Pensamento de segunda

“Não se preocupe com sua dificuldade em matemática. Posso te garantir que a minha é maior.” (Albert Einstein)

Manchetes comentadas 21: Grávida engravida nos EUA

Saiu hoje no “O Globo”, Julia Grovenburg concebeu um segundo embrião duas semanas e meia após engravidar. O caso é raro e arriscado para o segundo filho, pelo menos no caso dela são poucos dias de diferença, uma colega de trabalho contou que teve uma aluna que tinha cinco meses de diferença da irmã mais velha.

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Gravida de dois. E não são gêmeos!

Fonte: oglobo.com

Quando uma mulher engravida ocorre uma tempestade hormonal que age desde a diminuição da libido em alguns casos até a transformação do útero e paralisação do desenvolvimento dos óvulos nos ovários. O principal destes hormônios na verdade nem é produzido pela mãe, mas pelo embriãozinho, é a gonadotrofina coriônica (HCG). Este hormônio faz com que o corpo da futura mãe continue produzindo progesterona e estrógeno de forma a manter o endométrio no qual o embrião se fixará e irá trocar nutrientes e gases com a circulação da mãe. Só que a manutenção destes dois outros hormônios acaba inibindo toda uma orquestra hormonal na cabeça, principalmente na hipófise, evitando que novos óvulos entrem em maturação e sejam liberados e fecundados.

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Bom, isto é o que ocorre na maioria das pessoas, mas variações sempre ocorrem. Ainda mais numa cascata de eventos fisiológicos sistêmicos finamente organizada onde alguma pecinha sempre pode sair do lugar, é mais fácil algo dar errado do que tudo sair perfeitamente conforme o planejado, mais ou menos como tudo aquilo que nos surpreende ou causa repulsa nos filmes do 007. Caso o HCG não seja produzido em quantidade suficiente a mulher pode permanecer menstruando normalmente durante os primeiros meses de gravidez, desde que o pedaço de endométrio em que o embrião está fixado não se solte. A baixa produção deste hormônio também pode afetar a ovulação da mãe, sendo liberado um segundo óvulo que poderá ser fecundado. Outra forma disto tudo acontecer seria por tratamentos para engravidar, nos quais a mulher toma altas doses de hormônios para estimular a ovulação, o que pode ocorrer mesmo após a gravidez. Não foi o que ocorreu nos EUA, segundo a mãe.

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No primeiro sonograma dá para ver as duas cabecinhas dos bebês

Fonte: webusers.physics.umn.edu

A parte traumática é o parto. Dificilmente se conseguiria num parto normal que o bebê mais adiantado fosse dado à luz e o outro permanecesse no útero. A saída então é a cesariana, mas a anestesia também leva o outro bebê a sérios riscos, assim como a recuperação cirúrgica. No caso de Júlia Grovemburg a diferença é tão pequena que valeria a pena fazer o parto de ambos os bebês ao mesmo tempo, mesmo que um saia prematuramente. Normalmente um dos bebês seria esperado para dezembro de 2009 e o outro para janeiro de 2010.

Ab Initio

Só um post rapidinho para quem estiver na Cidade Maravilhosa.

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O Prof. Franklin Rumjanek, da UFRJ, estará na deliciosa Livraria da Travessa de Ipanema esta noite a partir das 19h para o lançamento de seu mais novo livro: “Ab initio” pela Editora Vieira & Lent. Claro que ainda não li o livro, exceto um primeiro capítulo liberado pela editora à guiza de teaser, mas do que conheço dos livros do autor o texto é delicioso, divertido e muito preciso. Neste título, Rumjanek trata da evolução em seu aniversário de 150 anos, abordando temas como a dificuldade da aceitação da teoria darwinista, se os evolucionistas atuais são unânimes e se a biologia é um desdobramento da física e da química.

Bom programa aos que forem, ficarei daqui do Mato Grosso morrendo de inveja.

Pensamento de segunda

“Fatos são rígidos, estatísticas são mais flexíveis.” (Mark Twain)

A arte e engenharia das esculturas “vivas” nas praias, por Theo Jansen

Salva a megalomania de ter aprimorado a roda de forma substancial pela primeira vez nos últimos 100 mil anos e uma ou outra concepção errada do que é vida e evolução, achei muito interessantes estes “organismos” criados por um artista holandês chamado Theo Jansen.  Segundo o criador, as criaturas vivas “nutrem-se” de energia eólica e habitam praias arenosas, apresentando uma homeostase entre ficar sobre a areia seca demais ou a água, à medida que ele chega em algum desses dois pontos dá a volta e retorna. Parece que ele consegue armazenar energia na forma de ar comprimido. “Tudo muito impressionante para um bando de canos de metal” (Bessa Features Dance monkeys, dance), mas uma capacidade auto-replicatória ainda deixa a desejar nessas esculturas ambulantes muito bem boladas serem organismos de verdade.

