Sereias existem? O documentário
Meu padrasto é um homem muito inteligente e uma conversa sempre agradável. Parte dessas conversas, pelo menos comigo, tem por enredo documentários que ele adora assistir na TV a cabo. Esses tempos estávamos conversando e ele me contou de um documentário sobre sereias que o deixou muito intrigado.
No filme “Sereias, o corpo encontrado” o biólogo marinho Brian McCormick, funcionário da National Oceanic and Atmospheric Administration (NOAA), descobre um som diferente, que eles denominam bloop, através de microfones submarinos. Sua equipe sai então em busca de mais evidências quando começa a ter contratempos com a marinha americana em casos de encalhes de baleias. Na África do sul um animal não identificado é encontrado no conteúdo estomacal de um tubarão branco. McCormick não só relaciona esse corpo aos bloops que seu microfone gravou, mas também o identifica como uma sereia, um hominídio semi-aquático produtor de ferramentas e que se comunica usando sons, um canto, inclusive compreensíveis por outros mamíferos aquáticos.
Nunca fui muito fã de documentários de história natural, mas acho que o Discovery Channel exagerou dessa vez. O estilo tem até um nome: Mockumentary, uma fusão das palavras mock (imitar) e documentary (documentário); e não é o primeiro exibido pelo canal que já levou ao ar “Dragões, uma fantasia real”. O próprio canal deveria usar um disclaimer mais enfático avisando ser uma brincadeira (parece que no início do vídeo aparece algo avisando tratar-se de ficção científica). Fiz uma pesquisa mais aprofundada para apresentar a vocês. Vamos às minhas evidências:
1) Não há nenhum artigo científico sobre biologia marinha publicado por Brian McCormick.
2) Também não há nenhum artigo apresentando o Bloop produzido por qualquer mamífero marinho. Mas, como o Willy me alertou, o som existe e pode ser escutado aqui. Obrigado pelo comentário!
3) O IMDb traz a lista de atores que integram o elenco do filme, entre eles Sean Michael no papel de Brian McCormick. O ator também estrelou papéis importantes como o do policial em “Esqueceram de mim 4”!
4) A própria emissora emitiu uma nota de imprensa afirmando que o programa é de ficção científica baseada em alguns eventos reais e hipóteses científicas. A própria NOAA veio a público afirmar que sereias, até o momento, existem apenas no imaginário humano.
Desbancada a farsa, fica meu sentimento de que, com tanta realidade encantadora para descrever nesses canais, para que enganar a audiência? Ainda conhecemos muito pouco dos nossos oceanos e até hoje espécies novas de baleia são descobertas, então não me surpreenderia se um dia descobríssemos sim algo como uma sereia. Que fique claro, no entanto, que até o momento não existe evidência nenhuma da existência desses seres.
Os camundongos inconformados
Naquela manhã, no consultório psicanalítico…
A doutora aguardava dois clientes camundongos, mas estava preocupada mesmo era com a reação da secretária. Sua última ajudante ficou apavorada quando um cliente antigo, um ratão do banhado que tinha medo de água, entrou na sala de espera. Ela sempre achara simpática a cara daquele animal, mas concordava que o rabo era repugnante.
A primeira cliente já aguardava na antessala. Uma mãe de oito camundonguinhos de olhos fundos e mamas inchadas de devoção pelos seus filhotes se queixava do parceiro que não a ajudava.

Fêmeas de camundongo pedem ajuda para cuidar da prole a seus parceiros usando feromônios e ultrassons. Fonte: eurekalert.org
-Para mim, doutora, a demonstração maior da inutilidade dos machos são aqueles mamilos. Usaram tão pouco que perderam a função! Por mim eles todos podiam cair em desuso e desaparecer que não fariam falta.
-Não seja tão lamarckista. – Interpelou a doutora.
-Extremista?
-Lamarckista. Deixa para lá. Você já pediu a ajuda dele para cuidar das crianças?
-É claro que sim.
-Mostre para mim como você falou com ele. Finja que sou seu marido e me peça ajuda. – Sugeriu a terapeuta usando a técnica do espelho.
-Ora, doutora. Eu pedi. Ah, não sei. Falei mais ou menos assim… Bom, ele nãos está vendo como estou sobrecarregada? Não acho que eu precisasse falar. O que é? Ele queria participar só na hora de fazer a ninhada? Não é justo! Ele fica lá só metido nas coisas de macho dele e não olha para mim. Não colabora. Esquece as minhas necessidades e as dos filhos dele. Nem parece que moramos na mesma cuba do mesmo biotério.
