Eduardo Bessa entrevista o Peixe-boi
Nesse início de ano participei do Encontro Brasileiro de Ictiologia, em Manaus. Aproveitei a oportunidade para passear por todas as atrações da cidade que vocês podem ver melhor nos textos da Thanuci. Mas fiz uma coisa diferente dela, fui ao INPA entrevistar algumas pessoas lá. Este post traz a primeira destas entrevistas com Jone Fernandes, biólogo da associação dos amigos do peixe-boi (AMPA). Ele nos fala um pouco sobre esses simpáticos mamíferos brasileiros, seu estado de conservação e o trabalho da AMPA. Espero que vocês gostem como eu adorei a experiência de amamentar os bichinhos. Tem coisas que só a vida de biólogo permite.

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O bonobo fetichista
Naquela manhã, no consultório psicanalítico…
-Bom dia, meus amigos. A Sra. vai esperar seu parceiro aqui? Fique à vontade. – A doutora virou-se para sua secretária para pedir algumas revistas para a macaquinha que esperaria ali, mas era visível o semblante de “precisamos conversar em particular” da secretária. As duas seguiram até um canto da pequena antessala. Sua nova secretária era uma evangélica fervorosa de saia comprida, um cabelo longo e maltratado, sobrancelhas que nunca viram uma pinça e pernas mais cabeludas do que as do bonobo que esperava sua consulta.
-Doutora, esses dois aí foram ao banheiro. – Sussurrou a secretária.
-Sim, e o que tem isso?
-Juntos, doutora. Acho que eles estavam de saliência. – Falou a secretária agora esquecendo-se de manter baixo o volume da voz.
A doutora lançou-lhe um olhar de repreensão que se transformou num sorriso à medida que ela virava o rosto para o cliente da vez. – Por favor, entre e vá se acomodando no divã, Sr. paniscus. Como posso lhe ajudar? – Perguntou a Dra. assim que encostou a porta.
-Doutora, estou cansado de ser menosprezado pelos trogloditas dos meus primos na jaula ao lado. Eles se julgam muito superiores, verdadeiros gênios. No entanto não veem meus méritos e habilidades. – Disse o símio apertando o estofado do divã com seu polegar opositor do pé.
-Que coisa! E o que é que esses primos sabem fazer de tão especial?
-Nossos primos chimpanzés são de fato espertos, doutora, usam folhas como abrigo da chuva, gravetos para pescar cupins e pedras para abrir coquinhos. Mas isso não quer dizer que eu não tenha meus truques também, eles só são diferentes. Olha, nossas meninas aprenderam a usar cascas de coco para levar água a outros do nosso bando, folhas de palmeira para limpar o corpo, brincamos e nos catamos usando gravetos e nos dias quentes brincamos esguichando água em nossos filhotes usando garrafas que os tratadores nos dão no zoológico.
-Ora, vocês me parecem muito habilidosos. E, sociáveis que são, usam mais as ferramentas para interagir com os outros do que para comer, como fazem os chimpanzés. O que mais sabem fazer? – Perguntou a analista.
Por um instante o Bonobo pareceu enrubescer mesmo sob a pele escura e a psicóloga se perguntando se não havia sido Darwin que disse que o homem era o único animal capaz disso.
-Doutora, minha parceira aprendeu a fazer uma ferramenta interessante com vagens de uma árvore. Usamos essa vagem para nos excitarmos.
– Ele disse agora com um ligeiro sorriso na boca.
-Era isso que vocês estavam fazendo no lavabo antes da sessão? – Um nó se formou na garganta do Sr. paniscus que o impedia de responder ou respirar. Alguns instantes se passaram.
-Me desculpe, é que ela não me deixa parar de usar a vagem. Me pede o tempo todo e, a bem da verdade, eu também gosto.
-Sr. paniscus, há quanto tempo não têm uma relação sexual sem usar a vagem?
– Ah, doutora, nem consigo me lembrar. Ela é parte da nossa vida sexual há anos. – Respondeu o primata.
-Essa dependência do objeto transicional não é saudável para ela, também não é saudável se esse passatempo de vocês atrapalhar outras atividades rotineiras.-Sentenciou a terapeuta.
-Objeto transicional?- Perguntou o Sr. paniscus.
-Vou fazer uma pergunta apenas para o senhor pensar sobre ela. Não é necessário me responder. Quando esse afã sexual atinge sua parceira, ela deseja você ou o fetiche, a vagem?
Dava para ler no rosto do bonobo que aquela pergunta o havia levado à compreensão. Ao final da sessão ele se arrastou porta afora com a cabeça pendendo e as mãos quase tocando o chão.
Na antessala a secretária ainda sustentava ares de censura, mas a macaquinha não estava. Do lavabo vinham uns ruidos estranhos.
-Amor, vamos voltar ao zoológico. Terminamos a sessão.-Chamou o bonobo.