 

No vídeo dá para ver como se comportam os bichinhos

Fonte: www.ted.com

 

Obrigado ao Lucas pela sugestão de pauta.

Pensamento de segunda

“Não importa quão bela seja sua teoria, não importa quão esperto você é. Se ela não concorda com os experimentos, está errada.” (Richard Feynman)

Manchetes comentadas 20: 38 dependetes químicos morrem em incêndio em clínica

Saiu no “O Globo” de hoje o incêndio ainda sem causas definidas que matou 38 pessoas em uma clínica de reabilitação para dependentes químicos no Cazaquistão. O incêndio ocorreu por volta de 5 h da manhã de sábado. Os bombeiros conseguiram resgatar 40 pessoas, mas muitas estavam trancadas nos quartos como forma de evitar fugas ou reincidências dos vícios.

Dia 30 de agosto tivemos uma palestra muito interessante no BIOTA, o evento em comemoração ao dia do biólogo aqui da UNEMAT, com o Prof. André Luis Ribeiro Lacerda, da UFMT. André nos falou sobre a função última da exclusão social; causas últimas foram colocadas pelo Niko Timbergen, laureado de 74 com o Nobel de fisiologia e medicina por sua contribuição à etologia, define causa última como a causa evolutiva de um dado comportamento, ou seja, que vantagem evolutiva aquele comportamento oferece a quem o realiza. Em sua palestra André discorreu sobre como a coesão de determinados grupos sociais, inclusive os humanos, se beneficia ao retirar de dentro deles, integrantes que fujam aos interesses do grupo todo. Há várias formas de exclusão, assim como várias formas de ser considerado inapto a permanecer no grupo. Em termos evolutivos, a vantagem de excluir um membro corrosivo ao grupo é que o grupo todo estará mais coeso e seguro. Assim, temos uma explicação distal, adaptativa para a exclusão social. O que de forma alguma significa que o preconceito deva ser apoiado ou incentivado, como discutimos depois da palestra com alguns pesquisadores humanistas meio estarrecidos com o rumo da prosa.

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Enquanto você se esforça pra ser um sujeito normal. Eu do meu lado aprendendo a ser louco

Fonte: www.profmi.wordpress.com

Drogaditos são certamente uma categoria que sofre com a exclusão social constantemente; hoje até mesmo fumantes e alcoólatras sofrem este preconceito. A institucionalização de casos mais graves à margem da sociedade pode ser visto muitas vezes como uma exclusão destes membros da sociedade (outros defenderiam que é uma reabilitação ao convívio social, mas de qualquer forma estamos excluindo o personagem indesejável enquanto ele não se portar do jeito que esperamos. E viva O Alienista!). Foi esse nosso desejo de ocultar e excluir o que não se enquadra que levou à morte dessas 38 pessoas no Cazaquistão, uma higienização social acidental e definitiva.

Viva o cerrado!

A um colega e cupim do Cerrado, Diogo Costa

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Sou um calango do cerrado. Nasci em Brasília, dei meus primeiros passos no estudo da vida no cerrado, acampava, fazia excursões de bicicleta e alimentava o proto-biólogo que já havia em mim no cerrado. Não sou um grande entendido na savana brasileira, mas o adimiro muito e me sinto em casa nele. Hoje, vivendo na interface entre cerrado e amazônia, amanheço dando bom dia (ok, às vezes o sono me deixa mal-humorado o suficiente para não dar bom dia) a um casal de araras que mora aqui perto de mim, estaciono na universidade à sombra de uma paineira e me alongo após a corrida na forquilha de um ipê.

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Foi instituído que hoje, dia 11 de setembro, comemora-se o dia do cerrado. É uma data propícia já que tende a ser mais ou menos quando as chuvas recomeçam e o cinza das cascas de árvore, do capim seco e das folhas ansiosas retomam seu florescimento. O objetivo da data é remeter à preservação deste que é o segundo maior bioma do Brasil e ainda se espalha por alguns dos países vizinhos. Agricultura extensiva, pecuária e queimadas são algumas das maiores ameaças ao cerrado.

