3º setor, Profissão Biólogo
Pedro de Sá – sócio e membro do departamento florestal da ONG Iniciativa Verde

Retransformar paisagens degradadas em ambientes íntegros é uma prestação de serviço à humanidade e também é Profissão Biólogo.
Atuo no terceiro setor em uma Organização Não-governamental chamada Iniciativa Verde. (www.iniciativaverde.org.br). No terceiro setor, aquele que compreende as ONGs e OSCIPs há muitas oportunidades de atuação para o biólogo. A ONG onde trabalho foi fundada por dois engenheiros, um biólogo e um designer. Atualmente somos 10 funcionários sendo que desses, quatro são biólogos. Dois trabalham na área florestal e dois na área de mudanças climáticas/inventário de emissões de gases de efeito estufa.
Cotidianamente tenho a exigência de uma formação solida principalmente em áreas como botânica e ecologia vegetal/florestal. É necessário também conhecer e entender a importância das florestas como provedores de serviços ambientais. Ter noções de direito ambiental é necessário também. Fora esta parte mais teórica/acadêmica eu tive que estudar e desenvolver um lado de gestor de projetos com o qual não tive contato na universidade. Essa parte de gestão não se encerra no acompanhamento físico-financeiro do projeto, pois exige também uma adequação de discurso inerente a um trabalho onde, em uma ponta você capta recurso com empresas e órgãos públicos e reporta resultados para estes, e na outra ponta você executa o projeto, com agricultores rurais, comunidades tradicionais, associações e ONGs locais, órgão ambientais e outros. Outra habilidade necessária é a criatividade para propor projetos inovadores. Este é sem dúvida um requisito básico para trazer projetos para a instituição.
Meu cargo é de coordenador florestal. Eu sou responsável por prospectar parceiros interessados em trabalhar com a Iniciativa Verde em projetos de restauração florestal. Parte do meu tempo então eu passo prospectando parceiros que queiram restaurar suas áreas de preservação permanente (APPs) ou que possuam projetos de restauração de APPs e necessitem de apoio financeiro e/ou técnico para realizar os projetos. Outra parte do tempo eu passo executando os projetos seja em campo durante os plantios e manutenções das florestas ou em escritório na confecção de relatórios e reportando os resultados para os nossos financiadores. Também despendo tempo escrevendo novos projetos e dando respaldo à equipe que busca novos financiadores.
Teoricamente minha carga horária é de 30 horas semanais, mas eu acabo sempre trabalhando mais que isso. Assim eu divido meu tempo em três semanas trabalhadas na iniciativa verde cumprindo 40 horas semanais e na semana restante dedico meu tempo a uma pequena empresa de consultoria na área ambiental que abri há um ano e em cursos complementando a minha formação.
O ambiente de trabalho é muito bom. A equipe é muito diversificada, tanto entre as formações específicas dos membros do grupo, quanto dentro das formações e nas experiências pretéritas (muitos se “fizeram” no serviço público outros em empresas, na acadêmica ou propriamente no terceiro setor) o que faz com que seja um aprendizado constante. É fato que isso exige muito de você e da equipe, pois nem todo mundo está acostumado a “falar” a mesma língua, mas eu considero o resultado final disso muito bom.
O fato de ser escutado pela diretoria nas decisões cotidianas da instituição também melhora o ambiente e faz você se sentir parte da instituição, o que é ótimo. Possuímos uma sede bem aconchegante em local central, com boa estrutura de serviços e de fácil acesso, o que torna o nosso cotidiano muito mais fácil na capital paulista.
Como eu disse anteriormente eu tive que aprender muito, e ainda tenho muito a aprender, sobre gestão de projetos e como fazer o aspecto técnico e gerencial caminharem conjuntamente. Além disse eu tive que correr atrás de várias coisas que não tive contato na universidade, ou se tive foi muito a “En passant” como o direito ambiental, sociologia e principalmente a discussão do papel do biólogo na sociedade. Eu creio que esses assuntos deveriam ser obrigatórios em todos os cursos de biologia. Mas o principal extra, e que eu carrego no meu dia a dia, foi aprender a adequar o discurso técnico e acadêmico a uma linguagem acessível e compreensível a um pequeno agricultor do interior do estado ao técnico ambiental de uma pequena cidade do Brasil e por aí vai.
