À trela…dava-me jeito!
Este video, datado do ano 1971 – excelente ano, diga-se, para além de me deixar um pouco nostálgico, graças às linhas defeituosas que só aparecem em película, pelo ar retro mas na moda das cores, mas sobretudo agudizaram uma certa inveja pela não possibilidade de passear os meus objectos de estudo à…trela!
Vejam…e resolvia-me logo duas ou três dúvidas existenciais em termos biomecânicos dos saurópodes e prossaurópodes!!
Observar a graciosidade de movimentos deste Rhynchocyon chrysopygus.
VIDEO – California Academy of Sciences
Gralhas acertadas…
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- do Lat. sciente
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- adj. 2 gén.,
- que tem conhecimento de alguma coisa;
- que tem ciência;
- conhecedor;
- sabedor;
- informado;
- inteirado;
- sábio;
- erudito;
- cônscio.
Mala vazia com pão
Acabava de ser atendida. A velhota arrumava os papéis que a funcionária dos correios lhe havia dado.
“Ainda lha roubam”, disse eu. Que não deixasse a mala abandonada no banco que estava a meu lado. Era perigoso.
Voltou-se e sorriu.
A cobrir a cabeça um lenço, estranhamente colorido para quem tem aquela provecta idade, ainda deixava ver os óculos desanimados no nariz.
“Não tem nada, está vazia, menino…”, desculpou-se perante a minha preocupação, enquanto me mostrava o íntimo da mala.
Lá dentro apenas um pão embrulhado em saco de plástico transparente. Um arrepio de vergonha, pela intimidade exposta, correu-me de alto a baixo.
Apenas uma mala vazia com pão.
E ninguém lhe roubaria o pão.
As cartas que necessitava enviar roubaram-me a mais conjecturas e vergonhas, enquanto a velhota saía.
De regresso ao Museu, parei por instantes na banca de um vendedor ambulante de livros usados, no Príncipe Real.
Desliga-me o cérebro, como costumo dizer, e dá-me prazer o caçar livros.
“O senhor desculpe?”. Olhei para o lado mas não era a mim que se dirigia.
A mesma velhota do correio.
“O senhor desculpe, mas sabe a que horas vem o seu colega?”, insistia com o vendedor ambulante.
” Não sei, minha senhora. Não sei nem quero saber!”, respondeu ele de forma seca, deixando perceber que não nutria pelos seus colegas de transacção bibliográfica uma especial simpatia.
“O senhor desculpe, mas sabe a que horas vem o seu colega? É que eu trouxe um bocado de pão para um cãozinho que ele tem.”
Imagem – Elliott Erwitt/Magnum Photos
Lâminas, Insectos e F1
(Publicado no jornal O Primeiro de Janeiro a 24/01/2008)
A formação paleontológica desperta frequentemente as questões que abordo.
Não foi o caso desta vez.
Estava eu em frente ao espelho, a preparar-me para a árdua e sisífica tarefa que pesa na vida de qualquer homem, o barbear, quando olhando existencialmente para as lâminas de corte me ocorreu o seguinte: “Mas estes tipos não param de aumentar o número de lâminas? Não haverá limite?”
Um flash da infância passou-me diante dos olhos – carros de F1 com seis rodas. Daí aos insectos foi um instantinho.
E agora, que faço eu com estes temas, pensei?
Ok, a Internet está cá para isso, pelo menos para as lâminas e F1, daí que comece antes com os conhecimentos da “casa”.
As seis patas de qualquer insecto (sim, as aranhas com as suas oito patas, não são insectos) são o resultado da sua história evolutiva.
Mas e seis patas resultam?
O caminhar de um qualquer elemento dos Hexapoda (literalmente 6 pés) envolve o levantar das duas patas extremas de um dos lados e a do meio do lado oposto, sendo este movimento completado com o baixar posterior para “empurrar” o animal; ao mesmo tempo, as outras três patas funcionam como um tripé de apoio. O ciclo completa-se com o movimento idêntico do outro lado. Por outras palavras, o andar de um insecto resume-se a apoio sequencial e alternado de “tripés”.
