Etologia de Alcova – Orgias

Quantos sapos você vê nessa foto? Estão todos acasalando com uma fêmea em algum lugar aí no meio. (Foto: Neil Phillips/scienceblogs.com/tetrapodzoology)
É carnaval e você ainda arrumou uma hora para vir conferir o Ciência à Bessa. Enquanto relaxa no sofá tenta contabilizar quantas bocas beijou na noite anterior. Como é maravilhoso o comportamento humano e essas festas de libertação, com seu representante máximo no carnaval brasileiro. Talvez você se surpreenda, mas orgias assim não são exclusividade da nossa espécie.
Peixes que formam cardumes frequentemente têm seu período de sexo irrestrito. Dependendo da espécie, basta a quantidade de alimento, o volume de chuvas ou a duração dos dias atingir um valor crítico que os peixes entram em frenesi sexual. Centenas de casais se formam e fazem sexo insanamente, todos juntos. Entregam-se com tamanha paixão e lascívia que parece que é a última coisa que eles farão na vida, e para muitas espécies é mesmo. É o caso das enguias e salmões no hemisfério norte. Acasalam-se torridamente, põem ovos e depois do prazer têm o bom senso de morrer.
De forma similar, alguns anfíbios praticam o que se chama tecnicamente de reprodução explosiva. A frieza dos jargões à parte, na prática o que ocorre é que fêmeas dadivosas vão para locais onde muitos machos se concentram para entregar-se ao sexo liberal apenas cerca de três ou quatro dias no ano, voltando a sua vida pacata depois disso. Ali elas são montadas por vários machos, em alguns casos dezenas deles ao mesmo tempo. Também é comum que os machos cubram a fêmea de esperma durante esse ato. Vale ressaltar que, por competir com outros machos pela fecundação dos óvulos da fêmea, nesses animais a seleção natural levou à evolução de machos que possuem testículos descomunais e produzem quantidades astronômicas de esperma.
Você poderia argumentar que esses exemplos não tem nada de carnavalesco, que eles visam especificamente à reprodução. De certa forma você tem razão, então vejamos alguns exemplos de sexo liberal e desvinculado da reprodução, e que ocorre em nossos primos mais próximos. Entre os grandes primatas é comum que conquistas valiosas sejam celebradas com muito sexo. Bonobos são primatas tão proximamente aparentados a nós humanos quanto os chimpanzés que antigamente eram conhecidos como chimpanzés pigmeus. Eles, no entanto, vivem numa sociedade matriarcal onde o sexo tem papel social fundamental. Ao receber uma lauda refeição no zoológico, bonobos celebram fazendo sexo freneticamente antes mesmo de tocar no alimento. Quanto mais participativo na suruba for um indivíduo, tanto maior será sua parte do alimento.
A reporter não comenta, mas veja os chimpanzés se montando e friccionando os genitais.
Já entre os chimpanzés orgias foram documentadas em zoológicos europeus. Em locais frios esses animais passam o inverno recolhidos em recintos pequenos e fechados. Alguns meses sem sair ao ar livre ou ver o azul do céu e, quando são liberados de volta ao chegar a primavera, esses chimpanzés espalhavam-se pelos gramados se beijando, acariciando e acasalando sob a luz cálida do sol. Antes que alguém pense que este é um comportamento artificial, gerado pelo contato com os humanos nos zoológicos, aviso logo que a mesma coisa acontece quando abatem uma caça grande que irão dividir com o grupo na natureza. Sexo como uma forma de comemorar, sem papel reprodutivo algum.
Nenhum etólogo sério daria o nome desses fenômenos de orgias ou o compararia ao carnaval no ambiente acadêmico. Mas não seria mais ou menos isso que estaria acontecendo? Liberação, comemoração, sexo e alegria, tudo isso misturado num período curto do ano antes que todos voltem à vida normal. Aproveitem o carnaval. Comportem-se como os animais que somos.
