Dinossauros: Novas Técnicas, Velhos Mitos 1

Figura de Rodrigues, L.A. 2009. Sauropodomorpha (Dinosauria, Saurischia) appendicular skeleton disparity: theoretical morphology and Compositional Data Analysis.

Figura de Rodrigues, L.A. 2009. Sauropodomorpha (Dinosauria, Saurischia) appendicular skeleton disparity: theoretical morphology and Compositional Data Analysis.

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fig1_a (Large).jpgNota: Este texto, dividido em vários posts a serem publicados nas próximas semanas, decorre da palestra proferida no dia 31 de Outubro de 2009, no Museu de Arqueologia da Amadora, e que tenho proferido nos últimos anos em vários locais e para vários tipos de público.
Como tal, não pretende ser uma cópia integral e fidedigna do que tenho apresentado, antes sim uma breve súmula das questões abordadas, tanto mais que muito do material audiovisual exposto não é aqui apresentado.
Este artigo tem como objectivo, mais do que responder a muitas questões que surgem no âmbito da Paleobiologia de Dinossauros, ser uma breve resenha de dois pontos distintos do conhecimento em dinossauros, servindo de introdução quer aos mais recentes avanços científicos e tecnológicos no estudo dos dinossauros, quer ao entendimento sua importância social.
A primeira parte abordará sobretudo questões científicas do campo de conhecimento que é a Paleobiologia de Dinossauros, com particular atenção às técnicas mais recentes de investigação nesta área do conhecimento.
A segunda parte deste texto lidará com o papel que os dinossauros desempenham na cultura popular, em campos tão distintos como o cinema, a música ou a mitologia.
1 NOVAS TÉCNICAS
Antes de se exemplificarem as mais modernas técnicas de estudo destes animais extintos é importante responder à seguinte pergunta: o que são dinossauros?
fig1_b (Large).jpgOs dinossauros são um grande grupo de animais, quer em termos de diversidade (número de espécies), quer em disparidade morfológica (tamanhos e formas corporais), que ocuparam praticamente todos os ecossistemas terrestres durante o Mesozóico (aproximadamente entre os 250 e os 65 milhões de anos).
Estes animais apresentaram um grande número de modos de vida – havia-os carnívoros, como o famoso Tyrannosaurus, ou herbívoros, como o Iguanodon; os que viviam em grupo, como alguns saurópodes, ou os que, aparentemente, viviam de forma solitária; os que se movimentavam de forma bípede, como o Deinonychus, ou os que eram quadrúpedes, como o Triceratops. Se uma das características mais referidas quando se fala de dinossauros é o seu enorme tamanho, pois existiam dinossauros com mais de 30 metros de comprimento e centenas de toneladas, como o Argentinosaurus [1], também é certo que existiram vários dinossauros de tamanho muito mais reduzido, como o Microraptor, com poucas dezenas de centímetros de comprimento [2].
De hábitos exclusivamente terrestres, à excepção dos grupos que foram antepassados das actuais aves, os dinossauros são muitas vezes confundidos com outros animais seus contemporâneos, como os pterossauros – répteis voadores e os ictiossauros, plesiossauros ou mosassauros – estes três últimos grupos répteis aquáticos.
Ao nível do parentesco biológico, os dinossauros fazem parte de um grupo de animais amniotas designado de Archosauria, que inclui, para além dos pterossauros, ictiossauros ou mosassauros, também os crocodilos e as aves.

O sucesso evolutivo dos dinossauros, que se estendeu por quase 200 milhões de anos, pode ser explicado por vários factores, entre os quais e apenas a título de exemplo, a locomoção mais eficiente do que a de outros grupos contemporâneos e o desenvolvimento de tamanhos gigantescos.
Este enorme sucesso biológico pode ser igualmente atestado pela vasta diversidade de espécies e géneros que a Paleontologia já identificou .
Desde que, em 1824, foi proposto o nome do primeiro dinossauro, Megalosaurus bucklandi, por William Buckland (1784 – 1856), os últimos quase 200 anos foram de constante descoberta, descrição e aprofundamento de conhecimento, quer da anatomia, comportamento, alimentação ou mesmo da locomoção destes animais.
Nos próximos posts apresentarei alguns exemplos de investigações recentes que têm contribuído para um maior conhecimento, quer da biologia, quer dos comportamentos, de um dos grupos animais que mais fascínio exerce sobre o ser humano: os dinossauros.
CONTINUA