Manter o equilíbrio é fundamental em qualquer animal em movimento. E quanto mais pequeno mais difícil. Parece paradoxal que um animal pequeno tenha mais dificuldade em se equilibrar do que um grande, mas se pensarmos que equilibramos mais facilmente um pau grande do que um pequeno na ponta de um dedo, talvez entendamos melhor.
Assim, uma pata pequena será mais difícil de equilibrar que uma grande sendo o “modelo tripé” ideal para os insectos. O registo dos primeiros insectos data de há cerca de 390 milhões de anos, e parecem descender de artrópodes com muitas pernas em que se verificou posteriormente uma redução até às típicas seis, podendo aquele modelo de locomoção ter condicionado o seu sucesso evolutivo.
Ao contrário dos insectos, que apresentam condicionamentos evolutivos, as lâminas de barbear parecem ter outras limitações. Na minha breve história de vida, tenho assistido a um aumento no número de lâminas. Primeiro era uma lâmina, depois passaram a duas, três e agora já existem modelos com cinco bocados de metal capazes de nos cortarem as carótidas!
Mas para quê?
Marketing, dirão uns. Optimização do processo, dirão outros. A verdade é que desde 1971 (excelente ano, diga-se de passagem), quando a Gillete lançou o seu primeiro modelo com duas lâminas, o mercado destes utensílios tem assistido a uma corrida no número de lâminas.
Similarmente aos insectos, que possuem seis estruturas locomotoras, existiu uma fase na história da F1 em que os veículos apresentaram igual número de rodas. Nos anos 70 do século passado, várias equipas desenvolveram modelos experimentais com seis pneus. O mais conhecido e único que entrou em competição, o Tyrrell P34, foi seguido pelos March 2-4-0, Williams FW08B e o Ferrari 312T6, embora nenhum destes tenha alguma vez competido numa prova oficial. A história do P34 conta-se de forma breve: o engenheiro responsável, em 1976, tentou reduzir o atrito com o ar por intermédio da diminuição do tamanho das rodas dianteiras; parecia simples, mas o facto é que o carro perdeu estabilidade, tendo este facto sido resolvido pelo adicionar de mais um par de rodas…
O facto é que esta “revolução” não foi muito bem sucedida, caso contrário tinha-se generalizado. A “selecção natural” do desporto automóvel extinguiu os carros de seis rodas, tivessem eles dois pares de rodas na dianteira ou na traseira, porque não eram viáveis ante os de quatro.
E onde estabilizará o número de lâminas?
Referências:
Gaunt, M. W. and Miles, M. A. 2002. An Insect Molecular Clock Dates the Origin of the Insects and Accords with Palaeontological and Biogeographic Landmarks. Molecular Biology and Evolution 19:748-761.
http://en.wikipedia.org/wiki/The_Gillette_Company
http://www.f1nutter.co.uk/tech/6wheels.php
Imagens:
Ilustração inicial para este post de Luís Veloso – Intertoon.
IStockPhoto
e daqui
No casamento, quem cala…rebenta!
Em discussões conjugais diz o povo que não devemos meter a colher.
Sábias palavras?
Tem dias.
O que o comum dos mortais não afirma é que se formos nós a estar no meio da discussão não devemos calar o descontentamento ou raiva. Caso contrário, vivemos menos tempo do que o nosso parceiro.
Investigadores da Universidade do Michigan estudaram durante 17 anos, 192 casais agrupados quatro categorias: casais em que ambos os cônjuges expressam a sua raiva; casais em que apenas o marido ou a mulher manifestam o seu descontentamento; casais em que ambos remoem a sua insatisfação.
Os cientistas da Escola de Saúde Pública da Universidade do Michigan (ESP) focaram a sua análise em casais de Tecumseh no Michigan e constataram que no grupo em que ambos calam a sua raiva, quando injustamente atacados pelo parceiro, a taxa de mortalidade precoce é o dobro (13 mortes em 26 casais, 50%) da dos outros grupos de casais (41 mortes em 166 casais, 24%).Por outras palavras, “rebentam”!
Nos casais em que ambos remoem (14% do total), 27% desses viram o seu cônjuge morrer durante este estudo e em 23% desses casais, ambos os parceiros morreram durante aquele período.
