Os olhos de Caronte

Errante nas trevas, mergulhada na água fria das grutas, murchou-lhe a visão nos devaneios da Evolução.
Sente as presas pelas ondas que fazem.
Nunca as viu.
Nunca as verá.

P.S. Eurycea rathbuni ; Caronte
Imagens: na imagem e
John Roddam Spencer Stanhope – ” Psyche and Charon” (pormenor) (1883

A Moby-Dick pode esperar…eis o Indohyus!

Whale AncestorA maioria das pessoas desconhece que os cetáceos, grupo a que pertencem as baleias e golfinhos, já foram animais terrestres.
Na sua história evolutiva verificaram-se alterações morfológicas que lhes permitiram um “regresso ao mar”.
Uma das características deste grupo é serem, assim, totalmente aquáticos. Para além deste factor são os maiores animais que já existiram – a baleia-azul, com um máximo na 33 m de comprimento e 190 000 kg de peso, mas podendo ter “apenas” 1,4 m e 45 kg, como a Toninha da Califórnia ou vaquita (Phocoena sinus).
Estes dois extremos do grupo Cetacea colocam várias questões evolutivas importantes, e algumas semelhante às colocadas nos dinossáurios saurópodes: que modificações sofreram estes animais para atingirem tamanhos descomunais? E como se deram esses processos?
Entre as alterações morfológicas verificadas na evolução dos cetáceos contam-se a redução do esqueleto apendicular, a alteração da forma dos dentes e modificações na estrutura do ouvido interno.

INDOHYUS2UM NOVO ELEMENTO NA HISTÓRIA DOS CETACEA
Depois de já anteriormente ter levantado a ponta do véu sobre a história evolutiva dos Cetacea, foi publicado hoje, na revista Nature.
Uma das conclusões deste estudo é o da proximidade de parentesco e semelhanças morfológicas entre o Indohyus (família Raoellidae, pertencente á ordem Artiodactyla) e os cetáceos. Esta descoberta permite inferir que o habitat aquático terá entrado na vida destes animais antes mesmo de surgirem os verdadeiros Cetacea. Este estudo aponta também que a mudança de dieta terá surgido na “transição” dos Artiodactyla para os Cetacea.


INDOHYUS

Outra das questões ainda não totalmente esclarecidas diz respeito à “causa” evolutiva que explique a transição do meio terrestre para o meio aquático destes animais. Alguns autores referem a dieta como sendo o fio condutor dessa “viagem”.
As evidências morfológicas surgem através dos dentes fossilizados deste grupo, que apesar de serem perfeitamente diferenciáveis das espécies actuais não permitem inferir com completo rigor a dieta do animal.

Thewissen 2002

ESMALTE E DIETA
Com o objectivo de averigua o carácter aquático do Indohyus, este novo estudo incorpora a análise da proporção entre os isótopos δ18O e δ13C do esmalte dentário. Estes isótopos são bastante estáveis após a morte do animal e posterior conjunto de fenómenos conducentes à sua fossilização e podem ser, e são, utilizados como um indicador do tipo de dieta do animal em estudo. Por exemplo, o isótopo δ18 do oxigénio revela quer a alimentação quer o tipo de água ingeridas, tendo-se verificado que os valores de δ18 presentes no esmalte do Indohyus eram inferiores aos dos mamíferos quer terrestres quer semi-aquáticos, do Eocénico.
Este facto permite inferir que este animal viveria num ambiente aquático, embora não se podendo afirmar se exclusivamente.
Apesar de passar muito tempo dentro de água, alimentar-se-ia também de vegetação em terra, um pouco à semelhança do que acontece com o hipopótamo.
A análise morfológica dos ossos encontrados e da composição química do esmalte dentário permite aos paleontólogos afirmar que o Indohyus não era um nadador exímio, tendo provavelmente vivido em ambiente aquáticos de pequena profundidade, com os membros assentes ou semi-assentes no fundo. Este animal alimentava-se também em terra, embora este estudo aponte a possibilidade de uma dieta aquática.

