Mola Maluca desafia a gravidade
Publiquei no Sedentário&Hiperativo um texto sobre o experimento com a “mola maluca” aparentemente desafiando a gravidade. Confira!
Quão grandes são as erupções solares?
Rápido vídeo ilustrando como uma erupção nada incomum pode ultrapassar o comprimento de 30 planetas Terra enfileirados.
Se isso soa impressionante, como realmente é, deve destacar como é impressionante que tenhamos passado a maior parte de nossa história sem fazer ideia de que fenômenos tão vastos acontecem na superfície da estrela que passa sobre nossas cabeças todos os dias.
Porque pensávamos que o Sol era perfeito e imaculado. [via GReader Daniel B Orlandine]
O Terrorismo Culto à Carga
Às 8:46 da manhã daquele dia 11 de setembro de 2001, o vôo American Airlines 11 atingiu a torre norte do World Trade Center. Menos de vinte minutos depois, com todas as câmeras do mundo voltadas ao local, o vôo United Airlines 175 atingiu a torre sul.
Não foi mero acidente, e naquele momento todos perceberam isso. Havia sido planejado. Mil e uma câmeras registraram de todos os ângulos a segunda colisão. Naquela manhã, apenas 19 terroristas, patrocinados pela pequena fortuna de um dos herdeiros de uma família saudita, mataram quase 3.000 pessoas, ferindo mais de 6.000. E mudaram o mundo, para muito pior.
Embora os terroristas sejam mais comumente associados a pilotos Kamikazes da Segunda Guerra Mundial, há uma certa diferença. Kamikazes voavam em aviões de guerra. Os terroristas do 11/9 raptaram aviões de passageiros e os transformaram em armas de guerra.
Neste uso inusitado dos aviões comerciais eles podem ser comparados às tribos que praticavam o Culto à Carga.
Sem entender por que os visitantes longínquos recebiam dos pássaros de metal todo tipo de iguarias, a Carga, os nativos passaram a imitar algo do que viam como invocação mágica. O Culto à Carga.
As origens do Culto à Carga são em verdade um tanto mais complicadas (aqui, um bom texto), assim como os terroristas do 11/9 não eram selvagens que desconheciam os aviões que pilotavam ou mesmo o mundo em que viviam.
Mas no uso selvagem da tecnologia para fins diversos dos quais foi criada, os terroristas praticaram a mais abominável forma de Culto à Carga. Em suas versões mais brandas, este é o culto daqueles que usam computadores para criticar os avanços da ciência, que comem tomates indignados com os progressos da biotecnologia, que não se lembram de ter visto alguém vítima de paralisia infantil mas não vacinam seus filhos.
São aqueles a quem a ciência e tecnologia não são compreendidas nem apreciadas, são apenas rituais, como pressionar um botão vermelho, que devem ser realizados para obter os mágicos resultados.
São os “novos selvagens”.
Você está morto. Bang!
Uma dor lancinante, e o insurgente Taliban está morto. Sem nenhum aviso, sem nenhum som além de seus próprios gemidos, seu companheiro mal compreende a situação e busca o inimigo à sua volta quando também é atingido.
“Eles nunca saberão, mas sua morte foi decidida a 2475 metros dali. Deitado em uma posição camuflada o Sargento Atirador de Elite Craig Harrison e seu observador viram a equipe inimiga”, escreve Carlos Cardoso em um bom texto descrevendo como a tecnologia permite hoje um alcance mortal inacreditável, combinando balística com uma série de cálculos e medidas em tempo real representando avanços na comunicação e processamento de informação.
“É levada em conta a velocidade do vento, a temperatura ambiente, altitude, temperatura, umidade do ar, rotação da Terra, posição geográfica, hora do dia, densidade do ar e vários outros fatores”, e a bala chega não só muito mais rápido, como muito mais longe que qualquer som de seu disparo. O alvo pode morrer antes de ouvir o som do disparo que o matou.
