Adendo aos produtos de limpeza

Um dos comentários sobre o Ciência Cotidiana, enviado pelo Marão, pedia dicas de como compreender melhor os rótulos dos produtos de limpeza. Fui pedir mais uma ajuda ao Adley, meu assessor em química e chegamos a pelo menos duas. Primeiro, os surfactantes são de dois tipos: cadeia simples e cadeia ramificada. Os de cadeia ramificada são bem mais difíceis de serem degradados pelos decompositores. Portanto, para ajudar o meio-ambiente, compre produtos com surfactantes de cadeia simples, como o lauril éter sulfato de sódio, um dos mais comumente usados. Esta molécula foi relacionada ao câncer, mas esta correlação nunca foi comprovada. Talvez mais uma daquelas lendas urbanas da química industrial.

Lauril Éter Sulfato de Sódio, um surfactante de cadeia longa e simples. Portanto, biodegradável.

Lauril Éter Sulfato de Sódio, um surfactante de cadeia longa e simples. Portanto, biodegradável.


Por outro lado, vale atentar para a neutralidade do pH dos produtos de higiene pessoal e detergentes de lavar louça. Por ficar muito em contato com a pele o pH destes produtos deve ser o menos agressivo possível. Daí a importância de usar os neutros.

Manchetes comentadas 13- Deu urubu no Sudoeste

visitantes inconvenientes

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Na manhã de ontem vi no Bom dia Brasil enquanto perdia a fome pelo meu café da manhã a invasão dos urubus num bairro residencial de Brasília. As aves usam os prédios como poleiro para ficar de olho em um aterro sanitário a alguns quilômetros esperando pelo lixo fresco levado pelos caminhões. Na verdade já conhecia a história já que meu pai mora em um dos prédios dali, tendo por ocasião escrito o poético texto que transcrevo abaixo em sua homenagem.

A ave preta e de maus agouros é lancinante não pela sua periculosidade mas pela representação da sujeira – símbolo do fúnebre.  Os urubus eram meus conhecidos nos primórdios de minha infância no velho Piauí. Lá estavam elas voando em círculos a mais de mil metros de altura. Rondava o velho bairro do matadouro onde se abatiam animais para abastecerem a população teresinense. O vôo em círculo daquelas aves de rapina era sinal de que em baixo havia vísceras não aproveitáveis. Se presentes em algum outro local significavam haver por lá algum bicho morto, cuja carne em decomposição atraía moscas azuis onde depositavam seus ovos.

Recordo-me também dos velhos filmes de faroestes com John Wayne, xerife e paladino da justiça, e também do imbatível Kirg Douglas, ora como vilão ora como homem da lei. Eram esses os nossos heróis, o “Rambo” da criançada dos anos 1950. E em qualquer cowboy que se prezasse, onde predominava a matança, lá estavam essas aves repulsivas sobrevoando em círculo e em perseguição, junto com o xerife e seu parceiro, os foragidos, sempre à espreita de saboreá-los tão logo fossem mortos. Alguns dos bandidos seriam levados para a delegacia e julgados a morrer na forca; outros, baleados,  ficavam caídos pelo caminho, para serem comidos pelos carnívoros.

 O menino e tantos outros pirralhos as observavam de longe e meio amedrontados porque tais aves representavam a morte e o luto.  No cemitério, sempre algum urubu pousava sobre sepulturas. Esses símbolos nos remetem às fantasias que habitam o imaginário da criança: o medo da perda dos pais e da impotência perante o mundo assustador. Os urubus sempre simbolizaram o que mais nos assusta: a morte!

Na medida em que fomos crescendo também os assustávamos com nossas baladeiras e espingarda de ar comprimido. Ah! Pobre de nós que tentamos nos livrar dos urubus tal qual fazemos quando reprimimos uma angústia.

Para manter afastadas as angústias despendemos tanta energia em reprimi-las que nos tornamos presos desta manobra. No entanto, quando podemos enfrentá-las, isso nos liberta. Só conseguimos mudar o que aceitamos, e não nos livramos tão-somente evitando o que rejeitamos. É como tentar afundar uma rolha. O sentimento de aversão aos urubus nos remete a nossas histórias, às nossas tentativas encobridoras de experiências dolorosas. Também essas estão sempre por perto, rondando, à espera de pousarem sobre nossos “corpos” ou sobre nossas consciências. Continuam denunciando a sujeira e o doentio de uma sociedade em decadência onde o “lixo” está cada vez mais próximo. 

