Brasil Ameaçado-Gritador (Cichlocolaptes mazarbarnetti)

Gritador do Nordeste, calado para sempre. (Imagem: R. Grantsau/http://chc.cienciahoje.uol.com.br)

Na semana passada escrevi sobre um animal com apenas 15 anos de descrito e já nas listas como ameaçado. Pois essa semana a coisa é ainda mais triste, esse pássaro descrito em 2014 com base em animais coletados na década de oitenta provavelmente já está extinto. O Gritador do nordeste viveu numa região conhecida como Centro Pernambuco de Endemismo, uma faixa de mata atlântica entre Alagoas e o Rio Grande do Norte com muitas espécies endêmicas de aves. O problema é que a ocupação histórica dessa região com agricultura no Brasil colonial e mais recentemente levou ao desaparecimento da floresta. Mesmo os poucos fragmentos existentes ou são muito atingidos pelo efeito de borda (interferência de fatores externos no interior do fragmento florestal) ou são na verdade uma vegetação secundária: reflorestada, mas incapaz de receber de volta a fauna que desapareceu dali. O pássaro, se é que está mesmo extinto, alimentava-se de insetos que vivem entre as folhas de bromélias nas matas de topo de serra. Epífitas como as bromélias são plantas exigentes, só ocorrem em florestas antigas e bem preservadas. Sem bromélias, nada de gritador. Preservar é sempre mais fácil e barato que reflorestar. Para que novas espécies não tenham o mesmo futuro do gritador, respeite as áreas verdes e reservas legais previstas na legislação.

Brasil Ameaçado- Peixe canivete (Characidium vestigipinne)

Characidium vestigipinne, tão raro que a única foto que encontrei foi de um exemplar de museu (imagem: B. Callegari/projeto-saci.com)

Este peixe canivete é outra dessas espécies recentemente descritas (2000, apenas 15 anos atrás) e que já constam de listas de espécies ameaçadas. O problema é novamente a distribuição muito restrita da espécie a um arroio na Bacia do Alto Rio Uruguai. Esses arroios cortam propriedades rurais pecuaristas e acabam sendo represados para servir de bebedouro para o gado ou são pisoteados pelos animais, o que resulta em mudança do leito e da transparência da água. Canivetes são peixes de fundo que dependem muito das características do leito do rio e capturam itens alimentares que enxergam descendo o rio com a correnteza. Tanto o pisoteio quanto o represamento tornam esses arroios inabitáveis para os peixes canivete. Uma dúvida comum diz respeito à condição verdadeira desses animais como uma espécie. Entre o gênero Characidium existem várias espécies pertencentes a um complexo afim a Characidium zebra. Se considerássemos todos esses animais como pertencentes apenas à espécie C. zebra, não haveria ameaça nenhuma de extinção, já que muitas dessas espécies são bastante numerosas. No entanto, considerar cada espécie separadamente deixa algumas delas em maus lençóis. No caso de C. vestigipinne o que a diferencia das demais espécies é a segunda nadadeira dorsal vestigial e a presença de alguns caracteres dimórficos, diferentes entre machos e fêmeas. Seria isso suficiente para considerá-la uma espécie à parte? Os especialistas consideram que sim. Na dúvida, não custa proteger essa população isolada no Rio Grande do Sul. Uma forma de fazê-lo é impedir que o gado se aproximasse de rios.

Brasil Ameaçado-Preá (Cavia intermedia)

Um preá ameaçado de extinção (Imagem: Nina Furnari)

Um preá ameaçado de extinção (Imagem: Nina Furnari)

Apesar da fama de se reproduzirem desembestadamente, nem todas as espécies de preás gozam de populações enormes. Muito pelo contrário, aliás. Cavia intermedia recebeu o título de mamífero mais raro do mundo devido à sua distribuição extremamente restrita, ocorrendo apenas nas ilhas Moleques do Sul, 10 km ao sul de Florianópolis, que tem 4 hectares. Estimativas populacionais de 2005 sugerem a existência de apenas cerca de 40 animais adultos. Sabemos muito pouco sobre a ecologia dessa espécie, mas parece que eles se alimentam de gramínias em grupos relativamente grandes (até 17 animais), subdivididos em duplas fixas como mãe e filhote. Esses animais se comunicam usando assovios característicos e medem 25 cm, pesando pouco mais de meio quilo. Apesar de seu hábitat estar incluso numa unidade de conservação, a presença humana na ilha não é controlada pelo ICMBio por falta de pessoal e verba. Turistas acampando, introduzindo espécies exóticas e até caçando ali são a principal ameaça a esses preás. Portanto, você pode ajudar Cavia intermedia não colocando os pés no Parque Estadual da Serra do Tabuleiro na ilha Moleques do Sul (Correção da Nina Furnari que nos informa que tem uma parte do Parque que é continental e merece uma visita). Há um bom motivo para o acesso humano ser proibido.