INDOHYUS1

TIPOS LOCOMOÇÂO AQUÁTICA DOS “VELHOS”
CETACEA

Se os modernos cetáceos apresentam formas muito semelhantes de locomoção aquática, o mesmo não se pode afirmar dos seus directos antepassados directos. No Eocénico (entre os 55 e os 34 milhões de anos atrás) os cetáceos apresentavam diversas morfologias corporais e consequentes modos distintos de natação que iam do balanço da barbatana caudal (nos Dorudontidae, semelhantes a golfinhos) até ao simples “remar” com os quatro membros (nos Pakicetidae).

GOULD

Stephen Jay Gould descreveu grande parte das “peripécias” paleo-cetáceas no seu ensaio mensal na revista do American Museum of Natural History “Natural History”, em 1994. O artigo “Hooking Leviathan by Its Past”, foi compilado no livro “Dinosaur in a Haystack”, editado em Portugal pela Gradiva, mas não me recordo do título…

 

REFERÊNCIAS

Gingerich PD, Arif M, Bhatti MA, Anwar M, Sanders WJ. 1997. Basilosaurus drazindai and Basiloterus hussaini, new Archaeoceti (Mammalia, Cetacea) from the middle Eocene Drazinda Formation, with revised interpretation of ages of whale-bearing strata in the Kirthar Group of the Sulaiman Range, Punjab (Pakistan). Contrib. Mus. Paleontol. Univ. Mich. 30:55-81
Gingerich PD, Haq M, Zalmout IS, Khan IH, Malkani MS. 2001. Origin of whales from early artiodactyls: hands and feet of Eocene Protocetidae from Pakistan. Science 293:2239-42
Gingerich PD, Raza SM, Arif M, Anwar M, Zhou X. 1994. New whale from the Eocene of Pakistan and the origin of cetacean swimming. Nature 368:844-47
Gingerich PD, Smith BH, Simons AL. 1990. Hind limbs of Eocene Basilosaurus: evidence of feet in whales. Science 249:154-57
Gingerich PD, Wells NA, Russell DE, Shah SMI. 1983. Origin of whales in epicontinental remnant seas: newevidence from the early Eocene of Pakistan. Science 220:403-6
Thewissen, J. G. M. & Williams, E. M. 2002. THE EARLY RADIATIONS OF CETACEA (MAMMALIA): Evolutionary Pattern and Developmental Correlations. Annu. Rev. Ecol. Syst. 2002. 33:73-90
Thewissen, J. G., L. N. Cooper, M. T. Clementz, Sunil Bajpai, and B. N. Tiwari. Whales originated from aquatic artiodactyls in the Eocene epoch of India. Nature 450: 1190-1194.

IMAGENS – Carl Buell; Thewissen, J. G. M. et al. 2007; Thewissen, J. G. M. & Williams, E. M. 2002; Thewissen, J. G. M. et al. 2007.

VIDEO

Seca e venenosa

Comentário torpe da minha parte: se o artigo tivesse laivos de português de telemóvel, o nome da nova espécie seria mais que redundante: “Ei malta, ashei mais uma Naja!!”

Uma nova espécie de cobra-cuspideira (a maior) do Quénia, Naja ashei, foi apresentada ao mundo. Até há pouco tempo pensava-se que esta recém-baptizda constituiria apenas coloração diferente da Naja nigricollis mas análises do ADN mitocondrial revelaram ser este réptil uma nova espécie.
Seja bem vinda senhora Naja ashei!
Referência: Wüster, Wolfgang & Broadley, Donald G. (2007): Get an eyeful of this: a new species of giant spitting cobra from eastern and north-eastern Africa (Squamata: Serpentes: Elapidae: Naja). Zootaxa 1532: 51-68. (PDF grátis)

A REVISTA DO ANIMAL MODERNO

(Publicado no jornal O Primeiro de Janeiro a 13/12/2007)
Devido a inúmeras manhãs passadas a folhear e fatigado pelas revistas de fim-de-semana dos jornais portugueses, ocorreu-me lançar o número 0 de uma publicação exclusivamente dedicada ao “Animal Moderno”.
Com secções similares a tantas outras revistas absolutamente para “encher-chouriços”, a “Revista do Animal Moderno” contará no seu número de estreia com os seguintes artigos:

EVASÕES
– Migrar – prós e contras das viagens – o outro lado de viajar em bando.
– Como evitar os engarrafamentos do Serengeti.

