“Passarão”

Uma nova espécie, na ligação evolutiva entre dinossáurios e aves, foi descoberta na China (Mongólia interior) – o Gigantoraptor erlianensis, em rochas com 85 milhões de anos (Cretácico superior).

O importante da descoberta reside no tamanho deste animal – cerca de 8 metros de comprimento e pesando 1.4 toneladas.
Este animal é evolutivamente surpreendente porque na linha evolutiva dos dinossáurios para as aves se pensava, e todas as formas encontradas até agora o comprovavam, que
existiria uma redução no tamanho entre os dinossáurios e as aves: o Gigantoraptor erlianensis é o exemplo contrário.

Filogeneticamente (ao nível do parentesco) o Gigantoraptor erlianensis é um dinossáurio que pertence grupo Oviraptorosauria – grupo de dinossáurios com penas que raramente ultrapassavam os 40 kg (“O Falso Culpado”). Existiria assim uma ainda maior diversidade morfológica do que até agora se pensava.

Só por si esta nova “aquisição” paleontológica seria motivo de notícia; mas as novidades não ficam por aqui.
Segundo os autores, que efectuaram análises aos tecidos ósseos preservados, este animal apresentava uma taxa de crescimento mais rápido do que os seus “primos” tiranossáurios norte-americanos – Albertosaurus e Gorgosaurus.

Mais uma das dezenas de boas-novas paleontológicas que chegaram da China nos últimos 20 anos.

Estou ansioso pela leitura detalhada do artigo e pelas novidades detalhadas!

P.S.: na segunda imagem a microestrutura óssea com linhas de crescimento anual.

Referência (apenas abstract consultado):
Xu, X., Tan, Q., Wang, J., Zhao, X., and Tan, L. 2007. A gigantic bird-like dinosaur from the Late Cretaceous of China. Nature 447:844-847. doi: 10.1038/nature05849.
Imagem: (Handout/Reuters)

Rápidas e promíscuas

 As chitas (Acinonyx jubatus) constituem um dos animais favoritos dos documentários da vida selvagem.
Graciosas, esguias, tornam-se facilmente em heroínas das novelas da vida selvagem.
Para além disso são, se não o mais rápido, um dos animais terrestres mais velozes – atinge como pico de velocidade 112 km/h.
Esta especialização na velocidade acarretou perda de resistência e de robustez – as perseguições raramente duram mais de 15 segundos e escassas centenas de metros.
Socialmente, as chitas apresentam também algumas peculiaridades. Ao contrário de outros felídeos, em que o território ocupado pelos machos excede os das fêmeas, no caso das chitas as fêmeas são verdadeiras “rainhas” territoriais – no parque nacional do Serengueti verifica-se uma média de 833 km2 para as fêmeas contra apenas 37 km2 para os machos. As estratégias dos machos para a preservação de território passam por associação de vários indivíduos, geralmente grupos de irmãos.
Os imensos territórios ocupados pelas fêmeas, quando comparados com os dos machos, parecem facilitar o encontro de parceiros masculinos.
Para além de terem menos território, os machos apenas contactam com as fêmeas durante a época de acasalamento não contribuindo para a alimentação e protecção das crias.
A análise genética das fezes das crias de chita, no Serengueti, permitiu concluir que em cada ninhada a paternidade é múltipla, ou seja, as fêmeas tinham copulado com vários machos.
Este comportamento, poliandria, pode ser justificado para evitar a morte das crias por parte dos machos que não sejam os progenitores.
Por outro lado aumenta a variabilidade genética, potencialmente favorecedora de vantagens evolutivas na descendência.
A poliandria, parece ajudar igualmente a manutenção das coligações de machos pois, mantendo-se em grupos, terão maiores oportunidades de acasalamento.
O acasalamento das chitas é um fenómeno que raramente foi observado na natureza sendo estas conclusões obtidas indirectamente pela análise do património genético das crias.

Fonte: Gottelli D, Wang J, Bashir S & Durant SM (2007) Genetic analysis reveals promiscuity among female cheetahs. Proceedings of the Royal Society of London B doi:10.1098/rspb.2007.0502

Imagens: http://planet-earth.nnm.ru/dikie_koshki_i_kotyata_chast_5_gepard_remake

PATAS E GENES

Este estudo vem evidenciar que os genes envolvidos no desenvolvimento e aparição evolutiva dos autópodes (partes do esqueleto os carpos, metacarpos, metatarsos, metacarpos e falanges, resumindo, o ossos das “mãos” e “pés” de mamíferos, aves, répteis e anfíbios – os tetrápodes) já se encontravam no património genético há mais tempo do que quando se deu a transição para o ambiente terrestre..

