Disparates
Depois de em Novembro aqui ter referido a descoberta de um mega escorpião marinho, verifiquei que o Oceanário voltou a meter a “pata na poça”.
Não sei quem fará a revisão destas notícias mas afirmar “Cientistas ingleses descobriram um insecto que, por mais que quiséssemos, não conseguíamos dar cabo dele com o mata-moscas! Os cientistas encontraram uma das garras do insecto e esta é tão grande que rapidamente concluíram que terá pertencido ao maior insecto de todos os tempos!“ é um bocadinho exagerado!
É que Insecta é diferente de Eurypterida (escorpiões marinhos, extintos), apesar de ambos pertencerem a Arthropoda.
Seria como noticiar a descoberta de uma nova espécie de porco gigante e classificá-la como o maior morcego já existente.
Enfim…preciosismos de quem tem que descansar a descobrir erros nos materiais do Oceanário.
Imagens – Ernst Haeckel’s “Kunstformen der Natur”; daqui
Quem és tu, Zé rato? Josephoartigasia monesi
Josephoartigasia monesi é a sua graça. Viveu durante o Pliocénico no Uruguai e é o maior roedor que já viveu.
Este “rato” podia atingir as 2.5 toneladas.
Referência – Andrés Rinderknecht and R. Ernesto Blanco. The largest fossil rodent (2008). Proceedings of the Royal Society, B | doi:10.1098/rspb.2007.1645 [PDF grátis]
Imagem – daqui
Quanta vida por descobrir – Idioneurula donegani
Uma nova espécie de borboleta – Idioneurula donegani – descoberta nos Andes.
Já agora a exposição “Borboletas através do tempo” continua em exibição no MNHN.
Referência (PDF grátis):
Huertas, B. and J. J. Arias. 2007. A new butterfly species from the Colombian Andes and a review of the taxonomy of the genera Idioneurula Strand, 1932 and Tamania Pyrcz, 1995 (Lepidoptera: Nymphalidae: Satyrinae). Zootaxa 1652: 27-40.
Os olhos de Caronte
Errante nas trevas, mergulhada na água fria das grutas, murchou-lhe a visão nos devaneios da Evolução.
Sente as presas pelas ondas que fazem.
Nunca as viu.
Nunca as verá.
P.S. Eurycea rathbuni ; Caronte
Imagens: na imagem e
John Roddam Spencer Stanhope – ” Psyche and Charon” (pormenor) (1883
A Moby-Dick pode esperar…eis o Indohyus!
A maioria das pessoas desconhece que os cetáceos, grupo a que pertencem as baleias e golfinhos, já foram animais terrestres.
Na sua história evolutiva verificaram-se alterações morfológicas que lhes permitiram um “regresso ao mar”.
Uma das características deste grupo é serem, assim, totalmente aquáticos. Para além deste factor são os maiores animais que já existiram – a baleia-azul, com um máximo na 33 m de comprimento e 190 000 kg de peso, mas podendo ter “apenas” 1,4 m e 45 kg, como a Toninha da Califórnia ou vaquita (Phocoena sinus).
Estes dois extremos do grupo Cetacea colocam várias questões evolutivas importantes, e algumas semelhante às colocadas nos dinossáurios saurópodes: que modificações sofreram estes animais para atingirem tamanhos descomunais? E como se deram esses processos?
Entre as alterações morfológicas verificadas na evolução dos cetáceos contam-se a redução do esqueleto apendicular, a alteração da forma dos dentes e modificações na estrutura do ouvido interno.
UM NOVO ELEMENTO NA HISTÓRIA DOS CETACEA
Depois de já anteriormente ter levantado a ponta do véu sobre a história evolutiva dos Cetacea, foi publicado hoje, na revista Nature.
Uma das conclusões deste estudo é o da proximidade de parentesco e semelhanças morfológicas entre o Indohyus (família Raoellidae, pertencente á ordem Artiodactyla) e os cetáceos. Esta descoberta permite inferir que o habitat aquático terá entrado na vida destes animais antes mesmo de surgirem os verdadeiros Cetacea. Este estudo aponta também que a mudança de dieta terá surgido na “transição” dos Artiodactyla para os Cetacea.
INDOHYUS
Outra das questões ainda não totalmente esclarecidas diz respeito à “causa” evolutiva que explique a transição do meio terrestre para o meio aquático destes animais. Alguns autores referem a dieta como sendo o fio condutor dessa “viagem”.
As evidências morfológicas surgem através dos dentes fossilizados deste grupo, que apesar de serem perfeitamente diferenciáveis das espécies actuais não permitem inferir com completo rigor a dieta do animal.