Brasil ameaçado-tubarão dente liso (Carcharhinus isodon)

Somos uma ameaça até para os ameaçadores tubarões. (Imagem: C. Barret/fishbase.org)

O tubarão dente liso vive em grandes cardumes, alimentam-se de peixes ósseos e distribuem-se próximo à costa desde os Estados Unidos até o Uruguai. São tubarões vivíparos, nos quais os filhotes se nutrem através da placenta da mãe. No momento da cópula o macho segura a fêmea mordendo seu dorso, o que torna fácil identificar a estação reprodutiva ao ver fêmeas com marcas de mordidas nas costas. Seus dentes são mais afilados do que os outros tubarões, também não possuem serrilhado nas margens. Não existem relatos de ataques dessa espécie contra humanos. A recíproca, no entanto, não é verdade. Nos Estados Unidos, o pico de capturas aconteceu em 1999, quando mais de cem toneladas desse animal foram mortos e vendidos. Não encontrei uma estatística confiável para as capturas dessa espécie no Brasil, mas sua inclusão na lista do ICMBio deve reduzir a pressão pesqueira. O problema é que as fêmeas dessa espécie precisam chegar até 1 m de comprimento para reproduzir, o que leva cerca de seis anos. Mesmo assim ela só irá gestar uma média de 3 filhotes a cada 2 anos, tendo grande chance de morrer antes de se reproduzir. Para ajudar o dente liso e diversas outras espécies de tubarões não consuma sopa de “barbatana” de tubarão. Essa duvidosa iguaria oriental estimula a captura de tubarões apenas para amputar suas nadadeiras e descartar o corpo, muitas vezes ainda vivo, do animal no mar.

Brasil Ameaçado – Muriqui (Bra

Grandes, dóceis, caçados frequentemente e ameaçados de extinção. A vida não é justa com os Muriquis. (Foto: Bart vanDorp/flickr.com)

O brasileiro ameaçado dessa semana é o Muriqui do Norte, Brachyteles hypoxanthus. Seu nome em tupi quer dizer “o povo tranquilo das florestas”. Ele é o maior primata brasileiro, pesando até 15 kg. Viaja pelas copas das árvores usando os membros, mas também a cauda preênsil muito habilidosa, alimentam-se de frutos, folhas e flores. Habitam florestas de altitude, a maior população livre hoje fica em Minas Gerais. Também existem macacos dessa espécie se reproduzindo em cativeiro no Rio de Janeiro. Eles estão criticamente ameaçados de extinção tanto pela mais recente lista do ICMBio quanto pela IUCN, principalmente devido à fragmentação da mata atlântica onde habitam. Outro problema recorrente é a caça desses animais, que dizima as populações encurraladas em pequenos fragmentos. O Muriqui é uma das 35 espécies mais ameaçadas do mundo. Para ajudar a preservar o Muriqui você pode incentivar a criação de corredores ecológicos conectando fragmentos ilhados por áreas desmatadas, em especial se viver no Rio de Janeiro, Minas, Bahia ou Espírito Santo. Uma forma de fazer isso é através de Reservas Particulares com reflorestamento.

Brasil Ameaçado – Jararaca de Alcatrazes (Bothrops alcatraz)

Jararaca de Alcatrazes, ameaçadora, mas só se você teimar em entrar em sua ilha sem a autorização do ICMBio. (Foto: ufmg.br)

Parece mentira, mas até animais ameaçadores estão na lista das espécies ameaçadas pelo bicho homem. A Jararaca de Alcatrazes, Bothrops alcatraz, é endêmica (restrita) à ilha de Alcatrazes, no litoral de São Sebastião, São Paulo. Ela mede cerca de meio metro e tem o hábito de subir em árvores e se alimenta de lagartos e artrópodes. Seu veneno é dez vezes mais forte do que o de outras jararacas, causando paralização nervosa (dos receptores neuronais colinérgicos) e toxicidade ao músculo. Mesmo assim, aplicações medicinais da toxina têm sido estudadas. A espécie é considerada ameaçada devido à sua distribuição restrita em uma área de cerca de 10 km², sendo que a ilha vinha sofrendo com exercícios de guerra da Marinha. Para proteger a jararaca de Alcatrazes você deve respeitar as regras de gerenciamento ambiental de unidades de conservação, em especial os parques marinhos. Outra dica é ir treinar tiro ao alvo com simuladores em vez de destruindo paredões de granito com dinheiro público.