Os estudos paleontológicos em exemplares de transição morfológica entre peixes, anfíbios e animais com verdadeiros membros locomotores deixavam em aberto a possibilidade daquela “revolução” evolutiva se ter dado de uma forma rápida em termos de tempo geológico – ver estudos em Acanthostega, Tiktaalik e Ichthyostega.

Este estudo molecular dos genes Hox (genes fundamentais reguladores do desenvolvimento em diferentes organismos e áreas do corpo, nomeadamente no desenvolvimento do esqueleto apendicular, ie, dos membros) vem mostrar que a “maquinaria” molecular necessária já estava presente. O que faltaria seriam apenas as condições ecológicas necessárias à sua verdadeira expressão.

Voltarei a este assunto mais tarde…

An autopodial-like pattern of Hox expression in the fins of a basal actinopterygian fish

Marcus C. Davis1, Randall D. Dahn1 & Neil H. Shubin1,2 Nature 447, 473-476 (24 May 2007)

Comparative analyses of Hox gene expression and regulation in teleost fish and tetrapods support the long-entrenched notion that the distal region of tetrapod limbs, containing the wrist, ankle and digits, is an evolutionary novelty. Data from fossils support the notion that the unique features of tetrapod limbs were assembled over evolutionary time in the paired fins of fish.

The challenge in linking developmental and palaeontological approaches has been that developmental data for fins and limbs compare only highly derived teleosts and tetrapods; what is lacking are data from extant taxa that retain greater portions of the fin skeletal morphology considered primitive to all bony fish. Here, we report on the expression and function of genes implicated in the origin of the autopod in a basal actinopterygian, Polyodon spathula. Polyodon exhibits a late-phase, inverted collinear expression of 5′ HoxD genes, a pattern of expression long considered a developmental hallmark of the autopod and shown in tetrapods to be controlled by a ‘digit enhancer’ region. These data show that aspects of the development of the autopod are primitive to tetrapods and that the origin of digits entailed the redeployment of ancient patterns of gene activity.

(Figuras : Heredity (2006) 97, 235-243. doi:10.1038/sj.hdy.6800872; published online 26 July 2006 Building divergent body plans with similar genetic pathways B J Swalla; http://en.wikipedia.org/wiki/Image:Fishapods.jpg)

Paleoespeculações

[youtube=http://www.youtube.com/watch?v=kIG0dpTu9-w]

Uma das realidades possíveis se não tivesse existido a extinção…

O Plágio, o Bacalhau e a Rã

(Publicado no jornal O Primeiro de Janeiro a 18/01/2007)
O plágio humano pode ser uma homenagem. Pode ser um reconhecimento. Pode ser agradecimento público. Pode ser feito às claras.
Mas não é nada disso.
É antes uma forma de usurpação do trabalho alheio. Um conceder de auto-indulgência à mediocridade e ao deixa-andar. Um permanecer no contentamento da pasmaceira intelectual.
O acelerar da tristeza da mediania.
O caso de aparente plágio, e digo aparente porque ninguém, à excepção do Provedor do Público o categorizou assim, muito menos o Sindicato dos Jornalistas, levado a cabo pela jornalista Clara Barata, despertou em mim o desejo de procurar exemplos naturais que estivessem relacionados com plágio.
No artigo que escrevi nestas páginas há uns meses e intitulado Falsificações Naturais referi alguns exemplos de cópias e imitações levadas a cabo na Natureza.
Nele referi casos de Evolução Convergente como, por exemplo, os membros anteriores das aves, dos morcegos e dos pterossauros (répteis voadores, parentes e contemporâneos dos dinossauros).