COMPORTAMENTO/VIDA AMOROSA
Albatroz – manter viva a chama ao fim de mais de 20 anos a amar o mesmo bico.
Ame o mesmo, viva mais tempo.
Na ordem Procellariiformes a que pertence o albatroz, foi identificada uma relação entre longevidade e fidelidade masculina.
Esta ordem de aves é a que apresenta maior longevidade. Em aves de grande longevidade, a fidelidade masculina aumenta com a idade provavelmente devido ao facto que a aparência se degrada com a idade sendo sendo, assim, mais difícil conseguir uma nova parceira.
Espécies de aves com baixas longevidades apresentam valores de fidelidade masculina mais baixas pois a percentagem de “viúvos” é alta. Esses indivíduos têm grandes possibilidades de voltar a acasalar.

Entrevista a António, Lobo Ibérico (Canis lupus signatus) – como não perder a posição Alfa de liderança na sua matilha.

TENDÊNCIAS DE MODA/VAIDADES
Pelagem para este Inverno – o branco fica sempre bem…
Mudas de pele em répteis – como e quando fazer
Entrevista ao pavão

DECORAÇÃO
Ideias para tocas esconsas ou como optimizar o espaço do seu covil diminuto.
Etapas na escolha do seu primeiro ninho.
Gangues de jovens machos – etapas até ter o seu primeiro harém. Um olhar sobre a difícil etapa da passagem à vida adulta.

SAÚDE
Regeneração de membros – maravilhas de anfíbios, esperança para mamíferos.

GADGETS
Ecolocalização, as últimas versões – testámos o morcego e o golfinho.

GOURMET/RECEITAS
Necrófagos – mais slow-food que isto é impossível.
Carnívoros – adicione vegetais às suas presas e obtenha uma vida mais saudável.

Imagens – links nas mesmas.

Sornas e viagens espaciais

(Publicado no jornal O Primeiro de Janeiro a 01/11/2007)
Apesar de muito desejada, a hibernação não passa de um desejo inatingível pelos humanos. Já demos por nós, várias vezes e em alturas de maior cansaço, a cobiçar dormir por vários dias. Desligar e apenas descansar. Passar pelas brasas de forma longa e continuada.
Mas a hibernação é muito mais do que um simples dormir.
Pode definir-se como um estado em que o animal tem uma substancial redução quer na temperatura corporal quer nos gastos energéticos bem como na taxa cardíaca. A redução térmica verificada em animais que hibernam pode atingir mínimos de 5ºC – temperatura semelhante ao interior de um frigorífico, na zona dos vegetais.
A redução de gastos energéticos nos animais que hibernam pode atingir o 1% do habitual embora o mais habitual sejam reduções energéticas para níveis dos 10-20% do normal.
Era tão bom poder, da mesma forma, entrar em “hibernação” de despesas …
Os animais que utilizam esta estratégia fisiológica fazem-no com diversos objectivos: sobreviver em locais que apresentem Invernos com temperaturas muito baixas e/ou em alturas do ano em que a disponibilidade de alimentos seja baixa.
Previamente à hibernação verifica-se grande consumo alimentar pois os animais pretendem acumular gordura com vista à época de carestia que se avizinha.
Mais uma vez o paralelismo para a sociedade humana poderia ser estabelecido…

Um estudo, a ser publicado em Novembro, refere que um marsupial é capaz de hibernar mais de um ano; concretamente foram 367 dias em letargia fisiológica.

O Cercartetus nanus alimenta-se de néctar e insectos sendo arborícola, i.e., habita nas árvores, de zonas quentes e húmidas do sudoeste australiano. Ao contrário da maioria de outros mamíferos que hibernam para fazer face a baixas temperaturas, o Cercartetus fá-lo quando a carência alimentar surge pelas imprevisíveis condições climatéricas australianas. Este animal apresenta uma enorme capacidade de armazenamento alimentar, sob a forma de gordura, que lhe proporciona, em qualquer altura do ano, entrar em torpor fisiológico.