Eu gostava muito das disciplinas ligadas às ciências naturais: Zoologia, Botânica e Ecologia, na graduação. Como eu passo boa parte do meu tempo no campo vendo plantas, bichos padrões e processos ecológicos não tem como não lembrar das disciplinas citadas acima.
Após me formar eu comecei a trabalhar com estudo do meio. Eu creio que essa etapa profissional foi fundamental pra praticar e entender a importância da adequação de discurso que falei acima. Um belo dia eu prestei um concurso para trabalhar com recuperação de áreas degradadas e fiquei por pouco de ser chamado. No tempo entre ser ou não ser chamado eu comecei a estudar sobre o assunto e vi que aquilo ia me completar naquele momento. Então eu comecei a dar as caras no meio, participar de congressos encontros e reuniões. Depois comecei a fazer um estágio na ESALQ com adequação ambiental de propriedades rurais, durante o estágio eu comecei a trabalhar como colaborador de uma ONG em Piracicaba, o Instituto Ambiente em Foco e foi ai que eu vi que queria trabalhar no terceiro setor. Fiquei um ano e meio no Ambiente em Foco e em janeiro de 2010 recebi o convite da Iniciativa Verde para integrar o Departamento Florestal. Em janeiro desse ano eu recebi um convite da diretoria para me tornar associado da instituição e hoje além de técnico sou um associado.
São duas principais coisas que me motivam: a primeira delas e plantar árvores. Segundo, e não menos importante, é saber que esse trabalho está causando um impacto positivo na vida de pessoas que vivem a quilômetros de distância e que podem ser elas que plantam a alface que eu vou comer hoje no almoço ou que ordenharam o leite que eu bebi hoje de manhã.
Existe certo preconceito com o terceiro setor no Brasil por conta dos escândalos de corrupção envolvendo ONGs. É justificável? Sim, mas também é necessário separar o joio do trigo. Outra dificuldade não é só restrita ao terceiro setor, mas à área ambiental como um todo. A área ambiental não é uma atividade fim e sim uma atividade meio. É um meio para se conseguir uma licença, é um meio de se melhorar a imagem coorporativa. Enfim são poucas as empresas/instituições dispostas a investir realmente em meio ambiente. Tudo isso torna árdua a captação de recursos para realização de projetos.
Eu acho que não serve só para a minha carreira, mas para todas. É fundamental, além de ser um profissional com uma formação sólida, se colocar no meio, através da participação de eventos, seminários e simpósios e uma vez nele não desistir quando os obstáculos aparecerem. Pode ter certeza que serão vários e de diferentes naturezas. Mas o principal mesmo é ir atrás do conhecimento e das ferramentas que a universidade não te ofereceu e isso só se faz vivendo. No meu caso ler Manoel de Barros é tão importante quanto fazer um curso de direito ambiental.
A tesourinha complexada
Para minhas colegas de trabalho Alessandra e Jéssica

Torta, mas funcional. A forfícula dos machos é assimétrica para ajudar nas lutas. Fonte: www.sfsu.edu
Naquela manhã, no consultório psicanalítico…
A doutora abriu o consultório e por trás do balcão de atendimento a secretária lia um desses compêndios das piadas mais idiotas. Como era difícil encontrar uma boa funcionária, pensou a doutora. Ela nem contava que a secretária trocasse a revista de piadas pelos sonetos de Shakespeare ou O Livro dos Símbolos do Jung. Não a embaraçar na frente dos clientes já seria suficiente.
– Bom dia, vamos entrando. – Convidou a terapeuta.
O insetinho tinha uma compulsão quase irresistível pelas frestas, estava sentado num canto do sofá encolhido. Bem na hora em que se levantou e virou em direção à porta do consultório, a secretária disparou uma risada nada abafada em reação ao chiste, gargalhada dessas de mostrar obturação em dente siso. Imediatamente a tesourinha curvou os tergitos mediais do abdômen e grudou na parede. Correu para dentro do consultório com as lacínias tortas numa expressão inconfundível de quem foi ofendido.
– Doutora, ela riu de mim. – Sentenciou o animal desconfortavelmente enfiado entre duas dobras do divã.
– E o que há de engraçado em você, Sr. Anisolabis?