g-morhua.jpgUm dos casos de evolução convergente que agora quero referir compreende proteínas que evitam o congelamento em águas muito frias.
Este tipo particular de glicoproteínas anticongelantes – AFGPs – permite aos peixes sobreviver em águas com temperaturas tão baixas quanto -1,9º C (a concentração de sal na água do mar baixa o ponto de congelação da mesma…).
Existem diferentes tipos de AFGPs que evitam o congelamento a diversos seres vivos – peixes, insectos e plantas – e em 1997 foi publicado no PNAS o caso de dois grupos de peixes filogenética (não-aparentados) e geograficamente distantes que possuem o mesmo tipo de anticongelante.
Este caso de evolução convergente tem como um dos protagonistas o denominado bacalhau do Árctico – Boreogadus saida (parente do bacalhau do Atlântico, Gadus morhua). O outro actor desta história de plágio natural habita o lado oposto do planeta – a Antártida – e dá pelo nome de Dissostichus mawsoni.
O mais interessante da referida publicação científica é o facto destes dois peixes – o do pólo norte e o do pólo sul, se assim os podemos chamar – terem desenvolvido o mesmo tipo de proteína anticongelante apesar de estarem separados quer ao nível da proximidade física quer “familiar”.
Outro facto curioso é de estes investigadores terem concluído que a mesma AFGP se originou por um percurso genético diferente nos distintos grupos bem como em momentos diferentes do passado. No caso do Dissostichus mawsoni do continente gelado do sul entre os 7 e os 15 milhões de anos; no caso do bacalhau do Árctico foi mais recente, há “apenas” 2 milhões de anos. Grupos e locais distintos utilizam as mesmas “armas”!

2123418706_c48a118323_o.jpgA rã do género Dendrobates pode ser uma verdadeira engenheira química. Esta variedade habita a América do Sul e América Central possuindo pele venenosa. Esta toxicidade cutânea tem fundamentalmente dois objectivos: repelir microrganismos que possam atacar a sua pele húmida e, por outro lado, defender-se dos ataques de predadores.
A matéria-prima para esta guerra química provém da ingestão que as rãs fazem quer de formigas, quer de artrópodes. O que investigadores descobriram é que os alcalóides -substâncias químicas tóxicas- não se apresentam na mesma forma em que foram ingeridas. No PNAS de Setembro de 2003, os investigadores relatam que a rã não só é capaz de ingerir os tóxicos como ainda os aperfeiçoa – até cinco vezes mais potentes!
A “maquinaria” celular – enzimas – destas rãs é verdadeiramente notável uma vez que não se limita a fazer “cortar e colar” dos venenos das formigas; melhoram-nos e aprimoram-nos!
Este caso não é plágio do mundo natural e deve servir-nos de referência- aproveitar o que há de bom, modificá-lo e produzir algo de novo.

O aparente silêncio a que a maioria da comunicação social remeteu o referido aparente plágio só me leva a concordar com Clara Ferreira Alves, que na última edição da revista Única do Expresso, escrevia “No mundo dos patrocínios e da subordinação ao economicismo, o jornalismo foi-se diluindo em formas que renegam e abandonam esse corpo de princípios e preceitos que fez o apogeu do jornalismo como quarto poder, e que determinará a sua queda e ascensão tecnológica dos “media” concorrentes.”
Esperemos que não.
Que a Wikipedia e outras formas de massificação da informação nos dias que correm sirvam para que aproveitemos o melhor, o transformemos e criemos algo de verdadeiramente original.

Nota – PNAS refere-se à publicação científica americana Proceedings of the National Academy of Sciences.