ESMALTE E DIETA
Com o objectivo de averigua o carácter aquático do Indohyus, este novo estudo incorpora a análise da proporção entre os isótopos δ18O e δ13C do esmalte dentário. Estes isótopos são bastante estáveis após a morte do animal e posterior conjunto de fenómenos conducentes à sua fossilização e podem ser, e são, utilizados como um indicador do tipo de dieta do animal em estudo. Por exemplo, o isótopo δ18 do oxigénio revela quer a alimentação quer o tipo de água ingeridas, tendo-se verificado que os valores de δ18 presentes no esmalte do Indohyus eram inferiores aos dos mamíferos quer terrestres quer semi-aquáticos, do Eocénico.
Este facto permite inferir que este animal viveria num ambiente aquático, embora não se podendo afirmar se exclusivamente.
Apesar de passar muito tempo dentro de água, alimentar-se-ia também de vegetação em terra, um pouco à semelhança do que acontece com o hipopótamo.
A análise morfológica dos ossos encontrados e da composição química do esmalte dentário permite aos paleontólogos afirmar que o Indohyus não era um nadador exímio, tendo provavelmente vivido em ambiente aquáticos de pequena profundidade, com os membros assentes ou semi-assentes no fundo. Este animal alimentava-se também em terra, embora este estudo aponte a possibilidade de uma dieta aquática.
TIPOS LOCOMOÇÂO AQUÁTICA DOS “VELHOS”
CETACEA
Se os modernos cetáceos apresentam formas muito semelhantes de locomoção aquática, o mesmo não se pode afirmar dos seus directos antepassados directos. No Eocénico (entre os 55 e os 34 milhões de anos atrás) os cetáceos apresentavam diversas morfologias corporais e consequentes modos distintos de natação que iam do balanço da barbatana caudal (nos Dorudontidae, semelhantes a golfinhos) até ao simples “remar” com os quatro membros (nos Pakicetidae).
GOULD
Stephen Jay Gould descreveu grande parte das “peripécias” paleo-cetáceas no seu ensaio mensal na revista do American Museum of Natural History “Natural History”, em 1994. O artigo “Hooking Leviathan by Its Past”, foi compilado no livro “Dinosaur in a Haystack”, editado em Portugal pela Gradiva, mas não me recordo do título…
REFERÊNCIAS
Gingerich PD, Arif M, Bhatti MA, Anwar M, Sanders WJ. 1997. Basilosaurus drazindai and Basiloterus hussaini, new Archaeoceti (Mammalia, Cetacea) from the middle Eocene Drazinda Formation, with revised interpretation of ages of whale-bearing strata in the Kirthar Group of the Sulaiman Range, Punjab (Pakistan). Contrib. Mus. Paleontol. Univ. Mich. 30:55-81
Gingerich PD, Haq M, Zalmout IS, Khan IH, Malkani MS. 2001. Origin of whales from early artiodactyls: hands and feet of Eocene Protocetidae from Pakistan. Science 293:2239-42
Gingerich PD, Raza SM, Arif M, Anwar M, Zhou X. 1994. New whale from the Eocene of Pakistan and the origin of cetacean swimming. Nature 368:844-47
Gingerich PD, Smith BH, Simons AL. 1990. Hind limbs of Eocene Basilosaurus: evidence of feet in whales. Science 249:154-57
Gingerich PD, Wells NA, Russell DE, Shah SMI. 1983. Origin of whales in epicontinental remnant seas: newevidence from the early Eocene of Pakistan. Science 220:403-6
Thewissen, J. G. M. & Williams, E. M. 2002. THE EARLY RADIATIONS OF CETACEA (MAMMALIA): Evolutionary Pattern and Developmental Correlations. Annu. Rev. Ecol. Syst. 2002. 33:73-90
Thewissen, J. G., L. N. Cooper, M. T. Clementz, Sunil Bajpai, and B. N. Tiwari. Whales originated from aquatic artiodactyls in the Eocene epoch of India. Nature 450: 1190-1194.
IMAGENS – Carl Buell; Thewissen, J. G. M. et al. 2007; Thewissen, J. G. M. & Williams, E. M. 2002; Thewissen, J. G. M. et al. 2007.
VIDEO
Bioformas – Peek-A-Boo
De quem é este embrião, na fase “Peek-A-Boo“?
Curioso o nome dado – “The distal extremities of the forelimbs
overlap, obscuring the face completely and giving this stage its name.”
A recordação que tenho é adolescente e de outro “Peek-A-Boo”…
Peixes e tugas

Pela segunda vez num curto espaço de tempo, a nomenclatura zoológica ocupa este espaço, depois de “Chernes e ornitorrincos”.