É um prospecto fascinante, principalmente a nós que crescemos brincando de “polícia e ladrão”, nosso bang-bang local, ou mesmo qualquer jogo onde empunhamos armas e saímos disparando contra alvos virtuais. Associamos o bang à morte. Bang, você está morto. Hoje, você pode estar morto antes do bang.
Mas na cobertura da mídia do décimo aniversário do 11/9, acabei assistindo à entrevista de Ethan McCord.
Em 12 de julho de 2007, dois helicópteros Apache usaram um canhão de 30mm para disparar contra alvos em um subúrbio do Iraque. Em torno de uma dúzia de pessoas, inicialmente classificadas como “insurgentes”, morreram.
Pelo menos duas pessoas no primeiro grupo atingido portavam armas: um fuzil e um lançador RPG. Era uma zona de guerra. Mas algo que os soldados entenderam por ainda mais armas eram apenas os equipamentos de jornalistas da Reuters. Não eram armas, eram câmeras.
A quase um quilômetro, do outro lado da distância que separava os protagonistas deste incidente, avançadas câmeras nos Apache registravam tudo. A chuva de balas de grosso calibre também pegou as vítimas de surpresa. Eles não sabiam, mas já estavam mortos. Bang!
Um dos correspondentes agonizava no chão, talvez ainda sem entender bem o que havia acontecido, quando uma van preta se aproxima. Pessoas saem para recolher os feridos, e dizem os soldados, as armas. Os soldados pedem permissão para atirar. Recebem, e mais saraivadas chegam de surpresa. Os ocupantes da van não sabiam, mas já estavam mortos.
Bang! Havia duas crianças no banco da frente da van.
McCord esteve entre os primeiros a chegar e, contrariando ordens superiores, dedicou seus esforços a salvá-las. Só soube no ano passado, quando o vídeo vazou através do Wikileaks, que as crianças sobreviveram.
Algo que me atingiu é que McCord contou como um de seus colegas chega a dizer que a culpa das crianças serem atingidas era do próprio pai que as levava a um cenário de guerra. Havia uma saraivada de balas de grosso calibre, uma carnificina, e ao invés de fugir com suas crianças, o motorista parou seu carro e tentou se envolver.
Mas McCord estava no chão e não no helicóptero. Ele se manchou com o sangue das crianças, este cuja cor nem pode ser registrada pelas câmeras estabilizadas e em espectros de infravermelho a centenas de metros de distância. Ele sabia que não era assim.
Naquele local não se ouvia o helicóptero. Para o motorista da van, que não havia visto a chuva de balas, havia apenas pessoas agonizando no chão. Os Apache não podiam ser vistos, não podiam ser ouvidos. É a avançada tecnologia bélica. A chuva de balas cai, as pessoas morrem. E por vezes mal se escuta o bang.
Lembrei que toda morte, sem exceção, é uma tragédia, e nenhuma tecnologia desenvolvida para matar deveria ser celebrada ou admirada. É apenas porque algumas vidas provocam tragédias ainda maiores que se considera por vezes aceitável e necessário “terminá-las”. Mas toda morte, sem exceção, é uma tragédia e toda tecnologia desenvolvida para matar é instrumento para levar tragédias a cabo com maior eficiência.
Bang.
“Iconatomy”: Celebridades e Reificação
O estudante de artes suíço George Chamoun mesclou retratos de ícones do cinema de duas eras diferentes no projeto “Iconatomy”, algo como “Iconatomia”, e o resultado é surpreendente principalmente porque nenhum dos rostos mesclados foi distorcido.
Chamoun simplesmente fez uma colagem de recortes de celebridades modernas sobre estrelas do passado. “As imagens não foram alteradas em nenhuma forma”, explica, “o que você vê é uma colagem de duas pessoas diferentes em cada imagem. Levou um bocado de tempo para que eu encontrasse as imagens certas? Claro que sim!”.