Imagens: identificada na primeira e a segunda daqui

9 Mitos/Confusões sobre Dinossáurios/Paleontologia


Tal como temos ideias pré-concebidas em relação à política, ao futebol e à vida em geral, também no campo da Paleontologia é habitual termos concepções que não correspondem ao que a Ciência conhece.
Porque a literacia científica é importante.
1-Os dinossáurios eram animais “estúpidos” – este conceito é, erroneamente, apoiado pelo facto de que se extinguiram. A paleontologia sabe que o grupo de animais designados de dinossáurios foi, em maior ou menor grau, dominante em diversos ecossistemas durante mais de 170 milhões de anos; em termos comparativos o Homem, como espécie, habita o nosso planeta há uns míseros milhões de anos…estúpidos?
Não.
Cumulativamente conhecem-se hoje restos fossilizados de dinossáurio – Troodon – em que a relação tamanho corporal/tamanho craneal é bastante elevada levando os paleontólogos a especular se aquele grupo de animais não possuiria padrões de comportamento bastante desenvolvidos.
2-Steven Spielberg no “Parque Jurássico” foi o primeiro a “utilizar” os dinossáurios no cinema – ao contrário do que geralmente se pensa, a utilização dos enormes animais do Mesozóico não foi uma ideia original de Hollywood. O primeiro filme de animação tinha como personagem principal um dinossáurio saurópode, ou melhor uma “menina” saurópode de nome Gertie. Foi realizado em 1914 por Winsor McCay (também autor da famosa obra “O pequeno Nemo); McCay foi influenciado por uma visita que efectuou ao Museu de História Natural de Nova Iorque, tendo ficado tão impressionado com o Brontosaurus (hoje designado Apatosaurus) em exposição que o decidiu “utilizar” no primeiro filme de animação.
Ao longo da história do cinema contam-se imensos exemplos que integram como personagens os dinossáurios; apenas dois exemplos: “O Mundo Perdido” de 1925 e “Quando Os Dinossauros Dominavam a Terra” de 1970.
3- Os arqueólogos estudam os dinossáurios e os fósseis – tal como não são os paleontólogos que estudam os vestígios da Humanidade em Foz Côa ou no Egipto, também não são os arqueólogos que estudam as formas de vida preservadas sob a forma de fósseis – esse é o trabalho do paleontólogo.
4- Na linguagem do dia-a-dia a utilização das palavras “dinossauro” e “fóssil” estão associados a conceitos ultrapassados – televisão, rádio, jornais e mesmo nas conversas quotidianas veiculam as palavras dinossáurio e fóssil associadas a conceitos de objectos, ideias ou pessoas que estão ultrapassadas, velhas e antiquadas. Apesar de nalguns contextos aquela associação fazer sentido, na maioria dos casos é errada, pois os dinossáurios foram animais excelentemente adaptados aos seus ambientes e constituíram um grupo de sucesso durante muitos milhões de anos (ver ponto 1).
5- Homem e dinossáurios foram contemporâneos – nos exemplos cinematográficos atrás referidos, em obras literárias (“O Mundo Perdido”, “Lost World” no original, de Sir Arthur Conan Doyle) e séries televisivas (“Os Flinstones”, por exemplo), o Homem e os dinossáurios coexistem em ambientes mais ou menos remotos.
Sob um ponto de evolutivo e da História da Vida, esta perspectiva, obviamente, não está correcta. Entre os dois grupos de seres vivos existem um “fosso” temporal de mais de 60 milhões de anos! Os antepassados do Homem moderno, num sentido amplo, terão surgido há cerca de 4 ou 5 milhões de anos, tendo os grandes sáurios desaparecido há 65 milhões de anos.
Mas para efeitos ficcionais o devaneio artístico é bem tolerado…
6- Todos os grandes répteis do Mesozóico eram dinossáurios – embora os dinossáurios dominassem um grande número de ecossistemas não eram o único tipo de fauna.
Dimetrodon, Pteranodon (pterossáurio), e Megalneusaurus (réptil marinho) não eram dinossáurios e são alguns exemplos de outros répteis contemporâneos dos grandes sáurios. Tal como hoje não existem unicamente mamíferos em diversos ecossistemas, também no Mesozóico não existiam só dinossáurios…
7- Os dinossáurios eram voadores e habitavam também os mares – os dinossáurios eram animais exclusivamente terrestres. Répteis como os pterossáurios (voadores) são normalmente confundidos com os dinossáurios; embora parentes próximos, não pertencem ao mesmo grupo. Tendo em atenção que os dinossáurios são os antepassados das aves, então podemos dizer que existiram dinossáurios voadores; mas tendo em atenção essa ressalva…
De maneira semelhante, existiram e desapareceram no mesmo momento grupos de répteis parentes dos dinossáurios que habitavam o meio aquáticos – os ictiossáurios, os plesiossáurios e os mosassaúrios.
8- Todos os dinossáurios eram enormes – embora uma das estratégias evolutivas desenvolvida pelos dinossáurios fosse o aumento de tamanho, conhecem-se actualmente algumas espécies de pequeno porte. Exemplos como Procompsognathus e Echinodon apresentavam tamanho que variavam entre o 1,20 e 1,50.
9- Os mamíferos só apareceram depois de os dinossáurios se extinguirem – os últimos anos têm permitido reformular esta ideia; foram descobertos mamíferos fossilizados na China que transformaram a ideia que os nossos antepassados longínquos eram de tamanho muito reduzido e viviam em poucos ambientes.
O Repenomamus foi descoberto recentemente e permitiu saber os mamíferos apresentavam tamanhos maiores do que se pensava e, mais surpreendente, se alimentavam, sempre que podiam, de dinossáurios! Este facto foi provado quando se descobriu este animal com restos fossilizados de um dinossáurio no seu interior. Podemos, desta forma, perceber que os mamíferos ancestrais não eram inofensivos como se suponha, aproveitavam as oportunidades que a Natureza lhes oferecia…
P.S.- para quem estiver interessado aprofundar os conhecimentos sobre a influência dos dinossáurios na cultura popular pode tentar obter o excelente livro Starring T-Rex: Dinosaur Mythology and Popular Culture publicado pela Indiana University Press e, infelizmente, sem edição em português. Escrito pelo catedrático de Paleontologia e cinéfilo José Luís Sanz, da Universidad Autónoma de Madrid.