Contrapondo-se aos registados 367 dias do Cercartetus já tinha sido observado um período de 342 dias em Zapus princeps, um roedor norte-americano.

Poderá questionar-se o leitor sobre o interesse prático destes recordes de inércia…
Para além do conhecimento da diversidade de estratégias no mundo animal, o estudo dos mecanismos fisiológicos utilizados por estes animais poderá contribuir para que viagens espaciais muito longas (até Marte, por exemplo) sejam feitas pelos astronautas em condições parecidas. A redução da actividade fisiológica possibilitará que a viagem seja feita de maneira mais confortável bem como, factor fundamental em viagens espaciais, reduzir as reservas de alimentos, água e oxigénio necessárias a tão longa viagem.
Para ajudar neste processo investigadores da Universidade da Carolina do Norte descobriram dois genes responsáveis pela regulação, em esquilos, de como os organismos usam as reservas energéticas. Estes genes, apesar de envolvidos noutros processos, estão também presentes nos seres humanos.

Referências:
Andrews, M. T., Squire, T. L., Bowen, C. M. & Rollins, M. B. 1998. Low-temperature carbon utilization is regulated by novel gene activity in the heart of a hibernating mammal. Proc. Natl. Acad. Sci. USA Vol. 95, pp. 8392–8397.
Geiser, F. Yearlong hibernation in a marsupial mammal. 2007. Naturwissenschaften 94:941–944
Geiser, F. 2004. Metabolic rate and body temperature Reduction during hibernation and daily torpor. Annu. Rev. Physiol..66:239-274.

Imagens: primeira imagem Cercartetus nanus – essa e as outras – links nas fotos

Opção ou como já foi a segunda figura do Estado

Fui chamado à atenção da resolução Conselho da Europa “The dangers of creationism in education (Doc. 11375)”, a qual teve o seguinte resultado, em que destaco os deputados portugueses:
João Bosco Mota Amaral votou contra;
-Maria Manuela Melo e Ana Catarina Mendonça votaram a favor.

Caro Senhor ex-Presidente da Assembleia da República, João Bosco Mota Amaral,
Não me revejo de todo na sua posição.
Apesar de ter sido a segunda figura do estado português de 2002 a 2005, sinto vergonha pelo sentido de voto na referida resolução do Conselho da Europa.
Mais vergonha sinto por um português ter integrado as “fileiras” criacionistas – espero que de forma involuntária.

No meio das claques…

(Na sequência de um post que publiquei e a que a Palmira F. Silva fez referência fui apelidado, por um blogger anónimo, de “…(e agora até liga outros) blogs anti-religião.”)

Caro anónimo(s) jonatasianos e criacionistas menos derivados,

Raramente vos comento em matérias que não envolvam a minha área de trabalho.
Não poderia, no entanto, deixaria de vos dizer o seguinte:
-com agrado, fundado apenas na ignorância de pessoas por quem nutro desacordo intelectual, verifiquei que os epítetos à minha pessoa entraram num campo original – apelidarem-me de anti-religioso.
-poderia tecer considerações sobre a minha religiosidade ou a inexistência dela mas seria, na minha opinião, revelar pormenores pessoais que somente a mim dizem respeito – não conhece quem quer, apenas quem a isso está disposto – e Vossas Excelências não merecem tal agrado.
-é com satisfação que vejo que não largaram as dicotomias argumentativas a que, habitualmente, se recorrem – ou pró-criacionismo ou anti-religioso.
Deverei, por analogia e no mesmo nível de raciocínio, perguntar-vos que se for pró-Beira-Mar serei um esconjurado anti-Académica? Pois então sim! Venham de lá essas capas da Briosa inundar os meus ovos-moles beira-maristas!!

E quanto ao Sumol? Prazenteiros consumidores de Sumol de ananás inibirão a consulta de blogs pró-Sumol de laranja?

