Cientista Documenta Relação Sexual Dentro de Ressonância Magnética

Esse filme foi feito por um ginecologista para documentar a posição do pênis e da vagina durante o coito. O artigo original pode ser encontrado aqui. As imagens são interessantes. Ah, desculpe, o texto também. O médico ganhou o Ignobel. Quem já fez uma ressonância sabe que não deve ter sido nada fácil!

Esse post faz parte da blogagem coletiva caça-paraquedista atrasada. Sorry for this, boss!

Balanço da Gripe Suína

Aproveitando um puxão de orelha de um leitor, a declaração de emergência de Obama de hoje e um sábado meio mortão, resolvi publicar as coisas que tenho acumulado sobre a gripe H1N1. Então, mãos a obra.

Tentarei agrupar o texto de acordo com as perguntas de importância (aprendi com o Átila Rainha Vermelha):

1) Nossos kits de diagnóstico são os mesmos que os do resto do mundo?

Resposta de quem é do ramo: “Só a título de informação, o Kit que temos aqui que é o mesmo que está sendo usado mundo a fora, foi distribuído pela OPAS e  foi desenvolvido pelo CDC. Ele é um Primer específico para amplificação deste novo H1N1, chamado H1N1 Sw, tem especificidade de 100% para diferenciar do H1N1 sazonal.”

2) Nunca antes tivemos tantos casos de gripe, sazonal ou suína, internados em unidades de terapia intensiva. Verdadeiro ou Falso?

Verdadeiro. Entretanto, algumas considerações têm que ser feitas. Um estudo da UTI Respiratória do Hospital das Clínicas (comunicação pessoal do prof. Carlos Carvalho) de uns 4 ou 5 anos atrás, avaliando os casos de insuficiência respiratória grave – aqueles que necessitaram de ventilação mecânica – fez uma estimativa do número de casos decorrentes de infecções pelo vírus da gripe sazonal. Conclusão: Zero! Desta vez, tivemos inúmeros casos de gripe sazonal com insuficiência respiratória, o que não é comum! Isso levanta algumas questões. Primeira, é possível pensar em falsos negativos de gripe suína? Parece que, pelos nossos kits, não. Então como explicar o número maior de casos? Eu não tenho essa resposta. Segunda, não raramente, internamos pacientes jovens com insuficiência respiratória grave nos quais todas as sorologias disponíveis são negativas. Antes dessa epidemia, não pedíamos sorologia para H1N1, nem entrávamos com oseltamivir empiricamente como fazemos com vários outros antimicrobianos. Pode ser então, que a epidemia tenha nos despertado para a gravidade da gripe, seja sazonal ou não.

A Tabela acima mostra a casuística do HCFMUSP.

3) Por que a gripe suína acometeu mais pessoas jovens e sem comorbidades?

Há um certo consenso de que uma mistura de imunidade antiga (33% dos pacientes com mais de 60a têm imunidade natural ao H1N1); vacinação para influenza sazonal (há no pool da vacina, vírus H1N1, mas que são diferentes desse que está causando a epidemia, entretanto, o papel que a vacinação contínua tem na imunidade ao novo vírus não foi estabelecido e não sabemos se é desprezível) e finalmente, a maior infectividade do vírus novo. Explico. Um vírus com maior infectividade acometerá mais e primeiro a população exposta ou seja, pessoas que se aglomeram em ônibus, bares, baladas, escolas, etc, que são as pessoas com maior mobilidade e portanto, jovens. Há um outro pico entre 0 – 9 anos como mostra a figura abaixo, talvez explicado pela imunidade deficiente dos pequenos.

4) Essa gripe é mais grave?

Comparando os dados de 3 estudos,  Canadá (JAMA), EUA (NEJM) e o da Clínica Mayo (JCV), vemos mortalidades entre os internados na UTI de 17,3%, 28,3%  e  18,9% respectivamente. Sendo que os dois primeiros são de H1N1 e o último de Sazonal. A mortalidade dos pacientes que necessitam UTI é de aproximadamente 20%, mortalidade semelhante aos casos de síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA), doença pulmonar gravíssima que pode ser desencadeada por várias causas como politraumatismos, grandes cirurgias, transfusões sanguíneas e infecções.

