Nova marginal e a obviedade do paradoxo

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“Três anos depois da ampliação da marginal Tietê, a mais importante via de São Paulo, o efeito positivo sobre o trânsito acabou –e a lentidão na cidade voltou a subir” [Nova marginal Tietê já não alivia o trânsito paulistano, Folha, 24/03/2013]

Quando a ampliação da marginal foi anunciada, comentamos o Paradoxo de Braess: mais estradas podem por vezes significar mais congestionamento. Com novas estradas motoristas coletivamente alteram seus trajetos buscando, individualmente, diminuir seu tempo de viagem. O resultado paradoxal é que coletivamente o resultado pode ser que todos perderão mais tempo. Não basta adicionar mais e mais estradas para reduzir congestionamentos, não é uma função linear, mais estradas podem piorar o trânsito. E uma versão um tanto mais complexa, mas ao mesmo tempo mais previsível do paradoxo foi observada no grande experimento involuntário da ampliação da marginal.

Até quem não pegava mais a marginal voltou a usar, e então já excedeu a capacidade da via”, diz Horácio Figueira, mestre em transportes pela USP. Exatamente o Paradoxo de Braess. E somado a isto, o foco em investimentos de infra-estrutura e crédito baixo, incluindo descontos em impostos, para automóveis teve outro resultado nada paradoxal. “A frota cresceu 35% de 2005 para 2011, chegando a 7,1 milhões de veículos — índice de 63,4 para cada 100 habitantes” [Crescimento da frota fez trânsito piorar em SP, afirma CET].

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Somos reféns do automóvel, porque o automóvel é fácil de ser medido economicamente. É um bem de consumo durável de grande valor, que gera empregos e movimenta diversos setores da economia. O impacto de um automóvel na economia é muito mais fácil de ser percebido do que, digamos, o de uma bicicleta. Uma bicicleta tem uma fração do valor de um automóvel, gerando uma fração dos empregos e movimentando uma fração de setores econômicos. Você não vê anunciantes de bicicleta nos intervalos do Jornal Nacional.

O combustível que a bicicleta irá consumir não é medido pelo governo, felizmente. A energia vem da alimentação do ciclista. Mas sendo assim, como você acompanha quantas bicicletas de fato circulam em São Paulo diariamente? É uma tarefa complicada, será preciso lidar com vários indicadores “proxy”, estimativas e tudo mais. Com automóveis, ministros podem ter prontamente dados sobre o consumo de combustíveis, sobre multas, impostos e toda uma infra-estrutura criada para estimar não só a frota como onde e qual a extensão dos congestionamentos minuto a minuto.

Esta infra-estrutura para monitorar automóveis teve um custo, é claro. A duplicação da marginal teve um custo. Você pode ter estes custos à mão… contudo porque o automóvel é um elemento econômico fácil de ser medido em seus impactos positivos na economia, e é um impacto muito expressivo, estes custos são sempre tomados como marginais.

Há então os custos associados a automóveis muito mais difíceis de serem estimados. Mais de 40.000 pessoas morrem ao ano em acidentes de trânsito. Qual é o custo disso? São quase R$2 bilhões pagos anualmente em indenizações pelo DPVAT, mas uma indenização do DPVAT certamente não equivale ao real valor de uma vida perdida. É apenas uma indenização definida pelos recursos que podem ser alocados de um fundo de seguro obrigatório pago por proprietários de automóveis. Quanto maior é o custo – econômico! – das vidas ceifadas? Qual é o custo da poluição? Quanto custa o estresse?

Não temos esses números, ou ainda que tenhamos estimativas, elas não se traduzem em indicadores tão diretos e considerados tão urgentes para a economia quanto número de empregos, impostos pagos e tanto mais. Temos os números dos carros, e eles guiaram a lógica simples da política pública de investir em automóveis. Isso, deixando a parte toda a questão de lobbies da indústria automobilística, que amplificam o poder de influência e decisão em favor do automóvel, e a facilidade com que a corrupção pode ser praticada com grandes obras viárias.

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Quando uma medida se torna uma meta, ela deixa de ser uma boa medida”, diz a Lei de Goodhart. “A lei de Goodhart é um análogo sociológico do princípio da incerteza de Heisenberg na mecânica quântica”. Em economia, a Lei de Goodhart traduz o fato de que para alcançar qualquer meta atrelada em um indicador, é muito mais fácil que os fundamentos desse indicador sejam distorcidos do que realmente mudar – e melhorar – o que esse indicador realmente pretendia medir para início de conversa.

É mais fácil maquiar a inflação, congelando preços, do que controlar o que a inflação realmente significa, que é a erosão do valor dos salários. Na União Soviética, grandes planos econômicos estabeleciam metas de crescimento que levavam em conta o número de quilômetros rodados por trens. Para alcançá-las, diz a lenda que trens andavam milhares de quilômetros vazios.