A Sra. paniscus e sua vagem deixaram o banheiro sorridentes, mas não encontraram no parceiro boas-vindas. Partiram como quem tem muito o que discutir. Assim como ficaram a doutora e sua secretária.
-Terapia, humpf! Esses sem-vergonhas precisam é ir para a igreja. – Depois dessa declaração da secretária a doutora já pensava no anúncio de jornal procurando uma funcionária nova.
Gruber, T., Clay, Z., & Zuberbühler, K. (2010). A comparison of bonobo and chimpanzee tool use: evidence for a female bias in the Pan lineage Animal Behaviour, 80 (6), 1023-1033 DOI: 10.1016/j.anbehav.2010.09.005

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Bessa e borboletas hipocondríacas no Correio Braziliense
Só vi hoje, mas na edição de ontem do Correio sairam algumas declarações minhas a respeito de um trabalho bem interessante enfocando Borboletas monarcas desovando em plantas medicinais para evitar um parasita. O texto pode ser lido aqui.
Mudança
Tenho um vergão vermelho em minha canela e minha esposa ri de mim. As diversas camadas de epiderme foram arrancadas pela quina de uma caixa de papelão cheia dos meus livros no chão da sala. Agora a derme aparece como um tecido rosado, úmido e ardido. Mas esta não é a única marca em meu corpo, há outras contusões. Me mudei de casa estes dias e ainda não está formado em meu mapa cerebral a disposição das coisas.
Há em nosso cérebro uma área responsável por identificar a posição de tudo em nosso corpo, é o córtex somato-sensorial. Em parceria com o cerebelo, ele e o córtex motor primário nos fazem arquitetar nossos movimentos friamente calculados baseando-se em uma memória da disposição das coisas conhecidas. Se nosso corpo muda de forma muito rapidamente (como durante um espichão da adolescência ou após a perda de um membro num acidente) o mapa do córtex somato-sensorial não teve tempo de se atualizar ainda. Isto gera dois fenômenos interessantes: os membros fantasmas de pessoas amputadas, tão bem descritos em diversos ensaios de Oliver Sacks e da Suzana Herculano Houzel; e a natureza inexoravelmente estabanada de nossos adolescentes. Enquanto minha memória não fixar a posição dos móveis e objetos na casa nova ainda irei dar diversas topadas, sempre achei que a canela foi talhada pela evolução para encontrar objetos no escuro.
O pior é que entender fisiologicamente o que está acontecendo não me traz consolo nenhum. Melhor eu encerrar este post e ir ajudar minha mulher a enxugar e engavetar os talheres ou minha próxima mudança será para uma casa sem ela!
Tudo em um ano 11-Eucariotos
Uma membrana. Ok, uma membrana dupla, mas ainda assim uma membrana. Hum, quer contabilizar também organelas? Um esqueleto celular de microtúbulos. São todos detalhes. Mas são os ridículos detalhes que separaram os últimos 322 dias (ou 11,9 bilhões de anos) dos próximos 43 dias (ou 1,6 bilhões de anos). Aqueles que nos permitiram deixar de sermos bactérias unicelulares isoladas para nos tornarmos organizados, mais ousados em colonizar este planeta, um dia multicelulares e tantas outras coisas que ainda estão por vir neste restinho de ano cósmico que nos resta. Há que se dizer que essa mudança que hoje se consolida foi a libertação de grilhões evolutivos de eras acumuladas. A partir de hoje em nossa jornada anual de evolução somos eucariotos.
Por que o código florestal que tramita no congresso não pode passar: Exóticas
O uso de plantas exóticas no reflorestamento é previsto pelo novo código florestal em até metade de sua cobertura. Imagine chegar a uma área de campo cerrado a ser recuperada e encontrar tudo coberto de capim-elefante ou braquiária. Seria algo parecido com reflorestar a Amazônia com eucalípto. Aí precisaríamos criar programas de introdução e preservação dos coalas.
Em meio ao cerrado de Pirinópolis um exemplar da flora africana
As reservas legais precisar ser reflorestadas urgentemente, para isto alguns pesquisadores apontaram plantas exóticas como uma solução rápida para criar condições de uma floresta se restabelecer. Contudo, a permanência destas invasoras na vegetação madura só levaria à perda de biodiversidade. Certamente as RL’s podem servir de fonte de renda aos proprietários rurais na forma de sistemas agroflorestais bem preparados, da exploração de recursos nativos de maneira sustentável ou através de seu valor cênico. Mas o que vem acontecendo é o uso da RL com interesse agrícola estrito maquiado de preservação ambiental.
Por que o código florestal que tramita no congresso não pode passar: Soma das reservas
O novo código florestal permite que se some as áreas das áreas de preservação permanente (APP) nas áreas de reserva legal (RL). Se é necessário preservar 30% da área e 10% é de áreas de preservação permanente, continua-se com apenas 30% da área preservada, já que desconta-se da RL a área de APP. Antigamente o total preservado seria de 40%.