– Não é engraçado, é constrangedor! Doutora, nem tamanho de tesourinha que se preze eu tenho. Além disso, morro de vergonha de uma parte do meu corpo.
– O que há de errado com ela? – Instigou a terapeuta que já havia percebido a assimetria e a estatura diminuta do cliente.
– Ah, ela é feia, é pequena. E, doutora, o pior é que ela é mais torta de um lado que do outro. Por isso sua secretária riu de mim. Ela viu como sou horrendo.
– Mais torta para um dos lados, mas será possível? Você mostraria para mim?
– De jeito nenhum, você riria de mim como ela riu. Tenho vergonha. – Respondeu o inseto com o clípeo corado de vergonha.
– Sr. Anisolabis, eu sou uma profissional!
Ainda meio contrariado a tesourinha puxou lentamente seu abdômen de dentro das dobras de tecido do divã e expôs sua extremidade. Ali estava uma estrutura escura e alongada, um lado bem curvado, o outro mais aberto. Era mesmo torto, mas a analista tinha autocontrole e sabia do que se tratava.
-Não tem nada de estranho aí. Sua forfícula está dentro do tamanho padrão para a sua espécie. Além disso, o formato dela assim desigual é, na verdade, uma forma de você lutar melhor, você luta bem graças à sua forfícula torta.
– É verdade. Mesmo eu não sendo dos maiores, luto muito bem e sempre uso com habilidade minha forfícula.
– Você deveria se preocupar mais com a firmeza do aperto de forfícula do que com seu tamanho ou forma. – A analista sempre sabia como contornar uma situação constrangedora.
– Falando assim a senhora até parece minha mãe. – Respondeu o dermaptero.
– Chega de trasferência por hoje, Sr. Anisolabis! Vamos deixar sua relação com sua mãe para a próxima seção. Passar bem.
Nicole E. Munoz & Andrew G. Zink (2012). Asymmetric Forceps Increase Fighting Success among Males of Similar size in the Maritime Earwig Ethology DOI: 10.1111/j.1439-0310.2012.02086.x
O golfinho solitário
Para a Joice, enfim cetaceóloga
Naquela manhã, no consultório psicanalítico…
A doutora estava descendo as cataratas num barril. Deslizava suavemente pelo rio, ganhando velocidade, escutava o rugir das águas aumentando, então despencava no vazio até mergulhar fundo no rio que seguia. Tibum! Clap, clap, clap. Acordou, ainda sentindo o friozinho na barriga, mas o barulho de algo caindo na água e os aplausos continuavam mesmo depois de acordada. Anotou num bloco o enredo do sonho para analisar depois seu significado. O que teria Jung a dizer sobre um barril? Cochilara entre uma sessão e outra porque estava exausta de uma viagem a um congresso no exterior. Jet Lag.
Saiu da sala e na recepção entendeu de onde vinha o barulho. A antessala estava lotada dos funcionários das outras salas ao redor. Sua nova secretária fazia saltar e dar cambalhotas no ar o próximo cliente, um golfinho nariz de garrafa. A cada acrobacia a secretária premiava o animal com uma bolacha água e sal, à guisa de sardinha.
Pigarreou. – Por favor, senhor Tursiops, entre e acomode-se. – Convidou o golfinho – Acabou o espetáculo, todos de volta ao trabalho. – Anunciou aos visitantes. – E a senhorita, depois teremos uma conversinha. – Completou para a secretária depois que a recepção estava vazia outra vez.
Dentro do consultório encontrou o golfinho jogado no divã feito uma baleia encalhada. Portava o olhar mais triste que aquela criaturinha fofa poderia produzir com tão poucos músculos faciais. – Em que posso ajudar hoje, senhor Tursiops?
– Doutora, simplesmente não consigo me enturmar. Nós golfinhos precisamos viver em grupo, mas todo o mundo lá na baía onde vivo parece tão desinteressante. Eles também não gostam de mim, eu acho.
– E o que você fez para eles não gostarem de você?
– Nada! É só que a gente não parece ter muito em comum. Quer dizer… Eu, por exemplo, adoro usar uma esponja no nariz para procurar alimento. Revirar o fundo do canal. Você acredita que os manés não fazem isso? Eu até fico por perto, é melhor do que ficar sozinho, mas acho-os um saco.