É mais fácil criar e administrar políticas relacionadas a automóveis para melhorar indicadores econômicos do que tentar abordar indicadores muito mais complexos e difíceis de quantificar como qualidade de vida. Mas mesmo confiando em indicadores, todos mostram que o trânsito em São Paulo voltou a piorar, a despeito de bilhões de investimento de várias esferas do governo. E quando a realidade confronta abertamente o absurdo de indicadores há muito inadequados, algo precisa ser feito.

Para diminuir a quantidade de congestionamentos em São Paulo, para melhorar a qualidade de vida do paulistano, deve estar claro que a solução não é simplesmente criar mais vias.

O Tao do Google

Em 1984 uma companhia de computadores que era a menina dos olhos de investidores, de produtos revolucionários mas com resultados concretos ainda longe de serem tão vistosos lançou o novamente revolucionário computador pessoal Macintosh em um comercial que também se tornou icônico, dirigido por Ridley Scott e veiculado durante o Super Bowl. Uma heroína com o logo do Macintosh salva a humanidade da conformidade representada pelo “Grande Irmão”, que discursava:

Hoje, celebramos o primeiro aniversário glorioso das Diretivas de Purificação de Informação. Criamos, pela primeira vez na história, um jardim de ideologia pura – onde cada trabalhador pode florescer, seguro das ervas daninhas que transmitem verdades contraditórias. Nossa Unificação de Pensamentos é uma arma mais poderosa que qualquer frota ou exército na Terra. Somos um só povo, com uma vontade, uma determinação, uma causa. Nossos inimigos vão tagarelar até a morte, e nós iremos enterrá-los em sua própria confusão. Nós iremos prevalecer!.

Ao que a heroína lança uma marreta libertadora e destrói a enorme tele-tela, deixando os espectadores estupefatos com a explosão. “Em 24 de janeiro, Apple Computer lançará o Macintosh. E você verá por que [o ano de] 1984 não será como 1984 [de George Orwell]”.

Quase 30 anos depois, a Apple Computer, Inc. já não fabrica mais apenas computadores, mudando seu nome apenas para Apple Inc., e é a companhia com maior valor de mercado no mundo, superando gigantes petrolíferas e mesmo concorrentes da indústria de tecnologia de informação como Microsoft e IBM – esta última o alvo original do comercial de 1984. Suas reservas de capital são maiores do que o PIB de vários países. É uma ironia fina aquela que interpreta que se há hoje um Grande Irmão “purificando” informação, criando um jardim de aplicativos puros onde cada usuário possa florescer seguro das ervas daninhas que transmitem interfaces contraditórias, é a própria Apple, que com sua Unificação de Pensamentos transformou sua marca na propriedade intelectual das mais valiosas, e poderosas, do planeta. O Grande Irmão carismático em seus Keynotes para um público babando pela última novidade era ninguém menos que o próprio Steve Jobs.

Esse cúmulo da ironia se deu em pouco mais de uma geração, em uma história que contém meandros fractais – reviravoltas sobre reviravoltas. Mas este é um comentário sobre o Google Inc., que precisou começar pela Apple porque nenhuma outra empresa de tecnologia que busque vender também um verniz de ideologia é tão icônica quanto aquela fundada por Jobs. Ou pelo menos, tão valiosa quanto a Apple Inc. é hoje.

Se a Apple vendeu-se como uma empresa visionária de produtos à frente de seu tempo, o Google passou boa parte de seu tempo promovendo o lema informal menos pretensioso “don’t be evil”, ou “não seja malvado”. Embora design nunca tenha sido seu ponto forte, o Google se destacou pela tecnologia, o que é uma grande vantagem quando se é uma empresa de tecnologia. Enquanto à época outras grandes corporações moviam enormes fundos e conglomerados de mídia para capitalizar um ecossistema que buscava sempre prender os visitantes dentro de “jardins de ideologia pura”, de propriedade desta ou daquela corporação, o Google apostava na eficiência de seu buscador como ponto de início e norte para todos internautas.

Não era necessário prender o visitante em uma rede infindável de sites de sua propriedade, pelo contrário, quanto mais rápido um visitante saísse de seu buscador encontrando o que procurava, mais provável era que ele retornasse depois ao seu buscador quando pensasse ir a outro lugar. Como uma espécie de koan zen budista, para fazer o visitante retornar, faça-o ir embora. Tente prendê-lo, e ele irá fugir. E à medida que o volume de informações na rede crescia geometricamente, a tecnologia do Google mostrou-se em anos decisivos a mais capaz de oferecer resultados relevantes ao usuário.

