Tudo em um ano 6 – Ácido Ribonucléico
Quem veio primeiro, o ovo ou a galinha? O dogma (odeio este termo) central da biologia propõe que DNA é transcrito por proteínas em RNAm, este sai do núcleo, anexa-se a ribossomos predominantemente protéicos, e é traduzido em proteínas. Então DNA produz proteínas e proteínas leem o DNA. Mas quem veio primeiro, o DNA ou a proteína? Para a vida como a conhecemos ter evoluído seria necessário ter um replicador (DNA), mas este replicador precisaria de algo que o catalizasse (proteína). Um não serve para nada sem o outro!
É clichê, mas é legal
fonte: sage.ucsc.edu
Os narradores da origem da vida em nosso planeta passaram muito tempo às voltas com este problema até que descobertas em outras áreas ajudaram a elucidar o que houve. Seria possível uma mesma molécula conter informações hereditárias e também catalisar reações químicas para sintetizar outras moléculas? Seria! O RNA, ácido ribonucléico, faz exatamente isto até hoje em determinadas situações.
A simplicidade química do RNA permitiria seu surgimento por mecanismos não bioquímicos, desde que tempo o suficiente para combinações quase que aleatórias de elementos estivesse disponível, coisa mais ou menos comprovada hoje em dia. Afinal, foram 400.000.000 de anos de combinações ao acaso.
Este mundo dominado por RNA deve ter existido há cerca de 4,2 bilhões de anos, por regra de três exatamente hoje, dia 9 de setembro. Sua descoberta deu a Sidney Altman o prêmio Nobel de química de 1989.
Pensamento de segunda
Somos apenas um bando de macacos avançados sobre um planetinha de uma estrela meidana. Mas podemos compreender o universo. Isto nos torna algo muito especial.
Stephen Hawking
Tudo em um ano 5 – Nossa casa, a Terra
Finalmente no dia de hoje, 4,6 bilhões de anos atrás, nossa casa se formou. Imagine que os fogos de ano novo de 2010 foram o Big Bang, nosso pálido ponto azul, a terceira esfera rodopiante desde o sol apenas teria se formado no dia 1º de setembro.
As nuvens de poeira cósmica que vinham viajando desde o Big Bang se tornaram mais e mais densas. Pontos onde poeira e gases quentes se adensaram mais são chamados de anãs marrons, até que uma hora a temperatura e adensamento são tão grandes que átomos de hidrogênio começam a fundir-se formando hélio. Pronto, temos uma estrela.
No nosso ano universal o sol se formou anteontem. Junto a ele, rodeando-o graças a sua atratividade gravitacional, estavam aglomerados de partículas na forma de anéis (como se o sol fosse saturno). As partículas de alguns destes anéis foram colidindo, aglomerando-se e dando origem a protoplanetas, um deles foi a Terra.
A proto-Terra cresceu aglutinando partículas ao seu redor até que seu centro tornou-se tão quente que os metais que a compunham derreteram. Assim, seu núcleo é formado por ferro derretido, entre outros elementos. Neste momento uma nuvem de gás de silício condensou-se ao redor de nosso planeta, solidificando-se em sua superfície na forma de rochas duras. Havia ao nosso redor uma atmosfera de gases leves como hidrogênio e hélio. É possível que um vento solar tenha soprado para longe estes gases. Dez milhões de anos mais tarde, o volume que nosso planeta já havia atingido foi suficiente para atrair outros gases para nossa atmosfera, como o vapor d’água.
Lua crescente, declaro ser o seu mais lindo amante e com você quero me casar
Fonte: novacelestia.com
Mais ou menos há uns 4,4 milhões de anos acredita-se que outro proto-planeta (meio barbeiro) que orbitava próximo ao nosso desestabilizou sua órbita e colidiu com a Terra ainda em condensação. Isto fez com que uma parte pouco densa de nossa superfície nos deixasse, constituindo a lua.
Pensamento de Segunda
“Os homens tropeçam de vez em quando na verdade, mas a maior parte volta a levantar e continua depressa o seu caminho, como se nada tivesse acontecido.”
Winston Churchill
Arte e Ciência I – Ilustrações Científicas
Quem estiver em Brasília poderá conferir a exposição Ilustração científica, no pavilhão de acesso à câmara dos deputados com entrada franca e aberta das 10 às 17h. A exposição traz pranchas de plantas, insetos, aves e anatomia humana, elas são resultado do III Encontro Brasileiro de Ilustradores Científicos. As técnicas vão desde o grafite e nankim até a ilustração digital e o acrílico, mas o grosso da exposição é composto de aquarelas de realismo impressionante. As obras também têm autores diversos, mas fiquei especialmente satisfeito de ver entre eles um colega da USP, Rogério Lupo. Outro cujas obras me encantaram foi o português Fernando Correia, habilidoso ilustrador digital.
A Erva Mate segundo Rogério Lupo
Fonte: http://rogeriolupo.blogspot.com/
A ilustração científica é a arte de mostrar, através de desenhos, organismos, estruturas ou ambientes reais de forma a passar uma informação científica. Sua época áurea talvez tenha sido a dos grandes exploradores e naturalistas. Obras como as de Buffon, Cuvier e von Martius eram ricamente ilustradas com nankins e aquarelas de precisão assombrosa. Com o advento da fotografia a ilustração científica padeceu um pouco, já que fotografias são fiéis e manejar uma câmera fotográfica (não discuto aqui a habilidade estética para tal, apenas a capacidade de obter uma imagem precisa) é mais fácil do que pincéis e canetas. No entanto, nada como uma bela ilustração científica para especificar detalhes que muitas vezes aparecem poluídos em uma fotografia, sem falar em seu valor artístico. Atualmente, uma nova onda de interesse nesta arte vem da importância de ilustrações para livros-texto e similares utilizando recursos digitais. Assim, permanece o espaço para bons ilustradores, seja nos trabalhos científicos de taxonomistas e anatomistas, seja nas paredes e páginas de exposições de arte.