Aqui está o fascinante, porque a este autor parece que Chamoun conseguiu fazer com que a fusão dos rostos aconteça… em nosso cérebro!
Porque por mais que Audrey Hepburn tenha semelhanças fisionômicas com Natalie Portman:
O que deve surpreender é que elas não são tão fortes quanto a colagem de Chamoun inicialmente sugere à nossa massa cinzenta.
Levou algum tempo para que eu encontrasse as imagens originais que Chamoun usou? Claro que sim! Mas nem tanto. Aqui estão:
Hepburn usava um chapéu, e precisei espelhar horizontalmente a imagem de Portman. Lado a lado, desta forma, as diferenças devem se destacar mais, e convido você então a rever a colagem mais acima.
Como rostos diferentes puderam se mesclar tão bem? Isso só pode ser uma ilusão, no que este autor arrisca ser algo similar ao triângulo Kanizsa.
Nossa percepção preenche as lacunas e enxerga um triângulo que não está realmente lá. É o que a psicologia Gestalt chama da reificação, o aspecto construtivo da percepção, que não é algo passivo mas sim algo construído a partir dos estímulos que recebemos.
A colagem de Chamoun faz com que os dois rostos se unam justamente nas partes onde coincidem – no topo do cabelo, contornos da face. Algo como as extremidades do triângulo ilusório de Kanizsa, nossa percepção faz o resto e preenche as lacunas, fazendo com que duas estrelas de Hollywood se unam em um só rosto.
Esta ilusão apresenta mesmo o princípio Gestalt de multi-estabilidade, de forma que você pode ver ora um rosto mais próximo ao ícone do passado ou do presente.
Estes princípios da percepção em que arte mereceria mesmo um estudo científico acabaram me lembrando de outra ilusão em tempos de Internet, e uma que talvez não pareça tão culta.
É o que se tornou conhecido como “pornô para mórmons”.
Ou, como me atrevo a sugerir em um nome mais “acadêmico”, “pornografia Gestalt”.
O Relojoeiro do Ferrofluido nas Bolhas de Sabão
Kim Pimmel combina “bolhas de sabão comuns com um exótico ferrofluido para criar uma instigante história, usando lentes macro e técnicas de lapso de tempo. O corante [vermelho] e o ferrofluido preto deslizam pelas estruturas das bolhas, atraídos pelas forças invisíveis da ação capilar e magnetismo”.
O vídeo deve remeter qualquer espectador a estruturas biológicas, e em especial, à complexidade das estruturas biológicas. E isso não é mera coincidência.
Na própria origem do termo “célula” nas observações de Robert Hooke no século 17, lá estavam as bolhas de sabão. E mesmo nas revoluções biológicas modernas que modelaram a membrana celular com conhecimentos adentrando a físico-química, também lá estavam as bolhas de sabão! Há trechos fabulosos desta ligação entre algo tão mundano com um conceito-chave no entendimento de uma unidade básica da vida em Planar Lipid bilayers (BLMs) and their applications.
E bolhas de sabão ainda podem ser usadas didaticamente para entender melhor o funcionamento da membrana celular (PDF).
Além das bolhas se sabão, o ferrofluido, um líquido suscetível à ação de campos magnéticos, também encontra ligações inusitadas. O que o artista usou aqui é provavelmente feito usando o toner negro de impressoras. O vídeo anterior de Pimmel ilustra essa dança de partículas de toner em resposta a campos magnéticos:
Os nexos da origem das copiadoras fotostáticas mais conhecidas como Xerox é tema para outro post, mas no ferrofluido também está algo da história da ciência, enquanto Michael Faraday utilizava raspas de ferro para ilustrar os então misteriosos e invisíveis campos magnéticos.
Acima, um dos primeiros diagramas representando linhas de força magnéticas, por Faraday em 1832.