Em termos ecológicos este cálculo é errado. As APP’s precisam ser preservadas por possuírem características e papéis ecológicos específicos (encostas, margens de rios), as RL’s precisam estar lá para compor uma trama de fragmentos conectados do que antes era um contínuo. Mato não é tudo igual!
É necessário que se desvincule a preservação de APP’s e RL’s na compreensão dos proprietários rurais, só assim os papéis destes dois tipos de áreas poderão ser realizados.
Por que o código florestal que tramita no congresso não pode passar: Biomas
O novo código florestal permite que um proprietário rural que deseje desmatar uma área compense esta perda preservando outra área dentro do mesmo bioma. Mata Atlântica com Mata Atlântica, Cerrado com Cerrado, Caatinga com Caatinga…
O problema é que o que nós chamamos de Cerrado, na verdade é uma mixórdia de ambientes muito diferentes, campos limpos, veredas, cerradões, murundus são algumas das fisionomias que o cerrado pode assumir. Pela proposta que ora tramita eu posso desmatar 50 hectares de vereda no norte de Minas Gerais e compensar com 50 ha de campo sujo em Mato Grosso do Sul! O mesmo vale para os outros biomas, eu posso derrubar uma área de floresta ombrófila densa em São Paulo e compensar com uma cabruca na Bahia. Cada fisionomia dessas tem um papel ecológico, características ambientais e uma biodiversidade específicas e insubstituíveis. Semana passada um pesquisador recém-chegado de Cambridge, Gustavo Canale, veio a Tangará dar uma palestra sobre conservação e ecologia de uma espécie de macaco prego restrita a uma parcela de mata atlântica no nordeste. Um cacaueiro que decida desmatar sua propriedade e compensar isto com um fragmento de mata atlântica no Paraná estará contribuindo para a extinção deste importante dispersor de frutos.
Os pesquisadores do painel de conservação do programa Biota Fapesp sugerem que áreas degradadas sejam compensadas em locais próximos e comparáveis em termos fisionômicos.
Por que o código florestal que tramita no congresso não pode passar: Amazônia Legal
As reservas legais na amazônia eram de 80% da área da propriedade, fato há muito contestado por proprietários rurais nesse bioma. Com os zoneamentos sócio-econômico-ecológicos (ZSEE) de cada estado englobado pela Amazônia Legal os proprietários rurais têm feito pressão e o novo código florestal considera a redução das reservas na Amazônia Legal para 50% nas áreas florestais e 20% em outras formações (cocais e savanas, por exemplo).
Esta alteração resultará em intenso desmatamento da floresta amazônica, induzindo o aumento das emissões de gás carbônico, seja pela queima da floresta, seja pela introdução da pecuária no que antes era floresta. Haverá ainda uma redução na complexidade do ambiente e da conectividade entre manchas de floresta nas propriedades rurais, o que, novamente, levará à perda de biodiversidade e serviços ecossistêmicos.
Alternativas apontam para um mínimo de 60% da vegetação amazônica preservada e planejada de forma a manter a conectividade entre fragmentos. Além de maior fiscalização para garantir a permanência desta área de reserva legal na amazônia.
Por que o código florestal que tramita no congresso não pode passar: reserva legal
Reserva legal é a área mínima preservada que um proprietário rural deve manter de suas terras. O novo código florestal sugere reduzir esta reserva legal dispensando de preservá-la agricultores com propriedades consideradas pequenas (até 4 módulos fiscais, o que aqui no Mato Grosso dá 240 hectares). Outra estratégia foi fundir à reserva legal á área de preservação permanente, assim, se um proprietário precisa preservar 100 ha, mas em sua área já existem 30 ha de mata ciliar e 50 ha de encostas, só é necessário preservar mais 20 ha de reserva legal, ao contrário dos 180 ha anteriormente preservados.
A fragmentação decorrente das atividades agrícolas no país todo tem resultado numa perda enorme de biodiversidade. O valor mínimo de área preservada com vegetação nativa e resguardada de ações catastróficas como a caça ou queimadas deveria ser de 30%, abaixo disso sabe-se que o risco de extinção aumenta exponencialmente. Mesmo para os produtores rurais a presença destas áreas implica em polinizadores, controladores naturais de pragas agrícolas e manutenção de recursos hídricos usados na irrigação.
Além do tamanho da propriedade, o tipo de atividade realizada deveria ser considerada no momento da estipulação da reserva legal. Da mesma forma, manter uma área mínima de 30% das propriedades fora da Amazônia preservada é fundamental para a manutenção da biodiversidade e seus serviços prestados.
Mata Atlântica ontem e hoje, o pouco que restou foi graças a reservas legais