Etologia de alcova – Homossexualidade
A nova série de posts do Ciência à Bessa vai falar sobre comportamentos que muita gente poderia julgar exclusivamente humanos, mas que ocorrem entre animais. O sexo é um grande tabu em nossa sociedade, recluímos muito do que fazemos às quatro paredes do quarto, a alcova. Mas a despeito da afirmação que Desmond Morris fez na década de 70 sobre a exacerbada sexualidade humana em seu livro clássico, O macaco nu, muito do que se pensava fazer parte da nossa criatividade sexual nada mais é do que herança de nossos ancestrais. Etologia é a ciência que estuda o comportamento dos animais, no Brasil os etólogos estão organizados na Sociedade Brasileira de Etologia, à qual eu sugiro fortemente que você se filie se tiver interesse n esse assunto. A Etologia de alcova discutirá vários comportamentos sexuais que certamente te surpreenderão.
Minha aluna Raiane Costadelle estava estudando quais as pistas que as fêmeas de jabutis usam para escolher seus parceiros. Tínhamos diferentes informações a respeito dos machos: seu peso, tamanho, posição hierárquica e carga de parasitas. A ideia era descobrir qual característica era mais importante para garantir que um macho conseguisse acasalar, então sempre que a Raiane encontrava um casal em cópula ela anotava o número do macho que estava por cima e, só para saber, o da fêmea que estava por baixo também. Qual não foi a surpresa dela quando percebeu com certa frequência que o jabuti que estava por baixo não era uma fêmea, mas outro macho!
A homossexualidade não é exclusividade dos humanos e dos jabutis. Num artigo de 2009, Nathan Bailey e Marlene Zuk (que entrevistei logo que esse artigo saiu) listaram uma série de espécies e contextos em que o comportamento homossexual ocorre. São golfinhos que se tornam mais unidos e colaborativos se entre eles emerge um pouco de sexo, mosquinhas da fruta que praticam com outros machos antes de se acasalar pela primeira vez com uma fêmea, pica-paus fêmeas que evitam a guerra fazendo amor, libélulas que, na falta da fêmea, acasalam com outros machos, machões dominantes que para demonstrar seu poder montam em seus inferiores, como ocorre entre bisões e aparentemente nos nossos jabutis, entre diversos outros casos.
A essa altura você pode estar se perguntando: mas como a homossexualidade poderia evoluir se ela levaria o gay a jamais deixar descendentes? Essa pergunta reflete duas visões duvidosas: a determinação genética da homossexualidade e nossa visão dicotômica da sexualidade, na qual ou se é homossexual ou heterossexual, o que provavelmente está muito longe da realidade. O biólogo que se tornou um dos maiores especialistas do mundo em comportamento sexual humano, Alfred Kinsey, distribuía os humanos num continuo de homossexualidade desde homossexuais estritos até heterossexuais estritos, incluindo todos os seus graus intermediários. Sendo assim, mesmo que haja um gene gay, é possível a homossexualidade evoluir, não só entre os humanos, mas por toda a natureza.
Criatividade e o bebê de 10 meses
Muitas mudanças ocorreram nesse décimo mês de vida do meu bebê. Ele desenvolveu ainda mais a fala, sua postura e capacidade de se deslocar melhoraram visivelmente, mas já escrevi sobre tudo isso nos últimos meses. No entanto, teve um detalhe que me marcou e ainda não tratei aqui. Foi algo bem sutil, mas que merece comentários. Meu bebê está cada dia mais criativo.
A criatividade é algo intrínseco ao ser humano, provavelmente uma das maiores responsáveis pelo sucesso global da nossa espécie. Somos extremamente maleáveis aos desafios que o ambiente impõe a nós. Isso não é exclusividade humana, muitos animais se ajustam para solucionar problemas dos ambientes que habitam. Alguns exemplos são impressionantes, ultimamente meus favoritos vêm dos corvos, capazes de usar ferramentas tão imaginativas quanto sinais de trânsito e automóveis para quebrar a casca de alimentos duros demais para seus bicos. Mesmo assim a criatividade humana surpreende.
Já desde o quinto mês do meu bebê que tentamos estimular que ele engatinhe deitando-o num edredom e colocando um brinquedo pouco além do seu alcance. Completamente alheio às nossas tentativas, o bebê desenvolveu uma técnica muito mais prática para alcançar o objeto. Em vez de se esforçar em arrastar-se até o brinquedo, ele puxava o edredom até que o brinquedo chegasse às suas mãos.