Referências:
[1] Bonaparte J. & Coria R. 1993. Un nuevo y gigantesco sauropodo titanosaurio de la Formacion Rio Limay (Albiano-Cenomaniano) de la Provincia del Neuquen, Argentina. Ameghiniana 30 (3): 271-282.
[2] Xu, X., Zhou, Z., & Wang, X. (2000). The smallest known nonavian theropod dinosaur Nature, 408 (6813), 705-708 DOI: 10.1038/35047056
Imagens:
Figura 1a) Úmero de Brachiosaurus brancai (Museu de História Natural de Berlim, Alemanha) comparado com úmero de Homo sapiens sapiens. Imagem: Luís Azevedo Rodrigues.
Figura 1b) Úmero de Gyposaurus sinensis (Instituto de Paleontologia de Vertebrados e Paleoantropologia, Pequim, China). Imagem: Luís Azevedo Rodrigues.
Figura 2 Relações filogenéticas de Amniota (cladograma simplificado). Figura de Rodrigues, L.A. 2009. Sauropodomorpha (Dinosauria, Saurischia) appendicular skeleton disparity: theoretical morphology and Compositional Data Analysis. Universidad Autónoma de Madrid, Madrid – Spain, Supervised by Professor Angela Delgado Buscalioni and Co-supervised by Professor Jeffrey A. Wilson, University of Michigan, Ann Arbor. December 2009. ISBN 978-84-693-3839-1.

Dinossauros no Ceará

Informação recebida de Hebert Bruno Campos.
Nota: ainda não tive o prazer de ler o livro.

dinossauros no ceará71.jpg“SINOPSE
A Bacia Sedimentar do Araripe (Cretáceo Inferior) do Nordeste do Brasil possui uma importante fauna de arcossauros, que inclui aves, crocodiliformes, dinossauros e pterossauros. Atualmente são mais de 30 espécies conhecidas, distribuídas nas formações Crato e Santana (Aptiano-Albiano).
O livro inicia-se com o prefácio do Dr. Eberhard Frey, do Museu Nacional de História Natural de Karlsruhe, Alemanha – um dos mais reconhecidos pesquisadores da fauna de arcossauros da Bacia do Araripe. Segue com a apresentação do autor sobre alguns episódios de sua trajetória na Paleontologia do Araripe. DINOSSAUROS NO CEARÁ é ricamente ilustrado e com informações científicas a respeito dos fósseis de dinossauros, crocodiliformes, aves e pterossauros presentes nas rochas cretáceas das Bacias Crato e Santana do Nordeste brasileiro. Um livro essencial, organizado em 15 capítulos, com citações e lista de referências.
Nesse volume são apresentadas informações produzidas e coletadas ao longo de minhas pesquisas. É um livro acessível a todos os públicos, portanto, não o defino unicamente como “acadêmico” ou “para leigos”. É uma coletânea de conhecimento sobre o que a Paleontologia de Vertebrados produziu sobre esse grupo de animais do interior do Nordeste do Brasil, com comparação aos parentes relacionados encontrados em rochas sedimentares de outras regiões do planeta Terra.”

Filogenia de café

Afastada do balcão, a mesa estava pejada de figuras de dinossauros. De lado opostos, dois primatas falantes e de idades distintas, dissertavam sobre aqueles bonecos.
Mas este também tem quatro patas.“, argumentava o mais baixo, condizente com a idade.
Todos têm quatro patas.“, ouvi eu dizer ao mais velho, meu contemporâneo. “Isso não quer dizer nada. Este tem cornos na cabeça e este do pescoço comprido não, vês?”, rematava glorioso enquanto agarrava no bicho de plástico.
Está bem, mas podem-lhe ainda não ter nascido…“, devolveu a criança.
São qualidade diferentes, não estás a ver. São diferentes, logo são qualidades diferentes de dinossauros.“, terminou o mais velho enquanto eu terminava o segundo café da manhã ao balcão.
Esta argumentação, pouco diferente é das que os paleontólogos têm em congressos ou em revistas da especialidade.
Os grupos de dinossauros, como outros seres vivos, são agrupados consoante as semelhanças e diferenças físicas, indo-se de detalhe em detalhe até o animal ser colocado numa árvore onde estão representados todos os possíveis parentes – dos mais próximos, aos mais longínquos.
Os meus colegas paleontólogos provavelmente arrancarão cabelos com a esta minha heresia, mas a filogenia tanto pode ser feita no laboratório, com a ajuda de potentes computadores, como à mesa de um café, utilizando bonecos.
Esta última análise, mais simples, pode utilizar os mesmos princípios da sofisticada investigação.
Mas não deixa de ser uma filogenia.
De café.
Imagem – ilustração dos princípios de Sistemática Filogenética, do paleontólogo Matthew Bonnan
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Entrevista ao Diário de Aveiro e visitas às pegadas de dinossauro da Salema

A entrevista que dei ao jornal da minha cidade…Aveiro.