Em 2011 em um testemunho no senado americano, Eric Schmidt, então chairman do Google, concordou que o Google detém hoje o monopólio na área de mecanismos de busca. Pouco mais de uma década depois de sua fundação, em menos de uma geração, uma startup baseada em ideias revolucionárias de tecnologia venceu todos os recursos investidos por gigantes de mídia e se tornou ela mesma mais valiosa que o maior conglomerado tradicional de mídia, a Disney.

E como você pode não ser “malvado” se detém o monopólio da área mais importante da Internet e é uma das empresas mais valiosas do mundo? É simplesmente impossível. Vender-se como o underdog, aquele competidor pequeno mas valente desafiando o gigante tirânico, não funciona quando você mesmo se torna o gigante. Você também se torna automaticamente o tirano.

Mal o Google consolidou seu monopólio dos mecanismos de busca, uma forma nova de uso da rede emergiu – as redes sociais. O Facebook como rede social é desde o início um “jardim de ideologia pura” de propriedade de Mark Zuckerberg, fechado aos olhos indexadores do Google, e um ao qual os visitantes não precisam se lembrar de ir ao Google para gerar, consumir ou encontrar conteúdo: basta perguntarem aos amigos que também fazem parte da rede social. É uma forma fundamentalmente diferente de utilizar a Internet, e uma que não passa pela ideologia original do jardim aberto do Google.

O que os grandes conglomerados de mídia não conseguiram concretizar à força no primeiro boom da Internet na virada do milênio, a tecnologia das redes sociais tornou hoje não só possível, como transformou em realidade. Com um crescimento orgânico e viralizado, onde todos entram porque outros já entraram, e sem vender nem mesmo um verniz de ideologia, o Facebook se consolidou como o maior “jardim de ideologia pura” já criado. Um local onde cada mudança na forma como Zuckerberg apresenta sua timeline afeta instantaneamente a maneira com que milhões de pessoas consumirão informação. Discutir o impacto que a introdução de hashtags terá no ecossistema do Facebook é um indicador claro da pureza deste jardim onde não há ervas daninhas que não sejam podadas.

Se a possibilidade de usar outros sites em apenas um clique era um argumento usado por Schmidt para o fato de que o monopólio do Google não era prejudicial ao consumidor, quando esta possibilidade se mostrou uma ameaça concreta, o Google passou a exercer sua tirania. Todos usuários de qualquer propriedade do Google, agora parte de um jardim de ideologia, precisam aderir ao Google+. A ameaça do Facebook é tão séria à visão original do Google que hoje está claro que esta visão original foi simplesmente abandonada. Hoje, o objetivo do Google é o mesmo que o do Facebook, Apple, IBM, Microsoft, do IngSoc e do Grande Irmão. É o mesmo que o da outrora gigante AOL. É prender você em um jardim de ideologia pura de sua propriedade, do qual você não deve sair, onde todos seus pensamentos possam ser capitalizados e vendidos. Um perfil, um login, uma rede social, única, para todo o planeta, é o sonho perseguido por todas estas gigantes flexionando bilhões capitalizados no mercado.

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O objetivo nada secreto de toda corporação é o lucro, não deveria haver nenhuma grande novidade nisto. Se por um breve período o Google promoveu uma filosofia aparentemente diferente, é porque na peculiar situação que existia, a filosofia contrária prometia maiores lucros no médio e longo prazo. “Nós acreditamos firmemente que no longo prazo, seremos melhor servidos – como acionistas e de todas outras formas – por uma companhia que faz coisas boas para o mundo mesmo que deixemos de lado alguns ganhos de curto prazo”, declarava o IPO do Google no mais próximo de um manifesto “don’t be evil” a que se chegou.

Funcionou, dez anos depois o Google trouxe enormes retornos a seus acionistas. A constatação triste é que hoje, todos os ganhos do Google, incluído, devem ser de curto prazo.

Se a história de reviravoltas de empresas de tecnologia é um parâmetro, porém, é muito provável que as empresas mais valiosas e poderosas do mundo daqui a uma geração ainda nem existem, e enquanto empresas com centenas de bilhões em capitalização movem seus exércitos em estratégias para criar jardins de ideologia pura, uma nova empresa focada em tecnologia ainda por surgir pode sequer depender de um clique para ser acessada.

Google, eu gostaria que fosse você, mas de toda forma, obrigado pelos peixes.

Um Helicóptero Movido a Pedaladas

Milhares de anos sonhando em voar como os pássaros, mas apesar de ideias geniais como a do parafuso aéreo de Da Vinci, sempre faltou torque. Seres humanos têm uma musculatura relativamente raquítica em relação aos pássaros, e enquanto motores eram muito pesados e pouco potentes, as tentativas de voo estavam fadadas ao fracasso. Por vezes cômico.