Explico: num hilariante artigo de Ferreira Fernandes no DN, soube da troca de galhardetes, entre o colunista Tony Parsons, do Daily Mirror e o embaixador português em Londres. Por motivos que aqui não repetirei, o cronista britânico dirigiu-se ao representante luso nos seguintes termos: “Feche a sua estúpida boca de comedor de sardinhas.” Não terá tomado muito chá este Tony Parsons.
O provérbio português afirma que “A mulher e a sardinha nem a maior nem a mais pequenina”, apoiando que o ponto médio da distribuição de tamanhos da sardinha será a melhor em termos gastronómicos. Quanto às mulheres talvez não seja tão verdade como isso. Ao jornalista inglês faltou um pouco de meio-termo, pois ansiava que o embaixador tivesse afastado a brasa da sua sardinha e, já agora se possível, sem a comer…
Peixe não puxa carroça, mas neste caso o cronista Daily Mirror sem dúvida que a puxou …
Estes mimos zoo-gastronómicos acordaram outras memórias da relação cultural dos portugueses com os peixes.
Em visita familiar ao Brasil, e para além de habitual repertório de anedotas sobre lusitanos, foi avisado de que os nossos conterrâneos eram frequentemente chamados de “papa-bacalhau” devido à nossa paixão por aquele peixe.
Há cinco anos atrás, encontrava-me a trabalhar no American Museum of Natural History, quando outra referência ao fiel-amigo e os portugueses, foi-me introduzida por uma zoóloga canadiana. Durante a nossa apresentação, fui brindado com “Ah, vocês comem muito bacalhau, não comem? É que os stocks estão quase a desaparecer por vossa causa!” Depois do aperto-de-bacalhau literal, tentei argumentar que o bacalhau era muito mais do que um mero alimento em Portugal, que o papel deste peixe na vida dos portugueses não se limitava apenas a satisfazer a gula de uma qualquer refeição. Como castigo desta argumentação, pouco tempo depois andava eu, desesperado de desejo, pelos supermercados mexicanos de Brooklyn à procura de uma mísera posta de bacalhau…
Continuando em ambiente ictiológico, sempre que num congresso ou numa revista científica um grande especialista opina, é habitual que os colegas portugueses o designem por truta. Não imagino a origem de tal designação nem o porquê de sermos um povo que apesar de venerar dois peixes de mar – o bacalhau e a sardinha – utilizarmos um peixe de rio como sinónimo de perito.
Paradoxalmente ao que se diz no ambiente académico, aprendi que “A truta e a mentira, quanto maior melhor”. Resta-me apenas continuar a aprender com os trutas da minha área…já agora, de todas as áreas.
Apesar de se poder cair na brejeirice, a alusão piscícola que mais me agrada, é a proferida pela comunidade masculina sempre que se avista uma representante do sexo feminino de bela morfologia: “Mas que faneca!”.
Concluindo só me resta concordar com o dito “ O peixe deve nadar três vezes: em água, em molho e em vinho.”
Imagens:
EGEAC
Pieter Bruegel – “Les gros poissons mangent les petits” (1557)
Prato de bacalhau com grão
Cate Blanchett, actriz de “Little Fish”
Gustave Klimt – “The Blood of Fish” (1898)
Sornas e viagens espaciais
(Publicado no jornal O Primeiro de Janeiro a 01/11/2007)
Apesar de muito desejada, a hibernação não passa de um desejo inatingível pelos humanos. Já demos por nós, várias vezes e em alturas de maior cansaço, a cobiçar dormir por vários dias. Desligar e apenas descansar. Passar pelas brasas de forma longa e continuada.
Mas a hibernação é muito mais do que um simples dormir.
Pode definir-se como um estado em que o animal tem uma substancial redução quer na temperatura corporal quer nos gastos energéticos bem como na taxa cardíaca. A redução térmica verificada em animais que hibernam pode atingir mínimos de 5ºC – temperatura semelhante ao interior de um frigorífico, na zona dos vegetais.
A redução de gastos energéticos nos animais que hibernam pode atingir o 1% do habitual embora o mais habitual sejam reduções energéticas para níveis dos 10-20% do normal.
Era tão bom poder, da mesma forma, entrar em “hibernação” de despesas …
Os animais que utilizam esta estratégia fisiológica fazem-no com diversos objectivos: sobreviver em locais que apresentem Invernos com temperaturas muito baixas e/ou em alturas do ano em que a disponibilidade de alimentos seja baixa.
Previamente à hibernação verifica-se grande consumo alimentar pois os animais pretendem acumular gordura com vista à época de carestia que se avizinha.
