Vida após a morte sem mistérios
Saí para almoçar agora e passei em frente a uma banca de jornal. Me chamou a atenção a matéria de capa de uma revista espírita: “A vida após a morte sem mistérios”. Engraçado como surgem as idéias, né. Acho que foi por isso que nunca me filiei a nenhuma religião. Elas são assassinas de perguntas.
As pessoas acham que a Ciência assassina os mistérios do mundo ao obter respostas para eles. Só pensa isso quem nunca entrou num laboratório ou nunca fez ciência de fato. Nossas falsas respostas científicas são apenas o caminho para novas perguntas. Perguntas mais detalhadas, mais específicas e mais elegantes. As respostas que a ciência gera não têm a pretensão de serem únicas, verdadeiras ou eternas. São enfeites para permitir admirar melhor a beleza da vida como um telescópio ajuda a enxergar um planeta distante.
Vamos combinar que vocês não vão contar a ninguém sobre isso, tá bom. Principalmente às agências de financiamento da pesquisa: CAPES, FINEP, CNPq, FAPESP, FAPEMAT e outras FAPs por aí afora. Às vezes acho que eles realmente pensam que iremos fazer descobertas que irão salvar o mundo, dar-lhes grandes somas de dinheiro em patentes ou, de preferência, as duas coisas. Nos fazem escrever um projeto contendo uma justificativa que, em termos grosseiros, seria: “Como seu projeto poderá render dinheiro ou salvar o mundo?” Das duas uma; ou eles não sabem que nossas respostas não fazem isso ou se deixam enganar.
As pessoas acham que a Ciência assassina os mistérios do mundo. Não o fazem! Elas são passageiras, frágeis e estão aí para serem desmontadas. As respostas da religião, por outro lado, invocam uma verdade inquestionável e imutável. Elas assassinam a beleza da dúvida, os mistérios do mundo. Não quero que a vida após a morte deixe de ser um mistério. Não quero que nossa origem deixe de ser povoada de dúvidas. Rejeito uma missão fixa para o nosso papel no universo. Prefiro a beleza da incerteza à paz fria e monótona das verdades eternas.
Templo
Outro dia o amigo Carlos Hotta, do Brontossauros dizia que a experiência mais próxima do espiritual que teve foi visitar a casa do Darwin. Ainda não a conheço, mas entendi do que ele falava quando, de férias pelo Rio de Janeiro, fui dar um passeio pela Biblioteca Nacional. Como o acesso lá é restrito a determinadas salas para quem quer ler, preferi uma visita monitorada. O prédio é lindo, a estrutura é de primeiro mundo e acho que é possível sentir todo aquele conhecimento ali. A duas quadras fica a Academia Brasileira de Letras e a outras cinco o Real Gabinete Português de Leitura, outra sala linda onde Machado de Assis ia ler quando jovem.
Terra redonda
Pessoal, o Luis Brudna, blogueiro do Gluon, sugeriu fazer um outro post explicando melhor o experimento que propus. Então mãos à obra.
Primeiro você precisará de uma haste de uns 30 cm. Vou usar uma um pouco mais longa para permitir espetá-la no chão e ainda ter 30 cm acima do solo para medir.
A vareta deve ficar exatamente perpendicular ao chão, por isso um esquadro deve ajudar. Por falta de algo melhor qualquer coisa perpendicular serve, como essa caixa de madeira.
Na hora marcada tenha à mão uma régua e bússola. Assim você poderá medir a sombra e ver em que direção elas se inclina. É que devido à traslação a Terra muda ligeiramente de inclinação ao longo do ano. Na verdade só seria de se esperar que a sombra medisse exatamente zero ao meio dia do dia de solstício de verão ou inverno, respectivamente 21 de dezembro e de junho.
Como a translação é um movimento bem mais lento que a rotação, pelo menos aqui no nosso planeta, não faz mal se vocês fizerem o experimento em um dia diferente do meu por uma ou duas semanas, desde que seja na hora certa do dia. Não se esqueçam de me mandar o resultado pelo e-mail prof.bessa@yahoo.com.br . O meu deu 25 cm com inclinação quase a noroeste às 15h do dia 11 de janeiro. Tinha proposto fazer às 11 h, mas o céu nublado me impediu de cumprir o horário, portanto o novo horário é 15 h em Cuiabá, 16 h em Brasília e 14 h no Acre, por exemplo. Seria bem divertido ter resultados vindos de Protugal ou da África.