Pois estudantes de engenharia da Universidade de Maryland levaram a tarefa a sério, e estão prestes a vencer o desafio Sikorsky: criar um helicóptero movido apenas por força humana, capaz de se sustentar no ar a três metros por um minuto sem se deslocar mais de 10 metros. Em um teste não-oficial no fim de agosto passado, com o Gamera II os estudantes parecem ter vencido a barreira de 65 segundos e mais de 8 pés de altura.

Só do que precisaram foi engenharia… e materiais compostos leves, muito leves. Se eles estão prestes a conseguir, contudo, é fascinante descobrir que ao longo de toda história da humanidade um helicóptero movido a pedaladas sempre esteve ao alcance. Sem materiais compostos a tarefa deve ser muito mais difícil, mas talvez não seja de fato impossível. Mesmo sem motores, voar é possível.

Carros e o Custo Brasil em Testes de Colisão

A sensação de segurança é frequentemente uma ilusão. Um carro antigo, uma verdadeira banheira de mais de uma tonelada, com um peso que pode ser sentido não apenas pelo motorista mas pelos passageiros pode parecer um veículo sólido que destruirá carros modernos que mais parecem ovos. Mas no teste de colisão acima entre um Chevrolet 1959 Bel Air e um Chevrolet 2009 Malibu, cinco décadas de avanços em segurança ficam muito claros.

A fragilidade de carros modernos em verdade embute uma série de tecnologias, como áreas que se deformam intencionalmente, absorvendo a energia do impacto, preservando ao máximo os passageiros. A tecnologia foi inventada pelo engenheiro da Mercedes-Benz, Béla Barényi, e aplicada aos carros da fabricante a partir da década de 1950. Os alemães já faziam teste de colisão há décadas:

Nos EUA a segurança de carros só se tornou um tema de reivindicação popular, vencendo os interesses das grandes fabricantes, na década de 1960, principalmente após a publicação de “Inseguro a Qualquer Velocidade” (“Unsafe at Any Speed”, 1965), de Ralph Nader. Parte do mote de “Clube da Luta”, desde o conto original até o filme, é em parte uma referência ao livro de Nader:

“Se o novo carro fabricado pela minha companhia sai de Chicago em direção ao oeste a noventa quilômetros por hora, e o diferencial traseiro trava, o carro bate e pega fogo com todo mundo dentro, minha empresa deve iniciar um recall? Pegue o número total de veículos na área (A) e multiplique pelo índice provável de defeitos (B), depois multiplique o resultado pelo custo médio de um acordo extrajudicial (C). A vezes B vezes C é igual a X. Isso é o que vai nos custar se não iniciarmos já o recall. Se X for maior do que custará para recolher o carro, faremos o recall e ninguém vai se machucar. Se X for menor do que custará para recolher o carro, então não faremos o recall”.

Em seu livro, Nader expõe como companhias aplicaram exatamente esta lógica financeira em diversos casos documentados. Mais impressionante é que mais de uma década depois, em 1977, uma das maiores fabricantes ainda se envolveria com um caso que é provavelmente o que inspirou diretamente o mote em Clube da Luta. Um famoso memorando, o memorando Pinto (o modelo de carro se chamava Pinto), fazia uma análise de custo-benefício entre um conserto de U$11 aplicado a todos os carros do modelo contra os custos de fazer acordos judiciais com todas as vítimas. Os acidentes envolviam um tanque de combustível que por falha de projeto tendia a pegar fogo. Isso não foi ficção.

Todo ano, mais de um milhão de pessoas morrem em acidentes de trânsito pelo mundo. É a principal causa de morte por ferimentos em crianças na faixa entre 10 e 19 anos – com 260.000 vítimas fatais, e nada menos que 10 milhões de feridos. No Brasil, pagamos valores altíssimos por modelos gerações atrasados em relação aos vendidos no exterior – e esse atraso não se traduz apenas em um visual menos moderno ou itens de conforto menos sofisticados, mas também em recursos de segurança mais atrasados.

Pessoas morrem em nome de maiores lucros para grandes fabricantes às quais análises de custo-benefício são, na ausência de ação por parte de seus consumidores, a palavra final. E não é preciso esperar cinco décadas para ver o progresso em segurança automotiva: veja uma colisão frontal entre uma minivan da década de 1990 e uma da década de 2000.

Mesmo uma década já pode trazer diferenças imensas na segurança aos passageiros. Já é preocupante que quem possa pagar sempre pelo último modelo tenha sempre maior segurança ao dirigir – enquanto o governo não instituir e forçar fabricantes a padrões cada vez mais elevados de segurança. Agora, é revoltante que com os valores que pagamos por veículos no Brasil, inclusive por veículos usados, poderíamos ter os mais avançados recursos de segurança no planeta.