Brasil Ameaçado-Cuíca de colete (Caluromysiops irrupta)

Cuíca de Colete: tímida ou ameaçada? (imagem: agriculturaeambiente.com.br)

Esse simpático marsupial é conhecido como cuíca de colete. Cuícas e gambás são marsupiais sul-americanos, parentes frequentemente esquecidos dos cangurus, coalas e tantas outras espécies de marsupiais australianos. Sua situação é controversa, tendo deixado a lista vermelha da IUCN em 1996, já que a instituição entendeu que a espécie é raramente registrada não por ter uma população pequena, mas porque tem hábitos de vida tímidos, sendo noturna, vivendo apenas em florestas virgens e nunca descendo do alto das árvores. No Brasil, no entanto, o ICMBio preferiu ser conservador, até porque essa espécie no Brasil está vendo seu habitat ser esfacelado pelo avanço da pecuária extensiva. Nos países vizinhos onde essa cuíca também ocorre, por exemplo o Peru, é provável que suas populações estejam mais saudáveis. Alimentam-se de pequenos animais, frutos e néctar, este último o torna um dos poucos mamíferos polinizadores que não voam. Possuem uma cauda preênsil e são relativamente grandes, pesando o dobro da média das espécies próximas (450 g). Quer ajudar a Cuíca de colete? Procure comprar apenas carne com selo verde, cuja produção não decorre de desmatamento mais atual.

Etologia de alcova – Sexo em troca de favores

Será que animais se prostituem? Uma das primeiras coisas que aprendemos quando vamos trabalhar com comportamento animal é a nunca antropomorfizar os comportamentos, nunca interpretar sua intenção de um ponto de vista humano. É provavelmente a parte mais impossível difícil da etologia, mas a gente tenta. Nesse ponto o Ciência à Bessa é uma boa válvula de escape. Aqui posso ser um pouco mais flexível com meu antropomorfismo e até colocar animais no divã de uma psicanalista, por exemplo. Esse mês vou falar sobre mais um comportamento sexual que muitos juram ser exclusividade humana, a troca de sexo por favores. Poderia denominar isso prostituição, mas seria cometer mais antropomorfismos do que estou disposto. Nesse caso, irei relatar o que acontece e deixarei o leitor definir como achar melhor.

Você me ama? Eu te trouxe uma mosca. Sexo em troca de favores (Fonte: arkive.org)

Fêmeas de diversas espécies de animais frequentemente fazem sexo em troca de favores dos machos. Estes machos usam seu status e poder para obter recursos que ele doará à fêmea se ela estiver disposta a doar-lhe alguns de seus óvulos em retribuição. Grilos da espécie XXX produzem uma substância gelatinosa junto com o espermatóforo que as fêmeas irão ingerir. Aranhas macho da família Pholcidae desenvolvem uma protuberância em partes de seu corpo que será comida pela fêmea durante a cópula.

Outras espécies oferecem presentes que, diferente das protuberâncias ou secreções mencionadas acima, não são produzidos por elas mesmas. É o caso das aranhas Trechaleidae, que capturam presas em suas teias, embrulham em teia, e entregam às fêmeas em troca de sexo. Quanto maior e mais nutritivo o presente, tanto maior serão as chances do macho obter sucesso. Algo parecido ocorre com o ciclídeo africano Lamprologus callipterus, cujos machos defendem conchas onde as fêmeas desovam. Se uma fêmea quiser desovar numa dada concha, terá que aceitar que o pai de seus filhos será o macho que a defende. Um último exemplo, nas moscas da família Empididae, machos caçam presas e procuram enxames de fêmeas para trocar sua presa por sexo. Se a presa é grande e nutritiva, as fêmeas disputam ferozmente entre si pelo macho.

Nos mecópteros, insetos voadores às vezes chamados erroneamente de mosca-escorpião numa tradução literal do nome em inglês mas que nada têm a ver com as moscas verdadeiras (dípteros), machos grandes guardam grandes quantidades de alimento que oferecem às fêmeas, isso se elas aceitarem fazer sexo com eles. Machos um pouco menores não conseguem proteger esses alimentos, então influenciam a fêmea oferecendo-lhes uma deliciosa guloseima feita com sua própria saliva. Guardar alimento como os mecópteros grandes é a forma mais certeira de conseguir sexo, os presentes de saliva garantem aos machos menores algumas cópulas, mas certamente a tática menos eficiente é não oferecer nada em troca às fêmeas, o que ocorre com machos pequenos. Nesse caso eles só conseguirá sexo se forçarem suas pretendentes.