Por tudo isso, as leis nos amparam tanto e a tantos, inclusive as indesejáveis aves de rapina, que paradoxalmente algumas vezes nos sentimos desamparados. Até quando essas carnívoras “peçonhentas” vão nos incomodar?

Nossa maior tristeza é que não temos a visão dos urubus e não enxergamos de longe nem de tão perto. Plagiando o carnavalesco Joãozinho Trinta, ainda não percebemos o que nos traz uma sociedade que sobrevive: “o luxo e o lixo”.
Por José Renato.

Vive la Résistance

Existe um grupo de organismos cuja maior habilidade é a capacidade de resistir a ambientes extremamente hostis, são os extremófilos. Bactérias bastante simples em estrutura (mas também organismos eucariotos) que compõem provavelmente os primeiros seres vivos a ocupar o planeta Terra. Há até quem acredite que eles tenham vindo do espaço e gerado a vida na Terra, a hipótese da exobiologia. Abaixo segue a escalação do meu time de extremófilos:

1) Hipertermófilos: bactérias capazes de tolerar temperaturas superiores aos 80º C. Muitas delas vivem às margens de gêiseres em áreas de atividade vulcânica e fontes hidrotermais nos fundos oceânicos. O campeão da tolerância parece ser Pyrodictium occultum, que habita essas chaminés vulcânicas nos fundos oceânicos acima dos 120º C. Outro herói da resistência é o quimioautótrofo (diga isso três vezes bem rápido) Pyrolobus fumarii. Esta arqueobactéria é capaz de metabolizar nitratos e sulfatos obtendo energia da quebra de suas ligações químicas em vez do sol. Por conta disto estas bactérias são a base da cadeia alimentar nos fundos oceânicos, áreas geralmente muito pobres em nutrientes. Não só Pyrolobus fumarii suporta temperaturas de 113º C e uma pressão atmosférica 360 vezes maior do que a nossa, mas ainda sustenta toda uma comunidade de organismos incluindo lagostas, peixes e anelídeos marinhos.

2) Resistentes à desidratação: Algas e liquens sobrevivem em “lagos” secos do Vale da Morte, Arizona. Este ambiente é muito semelhante aos lagos secos de Marte, exceto pela temperatura muito mais baixa lá. Desertos gelados também são encontrados na Antártica, onde florescem algas unicelulares e liquens em condições semelhantes a Marte.

3) Alcalinófilos: resistem a ambientes altamente alcalinos, com pH próximo a 14. Estas bactérias fazem isto através do bloqueio da entrada dos íons OH na célula pela ação de suas enzimas. É o caso de Pseudomonas pseudoalcaligenes.

4) Halófilos: bactérias capazes de suportar concentrações extremas de solutos. Por osmose estes organismos deveriam desidratar-se e morrer rapidamente, mas controlam a perda de água. A maioria dos halófilos também são alcalinófilos, já que habitam ambientes alcalinos devido aos sais, e termófilos, já que superam os 65º C das regiões que habitam. Um exemplo seria Halomonas variabilis.

5) Acidófilas: vivem em ambientes como lagoas sulfúricas e nossos estômagos onde o pH varia de 1 a 4. Cyanidium caldarium é uma alga vermelha que resiste em águas bastante ácidas. Mas novamente são as arqueias que ganham com Picrophilaceae sp. resistindo a valores negativos de pH. Nestes organismos o pH interno é mantido da mesma forma que em alcalinófilos, vedando as células à entrada de íons.

6) Resistentes à radiação: Deinococcus radiodurans talvez seja o mais radical dos nossos extremófilos, como o próprio nome da arqueia sugere ela resiste a radiação. Esta bactéria tem a habilidade de reparar o despedaçamento do DNA causado pela radiação numa velocidade 50 vezes maior do que em outras bactérias. A quantidade de radiação necessária para matar D. radiodurans é mil vezes maior do que a necessária para exterminar outras bactérias.