O dia de 25 horas
Sempre achei estranha a nossa forma de ensinar Ciências nas escolas. Ora, a base do pensamento científico é não ater-se à lógica ou ao que o mestre diz, mas contrapor tudo o que se supõe correto à realidade. Testar suas hipóteses. Confesso que eu mesmo, a despeito de toda a força que faço, devo incidir nesse erro de vez em quando. Dizer que o universo surgiu de uma grande explosão e vem se expandindo desde então é tão dogmático quanto dizer que a terra foi feita em seis dias de trabalho de Deus (catolicismo, judaísmo e islamismo), a partir da divisão em dois do dragão Tiamat (mitologia suméria) ou das entranhas do Deus Sol (Índios Cherokee).
Um dos dogmas científicos mais divulgados é que a Terra é um planeta redondo orbitando ao redor do sol. Tudo bem, isso só passou a ser aceito como verdade virtualmente absoluta em astronomia devido à avassaladora quantidade de evidências em favor dessa teoria. Mas, seja franco, quanto foi que você já botou à prova a idéia de que a terra é redonda? Se você ignorar os conteúdos de escola parece bastante intuitivo que a Terra seja plana, já que não é possível ver sua curvatura do nosso ponto de vista. Já estive em paragens abertas como uma giga-plantação de soja no Mato Grosso ou um desfiladeiro em Chapada Diamantina e juro que não vi nem um grauzinho de inflexão em defesa da Terra redonda.
Hoje foi meu aniversário e foi um dia ímpar para mim. Amanheci em Brasília, onde passava alguns dias com minha família. Logo pela manhã peguei um vôo para o Mato Grosso, para encontrar minha esposa e passar o resto do dia. Acontece que o Mato Grosso tem uma hora de diferença de fuso horário em relação a Brasília, por isso meu aniversário foi um dia de 25 horas. Maluquices apenas possíveis graças à nossa Terra redonda.
Se isso não é o suficiente para convencê-lo (Aliás, espero que não seja, afinal, fusos horários são convenções humanas, e não astronômicas) proponho dois experimentos: o primeiro consiste em telefonar assim que o sol se puser para alguém que more em algum ponto mais ao leste ou a oeste e perguntar como está o céu ali. Fiz isso outro dia ligando do Mato Grosso para conhecidos de férias em Recife, parentes no Rio e em Brasília e o resultado foi bem divertido. Outra idéia seria combinar uma hora para que pessoas em vários lugares do globo colocassem no chão uma haste de 30 cm e medissem sua sombra e para que lado ela estaria apontando com a ajuda de uma bússola. Vamos combinar a brincadeira aqui? O dia será domingo, 11/01/2009, vou fazer meu experimento aqui em Cuiabá às 11 h local; meio-dia em Brasília, Rio, São Paulo etc; 13 h em Fernando de Noronha e por aí vai. Se possível batam fotos do experimento e enviem para mim que eu vou fazer outro post nos dias que se seguirem falando sobre isso.
Manchetes comentadas 9 – Padre balonista fica em 1o lugar em prêmio internacional sobre mortes
Desde que soube da história do Padre Adelir Antônio de Carli a primeira coisa que me veio à cabeça foi o prêmio Darwin. O padre desapareceu no domingo, 20 de abril, ao tentar fazer um vôo suspenso por balões de festa cheios gás hélio. Antes de sumir do mapa ele telefonou ainda duas vezes, uma para pedir ajuda no uso do GPS (ora, meio tarde, não?), a outra pedindo resgate porque iria cair no mar. Apenas a metade inferior de seu corpo foi encontrada mais de 70 dias depois pela marinha próximo a Macaé, RJ. A identificação só foi possível através de teste de DNA. Agora o ocorrido é o favorito para levar o prêmio Darwin de 2008.
O prêmio Darwin é uma brincadeira (talvez de mau gosto) sugerindo que seus ganhadores favoreceram a humanidade ao deixar de passar adiante seus genes inclinados a atos idiotas. Seu site oficial tem histórias bem pitorescas e segue o mote “honrando aqueles que melhoraram a espécie ao acidentalmente remover-se dela”. Só dois lembretes: 1) evolução de forma alguma menciona a melhoria da espécie. O nível de atuação da seleção natural está no indivíduo, no gene, na família pode ser, até em grupos alguns sugerem ultimamente, mas na espécie NÃO! 2) Ao se tornar padre o Sr. Adelir de Carli já havia retirado seus genes do pool da nossa espécie (a menos que ele quebrasse o celibato e deixasse filhos por aí). Em se tratando de evolução, de nada vale viver sem deixar descendentes.