Estes números são confrontados com os dos outros três grupos em conjunto, em que apenas 19% ficaram viúvos e 6% dos casais desapareceram.
Gostava, particularmente, de conhecer as taxas de mortalidade dos casais em que ambos falam e os dos casais em apenas fala um dos cônjuges.E também a taxa diferencial de mortalidade quando são os homens a remoer ou são as mulheres.
Seria interessante.
P.S. – as análises estatísticas, segundo os press releases, estão ajustadas para idade, se fumam ou não, peso, pressão arterial, existência de problemas brônquicos bem como nível de risco respiratório e cardiovascular.
Referências:
EurekAlert
(falta-me a ordem dos autores bem como a referência bibliográfica completa). 2008. Marital Pair Anger Coping Types May Act as an Entity to Affect Mortality: Preliminary Findings from a Prospective Study (Tecumseh, Michigan, 1971-88). Journal of Family Communication.
Imagens: Magnum Photos
Ornitorrinco via os dinos passar
Quando escrevi “Chernes e ornitorrincos”, este estudo ainda não tinha vindo a público.
Paleontólogos do Museu de Vitória, Austrália, descobriram fósseis de ornitorrinco muito mais velhos do que até agora se sabia. Estes materiais paleontológicos datam do Cretácico inferior, Aptiano, entre os 112 e os 125 milhões de anos, e “puxam” a história evolutiva deste mamífero ainda mais para o passado da Terra.
Embora não sejam idênticos ao modernos ornitorrincos, Ornithorhynchus anatinus, as características anatómicas observadas (através de tomografia computadorizada) nas mandíbulas fossilizadas permitiram identificá-las como pertencentes à mesma família – Ornithorhynchidae.
Ao contrário dos actuais ornitorrincos que têm uma estrutura semelhante a bico, os seus antepassados possuíam dentes.
Os ornitorrincos viram os dinossauros a passar…
O artigo é hoje publicado na Proceedings of the National Academy of Sciences.
Imagem: daqui
Mangas e evolução
Achei este post interessante (mais as imagens que o texto…), não só em termos artísticos mas sobretudo ao nível dos conceitos de biologia evolutiva inerentes – já o havia abordado alguns em A Evolução escondida nos Cartoons.
Alguns dos traços básicos da ilustração manga (ou mangá) podem ser caracterizados como conduzindo a uma infantilização da anatomia e proporções dos seres humanos adultos, ou seja, verifica-se o retomar de características físicas juvenis – olhos grandes, crânio arredondado/ovóide e proporcionalmente muito maior que nos adultos.
Este fenómeno evolutivo de retomar características físicas juvenis ancestrais num organismo adulto denomina-se pedomorfose.
Exemplos extremos de “pedormorfose” em manga são o Chibi, que significa, em japonês, “pessoa pequena” ou “criança pequena”, tendo o seu significado sido expandido graças à utilização em manga e anime. Neste tipo particular de ilustrações, as formas humanas são infantilizadas de um modo radical.
Verifiquei na prática o efeito que um animal com características físicas juvenis quando publiquei este post – não imaginam a quantidade de pedidos de informação sobre o “animal tão fofinho” – Cercartetus nanus – que recebi!
P.S.- um das alterações pedomórficas não observadas nos desenhos manga é o carácter alongado do pescoço, que nos bebés é muito reduzido.
Imagens – do post
Quem és tu, Zé rato? Josephoartigasia monesi
Josephoartigasia monesi é a sua graça. Viveu durante o Pliocénico no Uruguai e é o maior roedor que já viveu.
Este “rato” podia atingir as 2.5 toneladas.
Referência – Andrés Rinderknecht and R. Ernesto Blanco. The largest fossil rodent (2008). Proceedings of the Royal Society, B | doi:10.1098/rspb.2007.1645 [PDF grátis]
Imagem – daqui
Fusões
Quando a locomoção animal encontra o showbiz.
É o que dá misturar trabalho e prazer.