O que nos leva ao nexo que une todos estes: a complexidade. Estamos acostumados a associar complexidade a dispositivos artificiais intrincados, ou alternativamente à própria vida, que ao longo de quase toda nossa história só poderíamos presumir também ser algo projetado, por mãos e mentes superiores às nossas.
E, no entanto, a complexidade nos cerca. Bolhas de sabão e principalmente pó de toner de uma impressora são elementos manufaturados, sim, mas quem esperaria ver tanta complexidade neles?
De fato, a complexidade nos cerca e fenômenos intrincados ocorrem à nossa volta, passando ao largo de nossos artifícios bem como daquilo que consideramos vivo. Ela é apenas largamente invisível aos nossos olhos, que do contrário estariam saturados de um universo de fenômenos.
Mesmo quando a complexidade é visível, é comumente tomada como algo banal. Porque se pó de toner em meio a bolhas de sabão em uma bacia de água com um eletroímã ao centro fossem algo que ocorresse naturalmente, provavelmente nos pareceria tão “simples” e banal quanto as cores iridescentes de uma película de óleo sobre a água, dos cristais de gelo sobre uma nuvem.
Há, finalmente, a complexidade visível que é atribuída ao divino, como as cores refratadas do arco-íris. O que não deixa de ser curioso ao constatarmos que em um dia de Sol podemos criar nossos arco-íris simplesmente criando um jato de água com um a mangueira, mas ver algo como o que o artista Kim Pimmel criou requer um pouco mais de trabalho.
Pelo que poderíamos pensar que o deus do arco-íris é menos poderoso ou mesmo menos criativo que Pimmel.
Através dos olhos de um estatístico
Simpático vídeo que mostra o mundo “visto através dos olhos de um estatístico”, enviado para o concurso de vídeos da Associação Estatística Americana.
A estatística está ao nosso redor, podendo ser vista na ação de centenas, milhares de pessoas em objetos como a boca do recibo de uma bomba de combustível ou uma porta, à medida que a corrosão ou desgaste acabam exibindo um padrão da curva em sino da distribuição normal. Já o padrão das gotas de óleo pingadas por carros em um estacionamento, ao contrário da curva contínua, mostra o padrão emergente de uma distribuição de Poisson, discreta.
Isso me lembrou de algo engraçado: a estátua Botero de “Adão”, no Time Warner Center em Nova Iorque, tem uma área que acaba brilhando em contraste com o resto da escultura. Um tablóide descreveu a atração de tocar a área como “irresistível”.
Os homens podem ficar mais animados com as estátuas do cassino “Crazy Girls” em Las Vegas.
Em algo menos relacionado à estatística da sexualidade, que torna “irresistível” agarrar partes baixas, também me lembrei da história do monge budista que teria deixado a marca de seus pés no chão de madeira em que teria orado diariamente por vinte anos:
Meu senso crítico duvida um tanto da história, principalmente na forma como as marcas não parecem acompanhar as áreas do pé que realmente suportam mais peso ou deveriam causar maior desgaste na madeira – em especial, as marcas profundas deixadas mesmo pelo dedo mínimo. Ou será que a forma peculiar como ele parece orar poderia responder por esse padrão?