Ao invés, temos uma frota antiga onde modelos novos são vendidos a preços exorbitantes, o que faz com que mesmo modelos antigos e usados sejam revendidos também a preços absurdos, equivalentes ou mesmo superiores aos mais avançados veículos no exterior.

O problema não afeta apenas o seu bolso. Como testes de colisão entre modelos antigos e novos demonstram bem, pessoas morrem diariamente no Brasil em veículos ultrapassados pelos quais pagaram valores altos. Pessoas que poderiam estar vivas se tivéssemos a segurança pela qual pagamos. Em algum lugar, uma análise de custo-benefício mostra que enquanto brasileiros continuarem pagando esses preços por esses carros, não há porque evitar mais mortes. [via core77]

Varig e a Engenharia para Seres Humanos

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Um certo smartphone ostenta com orgulho o slogan “projetado para humanos”, o que soa um tanto como a piada ruim que precisa ser explicada – isto é, se você precisa de um slogan que diz que seu aparelho foi projetado para humanos, e não para ostras, ele provavelmente não é tão amigável assim.

Aqui está um detalhe do que é projetar algo para seres humanos: é proibido fumar em aviões, e ainda assim todos possuem cinzeiros nos banheiros. Mesmo os mais novos, o que exclui a primeira explicação que possa vir à mente, a de que os cinzeiros são simplesmente legados de uma era em que se podia fumar durante vôos mais longos.

Não, os cinzeiros são em verdade itens de segurança obrigatórios nos banheiros, localizados em destaque na porta ou perto dela, independente do fumo ser proibido ou não.

Em 1973, o vôo Varig 820, de Rio de Janeiro ao aeroporto de Orly, na França, foi obrigado a fazer um pouso de emergência já próximo de seu destino. Houve 123 vítimas devido a um incêndio no banheiro traseiro do avião causado provavelmente por um cigarro jogado na lixeira. O fumo era proibido.

Projetar para humanos é oferecer cinzeiros para evitar que aqueles irresponsáveis o bastante para ignorar todos os avisos de proibição de fumar ao menos joguem os cigarros acesos em um cinzeiro e não provoquem riscos maiores ao vôo.

Cinzeiros em banheiros onde é proibido fumar são projetados para humanos. Projetar para humanos não é necessariamente um elogio. [via Standalone Sysadmin]

Sonhos e a Economia

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Com a aposentadoria dos ônibus espaciais, as cenas capturando estas naves sendo transportadas sobre aviões “Jumbo” 747 modificados lembrou, ainda outra vez, como a economia e ultimamente a energia decidem os rumos de nossos sonhos tecnológicos.

Já abordamos em nossa série inacabada sobre o mérito de ir à Lua a história do Concorde, o avião supersônico multibilionário que deixou britânicos e franceses em um dilema onde ambos perdiam, mas nenhum dos lados podia abandonar os acordos, sob o risco de perder ainda mais. E como, ao final, o Concorde foi o sonho de uma era de petróleo barato, pouco preocupada com impactos ambientais e que jamais foi viável comercialmente.

Esta história se relaciona com a história do ainda mais icônico avião Boeing 747 “Jumbo”. É um projeto de enorme sucesso, ao contrário do Concorde. A risada da história é que já na mesa de projetos o 747 foi projetado tendo em vista que perderia lugar para seus rivais supersônicos. Como vimos, exatamente o oposto ocorreu, e ao invés de aviões supersônicos hoje voamos em gigantes aviões subsônicos, exatamente como o 747. A pequena corcunda do 747 é um legado destes planos sobre um futuro que jamais se concretizou – ela era reservada à carga que os 747 levariam ao dar lugar aos aviões supersônicos.

Mesmo o 747 carrega uma lição de economia, e ultimamente, de consumo energia. Boa parte de seu nascimento se deveu à visão de Juan Trippe, da Pan Am, a companhia aérea internacional que foi embaixadora não-oficial dos EUA durante boa parte do século XX. Símbolo de glamour, a Pan Am representava muito mais do que uma companhia aérea, e o 747 seria “…uma grande arma pela paz, competindo com os mísseis intercontinentais pelo destino da humanidade”.

Este avião “Jumbo” era um literal elefante branco, e a Pan Am se comprometeu desde o início a comprar dezenas deles, a custos muito altos, garantindo sua concretização e influenciando seu projeto. Quando se vê um 747 no ar, é preciso lembrar da falida Pan Am, que na prática já não existe há mais de vinte anos. Sem ela, talvez não houvesse um Jumbo.