– Você tem razão, mas se não contar para ele que precisa de ajuda não pode exigir que ele adivinhe. Machos são menos inclinados a cuidar da prole mesmo, especialmente em mamíferos como você. Você tem que pedir ajuda do jeito certo.
-Que jeito é esse? – Perguntou a roedora arregalando os olhinhos escuros, mexendo de leve as orelhinhas arredondadas e eriçando as vibrissas.
-Bom, primeiro você precisa liberar feromônio e então emitir vocalizações ultrassônicas. Uns 38 kHz são suficientes.
-ASSIM?!?-Gritou estridentemente a Sra. Mus fazendo tremer os vidros do consultório e levando a analista a tampar os ouvidos, mas num tom que você e eu não escutaríamos.
-Isso, mas não precisa ser tão alto, só agudo. Agora vá para casa e semana que vem você me conta no que deu. – A doutora encerrou a seção encaminhando a primeira cliente até a porta e já chamando o segundo, um camundongo macho de outra espécie. Ao se cruzarem na sala de espera a cliente anterior lançou-lhe um olhar cheio de ressentimento que a ela pareceu cabido contra camundongos machos, mas deixou-o sem entender nada.
-Doutora, toda minha vida imaginei a casa dos meus sonhos. A mais linda da ravina. Localização e tamanho de cada cômodo, portas, janelas e corredores amplos. Sonhava em deixar aquelas tocas tradicionais para trás, viver numa casa aconchegante e cheia de personalidade, a minha personalidade. Desde que me lembro vivo em tocas exatamente iguais, um longo corredor de entrada, uma câmara central e um corredor de fuga quase até a superfície para o caso da invasão de um predador. Meus pais vivam assim, meus avós paternos e maternos viviam assim. Queria sair desse ciclo. – Queixava-se o camundongo deitado no divã. – O problema é que, agora que chegou a minha hora de realizar o sonho, fazer minha própria toca, não consigo abandonar o paradigma. Estou construindo os mesmos túneis estreitos e longos, câmaras e saídas de emergência de meus ancestrais.
-É comum reencenarmos coisas do passado, Sr. Peromyscus…
-Eu sei, doutora. É aquela história freudiana de recordar, repetir e elaborar os traumas. Né? – interrompeu o roedor.
-Não exatamente. Aí o que está acontecendo é que suas tocas são influenciadas pelos genes. Você herdou essa conformação de toca de ambos os seus pais, portanto tende a repeti-la.
-Mas, doutora, os genes controlam até isso? Não é determinismo demais? – Perguntou o cliente franzindo as sobrancelhas e apertando a boca até quase fazer sumir os longos incisivos.
-Compreendemos ainda muito pouco sobre o papel dos genes no comportamento e sua modulação, mas parece que no caso da sua toca você está geneticamente condenado a repetir a morada dos seus pais. Até as três sequências genéticas que indicam o comprimento do túnel de entrada e a sequência que indica a presença da saída de emergência são conhecidas para a sua espécie. – Sentenciou a psicóloga.
Despediram-se na porta do elevador, o camundongo se esgueirando ligeiro pelo canto do corredor, resignado e mudo. Enquanto isso a doutora pensava como todos nós temos dificuldade de lidar com a realidade. Dois camundongos tão diferentes, mas tão semelhantes. Um quer mudar o parceiro, o outro o lar. Somos todos inconformados. O que não é de todo mau, já que esse inconformismo nos move.
Liu, H., Lopatina, O., Higashida, C., Fujimoto, H., Akther, S., Inzhutova, A., Liang, M., Zhong, J., Tsuji, T., Yoshihara, T., Sumi, K., Ishiyama, M., Ma, W., Ozaki, M., Yagitani, S., Yokoyama, S., Mukaida, N., Sakurai, T., Hori, O., Yoshioka, K., Hirao, A., Kato, Y., Ishihara, K., Kato, I., Okamoto, H., Cherepanov, S., Salmina, A., Hirai, H., Asano, M., Brown, D., Nagano, I., & Higashida, H. (2013). Displays of paternal mouse pup retrieval following communicative interaction with maternal mates Nature Communications, 4 DOI: 10.1038/ncomms2336
e
Weber, J., Peterson, B., & Hoekstra, H. (2013). Discrete genetic modules are responsible for complex burrow evolution in Peromyscus mice Nature, 493 (7432), 402-405 DOI: 10.1038/nature11816
Cinquenta tons de cinza, uma abordagem evolutiva
O inegável fenômeno editorial Cinquenta tons de cinza, de E. L. James, tem batido recordes de vendas. Seu sucesso, em especial entre as mulheres, é, no entanto, previsível. Ele reflete a natureza humana com precisão. O livro é recheado do que há de mais adequado ao papel sexual feminino desde muito antes do surgimento do Homo sapiens.