Afinal, a história do Padre Carli pode ter sido desastrada, mas vale a pena recordar o que ele procurava com o tal vôo. Seu objetivo era sim permanecer 20 h no ar com os balões e entrar para o Guiness, idéia que, por si só, já me parece meio besta. Esse recorde, afinal, não era assim tão sem sentido, a intenção do padre era chamar a atenção para a Pastoral dos caminhoneiros, dedicada a reduzir o uso de anfetaminas e prostitutas por essa categoria. O Padre Carli também atuou contra maus tratos a moradores de ruas de Paranaguá. Era bem intencionado, mas desses o hospício está cheio.
Manchetes comentadas 8 – Paes assume com decreto contra nepotismo
Parece que agora vai. Mais uma tentativa de coibir a prática do nepotismo entre os cargos de confiança, desta vez na prefeitura carioca em resposta a uma súmula do STF. O nepotismo, para quem não sabe, é o ato de nomear parentes para cargos com salários atraentes, mesmo que eles nada tenham a contribuir com aquela função. Assim, os empregos acabam servindo de cabide, o parente nem aparece, mas recebe o seu. Nepotismo pode ser a maior calhordice política, mas tem boas bases biológicas.
Em se tratando de evolução impera o egoísmo. Cada indivíduo prefere agir em seu próprio proveito. Algumas exceções, porém, intrigaram por muito tempo os etólogos. O esforço em proteger a prole é um claro exemplo disso. Fêmeas chegam a colocar a si próprias em risco para defender seus filhotes. Corujas solteiras ficam nos ninhos e ajudam a criar suas irmãs. Há muitos exemplos em que parentes próximos se auxiliam mutuamente.
Baseando-se nisso um novo nível de atuação para a seleção natural foi sugerido. Ela não apenas pode selecionar indivíduos, mas também seus genes. Assim, um tiziu pode não conseguir acasalar-se, mas se ele ajudar um irmão a fazê-lo irá, indiretamente, ajudar a proliferar seus genes através do irmão. É a teoria da seleção de parentesco, proposta por Bill Hamilton, da qual eu já falei na manchete comentada 4. Segundo ela, se você pode ajudar alguém, o mais indicado para receber a tal ajuda seria seu parente mais próximo.
Vereadores e prefeitos têm uma grande oportunidade de ajudar pessoas com suas indicações a cargos de confiança. Indicar seus parentes próximos é simplesmente o biologicamente mais natural a fazer. É lógico que esperamos de nossos políticos algo além do biologicamente mais natural, o Macaco Tião do post passado sabia seguir muito bem seus instintos biológicos. Sair tentando copular com a primeira gostosa que passasse pela frente é igualmente instintivo, mas desenvolvemos um sistema cultural que nos faz desviar da obviedade instintiva (ok, ok, Bill Clinton é exceção). Por isso o nepotismo não deveria ser tolerado. Não elegemos nossos políticos para expressarem suas animalidades, elegemos para sermos representados, e por pessoas competentes para os cargos, não parentes queridos dos governantes.
Museu Nacional
Sigo de férias com minha família pelo Rio de Janeiro e aproveito para curtir um pouco da parte cultural da Cidade Grande. Esses dias fui à Quinta da Boa Vista, atualmente um parque que abriga o que um dia foi a casa do imperador D. Pedor II. Essa construção é hoje o Museu Nacional do Rio de Janeiro, uma parte da UFRJ dedicada à antropologia, arqueologia, paleontologia e biologia.
A exposição está em reforma, mas o passeio valeu a pena. Há meteoritos, mamíferos pleistocênicos, um histórico da evolução humana, artefatos indígenas e de tribos africanas e até uma múmia de verdade. O parque ao redor também é lindo.
Não longe dali está também o zoológico do Rio de Janeiro, com recintos melhorados em relação à última vez que o havia visitado. As alamedas do zôo todas levam nomes de personagens famosos dali, como o macaco tião, um chimpanzé que obteve 400 mil votos para prefeito do Rio na época das eleições em cédulas.
MNRJ
Zoo RJ
Ciência cotidiana 5 – E quanto ao pão?
Ao meu pai que, celíaco,
teve que abrir mão dos prazeres do pão!
Quando era estagiário do Projeto TAMAR IBAMA a padaria mais próxima ficava a 20 km da base. Uma vez na semana íamos até lá e comprávamos pão para armazenar. Acontece que pão dormido em geral é um fiasco. Um dia me cansei e pedi a minha mãe pelo e-mail uma receita caseira e fácil de pão. Ah, que maravilha a vida de repente ficou. Comprávamos farinha, fermento e às vezes até um recheio e algumas vezes na semana nosso alojamento era invadido com aquele cheirinho delicioso de pão assando. No final tínhamos que assar uma fornada a mais para a hora do preparo. Não dava para resistir.