Ciência Cotidiana 6 – Para que tantos produtos de limpeza diferentes?

O “Ciência cotidiana” volta após alguns meses, este com a contribuição imprescindível do Prof. Adley Bergson, colega na UNEMAT e Químico de verdade!

Você entra no corredor de produtos de limpeza do supermercado e dá de cara com aquela extensão de frascos coloridos e perfumados enfileirada até o ponto onde duas paralelas se encontram. São inúmeras opções que os comerciais de televisão te fazem acreditar que são diferentes e indispensáveis. Mas, será que é só uma questão de marketing mesmo? A poção mágica que compõe os produtos de limpeza varia um bocado, mas tem alguns princípios gerais. O principal deles são os surfactantes.

Existem sujeiras de duas polaridades possíveis: as solúveis (polares) e insolúveis (apolares) em água. As que são solúveis são mais fáceis, água mesmo as retira. Mas as insolúveis geram um problema, só aderem a outras gorduras, que sujariam ainda mais o que você quer limpar. A solução encontrada foi uma substância capaz de se ligar à água por um lado e às gorduras pelo outro, os surfactantes. Essas moléculas têm uma cabeça hidrofílica (que adere à água) seguida de uma cauda de hidrocarbonetos (que adere à gordura), quanto mais longa a cauda mais sujeira o surfactante captura. Uma forma do surfactante atuar é fazer uma solução com a gordura, a outra é o mesmo cercar a sujeira deixando as cabeças hidrofílicas para fora, o que chama-se micelas. Assim, quando você passa a água do enxágüe, a micela é levada embora, levando junto a sujeira. Isto ocorre nos mais diversos produtos: detergentes de lavar louça, sabão em pó para roupa, produtos de limpeza pesada, desengordurantes, até xampu e enxaguante bucal.

Então porque não lavamos o chão, a louça, o cabelo e o banheiro com o mesmo produto? Um fator que varia bastante é o pH, detergentes de lavar louça têm que limpar muita gordura, mas não podem agredir a mão, por isso têm-se os detergentes ditos neutros (pH neutro). Xampus precisam de um pH muito melhor controlado, pois irá entrar em contato com o couro cabeludo. Produtos de limpeza pesada não entram em contato com a mão, um pano no máximo, por isso têm o pH bem básico , além de tensoativos que ajudam a espalhar o produto. Desinfetantes precisam, além do surfactante, de substâncias para matar bactérias, como o cloro e benzeno, ambos agem na parede celular bacteriana. Sabões de lavar roupa têm um tal de branqueador óptico, basicamente um corante azul que complementa o amarelado da roupa e gera luz branca. Saponáceos em pó para lavar mármore têm abrasivos, quase um esfoliante para a sua pia.

Só mudam os rótulos?

Só mudam os rótulos?

 

Claro que muito de marketing também está presente na miríade de produtos disponíveis. Afinal, há inúmeras opções de produtos iguais no mercado, todos alegando ser melhores que o do concorrente. Sim, há diferenças químicas nas fórmulas, mas há também muita propaganda.

 

 
 
 
 

 

 
 
 

 

 

 

Mestre-sala e Porta-bandeira


Corte ritualizada na passarela do samba. Obtido em www.flickr.com

Corte ritualizada na passarela do samba. Obtido em www.flickr.com


Não é só entre os animais que o macho tem o papel de cortejar a fêmea. Nós homens, por mais moderninhas que sejam as fêmeas, ainda mantemos este papel. Hoje à noite isso me ocorreu assistindo o desfile das escolas de samba do Rio. Mestre-sala e porta-bandeira nada mais são do que uma corte ritualizada.

Como a atividade física auxilia no controle da pressão?

Meu pai, embora quase sessentão, é uma verdadeira inspiração para meus ensaios de vida menos sedentária. Apesar disto ele de vez em quando leva uns sustos com sua pressão arterial. Justamente por isso esses dias ele voltou a investir mais em atividades aeróbicas, indicação de um médico. Mas logo uma dúvida o encasquetou: “Se exercícios como a corrida e o spinning aumentam a pressão enquanto são praticados, como é que eles podem fazer bem a um hipertenso?” Me perguntou. Eu dei uma explicação que não satisfez nem a ele nem a mim, mas desde então não sosseguei até chegar à que descrevo abaixo.