Sempre me interessei por literatura erótica, descobrir um título novo me chamou a atenção logo no início. Me adiantei e baixei na Amazon a amostra grátis para Kindle, ainda em inglês. Para quem ainda está por fora, a narrativa descreve o romance entre o bilionário-poderoso-autoritário-lindo-bem sucedido-e-perturbado Christian Grey e a jovem atrapalhada e inexperiente Anastasia Steele. Desde muito cedo na trama a jovem se sente atraída pelo galã, com quem inicia um relacionamento sadomasoquista cheio de reservas, mistérios e clichês.
Não sei se diria que se trata de um livro erótico, essa foi a primeira coisa que me surpreendeu. O livro começa em ritmo de comédia romântica à la Marian Keyes sobre o interesse crescente de Anastasia e suas dúvidas sobre a reciprocidade de Grey. Li até o sétimo capítulo, terminou a amostra à qual tinha direito no Kindle e nada da ação esperada para um livro dito erótico. Fiquei entre o desapontamento e a curiosidade (o primeiro mais forte do que o segundo, claro, senão teria comprado o e-book inteiro) até pegar emprestado com uma aluna a versão traduzida, aí tive minha segunda surpresa.
Surpreendi-me em seguida porque, depois de quarenta anos de revolução sexual, esperava que um livro erótico com tanto apelo para o público feminino tivesse sintonizado com as conquistas feministas. Cinquenta tons de cinza não relata aspirações feministas. Relata, sim, aspirações femininas. De todas as fêmeas, inclusive as que eu julgo entender melhor, que são as fêmeas não-humanas.
Anastasia Steele é uma fêmea jovem e fértil, apesar de ter dúvidas sobre sua qualidade enquanto parceira reprodutiva. Ela sabe do valor de seus gametas. Ah sim, óvulos preciosos e raros. Por isso, até os 21 anos, guardou-os muito bem, não confiando a nenhum macho de sua espécie a mais remota possibilidade de aproveitar-se deles. Ana sabia que seus óvulos valiam algo mais, eles deveriam trazer benefícios a ela. Foi aí que a mocinha conheceu Christian Grey.
Christian é um macho alfa: Poderoso, bilionário e sedutor. Ao primeiro contato ela percebe que aquele macho pode lhe prover todo o valor de seus caros óvulos. Ele sim tem muito mais a trocar do que os irrisoriamente baratos espermatozoides oferecidos pelos colegas de subemprego ou de faculdade. Fêmeas de babuíno trocam seus óvulos pela proteção do macho alfa contra agressões. Fêmeas de alguns algumas aranhas trocam seus óvulos por alimento de qualidade oferecido pelo macho. Fêmeas do peixe joaninha trocam seus óvulos por um lar que o macho construiu. Anastasia Steele trocaria os seus por tudo isso!

Presente nupcial, o objeto branco no abdômen da fêmea é um alimento nutritivo dado pelo macho que, assim, aumenta suas chances de acasalar. Fonte: abc.net.au
No entanto, machos opressores não são opressores só com os outros. Essa dominação se repete na alcova. Pássaros caramanchão repetem para suas fêmeas durante a corte o mesmo tipo de movimento agressivo que usam para intimidar rivais. Tubarões brancos mordem suas parceiras para se segurar a ponto de deixar lacerações profundas no dorso. Patos imobilizam a fêmea antes de copular. Bandos de golfinhos nariz de garrafa encurralam uma fêmea e se alternam em copular com ela. Christian Grey, quando finalmente começam as passagens picantes do livro lá pela centésima página, se diverte causando dor e subjugando suas parceiras. Ok, ela adora e consente tudo no clima de envolvimento em que se encontra. Ainda assim o custo da segurança que Grey oferece a Ana é a agressão.
Igualdade entre os sexos, qual o que? A Anastasia Steele que existe em cada leitora quer o mesmo príncipe encantado de sempre: poderoso, provedor e que a admira, mesmo que a subjugue de alguma maneira. Assim como todas as fêmeas do mundo animal, as de nossa espécie também buscam o merecido valor por seus caros gametas femininos, custe o que custar. Se animais pudessem ler, Cinquenta tons de cinza venderia muito mais, porque sua narrativa vai direto ao que as fêmeas esperam dos machos em qualquer espécie.