E apesar de seu sucesso último, o 747 foi também o início da derrocada da Pan Am. Pouco após as unidades encomendadas serem finalmente entregues a primeira Crise do Petróleo na década de 1970 atingiu os custos de operação e a demanda por viagens aéreas internacionais. Com o falecimento de Trippe em 1981, e após uma série de outras decisões ruins, a Pan Am abriu falência exatamente dez anos depois. O símbolo de glamour, das viagens internacionais e aeromoças que serviriam até viajantes à Lua, com merchandising em “2001: Uma Odisséia no Espaço”, é hoje apenas uma marca nostálgica do milênio passado.

Os ônibus espaciais, aposentados este ano, são ainda outra história tecnológica de planos sendo completamente revertidos pela realidade. Ônibus espaciais deviam ser meios de transporte a estações espaciais, mas esta tarefa só foi servida no final de sua vida útil. Por décadas ônibus espaciais eram táxis a lugar nenhum. Novamente, problemas econômicos ultimamente ligados às Crises do Petróleo e ao fim da energia barata fizeram com que estas naves espaciais tivessem um uso e uma vida que seus projetistas jamais imaginaram, e esta é outra história que contaremos em mais detalhe em outra oportunidade.

A história tecnológica da segunda metade do século XX, que é a história que ainda vivemos, é uma moldada pelas Crises de Energia, que se refletem na economia, e afetaram sonhos de utopias do início do século anterior.

Ônibus espaciais em suas viagens finais de aposentadoria, sem que haja substitutos na ativa – e os EUA fiquem assim sem meios próprios de levar astronautas ao espaço – em aviões Jumbo 747, que continuam sendo produzidos quatro décadas depois, contrariando todas as expectativas de seus projetistas, são representações de como a futurologia é uma aventura de poucos acertos.

E enquanto estes sonhos do século 20 encontram seu ocaso – um deles, o 747, ironicamente um ocaso que se reflete em uma produção continuada décadas depois – vivemos em um novo mundo onde a exploração espacial é legada a companhias privadas, devendo ser viável comercialmente desde sua concepção. Já não há energia barata e abundante, e ir ao espaço deve ser alcançado com os recursos disponíveis, de forma sustentável.

Isso, claro, nos EUA. Na China, ainda explorando enormes recursos humanos e naturais, o Estado ainda financia sonhos grandiosos de exploração que dependem ultimamente de mais energia e recursos.

100 Anos da Revolução de Alfred Wegener

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Há um século, em 6 de janeiro de 1912 frente à Sociedade Geológica em Frankfurt, um meteorologista alemão se atreveu a propor a ideia maluca de que os continentes estariam em movimento. A teoria pisava nos fundamentos de vários campos científicos, da geologia à paleontologia, e os maiores luminares de suas áreas foram quase unânimes em desconsiderar o alemão como um maluco. Associações científicas organizaram simpósios contra a ideia absurda, e mais de três décadas depois um outro alemão, um tal de Albert Einstein, também manifestou publicamente sua desaprovação às maluquices do meteorologista.

Hoje a teoria da deriva continental de Alfred Wegener, meteorologista e explorador, é universalmente aceita como uma das teorias mais importantes do século passado, afetando fundamentalmente nossa compreensão em diversas áreas da ciência, da geologia à paleontologia. Podemos mesmo medir em tempo real a separação dos continentes, que se movimentam como parte das placas tectônicas arrastadas pela atividade geotérmica do planeta – o mecanismo que fundamentaria a teoria de Wegener, componente que levou finalmente à sua aceitação tão tarde quanto as décadas de 1960 a 1980.

“No Congresso Internacional em Moscou em 1984, era interessante notar que os russos pareciam ter aceito que o leito dos oceanos se separava, mas não que os continentes estivessem à deriva”, lembra Andrew Miall, professor de geologia da Universidade de Toronto. “Como eles conseguiam [conciliar essas duas crenças] eu não faço ideia!”, completa, ilustrando o tortuoso caminho da ideia ridícula à ortodoxia.

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Hoje parece óbvio que os continentes devam se mover, como a costa brasileira se encaixa quase perfeitamente à costa oeste da África, e como uma avalanche de outras evidências demonstram – logo acima, uma das ilustrações publicadas por Wegener destacando que a conexão entre a América do Sul e a África vai além da mera coincidência das linhas costeiras.