Imagem – montagem de Luís Azevedo Rodrigues a partir de “The Horse in Motion” (1878), Edward Muybridge e Hilary Swank (2005), Norman Jean Roy
Mail Columbiforme
(Publicado no jornal O Primeiro de Janeiro a 10/01/2008)
Nos tempos que correm quase ninguém passa sem enviar ou receber mails. Boas e más novas chegam ao nosso conhecimento sob a forma de impulsos eléctricos materializados num qualquer ecrã.
A piada do amigo, a foto do sobrinho, o documento do chefe, tudo nos chega pela via electrónica.
Esta facilidade e rapidez incrementa o que se envia e recebe, não permitindo a necessária filtragem arbitral que o tempo concede.
E quando se estava no tempo em que a biologia condicionava a troca de informação?
Em o que o ritmo informativo era mantido pelo sangue do animal e não pelo silício dos circuitos?
A ideia absurda de me entrar um pombo-correio pelo monitor adentro, com um ficheiro anexo no bico, fez-me escrever este texto – descansem os leitores que não me encontro, ainda, em delírios surrealistas a La Buñuel ou Dali.
A utilização de meios biológicos na comunicação humana é antiga. No caso dos pombos-correio (ordem Columbiformes, espécie Columba livia domestica) os primeiros registos datam do séc. XII na Pérsia (actual Irão), embora seguramente possam ser mais antigos.
A utilização destas aves assenta na sua capacidade de regresso aos locais de onde partiram. Assim, eram utilizados no passado, para transportar informações, em especial de natureza militar. Curioso que a Internet também surgiu de um objectivo militar…
Foram feitas diversas experiências com o objectivo de avaliar a capacidade de regresso a casa dos pombos. Transportaram-se os animais em caixas de metal (a fim de evitar a localização magnética) e anestesiados, para locais remotos. Ainda assim, os pombos conseguiram regressar aos seus pombais de origem.
Tal como os mails, os pombos-correio chegam aos seus destinos em dias de sol e dias encobertos e, se treinados, viajam mesmo de noite. Das poucas condicionantes que inviabilizam o seu labor é a chuva forte. Já os mails dependem se se pagou ou não ao servidor de acesso.A navegação dos pombos é feita com base na observação do sol, por olfacto e por intermédio do uso de uma “bússola”. Foi detectada a presença de material ferromagnético (Fe3+) no bico destas aves.
Da mesma forma que uma bússola funciona graças à sua agulha magnetizada, também os pombos-correio se servem daquelas substâncias magnéticas na sua orientação.
Evolutivamente, esta capacidade de navegação parece ter-se desenvolvido para permitir um regresso seguro ao ninho após longas viagens em busca de alimento. A selecção artificial feita pelo Homem “aperfeiçoou” esta característica.
Actualmente a utilização de pombos-correio faz parte dos hobbies. Concursos são realizados internacionalmente sendo a maior distância percorrida por um pombo-correio, nos EUA, de 1800 km. Apesar da sua enorme capacidade de orientação, existem sempre casos de desnorteamentoSe ainda dependêssemos do pombo-correio, poderia existir o spam Columbiforme. Este, manifestar-se-ia pela entrada massiva destas aves pelas nossas janelas. Ainda que de arma em riste, seria complicado afastar essa chuva de publicidade não desejada. Os vírus informáticos teriam a sua versão pré-digital na forma da gripe-das-aves. Ao contrário da binária, a biológica afecta os mensageiros e não os receptores da informação.
Quando estavam no poder no Afeganistão, os Taliban aboliram o uso dos pombos-correio.
Tal facto só poderá ser explicado pela confusão daqueles com a pomba da Paz…
P.S. – os meus agradecimentos sinceros, uma vez mais, ao Luís Veloso que sempre em-cima-da-hora me “serve” as ilustrações.
A segunda ilustração é de Hanzlik et al.
Referências
Hanzlik M.; Heunemann C.; Holtkamp-Rötzler E.; Winklhofer M.; Petersen N.; Fleissner G. 2000. Superparamagnetic Magnetite in the Upper Beak Tissue of Homing Pigeons. BioMetals 13: 325-331.
Walcott, C. 1996. Pigeon Homing: Observations, Experiments and Confusions. The Journal of Experimental Biology 199, 21-27.