A tesourinha complexada
Para minhas colegas de trabalho Alessandra e Jéssica

Torta, mas funcional. A forfícula dos machos é assimétrica para ajudar nas lutas. Fonte: www.sfsu.edu
Naquela manhã, no consultório psicanalítico…
A doutora abriu o consultório e por trás do balcão de atendimento a secretária lia um desses compêndios das piadas mais idiotas. Como era difícil encontrar uma boa funcionária, pensou a doutora. Ela nem contava que a secretária trocasse a revista de piadas pelos sonetos de Shakespeare ou O Livro dos Símbolos do Jung. Não a embaraçar na frente dos clientes já seria suficiente.
– Bom dia, vamos entrando. – Convidou a terapeuta.
O insetinho tinha uma compulsão quase irresistível pelas frestas, estava sentado num canto do sofá encolhido. Bem na hora em que se levantou e virou em direção à porta do consultório, a secretária disparou uma risada nada abafada em reação ao chiste, gargalhada dessas de mostrar obturação em dente siso. Imediatamente a tesourinha curvou os tergitos mediais do abdômen e grudou na parede. Correu para dentro do consultório com as lacínias tortas numa expressão inconfundível de quem foi ofendido.
– Doutora, ela riu de mim. – Sentenciou o animal desconfortavelmente enfiado entre duas dobras do divã.
– E o que há de engraçado em você, Sr. Anisolabis?
– Não é engraçado, é constrangedor! Doutora, nem tamanho de tesourinha que se preze eu tenho. Além disso, morro de vergonha de uma parte do meu corpo.
– O que há de errado com ela? – Instigou a terapeuta que já havia percebido a assimetria e a estatura diminuta do cliente.
– Ah, ela é feia, é pequena. E, doutora, o pior é que ela é mais torta de um lado que do outro. Por isso sua secretária riu de mim. Ela viu como sou horrendo.
– Mais torta para um dos lados, mas será possível? Você mostraria para mim?
– De jeito nenhum, você riria de mim como ela riu. Tenho vergonha. – Respondeu o inseto com o clípeo corado de vergonha.
– Sr. Anisolabis, eu sou uma profissional!
Ainda meio contrariado a tesourinha puxou lentamente seu abdômen de dentro das dobras de tecido do divã e expôs sua extremidade. Ali estava uma estrutura escura e alongada, um lado bem curvado, o outro mais aberto. Era mesmo torto, mas a analista tinha autocontrole e sabia do que se tratava.
-Não tem nada de estranho aí. Sua forfícula está dentro do tamanho padrão para a sua espécie. Além disso, o formato dela assim desigual é, na verdade, uma forma de você lutar melhor, você luta bem graças à sua forfícula torta.
– É verdade. Mesmo eu não sendo dos maiores, luto muito bem e sempre uso com habilidade minha forfícula.
– Você deveria se preocupar mais com a firmeza do aperto de forfícula do que com seu tamanho ou forma. – A analista sempre sabia como contornar uma situação constrangedora.
– Falando assim a senhora até parece minha mãe. – Respondeu o dermaptero.
– Chega de trasferência por hoje, Sr. Anisolabis! Vamos deixar sua relação com sua mãe para a próxima seção. Passar bem.
Nicole E. Munoz & Andrew G. Zink (2012). Asymmetric Forceps Increase Fighting Success among Males of Similar size in the Maritime Earwig Ethology DOI: 10.1111/j.1439-0310.2012.02086.x
Adestrador de Cães, Profissão Biólogo
Sarah Leandrini – Adestradora de Cães
Trabalho com adestramento e passeio de cães na cidade de São Paulo, acho que posso dizer na área de serviços para animais de estimação ou “pets”. Eu trabalho como autônoma, mas pretendo futuramente abrir uma empresa como Microempreendedor Individual.
Acredito que esse mercado tem mais espaço para biólogos. Não há uma formação universitária específica para trabalhar com cães. Conheço biólogos, veterinários e zootecnistas que fazem este trabalho, mas também conheço publicitários, bancários, pessoas sem formação universitária. Acho que o mais importante da profissão é gostar de animais e ter paciência, mas a formação do biólogo ajuda a compreender melhor os aspectos comportamentais e de aprendizagem dos cães.
Não diria que há uma habilidade especial exigida, mas uma qualidade fundamental é a paciência, para lidar com os cães e também com as pessoas relacionadas a eles. A mudança comportamental do animal depende muito do envolvimento dos donos, e fazer com que eles participem do processo de aprendizado do cão requer muita paciência. Outras habilidades/qualidades: saber se relacionar bem com as pessoas, ser educado, saber falar e se expressar de forma clara, assertividade, liderança com os cães, sensibilidade, resolução de problemas, disposição para aprender, saber lidar com frustrações, coordenação motora (para segurar a guia, brinquedos, petiscos, etc.), agilidade, capacidade de observação.