O golfinho nariz de esponja, uma tática alimentar cultural. Fonte: www.monkeymiadolphins.org e Ewa Krzyszczyk
– E com quem você gostaria de andar? – Perguntou a analista.
– Eu queria andar com outros como eu, doutora. Descolados, espertos. Golfinhos que soubessem usar uma esponja no nariz. Será que é narcisismo?
– Narcisismo? Não. Chama-se homofilia essa vontade de se reunir com seus semelhantes. É comum em espécies inteligentes, sociais e com algum grau de cultura. – Disse a doutora. – E você não conhece ninguém que use essas esponjas como você? Conheço um grupo no Oeste da Austrália que também faz isso.
– Sério, doutora? Seria ótimo conhecê-los. Puxa, poderia me apresentar a eles?
O golfinho deixou o consultório chapinhando de alegria e cheio de planos de viagem na cabeça. Antes de sumir de vista acenou para a doutora com um abanar de cauda.
– Mais um caso resolvido. – Pensou a terapeuta. – Agora tenho que dar um jeito nessa secretária novata.
Janet mann, margaret A. stanton, Eric m. Patterson, Elisa J. Bienenstock, & Lisa o. singh (2012). social networks reveal cultural behaviour
in tool-using using dolphins Nature Communications DOI: 10.1038/ncomms1983
Vencedor do Quiz
Uma das aulas mais marcantes de todo semestre na minha disciplina de Zoologia dos Vertebrados é a de Diversidade e Ecologia de Lepidossauria. Esse grupo de ‘répteis’ (assim entre aspas porque não é um agrupamento natural) inclui as serpentes, lagartos e anfisbenas, familiares a todos os alunos. O grupo inclui ainda os tuatara, Rhynchocephalia ou Sphenodontidae.
O Tuatara é um réptil exclusivo da Nova Zelândia. Apesar da aparência, não é considerado um lagarto. São características desses aniamais a presença de dentes fundidos à maxila (eles não podem extrair um dente, seria arrancar um pedaço do osso, ao contrário dos nossos dentes que só se inserem no maxilar), um terceiro olho funcional capaz de divisar claro e escuro através da pele do alto da cabeça usando uma estrutura conhecida como glândula pineal. Por outro lado, os lagartos, serpentes e anfisbenas compartilham o sumiço de um osso chamado quadradojugal, que continua presente nos tuatara.
Durante o Mesozóico os tuatara formavam um grupo diversificado de répteis, tendo se extinguido em todo o mundo, exceto algumas ilhas costeiras da Nova Zelândia. São animais de cerca de 35 cm que se alimentam de insetos e pequenos vertebrados e têm temperatura corporal em atividade de até 6° C, bem mais baixa do que nos lagartos.
Tive a chance de conhecer essa no Zoológico de Auckland recentemente. Ela é uma fêmea usada para educação ambiental ali. Agradeço tremendamente a atenção da Elena Dray-Hogg que me oportunizou essa experiência única de interagir com um animal tão enigmático e ímpar na história evolutiva dos vertebrados.
Sem mais delongas, o ganhador do brinde foi o Roberto Takata no tempo récorde de 28 minutos e não dando chance nenhuma para os outros candidatos. Entrarei em contato contigo pelo e-mail para descobrir para onde enviar seu presente, outro ícone dessa ilha de bizarrices, a Nova Zelândia.
Cadaverina, ou a beleza da ciência pura
Ontem estava no departamento onde trabalho quando as secretárias, ao mover um móvel, descobriram um fortíssimo cheiro de animal morto que empesteou o ar. Era a cadaverina, uma amina derivada da putrefação de proteínas animais, especialmente do aminoácido lisina.
Não cheguei a arrotar em voz alta minha erudição sobre o fedor, mas ela poderia ter até impressionado. Ou não. Poderia simplesmente soar arrogante e besta, o que provavelmente me fez manter a boca calada. Fato é que o fedor continuou ali, e nós, fora da sala.
A ciência básica é assim, às vezes te oferece uma série de informações que não resolvem em nada seu problema prático. Mas, como dizia Richard Feymann, ‘é como o sexo”, não é pelo resultado prático que a fazemos.