E algumas fotos de mais uma visita que orientei às pegadas de dinossauro da praia da Salema, organizada pelo Centro Ciência Viva de Lagos.
Imagens de Beatriz Tomás Oliveira.
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(Visita) Pegadas de Dinossauro da Salema

Algumas fotografias da (mais uma) visita que guiei às pegadas de dinossauro da praia da Salema, Algarve, organizada pelo Centro Ciência Viva de Lagos.
A próxima visita será no próximo dia 11 de Setembro.
Imagens – Beatriz Tomás de Oliveira
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– encontro do grupo com introdução breve ao registo de pegadas de dinossauro e diversidades deste grupo de animais, tempo geológico e processos de fossilização.
– jazida oeste da Salema – rastro de pegadas de dinossauro ornitópode. O grupo discute o que faz um paleontólogo para estudar este tipo de registo paleontológico – descrição morfológica, medições, entre outros.

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– pormenor da jazida oeste, podendo observar-se as pegadas tridáctilas (três dedos) do ornitópode.
– grupo observa a jazida este, com pegadas tridáctilas de dinossauro terópode.

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– grupo junto à jazida este de pegadas de dinossauros terópodes. Pergunta favorita, nalguns grupos, é: “Como é que os bichos subiam as rochas tão inclinadas?”…
– grupo reunido preparando a observação a algumas deformações na praia da Salema (dobras e falhas).

 

 

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(figura de Vanda Santos – daqui)
Mais informações sobre as pegadas da praia da Salema: aqui

Ciência Pop

Depois de uma adolescência a admirar o som punk dos Bad Religion, que vim a descobrir mais tarde serem liderados pelo biólogo evolutivo Greg Graffin, os They Might Be Giants lançam agora o tema “I Am a Paleontologist”.
Apesar de estar cheio de lugares comuns sobre a Paleontologia, é um tema saltitante e, acima de tudo, fala de uma profissão que me diz muito…

Apesar de não ter ouvido o álbum, parece-me ser só sobre a Ciência.

Asas Velhas

Megatypus schucherti_wing (Small).jpg

De um tempo em que não eram aves ou mamíferos os voadores.
Outros cavalgavam os ventos, em florestas cerradas.
Com alas imensas.
Ventos passados, outras asas.
“The largest insect to have ever lived was Meganeuropsis permiana, from the Early Permian of Elmo, Kansas, and Midco, Oklahoma (…). This magnificent griffenfly attained wingspans of approximately 710 mm, which dwarfs the largest odonates found today. Protodonatans were almost certainly predaceous, as all nymphal and adult odonates are today.
Most fossils of these insects consist only of wings, but among the few preserved body parts are large, toothed mandibles, enormous compound eyes, and stout legs with spines, thrust forward in a similar manner to Odonata – all indicative of their being aerial predators.”

Evolution of Insects, pp. 175-176

Referrências:
David Grimaldi and Michael S. Engel. Evolution of the Insects. Cambridge University Press 2005

Imagem:
Megatypus schucherti (Meganeuridae: Protodonata), Evolution of the Insects.

Backpfeifengesicht

Há palavras que, por vezes, nos faltam.
Umas, por falta de ideias.
Outras, por falta de vontade ou engenho de realizar um trabalho minimamente competente.
Outras ainda, por lacunas da nossa língua materna.
E existem textos que combinam as três razões anteriores.
Hoje, o DN chamou-me a atenção com uma notícia sensacionalóide: “Aligatores ajudam a perceber dinossauros”.
Já havia retransmitido o título deste estudo pelo Twitter, dois dias atrás.
Pensei: “Bom, o palerma deve ter dourado a informação com a palavra dinossauro, embora não tenha nada que ver. Errado e frequente.”
Mas não.
O tetrápode grafante havia criado um novo mundo para a Paleontologia! O iluminado escriba continuou a sua tradução/recriação do artigo com a seguinte frase: “Investigadores estão a utilizar aligatores, uma espécie de crocodilo, para perceber como terão vivido os dinossauros há 540 milhões de anos…”
Meu caro: a sua tatemae é mais forte do que a sua literacia científica, uma vez que qualquer aluno do 7º ano de escolaridade sabe que os primeiros dinossáurios terão surgido há aproximadamente 230 milhões de anos.
Anseio por vislumbrar a sua backpfeifengesicht capaz de tão rico desenrascanço.