No adestramento eu ensino comandos básicos de obediência aos cães (como sentar, andar junto, dar a patinha, deitar, ficar e vir quando é chamado). Eu trabalho principalmente com o reforço positivo, que é dar algo agradável ao animal quando ele faz o comportamento certo (carinho, elogio, brinquedo, comida, etc.). Durante o treinamento de comandos básicos eu já começo a abordar alguns problemas comportamentais (como agressão, medo, falta de limites, etc.). Mas o foco na resolução dos problemas é dado depois do treinamento, quando há uma relação de confiança e o cão obedece mais.
No passeio eu levo os cães para passear (meio óbvio, mas é isso!). É um passeio estruturado, o cão tem que andar junto e me obedecer. Se ele já é treinado fica mais fácil, se não é tem que treinar os comandos junto, senta, fica e espera. Se ele gosta de alguma brincadeira (pegar bolinha, brincar com outros cães, etc.) eu procuro incluir isso no passeio, pois deve ser agradável e gastar a energia dele.
Não tenho horário de trabalho fixo, depende da quantidade de clientes e da disponibilidade deles. Eu procuro trabalhar durante a semana, enquanto ainda está claro. O bom é que eu consigo ter horários mais flexíveis, mas o ruim é que tem cliente que só pode fora do horário comercial (para entregar e receber o cão).
Não tenho um ambiente formal de trabalho. Eu trabalho na rua, em praças, parques ou na casa do cliente. No adestramento eu geralmente procuro lugares calmos, com pouca distração para o cão, o que acaba sendo agradável. É bom porque eu saio bastante, e vario os lugares. Mas quando chove eu não faço o passeio (deixo de trabalhar e de receber) e dependo da disponibilidade do cliente de fazer o adestramento em casa.
Com relação à formação, foram necessários dois cursos de adestramento e um curso de passeio. Também fiz um mini-curso de gestão e marketing. Na graduação eu gostei muito de Embriologia, mas não tem nada a ver com o trabalho. Gostava também de Zoologia, Neurofisiologia, Bioquímica. Fiz uma disciplina de Comportamento Animal, que na época era optativa. No ano anterior ela não foi oferecida, então a turma ficou muito grande, o que dificultou um aproveitamento maior. No trabalho, as disciplinas que mais uso são um pouco de Comportamento Animal, Zoologia e Evolução, e uma da Licenciatura (acho que era Psicologia da Educação) na qual eu aprendi um pouco sobre aprendizagem e condicionamento.
Como muitos biólogos formados por universidades públicas eu terminei a graduação com a iniciação científica e ingressei no mestrado, na área de Ensino de Ciências. Cheguei a atuar como professora durante a graduação e depois, durante o mestrado, mas percebi que não tenho o perfil de professora de sala de aula, não gostei muito da experiência. Também fui percebendo, durante o mestrado, que não queria seguir carreira acadêmica, e estava insatisfeita com o rumo que a minha vida estava tomando. Foi quando meu marido teve a ideia de eu levar os cães do condomínio para passear, pois eu passava muito tempo em casa e escutava vários cães latindo, sozinhos nos apartamentos. Com essa ideia eu comecei a procurar cursos, ler livros, artigos sobre o assunto. Consegui meus primeiros clientes quando mudei para a Vila Madalena. Estou divulgando o trabalho, fiz um blog (http://caopanhiadasarah.wordpress.com/) e estou trabalhando na captação de mais clientes.
O que me motiva profissionalmente é a paixão pelos animais, principalmente os cães. Eu gosto muito de interagir com eles e observá-los. Também me motiva muito saber que o meu trabalho ajuda as pessoas a terem um relacionamento melhor com os seus cães, seja porque eles ficam mais calmos depois do passeio ou porque as pessoas aprendem a se comunicar melhor e têm um cão mais educado com o adestramento. Um grande desafio para mim é a parte de gestão do negócio e divulgação. Eu entendo pouco disso, e na faculdade não tive formação nessa área. Acho que falta muito nos cursos de Biologia uma visão mais empreendedora da profissão. Outro desafio é conseguir envolver os donos na educação do cão. Algumas pessoas tendem a achar que o adestrador faz milagres, e deixam toda a responsabilidade em cima dele e do cão. É um pouco frustrante ver o cão me obedecendo muito bem e sendo “mal educado” com o dono. Um problema da profissão é que, como autônomo, você trabalha sozinho. Eu fiz cursos, leio muito, mas às vezes sinto falta de discutir com alguém que tenha mais experiência sobre as dificuldades. É importante criar uma rede de relacionamento profissional, para ter pessoas com quem discutir sobre os problemas que você enfrenta no dia a dia.