(Publicado no jornal O Primeiro de Janeiro a 02/03/2006)

“Falsificações” Naturais


Os Executivos são todos iguais.
Estejamos onde estivermos, conseguimos identificar um quadro importante de uma empresa – o vestuário, o calçado e os adereços são semelhantes. Independentemente das diferentes empresas a que pertencem, percursos de vida, educação e anos de carreira, um executivo transmite uma imagem perfeitamente identificável, estejamos em Nova Iorque, Tóquio ou na Bolsa de Lisboa.
Mas para que utilizo eu uma das imagens de marca do capitalismo?
Tal como os executivos adoptam uma imagem semelhante, a Natureza reproduz formas e funções semelhantes em organismos muito diferentes.
Tubarões e golfinhos, ao nível do seu plano corporal, são muito semelhantes, apesar de um ser um peixe e o outro um mamífero, e estarem separados evolutivamente por 400 milhões de anos.
Tubarões e golfinhos podem ser apontados como exemplos de Evolução Convergente – aquisição independente de características físicas semelhantes por parte de seres vivos muito diferentes.
Existem outros exemplos de Evolução Convergente: os membros anteriores das aves, dos morcegos e dos pterossáurios (répteis voadores, parentes e contemporâneos dos dinossáurios) apresentam formas seme lhantes. Embora de grupos diferentes, separados por milhões de anos de evolução, possuem estruturas anatómicas que lhes permitem (ou permitiam, no caso dos pterossáurios) uma mesma função: voar. A locomoção bípede (somente nos dois membros posteriores) evoluiu convergentemente nos humanos e nas aves – nestas surgiu há mais de 200 milhões de anos, nos seus dinossáurios antepassados; nos seres humanos, a transição para a locomoção bípede, há uns meros milhões de anos…
Os leitores e os pombos partilham, convergentemente, este tipo particular de locomoção com alguns roedores, com os cangurus e com alguns lagartos – facultativamente nestes.
Mas qual o “motivo” da Natureza para organismos tão afastados, em termos evolutivos, apresentem estruturas e funções tão semelhantes?
A primeira justificação passa pelos condicionamentos de design e de eficiência orgânica.
Quem não tem muita paciência para cuidar de plantas em casa conhece os cactos. Estas plantas apresentam formas características, adaptadas aos climas desérticos – forma alongada ou arredondada, sem folhas (para não perderem água) e as folhas que possuem estão transformadas em espinhos e tecidos internos capazes de retenção de água. Mas, onde ia eu?
A maioria dos amantes de cactos não sabe é que… está a ser “traída”! Não possuem cactos (família Cactaceae e originários da América do Norte) mas sim plantas da família Euphorbiaceae. Mas a “traição” é justificável… As plantas que consideramos cactos desenvolveram, pelo fenómeno de evolução convergente, formas idênticas às plantas dos westerns. Vivendo em climas igualmente áridos, mas em África, as Euphorbiaceae necessitaram de adaptar a sua estrutura para evitar perdas de água e…”imitaram” os cactos!
A segunda razão, por detrás da evolução convergente, envolve o sucesso da imitação.
Podemos utilizar um exemplo da cultura humana – a música. Já todos nós constatámos que quando um grupo musical tem sucesso logo aparecem vários outros a o imitar. As condições do mercado e do gosto musical num determinado momento são as certas, de maneira que os imitadores também vingam, por se aproveitarem de um modelo vencedor. Na Natureza, a “imitação” estrutural também funciona de uma maneira equivalente. Por exemplo quer os veados quer os cavalos desenvolveram membros finos e esguios, assentes no desenvolvimento do dedo III (central) e redução dos restantes. Estas adaptações permitiam a optimização da corrida. Quer uns quer outros tinham o mesmo tipo de predadores e, ao longo de milhões, desenvolveram anatomias semelhantes.
A Selecção Natural conduziu espécies competidoras de um mesmo ecossistema por trilhos evolutivos paralelos, pois o sucesso evolutivo estava dependente da economia da forma, da função e do design. Todos nós já constatámos que quando um determinado produto tem sucesso comercial, logo aparecem imitações. É o ritmo da sociedade de consumo.
Ainda bem que não existem patentes na Natureza!
(Publicado no jornal O Primeiro de Janeiro a 16/02/2006)