Pensamento de Segunda
“As respostas certas não importam nada. o que importa é que as perguntas estejam certas.”
Mário Quintana
O gobião na secura
Naquela manhã no consultório psicanalítico
– Doutora, a senhora poderia vir receber o seu paciente, por favor!
Já era a terceira vez que a nova secretária interfonava para o consultório, mas a psicóloga estava bastante ocupada e ainda não era o horário do próximo paciente. A doutora tinha uma preferência por atendentes bonitas, mas ultimamente não podia escolher muito. Desde que a última secretária se apaixonara por uma hiena lésbica bem-dotada que frequentava o consultório e fugira para Botswana com seu novo amor, a doutora contratou a primeira moça que lhe apareceu pela frente e não queria perdê-la. A secretária tinha 1,88 m, pesava no máximo 50 kg, até aí poderia ser uma modelo esquuálida se a pele do seu rosto não lembrasse areia fina depois da chuva, seu cabelo não parecesse um tamanduá enrolado para dormir e se entre um dente o outro não passasse um dedo.
Na antessala um gobião olhava lânguido para a secretária enquanto fazia uma reverência e estendia ao objeto de seus desejos um buque de flores de plástico.
– Senhor Chlamydogobius, o senhor já chegou! Deve estar ansioso para conversarmos. Por que não devolve as flores do consultório odontológico ao lado, para de beijar a mão da minha secretária e se apressa a tomar o seu lugar no divã?
– Ah, doutora. Não tenha pressa. Eu poderia esperar a eternidade ao lado desta beldade. – Respondeu o peixe soltando coraçõezinhos pelos olhos. A doutora o arrastou pela nadadeira caudal para dentro de sua sala deixando para trás um rastro gosmento como seu amor.
Muito tempo sem namorada reduziu seus critérios?
Fonte: www.fishbase.org
– Então, meu amigo australiano, sobre o que quer conversar hoje? – Veio a voz suave, mas num tom claramente repressor, de um ponto invisível atrás do espaldar do divã.
– Sobre o amor! Estou apaixonado. – Declarou o gobídeo ainda fitando a porta.
– Ah, mas isto é muito bom! E desde quando o senhor está amando assim? – Perguntou como que casualmente a analista, mas já ciente do caso.
– Para falar bem a verdade, acho que desde que vi sua secretária. Foi paixão à primeira vista.
– Quanto tempo faz que o senhor está solteiro? – Agora não havia nem sinal de casualidade.
– Não vejo qual o interesse de sua pergunta, mas agora que falou, acho que já faz um bom tempo desde que a última garota passou pela minha toca. Como não saio muito dela, acabo dependendo de alguma fêmea ativamente passar por lá. – O peixinho agora parecia intrigado.
– Veja, meu amigo, essa paixão arrebatadora é fruto do longo período de espera. Você…
– Não é, não. Eu amo sua secretária. Como é que ela se chama mesmo? – Interrompeu o cliente negando a terapeuta, que se calou e ficou esperando que ele terminasse.
Alguns instantes de silêncio pareceram ao peixe uma eternidade. Para quebrar aquela situação constrangedora ele precisava falar novamente.
– A Sra. acha isso mesmo? – Perguntou o cliente com olhos de peixe morto.
– A paixão, Sr. Chlamidogobius, é proporcional ao volume de esperma acumulado*. – A voz detrás do divã disse com assertividade incontestável.
- Mas… – ouviu-se um longo suspiro. – Essa visão não é muito romântica, não é mesmo?
– Veja bem, é claro que o senhor sabe o que é uma fêmea bonita. Só que, à medida que o tempo passa, vai baixando seus critérios com receio de ficar sozinho até chegar a um ponto de achar irresistível uma mulher como minha secretária. Se o senhor a conhecesse logo após encontrar uma fêmea bonita certamente não a desejaria tão vorazmente. – À medida que a dra. falava o peixinho parecia ficar revoltado, mas lhe restava pouca energia para discutir. – O que quero do senhor é que volte na próxima semana e que, daqui até lá, faça um exercício: encontrar-se com o maior número de fêmeas que conseguir. Se na próxima semana essa paixonite não passar, serei madrinha de casamento de vocês dois!
– De verdade, doutora? – Exclamou o peixe excitado. – Onde é que tem uma boa joalheria por perto?
A doutora se despediu do cliente na antessala com a intenção de proteger do assédio sua secretária. Ela agora estava com olhos que pareciam arregalados mesmo através das espessas lentes de seus óculos fundo de garrafa. O Sr. Chlamidogobius não pode evitar encarar o objeto de seu amor, mas subitamente começou a enxergar coisas que pareciam não estar ali antes, como a pinta muito escura e peluda do tamanho de uma digital que havia na testa da menina.
Svensson, P., Lehtonen, T., & Wong, B. (2010). The interval between sexual encounters affects male courtship tactics in a desert-dwelling fish Behavioral Ecology and Sociobiology DOI: 10.1007/s00265-010-1007-z
*Pequeno dicionário amoroso.
Pensamento de Segunda
“É um erro pensar que a ciência mata a religião. Isso só quem pode fazer é outra religião.”
Monteiro Lobato