Esse mês compramos um relógio cuco de brinquedo. Quando se aperta um botão no alto o cuco aparece e quando se aperta outro botão na frente do relógio, uma música toca. Meu bebê ainda não tem coordenação para apertar botões, o que reduziria muito a diversão do brinquedo não fosse sua criatividade. Logo nos primeiros dias ele descobriu que em vez de apertar o botão de cima, ele poderia puxar com o dedo a porta de onde o cuco saía. O botão da frente já foi mais desafiador, ele era pequeno demais para o bebê acertar. Sua solução foi derrubá-lo no chão de frente. Assim, sempre que o bebê apertava o relógio todo contra o chão, a música tocava. O bebê escarnece dos manuais de instrução dos brinquedos e alcança os mesmos objetivos à sua própria maneira.
Essa capacidade de relacionar causas e consequências, de interpretar fenômenos e de criar alternativas é função do nosso córtex frontal, já bem desenvolvido nos bebês. É seu uso que desenvolverá sempre mais nossa capacidade criativa. Então não cerceie a imaginação do seu bebê, não existe jeito errado de usar um brinquedo.
A fala e o bebê de nove meses

Apesar de podermos apontar o dia da primeira palavra, o início da fala ocorre dispersamente durante todo o primeiro ano de vida. Foto: mundodastribos.com
Primeiramente quero deixar claro que um bebê de nove meses dificilmente falará de verdade. Eles balbuciam, gritam, gemem, reclamam, choram. Mas falar mesmo não falam. Há quem diga que falam sim, nós é que não entendemos. No momento considerarei “falar” como a produção de sons compreensíveis por um ouvinte minimamente dentro do padrão de regras de um idioma. Portanto, bebês de nove meses provavelmente não falam ainda. O que discutirei nesse post é o desenvolvimento dessa fala.
Assim que inflam seu pulmão pela primeira vez, os bebês já são capazes de produzir sons. E aliás o fazem quase sempre, abrindo o primeiro de muitos berreiros logo após o parto. Eles ainda levarão alguns meses para perceber a própria capacidade de emitir sons. Com meu bebê aconteceu aos três meses, quando ele gritava e se assustava com o grito que ele próprio havia dado. Também é cedo, por volta dos cinco meses, que eles começarão e imitar sons que escutam. As primeiras sílabas pronunciadas são, frequentemente, o “agu”, mas com o tempo esses sons se diversificarão e passarão a compor narrativas compriiiiiidas que seu bebê fará a qualquer momento. O início da fala parece um momento difícil de apontar exatamente, disperso por todos os primeiros meses da vida. Mas então por que falar disso justo no nono mês?
De acordo com uma série de estudos feitos por Patricia Kuhn, é aos nove meses que os balbucios de um bebê começam a representar uma língua. Esta pesquisadora apresentou balbucios de bebês de diferentes nacionalidades a adultos daquelas nacionalidades. Mesmo não falando uma língua específica, foi aos nove meses que os ouvintes descobriam em que idioma o bebê estava sendo criado com maior frequência. Ou seja, bebês brasileiros a partir dos nove meses balbuciam em português.
Também é nessa idade que os bebês desenvolvem maior sensibilidade aos fonemas e inflexões mais comuns de sua própria língua. Ele aprende quais os sons mais comuns e se torna mais atento a eles. Isso potencializa seu aprendizado, mas apenas da língua materna.
Para os pais ansiosos, sugiro primeiro o post anterior, no qual discuto como cada bebê tem seu ritmo e seu jeito de fazer as coisas. Apesar disso, tem um exercício que parece fazer muito bem para bebês aprendendo a falar: ler livros ilustrados. Se você está com pressa de ter um pequeno tagarela pode investir um tempo todos os dias lendo para ele. Última dica, outras pesquisas indicam que infantilizar nossas vozes ao falar com bebês é excelente para o aprendizado deles até que eles comecem a falar, mas depois disso, quanto mais normalmente falarmos, mais rápido a criança aprenderá a falar corretamente.
Kuhl, P. (2004). Early language acquisition: cracking the speech code Nature Reviews Neuroscience, 5 (11), 831-843 DOI: 10.1038/nrn1533
Jusczyk, P., & Luce, P. (1994). Infants′ Sensitivity to Phonotactic Patterns in the Native Language Journal of Memory and Language, 33 (5), 630-645 DOI: 10.1006/jmla.1994.1030
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