Tamanho…com tamanho se paga!


Para alguns morcegos a vantagem sexual tem o seu preço – maiores órgãos sexuais, cérebros menores. Complementarmente verificou-se que espécies de morcegos em que as fêmeas são promíscuas, os machos apresentam orgãos sexuais maiores.

Na semana passada foi publicado um artigo (Mating system and brain size in bats. Proceedings of the Royal Society of London, Series B.) que analisou 334 espécies de morcegos (à excepção dos roedores, os morcegos são o grupo de mamíferos mais diversificado) e constatou que os morcegos com maiores cérebros apresentavam testículos mais reduzidos.
Os investigadores referem que esses dois órgãos necessitam de grandes quantidades energéticas para se manterem e renovarem.
Assim as espécies de morcegos necessitam de optar, com vista a atingir um balanço óptimo. Este facto – gestão energética – é fundamental para todos os animais, mas para os morcegos ainda mais. Devido ao seu modo de vida – voam – e apresentam uma grande superfície corporal, devido às membranas alares, as perdas energéticas são muito grandes.
Os investigadores igualmente constataram que em espécies cujas fêmeas eram promíscuas (mais do que um parceiro) os respectivos machos apresentavam maiores testículos. Em espécies em que se verifica a “fidelidade” da fêmea observou-se o inverso.
Curioso é o facto de os cientistas terem previsto que os machos de fêmeas promíscuas devessem ter cérebros maiores, para evitarem serem “enganados”. Verificaram o oposto. Segundo os autores deste estudo a monogamia deverá ser um comportamento mais exigente a nível neurológico do que se pensava.
Não pude deixar de sorrir…

Diz-nos uma das leis da Evolução – Lei de Cope – que os animais têm tendência para aumentar de tamanho ao longo do tempo, dentro de uma linhagem.
A lei de Cope, apesar de ter mais de um século de existência, é actualmente ainda pouco conhecida.
O aumento de tamanho, implícito na Lei de Cope, supõe vantagens evolutivas
Entre as vantagens evolutivas de um maior tamanho contam-se a defesa contra predadores bem como vantagem na predação, maior longevidade, vantagem intraespecífica (entre membros da mesma espécie) e interespecífica (de diferentes espécies), entre outras,
Mas ser grande acarreta também alguns problemas – os animais necessitam de maior tempo de desenvolvimento (quer pré- quer pós-natal), de maiores quantidades de comida bem como susceptibilidade à extinção – como apresentam tempo entre gerações maior têm menor capacidade para se adaptarem a alterações ambientais.

A Natureza não pára de assombrar.
Não a podemos interpretar de forma antropocêntrica, especialmente quando discutimos comportamentos animais.
(Publicado no jornal O Primeiro de Janeiro a 26/01/2006)