Quiz: Que animal é esse?
Está lançado o desafio. Quem sabe que animal é esse?
Respondam nos comentários, que só publicarei no dia da entrega do resultado, 2 de agosto. O primeiro leitor que acertar ganha de presente um brinde. Não deixem de preencher o e-mail no comentário para eu voltar a entrar em contato para enviar o prêmio. Dia 2 solto um post sobre esse animal e o vencedor do quis.
O peixe limpador intrépido
Naquela manhã, no consultório psicanalítico…
A doutora ouvia de dentro da sala os risinhos da secretária nova na antessala. Ao sair para checar o que acontecia surpreendeu-se. Seu próximo cliente, um peixe limpador listrado de preto e azul iridescente, estava enfiado entre os dedinhos do pé da secretária mordiscando-lhe as pelancas. A doutora pigarreou e a secretária se recompôs de súbito na cadeira, assustando o peixinho.
-Entre, Sr. Elacatinus, está um pouco atrasado. – O peixinho nadou até o alto do divã e se deitou ali com o corpo em “S”.
– Doutora, tudo bem com a senhora? Percebi que está pigarreando. Está bem da garganta? Abra a boca. Posso fazer alguma coisa por você? – Perguntou ansioso o limpador.
-Volte para seu divã, por favor. Aqui o cliente é o senhor. O que lhe trouxe ao consultório hoje?
-Não sei o que há de errado comigo. Qualquer peixe do meu tamanho, diante da bocarra de uma garoupa ou de uma moreia, dispara em fuga ou congela de pavor. Eu simplesmente me atiro sobre as tenebrosas e começo a catar-lhes parasitas mal elas me pedem o serviço. Por que não sinto medo?
– Sr. Elacatinus, por que você não sente medo?
– Mas foi o que acabei de perguntar, doutora! Não sei explicar. Minha nadadeiras tremem, minha boca seca, meu coração dispara, começo a suar frio. Mas mesmo assim corro para limpar esses ameaçadores clientes. – Explicou o peixe.
-E o senhor diz que não tem medo?
-Pois é. Medo tenho, mas por que não ajo como todos os outros animais doutora?
-Ora, o mundo não é feito de dicotomias, meu caro. Não acredite em tudo o que dizem por aí. Talvez nem todos os animais fujam em disparada ou congelem de pavor. Você poderia recorrer a um mecanismo que os psicólogos chamam de contra-fóbico. Encara seus medos. – Explicou a analista.
-Mas doutora, não corro riscos?
-Olha, não posso garantir nada. Mas saiba que nunca viram nenhum peixe limpador ser predado durante uma sessão de limpeza. Relaxe e aceite seu instinto. Continue caprichando na limpeza que imagino que um cliente satisfeito irá pensar duas vezes antes de te comer.
-Obrigado, doutora. Nossas conversas são sempre reconfortantes. Até logo… – E saiu o peixinho nadando oceano afora.
Marta C. Soares1,2*, Redouan Bshary2, So´ nia C. Cardoso1, Isabelle M. Coˆ te´ 3, Rui F. Oliveira1,4 (2012). Face Your Fears: Cleaning Gobies Inspect Predators
despite Being Stressed by Them PLoS One
Biomas do Brasil na Rio+20
Entre as diversas atividades que colocam o Rio de Janeiro em ebulição durante a Rio+20 estão ainda algumas opções culturais para a sociedade em geral. Participei de uma delas, a Exposição Biomas do Brasil, como membro da equipe de conteúdo científico. Quem quiser dar uma volta virtual pela exposição pode acessar esse link (que maravilha essas ferramentas que a internet proporciona, quase dispensa uma visita real, com a excessão que não tem picolé grátis no final).

Num cilindro de 6x10m coberto de imagens interativas é possível sentir-se dentro da floresta. Foto: José Sabino
A exposição traz uma amostra da imensa biodiversidade brasileira, discute seu valor e coloca em xeque a visão de que o desenvolvimento econômico rivaliza com a conservação ambiental. O passeio pela exposição oferece uma visita ao que há de mais bonito (boa parte das imagens foram produzidas pelo Luciano Candisani, excelente fotógrafo brasileiro) nos nossos biomas, incluindo uma imersão na Amazônia com um ambiente interativo de mata inundada de 360°.