Que recomendação eu daria a um aspirante a seguir a mesma carreira que escolhi? Estudar muito, procurar livros e artigos (grande parte da literatura está em inglês, por isso é necessário pelo menos saber ler nesta língua), fazer vários cursos e conhecer diferentes metodologias de adestramento. Aqui em São Paulo existem empresas que oferecem cursos de adestramento e passeio. Vale a pena também investir em cursos de administração, gestão e marketing, porque é um negócio como outro qualquer. Outra possibilidade é procurar emprego em creches caninas ou empresas que oferecem o serviço de adestramento ou passeio. O salário não é alto, mas alguns lugares dão um treinamento, o que já conta muito para a experiência.
O golfinho solitário
Para a Joice, enfim cetaceóloga
Naquela manhã, no consultório psicanalítico…
A doutora estava descendo as cataratas num barril. Deslizava suavemente pelo rio, ganhando velocidade, escutava o rugir das águas aumentando, então despencava no vazio até mergulhar fundo no rio que seguia. Tibum! Clap, clap, clap. Acordou, ainda sentindo o friozinho na barriga, mas o barulho de algo caindo na água e os aplausos continuavam mesmo depois de acordada. Anotou num bloco o enredo do sonho para analisar depois seu significado. O que teria Jung a dizer sobre um barril? Cochilara entre uma sessão e outra porque estava exausta de uma viagem a um congresso no exterior. Jet Lag.
Saiu da sala e na recepção entendeu de onde vinha o barulho. A antessala estava lotada dos funcionários das outras salas ao redor. Sua nova secretária fazia saltar e dar cambalhotas no ar o próximo cliente, um golfinho nariz de garrafa. A cada acrobacia a secretária premiava o animal com uma bolacha água e sal, à guisa de sardinha.
Pigarreou. – Por favor, senhor Tursiops, entre e acomode-se. – Convidou o golfinho – Acabou o espetáculo, todos de volta ao trabalho. – Anunciou aos visitantes. – E a senhorita, depois teremos uma conversinha. – Completou para a secretária depois que a recepção estava vazia outra vez.
Dentro do consultório encontrou o golfinho jogado no divã feito uma baleia encalhada. Portava o olhar mais triste que aquela criaturinha fofa poderia produzir com tão poucos músculos faciais. – Em que posso ajudar hoje, senhor Tursiops?
– Doutora, simplesmente não consigo me enturmar. Nós golfinhos precisamos viver em grupo, mas todo o mundo lá na baía onde vivo parece tão desinteressante. Eles também não gostam de mim, eu acho.
– E o que você fez para eles não gostarem de você?
– Nada! É só que a gente não parece ter muito em comum. Quer dizer… Eu, por exemplo, adoro usar uma esponja no nariz para procurar alimento. Revirar o fundo do canal. Você acredita que os manés não fazem isso? Eu até fico por perto, é melhor do que ficar sozinho, mas acho-os um saco.

O golfinho nariz de esponja, uma tática alimentar cultural. Fonte: www.monkeymiadolphins.org e Ewa Krzyszczyk
– E com quem você gostaria de andar? – Perguntou a analista.
– Eu queria andar com outros como eu, doutora. Descolados, espertos. Golfinhos que soubessem usar uma esponja no nariz. Será que é narcisismo?
– Narcisismo? Não. Chama-se homofilia essa vontade de se reunir com seus semelhantes. É comum em espécies inteligentes, sociais e com algum grau de cultura. – Disse a doutora. – E você não conhece ninguém que use essas esponjas como você? Conheço um grupo no Oeste da Austrália que também faz isso.
– Sério, doutora? Seria ótimo conhecê-los. Puxa, poderia me apresentar a eles?
O golfinho deixou o consultório chapinhando de alegria e cheio de planos de viagem na cabeça. Antes de sumir de vista acenou para a doutora com um abanar de cauda.
– Mais um caso resolvido. – Pensou a terapeuta. – Agora tenho que dar um jeito nessa secretária novata.
Janet mann, margaret A. stanton, Eric m. Patterson, Elisa J. Bienenstock, & Lisa o. singh (2012). social networks reveal cultural behaviour
in tool-using using dolphins Nature Communications DOI: 10.1038/ncomms1983
Vencedor do Quiz
Uma das aulas mais marcantes de todo semestre na minha disciplina de Zoologia dos Vertebrados é a de Diversidade e Ecologia de Lepidossauria. Esse grupo de ‘répteis’ (assim entre aspas porque não é um agrupamento natural) inclui as serpentes, lagartos e anfisbenas, familiares a todos os alunos. O grupo inclui ainda os tuatara, Rhynchocephalia ou Sphenodontidae.