Rua Cuvier – Paris


(Publicado no jornal O Primeiro de Janeiro a 29/07/2005)
Durante as últimas duas semanas de Julho encontrei-me a estudar as colecções de dinossáurios do Museum National d’Histoire Naturelle (MNHN) em Paris.
Chamou-me a atenção, desde o primeiro dia que aí cheguei, que o MNHN se encontra limitado pelas ruas Cuvier e Buffon. Aparentemente faz todo o sentido esse enquadramento toponímico uma vez serem aqueles dois dos grandes naturalistas gauleses. Cuvier é considerado actualmente um dos fundadores da Paleontologia de Vertebrados (da qual faz parte o estudo dos dinossáurios).
Georges Cuvier (1769-1832) foi contratado para ensinar anatomia em 1785 por Geoffroy Saint-Hilaire, fundador do MNHN, numa época em este museu oferecia uma série de oportunidades a jovens investigadores. Progrediu academicamente tendo obtido a regência daquela cadeira em 1802.
Dizia-me Daniel Goujet, actual responsável pelas colecções do MNHN, que Cuvier criou uma autêntica linha de montagem de dissecação de animais actuais bem como de fósseis que iam sendo recolhidos e trazidos para o museu. A maioria dos fósseis estudados era de vertebrados da bacia de Paris. A análise das estruturas dos diversos esqueletos, permitiu a Cuvier constatar que existiam estruturas nos organismos que se podiam comparar e estabelecer paralelismos, quer ao nível da origem quer ao nível da função.
Os membros anteriores de uma baleia e de um ser humano têm a mesma estrutura e origem, e apesar de terem diferentes funções, constituem estruturas homólogas. Os organismos podem ser assim relacionados com base na sua estrutura interna. Desta maneira se criou os fundamentos da Anatomia Comparada, campo do conhecimento fundamental na paleontologia. Este conjunto de informações obtidas do estudo das estruturas zoológicas pode ser aplicado ao registo fóssil, permitindo estabelecer relações de parentesco entre a diversidade de fósseis.
Por exemplo se um determinado animal apresenta um conjunto de dentes cuja forma, número e disposição é semelhante ao de um actual roedor podemos afirmar que esse animal do passado deveria ter tido o mesmo tipo de alimentação que o actual. Membros de diferentes animais mas com idênticas proporções permitem afirmar, em termos gerais, que esses animais têm o mesmo tipo de locomoção.
Cuvier devido à sua investigação em Anatomia Comparada permitiu que a Paleontologia de Vertebrados tivesse uma das suas principais ferramentas metodológicas.
Não foi unicamente no campo do estudo anatómico que Cuvier se distinguiu. Até aos trabalhos de Cuvier o conceito de extinção não existia. Cuvier ao estudar os restos fossilizados dos Mamutes europeus e dos Mastodontes americanos conseguiu provar que estes animais estavam relacionados com os actuais elefantes e que se haviam extinguido. Esta inferência pode parecer muito elementar mas foi, naquele tempo, uma verdadeira revolução. A extinção das espécies foi referido na sua obra “Discours sur les révolutions de la surface du globe” publicada em 1812.
Cuvier oferecia assim à Paleontologia o seu objecto de estudo. Aquela obra teve implicações filosóficas e teológicas, já que pressupunha que toda a vida na Terra não havia sido sempre a mesma mas, pelo contrário, tinha sofrido alterações e modificações. Essas alterações, segundo Cuvier, foram consequência de eventos catastróficos na história da Terra, seguidos do aparecimento de novas espécies – tinha sido assim formulado o Catastrofismo.
Cuvier introduzira o conceito de extinção que surgia como consequência de cataclismos naturais e em determinados episódios da história da Terra.
Durante os dias em que percorri os espaços outrora de Cuvier não pude de deixar de esboçar um sorriso amarelo quando verifiquei que as galerias de anatomia comparada em que foram desenvolvidos as metodologias da paleontologia são actualmente ocupadas por gabinetes dos serviços administrativos do MNHN…

(A)casos nas descobertas paleontológicas

(Publicado no jornal O Primeiro de Janeiro a 20/01/2005)

A “caça” do fóssil é o mais fascinante dos desportos.

Apresenta algum perigo, suficiente para lhe dar interesse e provavelmente tanta como a caça grossa praticada por armas modernas; o perigo, no entanto, ameaça só caçador.

Apresenta incerteza, emoção e todos os sentimentos de um jogo, sem nenhum dos seus vícios.
O caçador nunca sabe o que é que vai trazer da sua jorna, talvez nada, talvez uma criatura nunca antes vista perante olhos humanos.

Requer saber, habilidade e uma certa resistência.
E os seus resultados são muito mais importantes, mais úteis e mais duradouros do que nenhum outro desporto!

O caçador de fósseis não os mata: ressuscita-os.