A exposição ocorre até o dia 22 de Junho no Pier Mauá e a entrada é gratúita. Ficamos na torcida de que, terminada a Rio+20, a exposição viaje pelo país. Para quem não puder ir ao Rio, é possível ver parte da exposição no portal dela na internet.
A exposição é um produto do trabalho vitorioso do José Sabino através da Natureza em Foco. Contamos com o financiamento do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação e com a execução da UnB e da FINATEC.
Se algum leitor for à exposição adorarei ver aqui nos comentários o que acharam.
O macaco prego brigão
Naquela manhã no consultório psicanalítico…
Era a primeira vez que a doutora contratava um secretário e ela já estava arrependida. De um lado da antessala estava o dito cujo, contido à força por ela. Do outro, dois macaquinhos. O da frente, o líder do bando, com uma expressão assustada continha o outro que, irado, tentava desvencilhar-se e voltar a agredir o secretário.
O macaco dominante resolveu a contenda empurrando para dentro do consultório o colega irado. Quando a doutora entrou o macaquinho estava empoleirado no encosto do divã com a cauda enrolada à haste do abajur e o peito arfando. A doutora sentou-se na poltrona com o bloquinho na mão e o cabelo desgrenhado.
– Deixe-me adivinhar. Ímpetos de violência incontrolável?
– A senhora é boa mesmo, doutora. – Resmungou o primata com desdém.
– Quer me contar sobre sua semana?
– Eu tenho escolha?
– Sempre! Você paga a consulta agora e se livra de mim na hora.
– Foi uma semana normal. Comemos frutos, um ou outro inseto, patrulhamos o território, cuidamos de nossas fêmeas e dormimos. Nada excepcional. – Após alguns segundos de silêncio no fim da frase a analista sacou o bloquinho de recibos da gaveta.
– Ok! Ok! Vamos conversar. Meu líder não me deixa sair daqui antes do fim da consulta. – Protestou o macaco prego contrariado.
– Vamos começar por ele então. Como é a relação de vocês? – Perguntou a psicóloga guardando o talão de recibos.
– Ele manda e eu obedeço. Próxima pergunta.
– Na próxima resposta agressiva eu encerro a consulta. Você se sente valorizado por ele?
– Subordinados nunca são valorizados.
– E isso te incomoda. – Foi mais uma afirmação do que uma pergunta, mas a única saída para o macaquinho era responder.
– Eu não me importo muito. Dá para ver que alguns macacos são mais bem tratados, mas eu não ligo.
– Como foi a briga que o trouxe aqui?
– Qual delas? Na que eu peitei um bando inteiro com 20 machos? – Debochou o macaquinho que agora escorregou pelo encosto e deitou-se no divã relaxado.
– Você se acha muito poderoso com essa sua atitude agressiva, né?
– De certa forma, sim.
– Seu líder também acha isso?
– Mas que saco! Essa consulta é sobre mim ou sobre ele? – Gritou o prego mostrando os caninos inferiores.
Passaram-se alguns instantes que pareceram horas para o macaco enquanto sua expressão agressiva dava lugar a um beicinho de tristeza.
– Não, ele não me valoriza. – Bingo. A analista acertou na mosca.
– Sr. Cebus, é comum que animais sociais ousem agredir quando eles esperam construir uma reputação. Também é comum que macacos sejam agressivos quando sabem que podem contar com o apoio do bando, mesmo que haja mais oponentes. Essa sua violência é só vontade de ser notado, respeitado e recebido pelo grupo. Mas existem outras formas que não colocar seu bando em risco toda vez que escuta um grupo rival.
– É, eu sei. Acho que devo desculpas ao meu bando e ao seu secretário. – Respondeu o macaquinho cabisbaixo.
A presença da doutora entre o cliente e seu secretário era quase uma escolta. Ela observou o cliente e seu líder seguindo até o elevador certa de que tinha feito seu melhor, mas preocupada com o prego. Ser terapeuta não é fácil.
Meunier, H., Molina-Vila, P., & Perry, S. (2012). Participation in group defence: proximate factors affecting male behaviour in wild white-faced capuchins Animal Behaviour, 83 (3), 621-628 DOI: 10.1016/j.anbehav.2011.12.001
Fim do mundo em 2012- Como animais podem te ajudar a prever catástrofes?