Se ser anti-religioso é pactuar intelectualmente com as atoardas, ignorâncias voluntárias e maniqueísmos de Ciência vs Religião, pois que seja.

Prefiro partilhar o Inferno com os primos Pan troglodytes que o Céu com exemplares Homo sapiens como vós.
Ao menos sei o que move os meus primos – felicidade, seja a procriar, comer ou o que for.
A vós o que vos move? A felicidade dos outros?
Duvido.
O medo. A ignorância. A manipulação deliberada.
A mim move-me procurar a minha felicidade e a dos outros.
Se passar pela religião, que passe.
Se não passar, deixai-a.
O que vos digo é o mesmo que digo a quem critica a religião alheia: não voltareis a provocar que sinta tristeza por pertencer ao mesmo género e espécie que vós.
Ignoro-vos. Ou melhor, tento.

Luís Azevedo Rodrigues

O mar e as entranhas – histórias de bactérias

(Publicado no jornal O Primeiro de Janeiro a 12/07/2007)
A escuridão é total. Mas há vida.
Não poderíamos viver nestes ambientes. Mas conhecemo-los.
Ou partes dele.
O fundo do mar.
O nosso sistema digestivo.
O grande desconhecido que é o profundo marinho tem equivalências no invisível interno humano.
O PNAS*, de 5 de Julho de 2007, publicou um estudo sobre a vida microscópica, onde se relacionam os dois ambientes, com personagens que estão mais relacionadas do que até aqui se imaginava.
Quer o sistema digestivo quer o fundo do mar são ambientes inóspitos – escuros e com baixas concentrações de oxigénio.
Ainda assim estão repletos de bactérias.

Sulfurovum litthotrophicum, descrita em 1984, e Nitratiruptor tergarcus são duas espécies de bactérias do grupo ε-Proteobacteria, que habitam o fundo do mar. Sobrevivem a temperaturas comos as que temos no frigorífico lá de casa, 4º C, até aos 70º C. Vivem ambas no substrato marinho de grandes profundidades obtendo energia através da fixação de azoto provenientes de fontes hidrotermais. São consideradas das mais resistentes formas de vida, pois conseguem sobreviver naqueles ambientes adversos, onde as temperaturas podem atingir mais de 100º C, a profundidades, como no caso da fonte hidrotermal “Menez Gwen” dos Açores, de 1700 m.
Apesar da enorme resistência daquelas bactérias em ambiente natural, só recentemente foram cultivadas em laboratório permitindo que fossem estudadas mais detalhadamente.

O outro grupo de bactérias que ninguém gostaria conhecer, pelo menos na prática ocupa, com maior ou menor frequência, o nosso sistema digestivo.

A Helicobacter pylori, descoberta em 1982, está presente em metade da população mundial, sendo a causadora da inflamação da mucosa do estômago bem como das úlceras gástricas e do duodeno. A descoberta desta relação concedeu, em 2005, o prémio Nobel da Medicina a Barry Marshall e J. Robin Warren.
O minúsculo ser vivo acompanha a espécie humana desde há muito num fenómeno coevolutivo, facilitado pela sua grande variabilidade genética.
Segundo investigadores do Instituto Max Planck em Berlim, a Helibobacter tem sido transmitido de pais para filhos desde a nossa ancestral saída de África.
Reconstruindo a árvore evolutiva desta bactéria, foi possível identificar dois grandes ramos – um que infecta os europeus e norte-americanos e outro que afecta sobretudo os asiáticos. Essas duas linhagens estão associadas às migrações humanas, permitindo reconstituir essas antigas movimentações.
Outro dos géneros de bactérias patogénicas analisado foi o Campylobacter jejuni, responsável por intoxicações alimentares nomeadamente a gastroenterite. Os ambientes favoritos para a sua disseminação são leite cru ou mal pasteurizado, aves mal cozinhadas e água não tratada (líquida ou em gelo).

