Por que o código florestal que tramita no congresso não pode passar: altiplanos

Além das várzeas, topos de morro e áreas acima dos 1800 m de altitude estão sujeitas a serem excluídas da lita de áreas de preservação permanente. Estas áreas atraem interesse de produtores de plantas como café, maçã e uva, mas têm um papel ecológico fundamental que nos faz não poder prescindir de tê-las preservadas.

altiplanos Apesar de sua mínima representatividade em termos de área do território, estes altiplanos têm uma grande quantidade de espécies restritas a eles. Por não serem conectados é impossível que uma dessas espécies endêmicas migre de um topo de morro para outro, o que invariavelmente resulta em extinção. Plantas como as Velózeas, roedores e lagartos são alguns dos muitos exemplos de espécies que se extinguiriam com a modificação destes habitats. Estas áreas são responsáveis pela captação de água para os aquíferos e sua preservação resguardaria nossas cidades de muits deslizamentos nos períodos de chuva.

Culturas que necessitam de áreas de altiplano por seu clima e solo poderiam ser restritas a locais muito específicos para deixar íntegros estes sítios.

Por que o código florestal que tramita no congresso não pode passar: Várzeas

O novo código florestal propõe retirar as áreas de várzea das áreas de preservação permanente, liberando-as para criação de búfalos e plantação de arroz, mas também para o aterramento definitivo. Isto apesar do Brasil ser signatário de acordos internacionais pela preservação destas áreas.varzea

As várzeas são controladoras de enchentes, sítios de alta produtividade pelo fitoplâncton, locais de alimentação e reprodução de muitas espécies de interesse econômico, áreas de lazer e reabastecimento dos lençóis freáticos.

A tranformação das várzeas em áreas produtivas permitiria preservar ainda 80% de seu território, associando-se a isto a utilização equilibrada para produções economicamente vantajosas.

Tudo em um ano 10- mitocôndrias

Já é o sétimo dia do penúltimo mês do nosso ano universal e apenas agora surge uma das grandes transições na história evolutiva. Células maiores quimiossintetizantes aparentemente capturaram e “escravizaram” bactérias capazes de usar a energia oxidante do gás do nosso último evento e as fizeram trabalhar para si dando origem às organelas que hoje chamamos de mitocôndrias. Escravizar é um termo propositalmente forçado aqui, bactérias como as mitocôndrias provavelmente eram alimento de células maiores àquele tempo, entre virar comida e receberem um ambiente adequado, glicose e o oxigênio vital em troca de algum ATP, uma molécula energética, até que não foi mau escambo.

mitocondria

O que não mata engorda

Fonte: abrimus.blogspot.com

 

Uma evidência da origem bacteriana das mitocôndrias está na dupla membrana celular que a envolve, imagine que no momento da fagocitose a membrana da bactéria teria sido envolvida pela membrana de um lisossomo que a iria digerir. Outra evidência é a presença de um DNA circular codificante no interior da mitocôndria, parte desse DNA ainda produz enzimas usadas na mitocôndria, mas outra parte foi sequestrada transferida para o núcleo da célula hospedeira. Buscas de parentesco usando dados deste DNA foram até mesmo capazes de apontar, entre as bactérias modernas, qual seria a parente mais próxima das mitocôndrias, título conferido a bactérias causadoras do tifo do gênero Rickettsia.

A importâncea de possuir uma organela que fizesse a célula sobreviver ao oxigênio e ainda se aproveitar dele trouxe tantas vantagens que não existe um único eucarioto que não tenha ou não haja possuído algum dia mitocôndrias em seu citoplasma. Outra vez, uma datação precisa da origem das mitocôndrias é controversa, mas acredita-se que ela tenha ocorrido ainda antes da evolução de um núcleo, nosso próximo evento daqui a 400 milhões de anos ou 11 dias.

Por que o código florestal que tramita no congresso não pode ser aprovado: Matas ciliares

A proposta de código florestal entregue ao congresso sugere a redução nas áreas vegetadas às margens de rios com menos de 5 m de largura. A redução das matas ciliares legalmente protegidas será de 30 m a partir da margem do rio na cheia para 15 m a partir da margem do rio na seca para cada lado. Os rios mais afetados por esta mudança seriam os de cabeceira, rios já muito degradados por pastagens e assoreamento.

ciliar Metade das espécies de anfíbios da Mata Atlântica são restritas a este ambiente, 45 espécies de peixes ameaçados de São Paulo só ocorrem nestes riachos de cabeceira, sem falar em borboletas, mamíferos semi-aquáticos e plantas restritos a este ambiente. As matas ciliares servem de corredores para a dispersão de vegetais e conexão de populações isoladas pela fragmentação da paisagem, impactos em áreas de cabeceira descem os rios com a correnteza afetando-os como um todo. Impactos aí podem resultar em epidemias de dengue e hantavirose, entre outras doenças.