Na época de Wegener, contudo, o que parecia óbvio é algo que hoje pode parecer ridículo. Uma das teorias mais aceitas então para explicar grandes formações montanhosas era a de que o planeta estaria se contraindo devido ao seu resfriamento, e cordilheiras seriam algo como as rugosidades de um maracujá secando. Absurdo? Talvez, mas a resposta ainda mais curiosa é que, apesar de não se aplicar à Terra, esse processo geofísico sim pode explicar formações no planeta Mercúrio e mesmo em nossa Lua. Nosso senso comum, mesmo o senso comum de boa parte da comunidade acadêmica pode ser por vezes um juiz pouco apropriado.

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Neste centenário, a forma como as ideias de Wegener foram rejeitadas é explicada principalmente devido à ausência de um mecanismo que explicasse a deriva dos continentes que ele propunha, o que é bem verdade. Contudo, esta também não é toda a história. Uma das teorias mais revolucionárias do século anterior ao de Wegener foi uma certa Teoria da Evolução das Espécies de Charles Darwin, e para ela também não havia de início um mecanismo estabelecido para explicar o conceito fundamental de hereditariedade. Por que a evolução foi ainda assim aceita, enquanto a deriva continental foi rejeitada?

A resposta está no aspecto sociológico da ciência, enquanto Darwin esteve especialmente bem posicionado no establishment científico da época para defender sua teoria, ao passo que Wegener era em grande parte um outsider nas principais ciências que revolucionaria – notadamente, a geologia. Darwin também era um escritor fabuloso, e assim como Einstein sua obra seminal é acessível mesmo ao leitor leigo. Ainda que Wegener defendesse sua ideia com cautela e prudência, ainda que tenha dedicado sua vida a coletar mais evidências e reconhecer as limitações de suas ideias, Wegener simplesmente não estava tão bem posicionado quanto Darwin, tampouco – por que não – teve tanta sorte para que suas ideias fossem aceitas em seu tempo.

Fato é que tanto Darwin quanto Wegener possuíam fé em suas teorias. Hoje aprendemos sobre as evidências que levaram Darwin e Wegener a propor suas ideias, mas mais raro é aprender que à época tais ideias tinham não só lacunas como uma série de evidências que pareciam contrariá-las, ou ao menos favorecer teorias concorrentes. A ciência praticada no mundo real é complexa e se constrói não apenas pela razão, mas também pela polêmica palavra chamada fé. Respondi sobre o tema no blog Textos para Reflexão.

Em meio ao delicado equilíbrio entre fé e razão, é notável que em “apenas” duas gerações, e com a acumulação de mais e mais evidências, mesmo a inércia sociológica da ciência tenha sido vencida. No mais tardar pela simples troca de gerações, como notou Max Planck, as novas ideias foram novamente discutidas e então aceitas.

Wegener jaz hoje na Groenlândia, no local onde sucumbiu à exaustão em meio à neve, em uma expedição em busca de mais evidências em 1930. Como notou o Spiegel, mesmo em seu leito de descanso Wegener se afastou meio metro da Europa desde então. Para ele, mover-se em seu túmulo é ser vindicado pela realidade e ser hoje reconhecido como um bravo visionário da ciência. [veja mais em Amazing.es, Canadensis]

A Beleza da Catedral de Luz, Fritas Acompanham

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Uma das obras arquitetônicas mais fabulosas do século 20 desafiou o próprio conceito de arquitetura: a Catedral de Luz de Albert Speer, composta de 130 holofotes a intervalos de 12 metros entre si, apontando ao céu e circundando a parada de Nuremberg.

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Em conjunto, os fachos criavam a impressão de uma gigantesca abóbada de luz – ainda que todos os fachos fossem retilíneos, aqueles dentro da “catedral” percebiam as luzes se curvando sobre suas cabeças, pela mesma ilusão perceptual que cria a impressão da própria abóbada celeste.

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A abóbada era imaterial e efêmera, mas talvez tenha sido até hoje a maior já criada por mãos humanas. Tragicamente, apesar do fascínio verdadeiro que despertavam, o recurso de catedrais de luzes tem sido desde sua criação alvo de polêmica devido ao seu uso original para promoção do nazismo. É uma ideia genial, mas que sofre de algo como um pecado original. Nuremberg foi palco dos julgamentos históricos de criminosos nazistas, mas não sem razão lançar fachos de luz ao céu como arquitetura para emocionar multidões tem sido algo delicado desde a Segunda Guerra Mundial.

Isso tem mudado muito lentamente, e o Tributo em Luz em memória aos ataques de 11/09 foi uma exceção, composto de 88 holofotes:

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Solene e belo, como a catedral de luz original, embora mesmo esta variação não aproveite a ilusão perceptual da abóbada de Speer para deslumbrar pessoas dentro dos fachos de luz. Este recurso dificilmente será repetido em grande escala tão cedo, por se aproximar demais das paradas nazistas, embora curiosamente versões menores tenham sido recriadas em shows de rock – boa parte das técnicas fascistas de manipulação de multidões são utilizadas hoje em concertos de rock e pop.