A equipa de investigadores procedeu à análise do ADN presente nas bactérias que partilham o nosso ambiente digestivo – Helicobacter e Campylobacter – e o das bactérias das profundezas marinhas – Sulfurovum e Nitratiruptor.
Os dois grupos de bactérias apresentaram afinidades genéticas, que lhes possibilitam viverem em ambientes hostis. Entre as semelhanças estão a quase ausência de genes de reparação do ADN. Este facto permite não só a grande adaptação destes seres vivos a novas condições extremas, mas também ao próprio sistema de defesa de um organismo hospedeiro.
Segundo os investigadores, as bactérias humanas evoluíram a partir de ancestrais de grande profundidade, adquirindo o seu “mau-feitio” quando estabeleceram relações simbióticas com invertebrados marinhos.
Não era novidade que tínhamos todos uma origem marinha.

Foi de lá que viemos.
O profundo marinho e o sistema digestivo humano partilham coincidências evolutivas.
O sistema digestivo humano serve de mar a uma variedade de fauna microscópica; sabemos agora que parte dessa fauna tem parentes próximos nos fundos marinhos.

* Proceedings of the National Academy of Sciences


Referências consultadas

-Inagaki, F. et al. 2004. Sulfurovum lithotrophicum gen. nov., sp. nov., a novel sulfur-oxidizing chemolithoautotroph within the ε -Proteobacteria isolated from Okinawa Trough hydrothermal sediments. International Journal of Systematic and Evolutionary Microbiology, 54, 1477-1482.
-Nakagawa, S. et al. 2007. Deep-sea vent ε-proteobacterial genomes provide insights into emergence of pathogens PNAS published July 5, 2007, 10.1073/pnas.0700687104.
-Nakagawa, S. et al. 2005. Nitratiruptor tergarcus gen. nov., sp. nov. and Nitratifractor salsuginis gen. nov., sp. nov., nitrate-reducing chemolithoautotrophs of the -Proteobacteria isolated from a deep-sea hydrothermal system in the Mid-Okinawa Trough. International Journal of Systematic and Evolutionary Microbiology, 55, 925

Pinguim…gigante!

Julia Clarke ainda deve estar a pensar que tem que adiar o seu livro da história de culinária – uma das muitas ideias, aparentemente absurdas, que trocávamos enquanto fumávamos no telhado do American Museum of Natural History, em Nova Iorque.
É que a nova espécie de pinguim – Icadyptes salasi – que agora descreveu não lhe deve ter deixado muito tempo livre.
Este novo “cromo” tinha 1,5 m de altura e viveu (há 36 milhões de anos) muito mais a norte do que os seus “primos” contemporâneos – na costa do Peru.
Para além de ser uma nova espécie com um tamanho muito apreciável (apesar de mais pequeno que o Anthropornis nordenskjoeldi , com1,7 m de altura e 90 kg de peso) viveu numa zona desértica, num período da história em que a Terra era bastante mais quente do que é actualmente.

Estas novas aquisições da biologia terrestre provocam que os paleontólogos tenham que rever a história evolutiva dos pinguins – a migração para norte, que se pensava ter ocorrido entre 6 e 8 milhões de anos atrás, iniciou-se há mais tempo.
O membro mais antigo do grupo dos pinguins viveu, no que é hoje a Nova Zelândia, há 61 milhões de anos.
Para além do “gigante” Icadyptes salasi foi descoberta outra nova espécie – Perudyptes devriesi – que era um pouco mais antigo – data de há 42 milhões de anos e de tamanho semelhante ao pinguim-rei.

Apesar de ambas as espécies estarem adaptadas a climas quentes, este facto não significa que alterações climáticas não tenham um impacto negativo nas espécies actuais, refere Julia Clarke ao jornal The Guardian.

Imagem – Icadyptes salasi e Perudyptes devriesi
Fonte – AP
Referências
Edição on-line da revista Proceedings of the National Academy of Sciences, de 25 de Junho de 2007.

Equilíbrio Pontuado

As relações amorosas sofrem do mesmo mecanismo que a Evolução das Espécies – Equilíbrio Pontuado.
Permanecem estáveis e imutáveis durante muito tempo – Estase.
Depois, e em períodos muito curtos, alteram-se e surgem novas relações.
E espécies.