A preservação das matas ciliares e seu referencial a partir da margem do rio na cheia são essenciais para a manutenção destes ambientes e de outros que dele dependem. Em vez de reduzir a área de reserva às margens dos rios o novo código florestal deveria estimular sua recuperação.

Quando a Ciência e a Conservação caminham juntas pela sustentabilidade

Tenho uma visão meio pessimista sobre a sustentabilidade da nossa espécie. Participei recentemente da Semana Nacional de Ciência e Tecnologia, cujo tema era Ciência para a Sustentabilidade, mas confesso que sou meio descrente desta tal sustentabilidade. Até ponho nas justificativas de meus pedidos de financiamento o valor dos dados que prometo gerar na conservação, mas sei que pouco farei para implementá-los como ferramentas da conservação. Esta é sim uma auto-crítica. No entanto, hoje escrevo sobre um artigo que me ensinou como os dados que geramos no laboratório podem ser ferramentas vitais para a manutenção da existência de espécies, paisagens e, em última instância, da nossa própria espécie.

O documento síntese da avaliação do novo código florestal brasileiro, assinado pelos pesquisadores Thomas M. Lewinsohn, Jean Paul Metzger, Carlos A. Joly, Lilian Casatti, Ricardo R. Rodrigues e Luiz A. Martinelli, será melhor explorado numa seção especial da revista Biota Neotropica em breve, mas o documento síntese já mostra como a capacidade de previsão que caracteriza a ciência pode nos apontar os resultados de ações humanas sobre a natureza. Uma revisão do código florestal brasileiro em construção atualmente traz modificações cujos impactos são assustadores. Algumas das propostas mais controversas são a redução das áreas de reserva legal e de preservação permanente, redução de 30% na área de preservação da Amazônia Legal e anistia aos proprietários de áreas desmatadas anteriores a 2008. Alterações como estas têm resultados cientificamente previsíveis como a perda de espécies, redução da prestação de serviços ecossistêmicos, aumento das emissões de gás carbônico e dos impactos de atividades humanas.

Oito pontos chave foram levantados pelos pesquisadores como geradores de impactos relevantes. Serão estes oito pontos que abordarei na série que se inicia amanhã intitulada: “Por que o código florestal que tramita no congresso não pode ser aprovado”. Serão abordados a redução das matas ciliares, fim da preservação das áreas de várzea, dos topos de morro e altiplanos, redução da Amazônia Legal, das reservas legais, compensação da reserva legal dentro do mesmo bioma, inclusão das áreas de preservação permanente dentro da reserva legal e liberação do plantio de espécies exóticas nas reservas legais.

Reconhecidamente o Brasil peca mais pela dificuldade em fazer cumprir suas leis do que pela existência de leis ruins. No entanto, este problema não se resolve reduzindo o rigor da lei para tornar menor o número de punições. O necessário é fazer-se cumprir leis que tenham embasamento.

Tudo em um ano 9 – Oxigênio

Imagine o planeta Terra cercado por uma atmosfera pura, ecologicamente equilibrado (equilíbrio naquele sentido que só os ecólogos conseguem conceber), uma esplêndida diversidade de formas de vida habita este planeta que é um verdadeiro Éden. Não obstante, um grupo de organismos que habita ali, para sustentar sua forma de vida, começa a eliminar na atmosfera um volume assombroso de um gás extremamente tóxico. No princípio esse gás era produzido em um volume pequeno demais para afetar os outros, no entanto, aquela estratégia de obtenção de energia era tão eficiente que estes organismos rapidamente multiplicaram sua população, produzindo mais e mais gases venenosos. Aquela gama de espécies que habitava o que antes fora o Éden, agora padecia intoxicada e morria, o gás dilacerava suas moléculas produtoras da energia necessárias à sobrevivência. Muitas se extinguiram por efeito daquele grupo que buscava o benefício próprio a qualquer custo, não vendo o impacto global que causava sobre as outras formas de vida.

