O Atraso da Medicina

A meta suprema do Esclarecimento é o progresso obtido através da aplicação da racionalidade. No mundo esclarecido ou moderno, a livre investigação de pessoas racionais, com método e honestidade, leva invariavelmente à Verdade. A Verdade é fixa, transparente e, uma vez atingida, todos seres pensantes devem concordar com ela.
A Pós-modernidade é um mundo onde a racionalidade é desconstruída revelando sua base na subjetividade. A Verdade agora é construída e não descoberta. Relativismo mais que objetivismo. Preferência mais que verdade.
Por mais que se discuta o termo, será útil considerarmos, na ausência de uma definição melhor, que o mundo atual é pós-moderno. Vários segmentos culturais têm se comportado assim. O pensamento dominante na Arte, na Literatura, na Política, na Mídia e mesmo em textos filosóficos, é pós-moderno. Apenas um campo de atuação da ciência e cultura humanas continua fortemente influenciado pelo pensamento moderno/esclarecido: a Medicina…
Como disse um autor:
Medicine is(…) an island of rationalistic modernity floating in a shifting sea of subjective post-modernity – a castle of objectivity besieged by the forces of relativistic cynicism …

Solo Epistemológico

Texto de Michael Berger de 2002. Arranha algumas idéias deste blog, cita bons exemplos, percebe uma faceta da crise, porém não se dá conta da doença maior… Nem a racionalidade clássica, nem o esclarecimento, muito, muito menos a medicina baseada-em-evidências, são os tratamentos para o misticismo, idolatria e irracionalidade que teimam em aumentar, como bem nota o autor.

A Medicina e o Bezerro de Ouro
créditos ao Blog do Paulo Lotufo

Habermas II


Técnica e Ciência como “Ideologia”– Jürgen Habermas – Edições 70 – 2006 – pág 72-73.
“Desde o final do século XIX, impõe-se cada vez com mais força a outra tendência evolutiva que caracteriza o capitalismo tardio: a cientificação da técnica. No capitalismo sempre se registrou a pressão institucional para intensificar a produtividade do trabalho por meio da introdução de novas técnicas. As inovações dependiam, porém, de inventos esporádicos que, por seu lado, podiam sem dúvida ser induzidos economicamente, mas tinham ainda um caráter natural. Isso modificou-se, na medida em que a evolução técnica é realimentada com o progresso das ciências modernas. Com a investigação industrial de grande estilo, a ciência, a técnica e a revalorização do capital confluem num único sistema. Entretanto, a investigação industrial associa-se a uma investigação nascida dos encargos do Estado, que fomenta em primeiro lugar o progresso científico e técnico no campo militar. Daí as informações refluem para as esferas da produção civil de bens. Deste modo, a ciência e a técnica transformam-se na primeira força produtiva e caem assim as condições de aplicação da teoria marxiana no valor-trabalho.(…). Como variável independente, aparece então um progresso quase autônomo da ciência e da técnica, do qual depende de fato a outra variável mais importante do sistema, a saber, o crescimento econômico”.
Esse texto de Habermas, de 1968, me diz como o capitalismo tardio necessita do progresso técnico-científico para manter o crescimento econômico. Afirmação que é exemplificada à exaustão no livro O Mundo é Plano.No caso da Medicina, posso entender que isso se reflete de muitas e variadas maneiras. Da influência da Big Pharma na atuação dos médicos e geração de informação técnica, até ao comportamento dos médicos diante de novas tecnologias que vão forjando seu raciocínio.

Solo Epistemológico


Será objetivo deste blog sublinhar artigos, peças publicitárias, textos ou fotos, seja da mídia leiga ou de revistas especializadas, que demonstrem mudanças paradigmáticas no comportamento médico contemporâneo.

Iniciaremos com o artigo do New England Journal Medicine de 28/02/08 sobre a diminuição no número de autópsias com objetivo de evidenciar a causa mortis. Em contrapartida, as autópsias medico-legais vêm aumentando…

Defende-se que tal fenômeno seja decorrente de uma mudança no conceito contemporâneo de doença, mas não no conceito de crime, assunto que abordaremos novamente com mais detalhe.

Obs. Os termos autópsia e necrópsia têm sido usados indistintamente. Entretanto, têm significações diferentes. A saber, autópsia é literalmente ver com os próprios olhos e necrópsia, ver a morte. Por representar mais corretamente o ato médico de se procurar a causa mortis numa preparação cadavérica, autópsia é o termo que utilizaremos. Ver também.

Habermas


E agora, posso avançar um pouco mais: Habermas
“Diferentemente das ciências filosóficas de tipo antigo, as modernas ciências experimentais desenvolvem-se desde a era de Galileu, num marco metodológico de referência que reflete o ponto de vista transcendental da possível disposição técnica. As ciências modernas geram por isso um saber que, pela sua forma (não pela sua intenção subjetiva), é um saber tecnicamente utilizável, embora as oportunidades de aplicação, em geral, só tenham surgido posteriormente. Até ao fim do século XIX, não existiu uma interdependência de ciências e técnica.” (Técnica e Ciência como “Ideologia”– Jürgen Habermas – Edições 70 – 2006 – pág 66-67)
A interdependência entre ciência e técnica é a ciência do fazer. A instrumentação da natureza no intuito da dominação. A medicina se utiliza de uma parte dessa ciência que podemos chamar ciência médica e que vem a nós carregada dessa ideologia.
Vêm daí parte das críticas contemporâneas.