Estatística aplicada com um tanto de outras ciências permitiria testar essa história! [via The Five Best Statues for Groping]
A Miséria em uma Tela Sensível ao Toque
“Um funcionário de ajuda humanitária usando um iPad para fotografar a carcaça em putrefação de uma vaca em Wajir, próximo da fronteira entre o Quênia e a Somália, em 23 de julho de 2011. Desde que a seca tomou conta do
CaboChifre da África, e especialmente desde que a fome foi declarada em partes da Somália, a indústria internacional de ajuda tem visitado campos de refugiados e vilarejos remotos em aviões ostentando símbolos e marcas e linhas de picapes com tração nas quatro rodas. Este circo de mídia humanitário e diplomático é necessário toda vez que a fome atinge as pessoas na África, dizem os analistas, porque os governos – tanto africanos quanto estrangeiros – raramente respondem com a urgência necessária em catástrofes iminentes. Combine isso com a explicação comumente simplista das causas da fome, e um número crescente de críticos da ajuda dizem que partes da África estão condenadas e um ciclo sem fim de alertas ignorados, apelos à mídia e alimentação através da ONU – ao invés de uma transição para auto-suficiência duradoura”. [Reuters/Barry Malone/The Atlantic]
O toque na tela de um iPad é detectado quando entramos em contato direto com a fina e transparente camada condutora em sua superfície. Nosso corpo também é um condutor de eletricidade, e em um momento nos tornamos parte integrante do sistema elétrico do dispositivo, que pode então processar exatamente em que região da tela este contato foi feito. Com o software apropriado, telas capacitivas podem produzir uma interação precisa e instantânea quase mágica.
Não há no entanto nenhuma resposta tátil ao toque. Pressionar uma tecla pode nos parecer mais emblematicamente tecnológico, mas cada tecla pressionada é uma ação mecânica que ainda mantém o usuário isolado da máquina. Um iPad exige que você estabeleça contato elétrico direto com o dispositivo, motivo pelo qual não se pode usá-lo com luvas.
O que isso tem a ver com a fome na África? Acredito que seja mais um nexo a refletir sobre os contrastes capturados pela imagem de um aid worker usado um iPad para fotografar uma carcaça. A série completa de imagens no Atlantic é aterradora. E gostaria de indicar alguns outros nexos que devem ser relevantes a qualquer consideração.
Um dos mais importantes é que, apesar do alarmismo, catastrofismo e pessimismo que costumam apelar tão facilmente às nossas emoções, nas últimas décadas o número de famintos no mundo esteve caindo constantemente, tanto em números absolutos quanto relativos:
Enquanto boa parte do século 20 foi passada em conflitos pelo sistema revolucionário que solucionaria todos os nossos problemas – conflitos que, supostamente pelo bem maior da humanidade, vitimaram em si mesmos centenas de milhões – nós realmente progredimos em um dos aspectos mais elementares, fornecendo as necessidades básicas de alimentação a um número incrível e ainda crescente de pessoas.
A sustentabilidade do crescimento, bem como da diminuição da miséria são sem dúvida questões essenciais para que este progresso continue, mas qualquer um que conteste que o aumento populacional combinado com a diminuição da miséria não são evidência de progresso, e não esteja no ato de se suicidar de imediato, é no mínimo um hipócrita.
Nos últimos anos uma série de fatores, incluindo justamente o aumento contínuo na população mundial, que nos próximos meses deve atingir a marca de 7 bilhões, significa que os desafios aumentam e medidas mais enérgicas de um nível diferente são necessárias não só para impedir que a miséria aumente, como para continuar rumo a sua erradicação. Esse discurso e principalmente esses termos (“miséria”, “fome”, “erradicação”) devem soar como algo bem ouvido na política brasileira nos últimos anos, e esse é em verdade um excelente sinal.
O Brasil é um dos países mais bem sucedidos no combate à miséria. Estabilidade política e econômica permitiram programas sociais de resultados reconhecidos internacionalmente.
A miséria na África enfrenta justamente a ausência destes fundamentos, e gostaria de destacar a terceira parte da série do documentarista da BBC, Adam Curtis. Na parte final de All Watched Over by Machines of Loving Grace, Curtis aborda a participação desastrosa da civilização ocidental no genocídio na Ruanda.
Como a dominação européia favoreceu o mito das “raças” Hutus e Tutsis, e como mesmo quando a independência foi concedida ao país, um liberalismo bem-intencionado incentivou a vingança da classe oprimida, em uma mistura de pretensa justiça compensatória e pseudociência tanto genética quanto histórica que ao final apenas alimentaria o ódio. E, finalmente, quando o genocídio já estava em curso, mesmo os campos de refugiados e a ajuda humanitária alavancaram os conflitos, enquanto as vítimas também incluíam algozes e a ajuda humanitária se viu constantemente em dilemas morais de um mundo bem real.