A pressão em um recipiente depende de dois fatores mais mutáveis: volume e temperatura (P.V= n.R.T, lembram-se?). Se a temperatura aumenta então a pressão aumenta. Se o volume aumenta então a pressão diminui. À medida que você se exercita o coração bate mais depressa e com mais força. O que leva a um aumento na pressão sanguínea, meu pai estava certo. Mas por que isso ajudaria a reduzir a pressão depois. Vamos a uma metáfora.

Seu sistema sanguíneo é formado pelo coração (uma bomba), tubos que saem dele (artérias) e que retornam a ele (veias). O encanamento que compõe o sistema circulatório só difere de canos de PVC em um sentido, são flexíveis. Mais rígidas nos sedentários, mais flexíveis nos ativos. Assim, poderiam ser melhor comparados a uma bexiga de aniversário do que ao cano. Quando você pratica exercícios aeróbicos a pressão aumenta, como se você enchesse a bexiga de ar. Depois que para de se exercitar a pressão diminui, mas o vaso (assim como a bexiga) não é perfeitamente elástico. Ele fica agora meio flácido, mais folgado do que antes. Você aumentou o volume do seu sistema circulatório, maior volume resulta em menor pressão.

Da esquerda para a direita: os vasos sanguíneos de um sedentário, de um ativo durante o exercício e de um ativo em repouso.

Da esquerda para a direita: os vasos sanguíneos de um sedentário, de um ativo durante o exercício e de um ativo em repouso.

Manchetes comentadas 12 – Chimpanzé é morto ao atacar mulher nos EUA

Na tarde de segunda-feira Charla Nash foi brutalmente atacada por um chimpanzé quando chegava para visitar a dona do animal em Connecticut, EUA. Travis, o chimpanzé, provocou ferimentos graves nas mãos e no rosto da vítima que, devido à perda de sangue, segue hospitalizada em estado grave. Além de Charla, a dona do chimpanzé e um policial foram feridos pelo primata. Travis levou vários tiros ao tentar atacar um segundo policial encurralado dentro da viatura.

Primeiro de tudo, que diabos uma mulher fazia tendo um chimpanzé de estimação?!? Graças ao liberalismo estado-unidense manter como pet qualquer animal exótico só exige um registro do animal. Travis tinha 15 anos e já havia estrelado diversos comerciais e programas de TV. Também já havia se envolvido em dois outros episódios com a polícia por agressividade. Ao ver o ataque, sua dona ligou para a polícia e esfaqueou o animal para que interrompesse o ataque a Charla.

O debate sobre a natureza humana sempre intrigou os filósofos. Somos, como propôs Rousseau, bons por natureza ou, como propôs Hobbes, naturalmente maus? Os etólogos aproveitaram a filogenia de nossa espécie e os primeiros estudos primatológicos para tentar responder cientificamente esta questão filosófica. Assim, foram buscar em nossos parentes mais próximos indícios da natureza humana original. A tirar por Travis somos naturalmente violentos. Mas Travis vivia numa situação humanóide desde seus 4 dias de vida. Diz-se que assistia TV e usava o controle remoto, usava o vaso sanitário e se banhava sozinho, até ligar o computador e usar o mouse ele sabia. O convívio com nossa sociedade e cultura poderiam ter desvirtuado Travis. Se, contudo, olharmos para a natureza, a paisagem não será tão diferente. Desde os primeiros trabalhos de Jane Goodall sabemos que os chimpanzés são belicosos, territorialistas e violentos. Alguns matam os filhotes de outras fêmeas e até os comem, o que horrorizou Goodall.

Mas a situação é mais complexa do que isto. Entre nossos parentes mais próximos não temos apenas uma, mas duas espécies igualmente aparentadas. Os chimpanzés são apenas uma delas. A outra são os bonobos. Menores e restritos a uma pequena área florestal no Congo, os bonobos vivem numa sociedade matriarcal, altamente pacífica e sexualizada, sem lutas entre bandos ou agressões entre os indivíduos do mesmo grupo. Compararmo-nos aos chimpanzés apenas seria anti-natural, assim como adotar os bonobos e rejeitarmos os chimpanzés.