O Tuatara é um réptil exclusivo da Nova Zelândia. Apesar da aparência, não é considerado um lagarto. São características desses aniamais a presença de dentes fundidos à maxila (eles não podem extrair um dente, seria arrancar um pedaço do osso, ao contrário dos nossos dentes que só se inserem no maxilar), um terceiro olho funcional capaz de divisar claro e escuro através da pele do alto da cabeça usando uma estrutura conhecida como glândula pineal. Por outro lado, os lagartos, serpentes e anfisbenas compartilham o sumiço de um osso chamado quadradojugal, que continua presente nos tuatara.
Durante o Mesozóico os tuatara formavam um grupo diversificado de répteis, tendo se extinguido em todo o mundo, exceto algumas ilhas costeiras da Nova Zelândia. São animais de cerca de 35 cm que se alimentam de insetos e pequenos vertebrados e têm temperatura corporal em atividade de até 6° C, bem mais baixa do que nos lagartos.
Tive a chance de conhecer essa no Zoológico de Auckland recentemente. Ela é uma fêmea usada para educação ambiental ali. Agradeço tremendamente a atenção da Elena Dray-Hogg que me oportunizou essa experiência única de interagir com um animal tão enigmático e ímpar na história evolutiva dos vertebrados.
Sem mais delongas, o ganhador do brinde foi o Roberto Takata no tempo récorde de 28 minutos e não dando chance nenhuma para os outros candidatos. Entrarei em contato contigo pelo e-mail para descobrir para onde enviar seu presente, outro ícone dessa ilha de bizarrices, a Nova Zelândia.
Quiz: Que animal é esse?
Está lançado o desafio. Quem sabe que animal é esse?
Respondam nos comentários, que só publicarei no dia da entrega do resultado, 2 de agosto. O primeiro leitor que acertar ganha de presente um brinde. Não deixem de preencher o e-mail no comentário para eu voltar a entrar em contato para enviar o prêmio. Dia 2 solto um post sobre esse animal e o vencedor do quis.
O peixe limpador intrépido
Naquela manhã, no consultório psicanalítico…
A doutora ouvia de dentro da sala os risinhos da secretária nova na antessala. Ao sair para checar o que acontecia surpreendeu-se. Seu próximo cliente, um peixe limpador listrado de preto e azul iridescente, estava enfiado entre os dedinhos do pé da secretária mordiscando-lhe as pelancas. A doutora pigarreou e a secretária se recompôs de súbito na cadeira, assustando o peixinho.
-Entre, Sr. Elacatinus, está um pouco atrasado. – O peixinho nadou até o alto do divã e se deitou ali com o corpo em “S”.
– Doutora, tudo bem com a senhora? Percebi que está pigarreando. Está bem da garganta? Abra a boca. Posso fazer alguma coisa por você? – Perguntou ansioso o limpador.
-Volte para seu divã, por favor. Aqui o cliente é o senhor. O que lhe trouxe ao consultório hoje?
-Não sei o que há de errado comigo. Qualquer peixe do meu tamanho, diante da bocarra de uma garoupa ou de uma moreia, dispara em fuga ou congela de pavor. Eu simplesmente me atiro sobre as tenebrosas e começo a catar-lhes parasitas mal elas me pedem o serviço. Por que não sinto medo?
– Sr. Elacatinus, por que você não sente medo?
– Mas foi o que acabei de perguntar, doutora! Não sei explicar. Minha nadadeiras tremem, minha boca seca, meu coração dispara, começo a suar frio. Mas mesmo assim corro para limpar esses ameaçadores clientes. – Explicou o peixe.
-E o senhor diz que não tem medo?
-Pois é. Medo tenho, mas por que não ajo como todos os outros animais doutora?
-Ora, o mundo não é feito de dicotomias, meu caro. Não acredite em tudo o que dizem por aí. Talvez nem todos os animais fujam em disparada ou congelem de pavor. Você poderia recorrer a um mecanismo que os psicólogos chamam de contra-fóbico. Encara seus medos. – Explicou a analista.
-Mas doutora, não corro riscos?
-Olha, não posso garantir nada. Mas saiba que nunca viram nenhum peixe limpador ser predado durante uma sessão de limpeza. Relaxe e aceite seu instinto. Continue caprichando na limpeza que imagino que um cliente satisfeito irá pensar duas vezes antes de te comer.