E o resultado desse desporto é acrescentado à soma dos prazeres humanos e aos tesouros do conhecimento da Humanidade.

George Gaylord Simpson (paleontólogo americano 1902-1984)

Uma das perguntas mais frequentes que me surgem no final das palestras sobre dinossáurios e paleontologia é a de “Como são descobertos os dinossáurios?” ou “Como é que sabem onde escavar?“.

Dependendo da faixa etária da assistência a que me dirijo a resposta mais simples e ortodoxa é normalmente a utilizada. Antes de mais os paleontólogos “procuram” nas rochas com idade e características certas. Não procuram dinossáurios em rochas muito recentes (posteriores ao Mesozóico – menos de 65 milhões de anos (MA), data para a extinção daqueles animais); também não fazem prospecção em rochas com características inapropriadas – os paleontólogos não gostam muito de rochas ígneas ou de metamórficas pois não contêm fósseis. Acrescento ainda que depois de termos a idade e características adequadas, a descoberta de um novo exemplar é um trabalho de muita paciência, metodologia e persistência.

Por último, e para animar as hostes, refiro alguns exemplos de grandes descobertas paleontológicas em que estão presente outros factores nunca referidos nas publicações científicas – o acaso, a coincidência ou mais simplesmente uma diferente forma de olhar.

Os designados Xistos de Burgess constituem as rochas das jazidas do Câmbrico médio (540 MA) do Canadá. Esta jazida é de extrema importância a nível evolutivo pois o seu registo paleontológico permitiu que se conhecessem os primórdios da diversificação dos planos corporais dos animais ocorridos no evento chamado a Explosão do Câmbrico. A preservação dos fósseis nesta jazida é tão boa que se identificam os tecidos moles dos organismos. Para uma melhor compreensão da enorme importância evolutiva desta jazida deve ler-se o excelente livro “A Vida É Bela” de Stephen Jay Gould, editado pela Gradiva.
Esta jazida foi estudada desde 1910 pelo paleontólogo americano Charles D. Walcott.
Diz a lenda que, em 1909, o cavalo de Walcott escorregou tendo feito cair um bloco. A atenção do paleontólogo foi desperta, que reconheceu imediatamente que se encontrava perante uma nova espécie – o artrópode Marella splendens.

Entre os diversos exemplares descobertos nos anos seguintes contam-se animais com formas tão exóticas como Anomalocaris, Hallucigenia e Opabinia.Uma das mais importantes descobertas do registo evolutivo dos animais, foi iniciada não de uma forma sistemática mas de uma maneira casual.

Nalguns casos não é sorte mas antes olharmos para as mesmas coisas com outro olhos.

É aceite na prática que pegadas (icnitos) e ossos de dinossáurio não são encontrados simultaneamente nas mesmas jazidas. Este facto é justificado pelas condições necessárias de fossilização (tafonómicas) aos dois tipos de registos serem diferentes. Assim, normalmente quando se prospecciona uma de ossos de dinossáurio (jazida osteológica) não se presta muita atenção aos potenciais restos icnológicos (pegadas) e vice-versa.

Phillip Currie, Curador do Royal Tyrrel Museum do Canadá, contou-me quando estive na Patagónia em trabalho de campo, que por vezes a mesma jazida pode oferecer diferentes tipos de informações. Este investigador liderou diversas expedições à Mongólia, tendo efectuado descobertas importantes ao nível de ossos de dinossáurio. Em 2001 e trabalhando na Formação Nemegt no sul do deserto do Gobi, foram identificadas diversas pegadas de dinossáurios distintos. O curioso é que, para além do próprio Currie, já outros paleontólogos e expedições tinham examinado esta área – desde a década de 50 do séc. XX várias expedições russas, polacas, americanas e canadianas – sem nunca se terem encontrado vestígios de pegadas. Depois da primeira pegada descoberta, foram imediatamente identificadas dezenas!

Dizia-me Phillip Currie que por vezes devemos esquecer as condicionantes prévias e olhar para as mesmas coisas com olhos diferentes.

Para meu desgosto quando se acabam as explicações sobre como descobrir fósseis ou dinossáurios, em particular, fico sempre com a sensação que os exemplos de aleatoriedade que dei são considerados mais como regra do que como excepção…

Imagens: daqui e daqui