É claro que o mundo vai mesmo acabar esse ano e que esse evento catastrófico global será tão arrasador que nos restará pouco a fazer. Que razões nós teríamos para duvidar que uma civilização tão desenvolvida quanto a maia, que desapareceu devido a uma seca que os pegou desprevinidos, tenha previsto catástrofes muito mais imprevisíveis para extinguir a nossa sociedade. Como eu não acredito em bruxas, pero que las hay, las hay e prudência e canja de galinha (sem gripe aviária) sempre fizeram bem, resolvi reunir aqui um rol de comportamentos animais que podem ajudar a perceber as catástrofes a tempo de se abrigar; não que isso vá adiantar alguma coisa. Não é magia nem nada sobrenatural, como os animais são dotados de diversos sensores que funcionam com acuidade algumas vezes maior do que a nossa, eles podem ser capazes de perceber essas catástrofes antes de nós. Então à lista:
Tempestades e furacões: Desde tempos remotos que os marinheiros consideram albatrozes aves agourentas. Isso porque sempre que as aves apareciam em seguida lá se ia a bonança e vinha a tempestade. O que os supersticiosos marujos não sabiam é que o albatroz não causa a tempestade, mas a tempestade causa o albatroz, causalidade reversa em jargão científico. Essas aves são mais eficientes no voo planado do que no batido, mas para evitar bater as asas precisam de um empurrãozinho dos ventos. Daí sua presença garantida na margem de qualquer tempestade. O mesmo vale para outras aves continentais migradoras durante vendavais ou furacões, o vento que antecede o olho do furacão empurra as aves para longe.
Terremotos, vulcanismo e Tsunamis: Há inúmeras narrativas de animais domésticos e silvestres dando pistas de que um terremoto viria. Poucas no entanto são concretamente confiáveis. Em todo caso, conseguir identificar esses comportamentos pode aumentar irrisoriamente sua chance de sobrevivência. As narrativas mais comuns relatam latidos, ganidos e agressividade em cães e diversos animais deixando suas tocas. Pesquisadores japoneses que defendem a capacidade dos animais preverem terremotos contam que serpentes se apoiam sobre seus ossículos auditivos, por isso percebem as ondas P (ondas sísmicas de compressão) que precedem as ondas S (ondas de oscilação vertical, tremor) que nós humanos percebemos e que são tão destrutivas. Por isso esses répteis abandonariam seus abrigos e fugiriam. O mesmo pode valer para erupções vulcânicas e tsunamis, que estão relacionados a atividades geológicas também.
Inundações: Essa não tem o menor fundamento científico além da minha própria observação de fundo de quintal e de uma imaginativa explicação para a observação. Minhocas. Aqui em Mato Grosso, assim como em boa parte do Brasil, as chuvas se concentram no verão e são tão volumosas que chegam perto de saturar o solo de água. Como aqui o relevo é plano não temos grandes problemas, mas em declividades é isso que leva aos deslizamentos. Minhocas vivem sob a terra alimentando-se de matéria orgânica e respirando através da pele, como a água comporta pouco oxigênio acho que as minhocas morreriam afogadas se ficassem imersas. Sempre que tem chovido demais e o solo está saturado no meu quintal encontro minhocas se arrastando fora da terra. Pode ser apenas que fora dela esteja úmido o suficiente para esse anelídeo sair para uma volta, mas pode ser um sinal de saturação do solo. Se houver algum leitor em áreas de deslizamento que possa conferir minhas observações, dá para achar um padrão.
Vírus mortal: alguns pesquisadores sustentam que não são nossos parentes mais próximos a fonte mais provável de um vírus letal que possa arrasar a humanidade. Isso porque, apesar da semelhança genética, macacos não existem em populações muito grandes nem estão em contato estreito com a maioria dos humanos. Esse não é o caso para dois outros grupos animais, os de criação ampla (como os porcos da gripe suína, assim como frangos, vacas etc) e os sinantrópicos (como os ratos da peste negra, mas também cães, gatos, pombos etc). Fique de olho, muitos animais desse tipo aparecendo mortos sem uma causa aparente podem significar um novo vírus que possivelmente se adapte a infectar humanos.