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O bioma cerrado é constituído por um grupo de fisionomias diferentes como os campos sujos e limpos, o cerradão e as veredas, mas todos são caracterizados por vegetação não muito alta, bastante fechada, de raízes profundas e resistentes à alta incidência solar e a uma longa estação seca. Não é exatamente o tipo de ambiente que mais enche os olhos do cidadão comum, mas um naturalista mais atencioso irá claramente notar a riqueza do cerrado.

Pensamento de segunda

“Não há uma categoria da ciência que se possa chamar de ciência aplicada. Há ciências e aplicações da ciência, grudadas juntas como um fruto numa árvore.” (Louis Pasteur)

Vivendo na Merda

Aqui na UNEMAT estamos em plena realização do Ciclo de Estudos de Biologia de Tangará da Serra – BIOTA. Todo dia temos palestras e mini-cursos, pessoas novas de instituições distantes para interagir com nossos acadêmicos (e nós mesmos) e abrir novos horizontes. Muito ricas estas experiências! Nos fazem ver o quão pouco sabemos, o tanto de coisas legais que há para explorar fora daquilo que já pesquisamos.

 

Numa dessas esta tarde fui assistir a uma palestra sobre caracteres comportamentais e sistemática filogenética. O convidado, Fernando Vaz de Mello, da UFMT, tem se especializado em besouros rola-bosta e sua empolgação com o modelo é, digamos, contagiante. Esta subfamília de besouros, os Scarabeinae, utilizam fezes como seu principal recurso alimentar, assim como fonte de nutrientes dos filhotes. Algumas espécies retiram um pedaço de esterco, moldam-no em uma esfera, e vão rolando até um local onde enterram-na, remodelam-na, ovipositam ali dentro e podem permanecer ali para cuidar dos filhotes, são os chamados telecoprídeos. Outro grupo, o dos paracoprídeos, escava galerias sob o monte de merda preenchendo-as do recurso e colocando ali seus ovinhos. O último grupo deposita seus ovos em esferas de esterco dentro da própria montanha de esterco, são os endocoprídeos. À parte estão diversas variações destes comportamentos, como carregar o esterco sem rolá-lo, simplesmente depositar os ovos sem fazer bolinha nenhuma ou até trocar a bosta por uma apetitosa içá ou um emaranhado de plumas. Como etólogo meu instinto ficou ouriçado para saber mais sobre os bichinhos de hábito de vida tão peculiar.

 

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Poucos animais são escultores tão hábeis…

ou escolhem matéria prima mais duvidosa

fonte: www.insecta.ufv.br

 

A despeito destes besouros viverem na merda literalmente, eles estão melhores do que muitas espécies por aí. Afinal, seu nicho, pelo menos no que se refere à dieta, não está escasso de forma alguma. Pior está a onça-pintada de outra palestrante, a Natália Mundim Tôrres da UFG, em que cada indivíduo necessita para viver de uma área preservada de 100 km² ou mais, dependendo da densidade de presas disponíveis a ela. Neste ponto bem estão os rola-bostas, se há onças eles chafurdam na bosta dela. Se só restaram suas presas, lá vão eles pro cocô da capivara. Se nem isso a agropecuária deixou, que se pode fazer? chafurdam os besouros na merda de vaca! Não há tempo ruim pra quem já vive na merda. Ou quem sabe a escolha evolutiva do grupo não seja tão má assim. Os bichinhos capricham tanto em suas esferinhas e as levam com tamanha destreza que dá gosto de ver (de nariz tampado, claro).

 

A Biologia é mesmo assim, linda em cada detalhe, desde que nos dêmos tempo para olhar. Tudo vale a pena se a idéia não é pequena.

 

E falando em poesia, lembrei de uma escrita pelo Paulo Robson de Souza, biólogo, no livro Poesia Animal que transcrevo um pedaço abaixo:

 

A peleja do Rola-bosta com a Formiga fazendeira

 

Era uma tarde após a chuva.

Um besourão empurrava

esterco sem usar luvas.

sem querer, deu um esbarrão

numa formiga saúva.

 

Que que é isso, meu amigo?!

– disse a formiga, espantada- ,

na sua cabeça chifruda

tens esta merda rolada?

Seu comedor de cocô!

Quer partir para a porrada?