Esse alimento preparado no forno é característico por ter uma casquinha crocante e um miolo molinho e fofo. Na hora do preparo a massa é feita em um volume relativamente pequeno, mas ao final do processo de fermentação já ganhou bastante volume. Isso acontece graças ao fermento. O fermento biológico utilizado na maioria dos pães é composto por leveduras (fungos) que se alimentam de açúcar, produzem álcool por fermentação alcoólica e expelem gás carbônico. Enquanto deixamos o fermento agir na massa o gás carbônico da respiração das leveduras fica preso na mistura liguenta do glúten de trigo com água. É isso que torna o pão esponjoso e são essas bolhas que o fazem crescer até três vezes seu tamanho original. O álcool da fermentação evapora em sua maioria, mas seus vestígios dão parte do sabor do pão.
Na hora de assar o pão recebe calor do forno principalmente por condução. Isso garante que a parte externa (mais perto do calor) aqueça mais que a interna. Igual a uma colher que você esquece dentro da panela e depois de um tempo o cabo fica quente. Se a temperatura do forno estiver correta chegará um momento em que a casca do pão irá perder boa parte de sua água que se evaporará com o calor, isto é, ficará torradinha. No entanto seu interior ainda não estará quente a esse ponto, retendo boa parte da umidade que o deixa macio.
O pão dormido começa ficando molenga quando a umidade perdida na casca é reposta pela que está no interior do pão. Ele perde sua crocância pelo processo de difusão, no qual a água migra de um local onde ela está mais abundante para outro onde falta. Se mais tempo passa com o pão exposto a um ambiente seco essa água se vai também, deixando o pão seco e duro.
Feliz Natal
Só um post bem rapidinho para desejar a todos um feliz natal (sim, um agnóstico pode comemorar e adorar o natal, é só trocar a simbologia).
Big Five – Rinoceronte
“Só então, aliviado, eu escutei o motor do jipe de safari ligando e ouvi-o vir em minha direção rapidamente em primeira marcha. Eu comecei a correr de volta pensando que cada jarda era uma jarda e me sentindo melhor a cada passo dado. O jipe de safári balançava pela trilha numa curva fechada quando eu puxei a maçaneta e entrei para a segurança do jipe, segurei-me na alça e pulei para o banco da frente enquanto o rinoceronte abria caminho com seus chifres destruindo galhos e cipós. Era a grande fêmea e ela continuava a me seguir a galope. De cima do carro ela parecia ridícula com seu pequeno filhote a segui-la galopando.” (Ernest Hemingway, As verdes montanhas da África)
Há, na verdade, duas espécies de rinocerontes nas savanas africanas – o rinoceronte negro, Dicerus bicornis, e o rinoceronte branco, Dicerus simus – ambos considerados integrantes dos Big Five. A maior diferença entre eles em termos morfológicos, talvez surpreendentemente, não reside na cor. Ambos são cinzentos. As espécies diferem na forma da boca: o negro tem um lábio superior alongado para prender folhas e arrancá-las dos galhos mais altos, já o branco tem o lábio curto e corta folhas de capim do chão com os dentes. De fato, o branco vem de weit, largo em holandês, que soa igual a white, branco em inglês. Daí a confusão.
O rinoceronte é um animal que se apóia sobre suas unhas, conhecidos como ungulados. Especificamente sobre três dedos, como se percebe na figura. Isso o posiciona na ordem dos perissodáctilos, junto com os cavalos, zebras e asnos, que apóiam-se em apenas um dedo, e a nossa anta, que também apóia-se em três.
Ambas as espécies estão extremamente ameaçadas pela expansão da ocupação humana, mas o rinoceronte branco está praticamente extinto devido à baixa diversidade genética existente na natureza. Suas populações hoje estão praticamente restritas, e isoladas, às reservas africanas.
O rinoceronte surpreendeu desde cedo os europeus em excursões à África, a figura mais antiga sobre ele que conheço é a de Albrecht Dürer, ilustrador alemão, de 1515. A figura em madeira refere-se a um rinoceronte indiano, mas vale o comentário. Esse animal foi capturado por navegantes portugueses em visita à Índia e levados para o rei Dom Manuel, que já tinha uma bela coleção de feras asiáticas e africanas. O rei presenteou com o rinoceronte o Papa Leão X, mas o navio que o transportava naufragou no litoral italiano e ao papa restou apenas a carcaça do animal empalhada.
O que mais encanta no rinoceronte talvez sejam seus estranhíssimos chifres sobre o focinho. Na realidade o chifre do rinoceronte é um tufo de cabelos completamente aderidos uns aos outros. Não tem osso por dentro e é completamente formado por queratina, a mesma substância que forma nossas unhas e cabelos, mas não duvidem da dureza dessa arma.