-Obrigado, doutora. Nossas conversas são sempre reconfortantes. Até logo… – E saiu o peixinho nadando oceano afora.
Marta C. Soares1,2*, Redouan Bshary2, So´ nia C. Cardoso1, Isabelle M. Coˆ te´ 3, Rui F. Oliveira1,4 (2012). Face Your Fears: Cleaning Gobies Inspect Predators
despite Being Stressed by Them PLoS One
Fim do mundo em 2012- Como animais podem te ajudar a prever catástrofes?
É claro que o mundo vai mesmo acabar esse ano e que esse evento catastrófico global será tão arrasador que nos restará pouco a fazer. Que razões nós teríamos para duvidar que uma civilização tão desenvolvida quanto a maia, que desapareceu devido a uma seca que os pegou desprevinidos, tenha previsto catástrofes muito mais imprevisíveis para extinguir a nossa sociedade. Como eu não acredito em bruxas, pero que las hay, las hay e prudência e canja de galinha (sem gripe aviária) sempre fizeram bem, resolvi reunir aqui um rol de comportamentos animais que podem ajudar a perceber as catástrofes a tempo de se abrigar; não que isso vá adiantar alguma coisa. Não é magia nem nada sobrenatural, como os animais são dotados de diversos sensores que funcionam com acuidade algumas vezes maior do que a nossa, eles podem ser capazes de perceber essas catástrofes antes de nós. Então à lista:
Tempestades e furacões: Desde tempos remotos que os marinheiros consideram albatrozes aves agourentas. Isso porque sempre que as aves apareciam em seguida lá se ia a bonança e vinha a tempestade. O que os supersticiosos marujos não sabiam é que o albatroz não causa a tempestade, mas a tempestade causa o albatroz, causalidade reversa em jargão científico. Essas aves são mais eficientes no voo planado do que no batido, mas para evitar bater as asas precisam de um empurrãozinho dos ventos. Daí sua presença garantida na margem de qualquer tempestade. O mesmo vale para outras aves continentais migradoras durante vendavais ou furacões, o vento que antecede o olho do furacão empurra as aves para longe.
Terremotos, vulcanismo e Tsunamis: Há inúmeras narrativas de animais domésticos e silvestres dando pistas de que um terremoto viria. Poucas no entanto são concretamente confiáveis. Em todo caso, conseguir identificar esses comportamentos pode aumentar irrisoriamente sua chance de sobrevivência. As narrativas mais comuns relatam latidos, ganidos e agressividade em cães e diversos animais deixando suas tocas. Pesquisadores japoneses que defendem a capacidade dos animais preverem terremotos contam que serpentes se apoiam sobre seus ossículos auditivos, por isso percebem as ondas P (ondas sísmicas de compressão) que precedem as ondas S (ondas de oscilação vertical, tremor) que nós humanos percebemos e que são tão destrutivas. Por isso esses répteis abandonariam seus abrigos e fugiriam. O mesmo pode valer para erupções vulcânicas e tsunamis, que estão relacionados a atividades geológicas também.
Inundações: Essa não tem o menor fundamento científico além da minha própria observação de fundo de quintal e de uma imaginativa explicação para a observação. Minhocas. Aqui em Mato Grosso, assim como em boa parte do Brasil, as chuvas se concentram no verão e são tão volumosas que chegam perto de saturar o solo de água. Como aqui o relevo é plano não temos grandes problemas, mas em declividades é isso que leva aos deslizamentos. Minhocas vivem sob a terra alimentando-se de matéria orgânica e respirando através da pele, como a água comporta pouco oxigênio acho que as minhocas morreriam afogadas se ficassem imersas. Sempre que tem chovido demais e o solo está saturado no meu quintal encontro minhocas se arrastando fora da terra. Pode ser apenas que fora dela esteja úmido o suficiente para esse anelídeo sair para uma volta, mas pode ser um sinal de saturação do solo. Se houver algum leitor em áreas de deslizamento que possa conferir minhas observações, dá para achar um padrão.
Vírus mortal: alguns pesquisadores sustentam que não são nossos parentes mais próximos a fonte mais provável de um vírus letal que possa arrasar a humanidade. Isso porque, apesar da semelhança genética, macacos não existem em populações muito grandes nem estão em contato estreito com a maioria dos humanos. Esse não é o caso para dois outros grupos animais, os de criação ampla (como os porcos da gripe suína, assim como frangos, vacas etc) e os sinantrópicos (como os ratos da peste negra, mas também cães, gatos, pombos etc). Fique de olho, muitos animais desse tipo aparecendo mortos sem uma causa aparente podem significar um novo vírus que possivelmente se adapte a infectar humanos.