Glossário:
Backpfeifengesicht“, palavra alemã que significa “ter uma cara que merece um murro bem dado”.
Tatemae“, palavra japonesa que significa “o que se quer acreditar”.

Referência:
Tomasz Owerkowicz, Ruth M. Elsey and James W. Hicks. Atmospheric oxygen level affects growth trajectory, cardiopulmonary allometry and metabolic rate in the American alligator (Alligator mississippiensis). Journal of Experimental Biology 212, 1237-1247 (2009)
doi: 10.1242/jeb.023945

Imagem – daqui

Ela por ele

Já me aconteceu várias vezes, em especial no oriente.
Antecipando um colega ele, surpreender-me quando me deparava com uma ela.
A técnica redentora deste engano passa por inúmeros contorcionismos comportamentais, que não vou descrever a fim de não reviver o embaraço.
Coisas que acontecem quando não se domina o género dos nomes e num ambiente que não nos é familiar.
Nada de especial.

Acontece também em jornalismo de ciência.
Recentemente, um artigo importante relaciona o aumento da acidez dos oceanos com a uma maior fragilização da carapaça microrganismos que são um elo muito importante das cadeias alimentares oceânicas.
Num artigo, hoje publicado no DN, Filomena Naves apelida os “foraminíferos” de “foraminíferas”, por mais do que uma vez.
Bem sei que, neste tempos alucinantes, os ininterruptos comunicados das agências noticiosas não nos dão sossego, mas traduzir “foraminifera” para “foraminíferas” é, como dizê-lo, nominalmente errado.
O importante é que a notícia foi divulgada.
Ainda que no género errado.

Referência
Andrew D. Moy, William R. Howard, Stephen G. Bray, Thomas W. Trull. Reduced calcification in modern Southern Ocean planktonic foraminifera. Nature Geoscience (08 Mar 2009), doi: 10.1038/ngeo460, Letters.

Imagem daqui

II O canário do mineiro

(continuação)

O registo paleontológico conta-nos que, após cada evento deste tipo, se dá um rápido desenvolvimento de novas linhagens biológicas. É comummente aceite que o desaparecimento dos dinossáurios terá facilitado o desenvolvimento e diversificação dos mamíferos. Este pequeno exemplo permite constatar que os acontecimentos de extinção de enormes quantidades de seres vivos facilitaram o desenvolvimento de outros grupos biológicos, entre os quais os próprios seres humanos.

Num inquérito recentemente efectuado entre biólogos, paleontólogos e evolucionistas, sete em cada dez afirmam que está a ocorrer mais uma das grandes extinções – a Sexta Extinção em Massa. Esta extinção tem como principal causa um único ser vivo – Homo sapiens – e será provavelmente a mais devastadora das que a precederam.
São referidos números distintos mas é unânime que os números avançados, em 1993, por E.O. Wilson – que cerca de 30 000 espécies desaparecem por ano – se encontram desactualizados, mas por defeito…

Ao contrário das outras cinco, a Sexta Extinção caracteriza-se por enormes transformações da paisagem, sobreexploração das espécies (animais e vegetais), poluição e introdução de espécies estranhas a determinados ecossistemas (por ex. acácias introduzidas em Portugal).

A redução da diversidade biológica regista-se a uma taxa nunca antes testemunhada no nosso planeta – em quantidade e rapidez com que está a ocorrer. A título de exemplo, entre as cerca de 10 000 espécies de aves que actualmente se conhecem cerca de 1200 estão seriamente em risco de extinção.

Porque devemos então preocupar-mo-nos que uma espécie de anfíbio da América do Sul se extinga?

Para além de nos inquietar a redução do património genético e consequente “ataque” à biodiversidade, esse desaparecimento é uma mensagem especial.

Deve fazer-nos lembrar que esse anfíbio pode ser o nosso Canário do Mineiro, que lhe devemos prestar atenção correndo o risco de, se o não fizermos, colocarmos a vida na Terra num futuro mais do que minado…

(Publicado no jornal O Primeiro de Janeiro em Outubro de 2004)

Referências
existe vasta bibliografia referente a extinções em massa; recomendo sobretudo os trabalhos de Douglas Erwin, que há mais 15 anos teve a simpatia e modéstia de responder directamente a uma questão trivial de um estudante de licenciatura sobre …o estudante era eu; a questão tenho pudor em a revelar.

Imagens (dos dois posts e por ordem):
daqui, daqui, daqui, daqui, daqui e, finalmente daqui.