Os violentos chimpanzés ou os sensuais bonobos. Qual se aproxima mais do humano primitivo? Em números absolutos os humanos atuais matam muito mais seus semelhantes do que nossos antepassados. Só no conflito entre Israel e Palestina no início do ano foram mais de 1300 mortos. Numa proporção, porém, aproximadamente 2% das mortes nas sociedades modernas deve-se a guerras (incluiu-se aí a I e a II guerras mundiais), já entre os Ianomâmi da Amazônia, quase 40% das mortes devem-se a guerras, segundo Keeley, 1996.

O debate vai longe com argumentos adicionando-se do lado do bom selvagem ou da natureza vermelha em garras e dentes, talvez pertença mesmo mais à filosofia do que às ciências. Independente da nossa natureza, o que importa é como faremos para tornar nossa sociedade mais pacífica.


R.I.P., Mr. Travis

R.I.P., Mr. Travis


Migração

Aqui no Mato Grosso de vez em quando somos brindados por um bando de aves migratórias de passagem. Inúmeras espécies usam o pantanal como sítio de invernagem, onde têm um clima mais ameno (bota ameno nisso) para os meses mais frios do ano em seu habitat costumeiro. Uma dessas espécies, classificada como em risco de extinção, são os maçaricos esquimós Numenius borealis que vêm do extremo sul do continente americano e passa os meses de maio a setembro por aqui, quando o pantanal está mais seco e cheio de alimento dando sopa.


Um outro migrador como eu: Maçarico esquimó Obtido em: www.fiocruz.br

Um outro migrador como eu: Maçarico esquimó Obtido em: www.fiocruz.br


Migração é isso aí. Se um habitat está disponível e oferece melhores oportunidades do que aquele em que você se encontra o trabalho que a mudança dá é pago pelo que se encontra do outro lado da migração. É por isso que o Ciência à Bessa está de e-malas prontas para migrar para o Science Blogs Brasil. O Science Blogs é o melhor condomínio de Blogs científicos do mundo, tem uma longa história de divulgação científica de alta qualidade e inserção em diversos canais como uma revista própria, a SEED. O Lablogatórios foi um excelente habitat para meus primeiros meses de existência, poderia ficar no Lablogs para sempre. Mas já que tem um habitat cheio de oportunidades para explorar, ganhar visibilidade, excelentes novos companheiros para conhecer e melhorar sempre o nível do que vocês lêem, diga ao povo que eu parto. Nos vemos no www.scienceblogs.com.br/bessa.

Dear Mr. Darwin

Dear Mr. Darwin,

 

Hoje, no seu ducentézimo aniversário eu lhe escrevo para felicitá-lo. Alguns me chamariam de louco ou até traidor. Escrever assim a um morto seria trair o ceticismo científico sugerindo uma alma imortal. Não é essa a questão. Idéias garantem a imortalidade, não almas. E a sua, meu caro, é uma baita idéia.

Estou emocionado com seu prestígio, que nada tem a ver com cerâmicas azuis ou ferrovias. Hoje você é mencionado em mais campos de estudos do que você poderia imaginar com seus diversos interesses. Quem diria que Mme. Bovary seria analisado sob o prisma da evolução! Por todo o mundo hoje chegam homenagens a você, espero que tenha tempo de ler essa tão singela carta.

Pessoalmente só queria deixar você tranquilo. Nas disciplinas que estou lecionando sempre faço menção a você, enaltecendo a evolução como o mecanismo maravilhoso que é. Não que não encontre resistências. E não é com sua autoridade que pretendo quebrar essas resistências, mas com a clareza de pensamento que te levou a essa incrível teoria. Permaneço de olhos atentos a revisões da sua idéia, e têm sido muitas, embora nenhuma desmentindo-a, apenas acrescendo-lhe de valor e significado.