Mais uma vez o paralelismo para a sociedade humana poderia ser estabelecido…
Um estudo, a ser publicado em Novembro, refere que um marsupial é capaz de hibernar mais de um ano; concretamente foram 367 dias em letargia fisiológica.

Contrapondo-se aos registados 367 dias do Cercartetus já tinha sido observado um período de 342 dias em Zapus princeps, um roedor norte-americano.
Poderá questionar-se o leitor sobre o interesse prático destes recordes de inércia…
Para além do conhecimento da diversidade de estratégias no mundo animal, o estudo dos mecanismos fisiológicos utilizados por estes animais poderá contribuir para que viagens espaciais muito longas (até Marte, por exemplo) sejam feitas pelos astronautas em condições parecidas. A redução da actividade fisiológica possibilitará que a viagem seja feita de maneira mais confortável bem como, factor fundamental em viagens espaciais, reduzir as reservas de alimentos, água e oxigénio necessárias a tão longa viagem.
Para ajudar neste processo investigadores da Universidade da Carolina do Norte descobriram dois genes responsáveis pela regulação, em esquilos, de como os organismos usam as reservas energéticas. Estes genes, apesar de envolvidos noutros processos, estão também presentes nos seres humanos.
Referências:
Andrews, M. T., Squire, T. L., Bowen, C. M. & Rollins, M. B. 1998. Low-temperature carbon utilization is regulated by novel gene activity in the heart of a hibernating mammal. Proc. Natl. Acad. Sci. USA Vol. 95, pp. 8392–8397.
Geiser, F. Yearlong hibernation in a marsupial mammal. 2007. Naturwissenschaften 94:941–944
Geiser, F. 2004. Metabolic rate and body temperature Reduction during hibernation and daily torpor. Annu. Rev. Physiol..66:239-274.
Imagens: primeira imagem Cercartetus nanus – essa e as outras – links nas fotos
Chernes e ornitorrincos
“A prova de que Deus tem sentido de humor é o ornitorrinco”, Woody Allen
A atribuição de características humanas a seres vivos ou a elementos naturais – antropomorfismo – é recorrente na literatura, pintura ou na linguagem do dia-a-dia. O inverso – zoomorfismo – que é designar ou conceder singularidades animais a pessoas ou instituições humanas, é frequente na vida política portuguesa. O mais recente caso compara a situação do maior partido da posição ao ornitorrinco – Ornithorhynchus anatinus.
Mas quais os motivos pelos quais o ornitorrinco exerce um fascínio tão grande?
Apesar de mamífero, as fêmeas ornitorrinco colocam ovos sendo as crias posteriormente alimentadas com o leite materno. Este animal apresenta ainda a mandíbula semelhante a um bico de pato, morfologia ímpar entre os mamíferos, morfologia que está na justificação etimológica do seu nome científico Ornithorhynchus – focinho de ave.É esta amálgama de particularidades reptilianas, avianas e mamiferóides que contribuem para que este monotrémato – grupo de mamíferos primitivos a que pertence o ornitorrinco – desempenhe um papel quase mitológico no imaginário colectivo.
Num dos capítulos de “A Feira dos Dinossáurios” do paleontólogo e historiador da Ciência Stephen Jay Gould, é feita a resenha histórica de como os naturalistas dos sécs. XVIII e XIX observavam o ornitorrinco. Primitivo, ineficiente e imperfeito foram alguns dos adjectivos utilizados então para descrever o mamífero australiano. A Natureza, para aqueles cientistas, deveria apresentar divisões claras e inequívocas na sua diversidade de formas. Estas divisões seriam o resultado da sabedoria divina.
A miscelânea morfológica do ornitorrinco originava, assim, acesos debates não só biológicos mas também teológicos.

O aparente paradoxo, seja político, morfológico ou outro, materializado na forma do ornitorrinco, assenta na errada premissa evolutiva de que os organismos não devem apresentar fusão de características – um animal não deveria colocar ovos e alimentar as suas crias com leite produzido por glândulas mamárias, entre outras.
Gould contrapõe que é precisamente essa amálgama de especificidades que teriam concedido ao ornitorrinco vantagens evolutivas.
Um outro caso de zoomorfismo político envolveu, no passado recente, um conhecido político português e o poema de Alexandre O’Neill:
Sigamos o cherne, minha amiga!
Desçamos ao fundo do desejo
Atrás de muito mais que a fantasia
E aceitemos, até do cherne um beijo,
Senão já com amor, com alegria…
Adivinhem quem é…
Imagens (fontes) – links nas imagens