Até construções naturais magníficas, mas que não servem para mais nada na biologia desses animais, podem ser consideradas um escambo por sexo. Na Austrália pássaros caramanchão constroem cabanas ornadas com itens metálicos, azuis e amarelos para atrair fêmeas, mas na hora da desova a fêmea usa outro local como ninho. A cabana é só uma homenagem que a fêmea exige do macho para dar-lhe o que ele quer. O mesmo vale para os assombrosos morrotes de mais de um metro construídos no Lago Malawi por pequenos ciclídeos. A fêmea usa esses morrotes para escolher o parceiro, mas não usa o morrote para depositar seus ovos.

Caramanchões, um presente? (Imagem: nus.edu.sg)

Talvez você tenha reparado que em todos esses casos é a fêmea que cede o sexo em troca do favor. Não existem casos do contrário na natureza? Não consigo me lembrar de nenhum agora, mas mesmo que exista, ele será uma exceção. Isso porque a diferença biológica básica entre machos e fêmeas é que os óvulos das fêmeas são muito mais valiosos que os espermatozoides dos machos. É por isso que as fêmeas em geral tendem a ser mais exigentes, inclusive exigindo favores dos machos em troca de sexo.

Brasil Ameaçado – Baleia Azul (Balaenoptera musculus)

Baleia Azul, um castelo construído sobre areia movediça, um predador dependente de uma presa sendo dizimada. (Foto: wikipedia.org)

Até o maior animal que já vagou sobre esse planeta está sofrendo atualmente. Tudo é superlativo nelas. As baleias azuis, Balaenoptera musculus, mamíferos de 30 m de comprimento e 170 toneladas cujo coração cabe uma pessoa e a aorta permite engatinhar dentro. É o animal que produz os sons mais altos também, e a maior diferença de tamanho entre predador e presa, já que ela se alimenta de microcrustáceos. Graças à caça indiscriminada para obtenção de gordura e talvez a mudanças climáticas as populações vêm diminuindo desde o fim do século retrasado. Atualmente são cerca de 3 mil animais distribuídos principalmente no Norte do Pacífico. Quer ajudar na conservação desse gigante? Cuide do krill que ela come. Suplementos nutricionais com Ômega 3 derivados do Krill reduzem as populações desses animais que servem de base para a cadeia alimentar que inclui as grandes baleias.

Brasil Ameaçado – Peixe anual Austrolebias cyaneus

Peixes anuais como o Austrolebias charrua da foto e o A. cyaneus do texto são afetados pelo tráfico e pela destruição do habitat. (Foto: icmbio.gov.br)

Mais de 120 peixes da família Rivulidae figuram na lista de animais ameaçados do Brasil de 2014, no entanto usarei apenas A. cyaneus a título de exemplo. Os rivulídeos, ou peixes anuais, são alguns dos peixes mais coloridos que se pode encontrar em água doce. Por isso atraem muito o interesse de aquaristas bem intencionados, mas também de traficantes de animais muito mal intencionados. Soma-se a isto a biologia desses animais, que vivem em poças temporárias, possuem alto grau de endemismo (só ocorrem em determinada região) e se reproduzem de maneira explosiva, o que os torna mais sensíveis à destruição do habitat. Estão prontos os fatores chave para a extinção de muitos desses belos animais. Austrolebias cyaneus não passa de 5 cm e são de um azul royal listrado de preto. Quanto à dieta, são micropredadores, alimentando-se de pequenos invertebrados. Na reprodução os machos cortejam a fêmea e a convidam a desovar em seus territórios. Sua distribuição é restrita a algumas poças ao redor da Lagoa dos Patos, no Rio Grande do Sul, no bioma dos Pampas. Na região havia um complexo de poças alagáveis, mas aterros para o cultivo de arroz exterminaram todas exceto uma das poças. O risco de tráfico é tamanho que alguns pesquisadores que estudam o grupo nem divulgam onde coletaram espécies recém-descobertas para evitar que traficantes dizimem a população. Para ajudar os peixes anuais é só nunca comprar peixes sem uma origem comprovadamente legal atestada pelo IBAMA. Para denunciar um estabelecimento que comercialize peixes ilegalmente disque 0800-61-8080.