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O mais mortal dos gases vitais: o oxigênio

Fonte: rsbs.anu.edu.au

 

A narrativa lhe parece familiar? Pois eu me referia a arquéias, cianobactérias e ao susrgimento da fotossíntese. A proliferação destes organismos resultou na entrada de toneladas de oxigênio na atmosfera, levando à extinção muitas outras espécies de bactérias anaeróbicas, mas permitiu a proliferação de outros organismos fotossintetizantes e o surgimento da respiração celular. Quem conseguiu resistir ao potencial oxidativo do oxigênio passou a imperar sobre a Terra. Isto ocorreu, no nosso ano cósmico, no dia 23 de outubro, 2,4 bilhões de anos atrás.

Ciência à Bessa na Semana Nacional de Ciência e Tecnologia

snct

Do dia 18 ao dia 22 de Outubro estarei no Centro de Eventos Pantanal, em Cuiabá para a Semana Nacional de Ciência e Tecnologia. Cuidarei de um stand das Ciências Biológicas da UNEMAT contendo uma coleção de experimentos sobre fisiologia dos sentidos. Também estarão presentes outras atrações como um planetário, os experimentos da SECITEC, o grupo Ciência em Show e uma exposição de ciências da Unicamp. O objetivo deste evento é popularizar o conhecimento científico e mostrar como a ciência pode ser divertida. Aguardo vocês lá.

Blog Action Day: As águas de Nobres

à Lala, por tudo o que me ensinou sobre ecologia de riachos tropicais.

 

Como habitualmente desfilo de roupa de neoprene, snorkel e máscara segurando na mão minha câmera sub e uma prancheta e lápis sob o olhar curioso dos turistas. É mais um dia de trabalho no meu escritório favorito, os rios de Nobres em Mato Grosso. Coloco os pés na água e sinto-a gelada entrando nas botas de neoprene, presas na prancheta estão planilhas à prova de água para anotação do comportamento dos peixes em uma estância turística de rios com águas cristalinas a aflorar do meio das rochas calcárias. Este é meu doutorado.

azul

Nascente do rio Salobras, meu Éden pessoal

No Rio Salobras os proprietários das atrações turísticas, Toninho e Kleber, foram atenciosos com a preservação do local como sempre são comigo, há guias para acompanhar os turistas e evitar maiores danos ambientais e a mata ciliar está completamente íntegra. Termino de entrar no rio e flutuo por alguns instantes enquanto a atividade dos peixes retoma seu ritmo natural. Ao molhar os ouvidos um silêncio tranquilo me invade, posso mesmo divisar o ruido rascante de um curimba abocanhando bocados de areia. A água é de um azul indescritível e trasparente como se não estivesse ali. Uma profusão de pequenas jóias me cerca. Sei que a maioria delas passa despercebida pelos visitantes, mais interessados nas grandes piraputangas e dourados, mas cardumes de lambaris, mato-grossos, moenkhausias e piabas rodeiam meu corpo. Afundo pela primeira vez em busca de casais de carás e joaninhas (o peixe, não o besouro), mas em seu lugar encontro cascudos e uma traira muito bem camuflada.

dossel

Cámbia. Todo cámbia.

Ao retornar para a superfície me detenho e tento uma fotografia de uma piraputanga vista do fundo. Lá em cima estão as copas das árvores de onde boa parte da energia deste ecossistema vem. Ao colocar o snorkel para fora e retomar o fôlego, acompanho um grupo de piaus e piraputangas descerem o rio e me recordo ter escutado um bando de macacos prego forrageando antes de entrar na água. Estes peixes aguardam que os primatas bagunceiros derrubem parte de seu alimento no rio para então comê-lo.

A água, os peixes, a mata, o rio, os macacos, as rochas. Subitamente sinto-me pequeno, mas ainda assim uma peça no mais intrincado quebra-cabeças existente. O quebra-cabeças das interações ecológicas.

A acará abandonada

ResearchBlogging.org

Naquela manhã no consultório psicanalítico…

 

A Dra. acabava de retornar de férias antecipadamente. Ela havia decidido viajar depois que mais uma de suas recepcionistas pediu as contas, mas interrompeu sua folga a pedido de uma peixinha de quem gostava muito. Não é costume entre os analistas conhecer de tão perto seus clientes, mas a doutora era próxima da família antes de atender a Sra. Amphilophus, por isso conhecia bem todos os personagens. A peixinha era casada com um marido dedicado e tinha uma linda ninhada de alevinos, eles moravam em uma casa linda e ampla. Em suma: uma família perfeita.

– O que houve, minha querida amiga? – Perguntou a analista com a testa franzida de tensão ao ver a peixinha com os olhos mareados e fazendo biquinho de quem ia chorar.