Tudo isso enquanto a milhares de quilômetros de distância, o conflito foi noticiado como uma guerra tribal em meio à miséria, omitindo toda a participação do mundo desenvolvido, seja na opressão direta, seja mesmo nas tentativas fracassadas de ajuda.
Curtis encerra sua série refletindo o que aconteceu com “o sonho ocidental de transformar o mundo para melhor”, a visão romântica e idealista que deu lugar a ideias como a do gene egoísta, de seres humanos como simples máquinas para propagar genes e comportamentos mais complexos como o altruísmo emergindo como resultado literal de equações modelando o jogo evolutivo:
“As consequências horríveis dos massacres na Ruanda se desenrolavam. Consequências criadas não apenas pelo imperialismo e ganância ocidentais, mas também pelos melhores e mais nobres ideais liberais. Porque foram liberais, na administração belga, que primeiro encorajaram Hutus a se rebelar contra as elites Tutsi. E foram os campos de ajuda humanitária, criados no início dos massacres, que complicaram o conflito e ajudaram a espalhar a violência ao Congo. (…) Sabemos que foram nossas ações que ajudaram a causar os horrores no Congo. Mas não temos ideia do que fazer a respeito. Então ao invés, abraçamos uma filosofia fatalista de que somos meras máquinas de calcular para tanto nos expiar de culpa quanto explicar nosso fracasso político em mudar o mundo”.
Há que se notar, unindo estes nexos, que enquanto o massacre na Ruanda tinha lugar, a miséria no mundo como um todo caía em ritmo acelerado. Contudo, sem contrariar Curtis, pode-se notar que os fundamentos que permitiram este avanço foram estabelecidos décadas antes, desde sistemas políticos e econômicos até revoluções científicas e tecnológicas na produção de alimentos.
No momento em que precisamos de novas ferramentas para responder às necessidades mais básicas de todos aqueles que compartilham conosco tudo aquilo que podemos sentir, mas que podem sofrer muito mais do que jamais iremos sofrer, o idealismo e a vontade de mudar o mundo se tornam cada vez mais necessários. E devem contar com a perspectiva histórica que pode ajudar a evitar os excessos do passado.
Ser parte de uma máquina ao tocar a tela de um iPad pode ser um pensamento incômodo, e seria fácil e apelativo encerrar este texto simplesmente associando a crítica de Curtis ao fatalismo do ser humano como máquina ao iPad e a imagem que inicia este texto. No entanto, não sabemos toda a história por trás da imagem. Será este funcionário de fato uma pessoa que jamais tira seu terno? Não terá jamais tocado um faminto, resumindo-se a tocar a tela de seu gadget? Afinal, estaria ele contribuindo mais para amenizar o sofrimento alheio que você que lê este texto, ou eu que escrevo estas linhas?
Não sabemos, e à parte a curiosidade jornalística, de fato não importa tanto. É apenas uma pessoa. Não há a princípio nada errado em usar um iPad em meio à fome na África. Não há a princípio nada errado em ser momentaneamente parte do circuito elétrico de uma máquina. O certo e o errado não são tão simples, e há muito de certo — e errado — que cada de um de nós pode fazer se lembrarmos de mudar o mundo.
Darwin e sua Pokebola
“Há uma grandeza nesta visão da vida, com os seus vários poderes originalmente soprados em algumas formas, ou em apenas uma; e enquanto este planeta foi girando na sua órbita, obedecendo à lei fixa da gravidade, intermináveis formas, belas a admiráveis, a partir de um começo tão simples, evoluíram e continuam a evoluir”. – Charles Darwin
É super efetivo! [Design de Santo76, via GamOvr, Agripas]