O que nos leva a uma campanha promovida em Chicago no mês passado para uma certa cadeia de fast food:

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Batatas fritas de luz, estendendo-se ao infinito. Talvez seja a prova de que a beleza da Catedral de Luz não é nazista, hoje ao menos não mais do que é uma batata frita de fótons.

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[via pfsk]

The Buchanan Brothers – “Atomic Power”

O hit dos irmãos country de 1946 revela uma época em que o poder atômico era visto como um presente de deus.

“Ó este mundo está tremendo com sua força e grande poder
Lá enviando ao céu com o fogo de enxofre
Escute o aviso meu caro irmão, cuidado com o que planeja
Você está trabalhando com o poder da própria mão sagrada de Deus

Poder atômico, poder atômico
Foi dado pela poderosa mão de Deus
Poder atômico, poder atômico
Foi dado pela poderosa mão de Deus

Você se lembra de duas grandes cidades em uma terra estrangeira distante
Foi varrido da face da Terra o poder do Japão
Cuidado meu caro irmão, não roube a alegria
Mas o use para o bem da humanidade e nunca para destruir

Refrão

Hiroshima, Nagasaki pagaram um grande preço por seus pecados
Quando varridas da face da Terra suas batalhas não puderam ganhar
Mas no dia do julgamento quando vier o poder maior
Não saberemos o minuto e nem a hora

Refrão”

Em toda sua ingenuidade e viés religioso, esta primeira visão popular do poder nuclear é ao menos em um ponto mais apropriada do que a partilhada por boa parte da população hoje: note como não se atribui um valor positivo ou negativo ao poder atômico em si, e sim a como ele é usado. É uma força poderosíssima, que deve ser usada “para o bem da humanidade” e “nunca para destruir”.

Esta visão deu lugar à posição, também ingênua, de que a energia nuclear é intrinsecamente nociva. Alguns cantariam que o “poder atômico foi liberado pela ardilosa mão do Diabo”, mas deus e diabo, desde o início, somos nós mesmos.

Ramanujan e 11/11/11 11:11:11

“O Twitter divulgou um vídeo que mostra uma visualização global de todos os Tweets mencionando 11:11 no dia 11/11/11. Depois há uma segunda onda que seriam os tweets às 23h11, ou 11:11 PM” – Renê Fraga

O vídeo é curioso pela onda que acompanha o fuso horário, e porque a segunda onda que comenta o 11:11 PM se destaca mais nos EUA, onde de fato se usa a convenção AM/PM e não algo como 23h11. Talvez melhor do que qualquer texto longo isso ilustre como o momento é resultado de uma série de convenções arbitrárias, indo do fuso horário à forma como registramos as horas ao longo do dia.

É o não tão velho dilema de que determinar a data e hora exatas do Fim do Mundo deve lidar hoje com questões de fuso horário, e mesmo do horário de verão. Foi-se o tempo em que o Sol parar no céu era um fenômeno universal.

Enquanto uma pequena parte da população mais crédula esperou algo acontecer ansiosamente nesse momento, outra parte da população mais cética desdenhou da superstição – enquanto imagino que quase todos tenham visto o evento apenas como uma curiosidade.

unic

O que ele revela também é nossa fascinação por reconhecer padrões. O padrão 11/11/11 é óbvio, mas o óbvio é muito relativo. Uma famosa anedota matemática conta que o matemático inglês G.H. Hardy foi visitar o gênio indiano Srinivasa Ramanujan no hospital, mas Ramanujan não era um gênio qualquer: era um gênio matemático, considerado por muitos um dos maiores que já existiu.

“Eu havia pegado um táxi de número 1729 e comentei que o número parecia bem monótono”, contou Hardy, “e esperava que isso não fosse um mau agouro”.

“Não”, respondeu Ramanujan de pronto, “é um número muito interessante; é o menor número que pode ser expresso como a soma de dois cubos [positivos] em duas formas diferentes”.

As duas formas são 1^3 + 12^3 = 9^3 + 10^3 = 1729.

Se para nós 11/11/11 é um padrão interessante evidente, para Ramanujan não só 1729, como praticamente todos os números possuíam e eram parte de padrões interessantes. E como se vê, mesmo entre matemáticos como Hardy e Ramanujan tais padrões podem ser vistos como sinais.

“Todo positivo inteiro é um dos amigos pessoais de Ramanujan” – J.E. Littlewood

A prova de que todos os números são interessantes é mesmo um paradoxo divertido: se houvesse números que não fossem interessantes, então o menor desses números se tornaria automaticamente interessante por ser o menor número não-interessante. E assim por diante.

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