo e o Inglês

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Devido a isto e a isto, mais do que abandonei o blog.
Antes de partir para Londres, algumas comichões que me têm andado a incomodar:
1 – depois de uma bruxa ter fascinado e ocupado a mente de muitos portugueses com as previsões sobre a selecção nacional no mundial de futebol, agora é vez de um polvo vaticinar sobre o mesmo assunto.
E que tal perguntarem também aos objectos de estudo destes senhores o que acham?
2 – na mesma linha de opiniões avalizadas, vem agora a senhora Maria de Lurdes Rodrigues publicar livro sobre a Escola Pública Portuguesa.
Sim, a mesma senhora que tanto fez para arruinar a instituição sobre a qual agora escreve, empurrando-a para o limbo do facilitismo e do descrédito, temperados com um ódio visceral aos professores.
A senhora que produziu uma tese sobre o papel social do Engenheiro foi recompensada pelo engenheiro com a presidência da FLAD (Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento).
Menos mal, já que assim se ganhou uma aluna de inglês.
Imagem: daqui

No final é só o que resta

tumblr_kopdl3UCJq1qzn7g8o1_500.jpgNo final é só o que resta.
Afinal desde o começo que já cá estava.
Apenas levemente suspensa, pela outra.
Mas sempre presente.
A única companheira.
No arrastar dos dias, tapada entre outras neblinas, é a única certeza.
Ou quase.
Olhamos o céu, o mar, ou espelho, e ei-la.
Julgamo-nos maiores que ela porque a pensamos e reconhecemos.
Maiores que todas as vidas que nos rodeiam e que temporariamente a encobrem.
Sozinhos com ela.
ResearchBlogging.org
“(..) workers of the ant Temnothorax unifasciatus dying from fungal infection, uninfected workers whose life expectancy was reduced by exposure to 95% CO2 and workers dying spontaneously in observation colonies exhibited the same suite of behavior of isolating themselves from their nestmates days or hours before death. Actively leaving the nest and breaking off all social interactions thus occurred regardless of whether individuals were infected or not. Social withdrawal might be a commonly overlooked altruistic trait serving the inclusive fitness interests of dying individuals in social animals.”


«”When Pansy lay down in a nest that one of the other apes had made, the rest gathered around her and began grooming and caressing her. Shortly before she died, all three crouched down and inspected her face very closely. They then began to shake her gently. “It is difficult to avoid thinking that they were checking for signs of life,” said Anderson.
“After a time, it seemed that the chimpanzees arrived at a collective decision that she had gone. Two left immediately, but one, the other adult female, stayed and held her hand,” said Anderson.»

Referências:
Heinze, J., & Walter, B. (2010). Moribund Ants Leave Their Nests to Die in Social Isolation Current Biology, 20 (3), 249-252 DOI: 10.1016/j.cub.2009.12.031
Imagem:
Magdalen of the night light, Georges de La Tour

Nojo por Inês

68095327-9bff570db374e7fd6c999a1411cf0ec5.4bceb3b6-full.jpgLeio agora que à Sr.ª Inês de Medeiros, deputada do PS, irá ser paga uma viagem semanal a Paris, em executiva. Quatro viagens por mês, brilhantemente concluo.
Aquando da sua candidatura à Assembleia da República, a dita Inês apresentou como morada oficial um endereço de Lisboa.
Assim, iremos todos pagar, com voluntário deleite, uma viagem semanal da tribuna à cidade das luzes, uma vez que aquela se deverá encontrar desocupada.
A morada de Lisboa, não a deputada.
Feliz fico por o meu Estado recompensar tanto em viagens a Paris da parlamentar como o que paga a quatro professores, ou a seis bolseiros de investigação científica, ou mesmo a quase dez trabalhadores com o salário mínimo.
Delirante continuo, por o meu país investir em viagens executivas a Paris para uma meritosa Inês de Medeiros que oficialmente reside em Lisboa, mas suspeita ter a sua família em Paris.
Os quatro professores, ou seis bolseiros de investigação científica, ou os salários mínimos, que se calem. O seu valor não é comparável à Sr.ª Medeiros, que tanto tem feito pelo bem-estar de Portugal. Tanto, que necessita purgar-se semanalmente à beira Sena dos afazeres lusitanos.
Nojo.
É o que sinto.
Pelos invejosos quatro professores, seis bolseiros de investigação científica, ou dez trabalhadores com o salário mínimo, que se roem de inveja maledicente das viagens da deputada Inês de Medeiros.
Nojo por Inês.
78024665-79a24f9ae443e60b7a8982858263330f.4bceb66b-scaled.jpg
P.S. – breve biografia da deputada do PS, Inês de Medeiros – do site da Assembleia da República:
“Habilitações Literárias – Frequência de Licenciatura em Literatura Portuguesa (Universidade Nova de Lisboa), Estudos Teatrais (Sorbonne Paris). Profissão – Autora”

Europa Ocupada

eur66060.gifHá momentos que nos remetem para o passado, como se ele, de tão reconhecível e evidente, nos entrasse de novo pela compreensão adentro.
Tal como na década de 40 do século passado, a Europa encontra-se ocupada. No passado que relembro, um exército expansionista alargava a sua influência territorial, empurrando para as franjas da Europa, quem lhe procurava fugir. A ocupação alemã, na Segunda Guerra Mundial, implicou a movimentação maciça de muitos procuravam novos ares.
Portugal constituía, nos anos 40, uma porta de fuga para um novo mundo, liberto de exércitos e impedimentos, de todos os que eram perseguidos ou apanhados pelos acontecimentos bélicos.
Hoje, um novo exército ocupa os céus da Europa, vindo de norte, fechando à sua passagem os caminhos de ida e regresso de milhares de pessoas. Os pós vulcânicos, tal como antes o havia feito um outro exército, empurram muitos para a Península Ibérica.
dreameu_ani.gifAgora, por mera casualidade, Portugal encontra-se de novo na rota dos que tentam fugir, agora de uma nuvem de pó que ocupa grande parte dos países europeus, nuvem que impede as viagens aéreas.
Como há 70 anos, Portugal apenas os vê passar, gente que contorna obstáculos.
Antes, fugiam da guerra.
Hoje, apenas tentam voar, fugindo de outra nuvem.
Imagens:
daqui
e
daqui.