– Dra. que tristeza vê-la nesse dia. Minha família tão linda está desmoronando. Meu marido me deixou. Que tragédia! – E a acará pôs-se a soluçar.

A psicanalista precisou esperar um pouco até que a cliente se recompusesse. – É ruim, não? Quer me falar um pouco sobre como está se sentindo?

– Um caco, doutora, não sou a sombra do ciclídio que um dia fui! Passo a maior parte do dia arrasada, me escondendo pelos cantos para chorar sem meus filhotes verem. Tenho também rompantes de ira contra o desgraçado. O pior é que não posso me deixar abater, se eu sucumbo ao sofrimento deixo de dar a assistência que meus bebês precisam. Eles são os únicos que continuam me amando e precisam tanto de mim, Dra. Ah se soubessem como são importantes na minha vida neste momento tão difícil!

– E a Sra. tem notícias do dito cujo? – Interrogou a terapeuta.

– Não sei de nada. Fico esperando que ele retorne o tempo todo, mas o tempo vai passando e eu vou ficando mais e mais desconfiada de que minha espera é vã. – Disse a acará com os olhos fundos e os opérculos caídos.

– Minha amiga, não quero entristecê-la ainda mais, mas acho que você merece a verdade, mesmo que ela doa. Seu marido não volta mais. Ele sabe que seu pico de fertilidade já passou, sabe que os filhos de vocês já estão crescidos. Neste momento seu marido deve estar com um novo território se exibindo para mocinhas solteiras e cheias de hormônios com as quais ele irá constituir uma nova família. – Esclareceu a psicanalista com muito tato, mas sem rodeios.

Agora a acará chorava convulsivamente exaurindo o estoque de lencinhos que a Dra. deixava ao lado do divã. – O que será de mim agora, minha amiga? – Perguntou a cliente.

– Agora? Agora a senhora irá enxugar estas lágrimas, voltar para sua casa e cuidar com todo o amor daqueles pequeninos que precisam muito ainda de você. Você sabe como o mundo é perigoso para alevinos. E já que o pai não irá mais ajudá-la mesmo, melhor você se virar. – Aconselhou a analista de sua poltrona.

– Sim, são tantas ameaças, me desgasto tanto defendendo aquela casa de invasores e cuidando dos meninos depois que ele me deixou. Mas tenho uma dívida com meus pequenos, preciso segurar as pontas e voltar para eles. Eu só queria saber por que isso foi acontecer justo agora e justo comigo.

– Minha amiga, razões não vão mudar os fatos. E não se julgue a única, só eu sei como aparecem casos como o seu por este divã. Volte para casa e vá cuidar de quem ama você. – Encerrou a psicóloga.

A doutora acompanhou sua amiga com os olhos vermelhos de tanto chorar até a porta. Em seguida sentou-se em sua mesa, abriu seu caderno de anotações e escreveu: “Sra. A., o marido a deixou ao final do período fértil para aumentar suas chances de deixar descendentes com outra parceira. Tudo só ocorreu depois que seus descendentes já estavam maiores, podendo depender apenas do cuidado da mãe.” Deu um suspiro, fechou o caderno, e jogou-se de costas na cadeira.

 

Lehtonen, T., Wong, B., Svensson, P., & Meyer, A. (2010). Adjustment of brood care behaviour in the absence of a mate in two species of Nicaraguan crater lake cichlids Behavioral Ecology and Sociobiology DOI: 10.1007/s00265-010-1062-5

E

 

Lehtonen, T., Wo
ng, B., Lindström, K., & Meyer, A. (2010). Species divergence and seasonal succession in rates of mate desertion in closely related Neotropical cichlid fishes Behavioral Ecology and Sociobiology DOI: 10.1007/s00265-010-1061-6

Enquete – E se desse para eleger o ministro de Ciência e Tecnologia?

Estava assistindo à propaganda eleitoral e me ocorreu: E se pudéssemos eleger o ministro de Ciência e Tecnologia? A pergunta, na verdade, é “Que proposta venderia melhor aos cientistas ou interessados em Ciência?”, nem importa que seja apresentada por um candidato a ministro ou a presidente mesmo. Aliás, eleger separadamente a equipe de ministros seria uma péssima ideia, já que tenderia a ocorrer desentendimentos entre o presidente e o ministro se eles não partilhassem uma base ideológica (isto pressupondo, é claro, que partido e base ideológica caminham juntos). Abaixo listei algumas propostas que pensei agora, mas usem o espaço “other” para me mostrarem ideias diferentes. De repente até voto em um de vocês! A votação ficará aberta até dia 21 de setembro, quarta-feira.