Charles, novamente meus parabéns. Fique descansado que por aqui estamos dando prosseguimento ao seu trabalho. E o que nos carece em genialidade tentamos manter com esforço. Feliz aniversário e obrigado por tanto que nos ofereceu.

 

Yours

 

E. B.

Manchetes comentadas 12 – Jovens marcam brigas de rua pela internet


obtido em www.mtv.com.br

obtido em www.mtv.com.br

No último dia 6 de fevereiro um grupo de adolescentes de Brasília foi preso enquanto participava de uma briga marcada pela internet. Na matéria televisiva repórteres e policiais dizem-se chocados com tanta violência. Eu não. Matérias desta natureza logo fazem soar para mim a sirene das bases do comportamento.

O comportamento animal (de qualquer animal, nós inclusive) deve-se a basicamente dois fatores: culturais e biológicos. Os fatores culturais seriam as experiências pretéritas, a educação em todos os aspectos e as recompensas recebidas durante a vida. Os fatores biológicos referem-se a como nosso corpo reage de forma programada geneticamente, mediado por hormônios e órgãos. A adolescência tem componentes explosivos para a violência tanto no aspecto cultural quanto no biológico.

Biologicamente a adolescência é o momento em que o organismo masculino, por ação de um hormônio do hipotálamo chamado GnRH, produz pela primeira vez em grande volume a testosterona nos testículos. A testosterona tem diversos efeitos no corpo: produção de pêlos, aumento da musculatura, produção de sêmen são exemplos. Mas também exerce efeitos comportamentais. Entre eles estão a pulsão sexual típica do adolescente. Está também um aumento da agressividade, seja contra pais, professores ou outros jovens. A testosterona é o hormônio da violência. Que o diga as vítimas de frequentadores de academias que fazem uso de anabolisantes, que nada mais são do que miméticos da testosterona.

Tempestade Hormonal Obtido em www.g1.com.br

Jane Goodall é uma cientista inglesa que mora há mais de 40 anos com chimpanzés na reserva de Gombe, Tanzânia. Logo no início de suas pesquisas ela identificou um momento na vida dos chimpanzés em que eles tornavam-se agressivos com outros jovens, expulsando-os com galhos e pedras ou entrando em agressão direta em lutas bastante atrozes. Estes jovens muitas vezes até tentavam destituir o líder do bando apoiado por outros que se uniam a ele, numa tentativa geralmente ridícula contra um macho muitas vezes maior e mais forte.

Jane Goodall (à esquerda, nunca é demais reforçar) Obtido em: www.famousscientists.com

Jane Goodall (à esquerda, nunca é demais reforçar) Obtido em: www.famousscientists.com


Pelo lado mais cultural, a adolescência é o momento da socialização. O rapaz sai mais constantemente de casa, faz amizades e integra pequenos grupos. O pertencimento a determinado grupo está relacionado a ouvir as mesmas músicas, praticar os mesmos esportes, vestir as mesmas roupas e… odiar os mesmo inimigos. Dessa forma, a coesão do grupo é proporcional à sua capacidade de isolar integrantes de outros grupos, às vezes pela agressão. A ação agressiva resulta numa recompensa em aceitação social pelos colegas, tudo o que um adolescente mais precisa. Assim, o comportamento fica estimulado a repetir-se não só naquele indivíduo como em outros que também busquem aceitação no grupo. Se não há uma punição severa para reprimir o comportamento o ciclo torna-se vicioso.

Eu cresci em Brasília e acho que tenho um pouco, se não de autoridade, de experiência para falar disso. Com a maior parte da população em empregos públicos recebendo bem e com suas ruas seguras, pelo menos no Plano Piloto, Brasília oferece a seus jovens uma grande oportunidade de socializar-se. Muitas vezes esses jovens não têm pais muito presentes devido ao trabalho, muitas vezes essa ausência é compensada financeiramente, mas com poucas regras. Muitas vezes os jovens confiam tanto no status de seus pais que acham que estão acima das regras sociais e seus reguladores, como a polícia. Temos aí uma combinação perigosa.

Antes de terminar vale lembrar. Ser fisiologicamente e socialmente explicável não implica em aprovação ou compreensividade. Talvez implique em uma solução, jamais em uma desculpa.