Esse filme foi feito a partir de tomografias de um paciente que tive oportunidade de assistir. Chama a atenção a heterogeneidade da doença. As partes mais brancas dentro do parênquima pulmonar são áreas “inflamadas”. Esse paciente, muito jovem, foi submetido até a circulação extracorpórea como tentativa de tratar sua hipoxemia gravíssima mas, não resistiu, vindo a falecer. Nos estudos internacionais não é fato que a maioria dos óbitos não tinha comorbidades. Comorbidades estavam presentes em 84,5%, 98,2% e 73% dos casos graves nos pacientes nos estudos mexicano, canadense e americano. Sobre a mortalidade no Brasil algumas considerações de um especialista “Obviamente deveriamos ter o maior número de óbitos do mundo, afinal somos o 5o país mais populoso do mundo e o único dos 5 no hemisfério sul, onde foi inverno. Nossos maiores ” concorrentes” no hemisfério tem 10-15 % da nossa população. Epidemiologicamente falando, o correto é mesmo falar em mortalidade ( número de óbitos/sobre a população geral ) e não em letalidade, pois os casos leves nunca procuram o serviço de saúde e este segundo cálculo seria enganosamente superestimado e não comparável com outros países”. Houve uma dificuldade no acesso ao exame diagnóstico e isso faz com que a mortalidade seja bastante diferente da letalidade ( número de óbitos/número de casos). Considerando a mortalidade que tivemos e as condições da saúde pública do país acho que nos saímos muito bem. Conclui o infectologista: “Mesmo com uso indiscriminado do Tamiflu a Australia teve mortalidade maior que a do Brasil de 0,80/100.000 contra 0,46/100.000 habitantes segundo últimos dados. O Chile, nosso vizinho, onde o protocolo do MS é Tamiflu pra toda síndrome gripal nas 1as 48 horas, teve 0,77/100.000”. O que nos leva a próxima pergunta.

4) Qual o papel do oseltamivir (Tamiflu)?
 
A maior eficácia do Tamiflu é nas 48 horas, mas há de se lembrar que grande parte dos óbitos recebeu Tamiflu nas 1as 48 horas. Casos com Tamiflu nas 1as 24 horas evoluiram a óbito nas séries do México. No estudo americano, 23% dos pacientes que evoluiram para UTI ou óbito receberam Tamiflu nas 1as 48h. A gripe H1N1 tem um ponto da gravidade tardia pois a síndrome respiratória aguda grave (SRAG) é muito rara nas 1as 48 horas e depois disso a eficácia do Tamiflu diminui. Isso é um problema ainda não resolvido, para mim um dos mais cruciais. Mas o fato é que a recomendação brasileira de só tratar precocemente que tem fatores de risco ou sinal de alerta é idêntica à recomendação da OMS. Não dá pra falar que é uma recomendação política por falta de remédio.

5) Sobre a segunda onda no ano que vem

No momento em que atingimos 5000 mortes em todo o mundo, a situação é de preocupação. Eu não sei se a doença é mais grave ou não que a gripe sazonal. Com certeza, é diferente. Há um maior tropismo pelo sistema respiratório. O quadro de insuficiência respiratória é realmente dramático, dura 2 semanas, e quando conseguimos ventilar o pulmão por esse período, o paciente se recupera. Os médicos se dividem em quem acha que estamos dentro do esperado e naqueles que acreditam em uma catástrofe no ano que vem, em função da falta de leitos de UTI. A vacina é a melhor forma de prevenção e combate à doença. Os dados são animadores. A maioria dos países desenvolvidos do hemisfério norte começou programas de vacinação. Aguardamos a vacina brasileira, com ansiedade. É isso.

Nhém-Nhém-Nhém Filosófico

http://2.bp.blogspot.com/_SQ-DgopV-qo/SM64DjVPbBI/AAAAAAAAANQ/kn7HK0fuPUo/s400/PL004~Musician-in-the-Rain-Posters.jpgTendo em vista o último post e a discussão por ele gerada, vou retomar um ponto que tem ganho um certo volume nos bastidores do SBB. Trata-se do papel da filosofia na ciência moderna ou, mais especificamente, da resposta à pergunta: por que é que alguém que se proponha a <divulgar> ciência precisa de algum tipo de filosofia? Não. De forma nenhuma pretendo esboçar algo como uma “Filosofia da Ciência” num post ou, muito menos, ensinar alguma coisa a ninguém. Apenas julgo necessário esclarecer minha posição em relação a alguns pontos e, principalmente, justificar de onde os pontos de vista, aqui defendidos vêm. Como um bom cientista faz.

A atividade filosófica poderia ser dividida em 3 níveis de profundidade: a) nível da vida cotidiana; b) nível da vida científica e c) nível reflexivo propriamente dito. Se pensarmos bem, veremos que ela está sempre envolvida, nos três níveis, com os problemas de fundamento e de origem, como diz Hilton Japiassú. “Filosofar” é, no fundo, voltar à velha questão aristotélica do “que é o ser?”.  Seguindo ainda, Japiassú: “Após o cogito cartesiano, esse tipo de atividade se dividiu em duas: de um lado, a questão do ser, da natureza e de Deus; do outro, a questão do homem. Daí o duplo sentido da filosofia posterior, sempre oscilando entre esses dois pólos. Essa tensão constitui o caráter dramático (eu diria trágico) da filosofia. Há duas possibilidades de existir, de viver, de o homem compreender a si mesmo e de explicar as coisas: reagrupar tudo em torno do único centro que é o homem, ou fazer com que tudo convirja para um pólo mais forte e que seria o fundamento de sua vida. (grifos meus)”

Esse bifurcação trágica do campo ontológico do homem, ou seja, do principío do princípio de toda a fundamentação de sua noção de mundo, é o ponto de partida para o conhecimento que ele vai produzir e do qual se utilizará para viver. Esse “viver” é <dominar>, <conquistar>, <melhorar a sobrevida>, <aumentar a população>, mas também é <não ter medo de raio>, <suplantar a finitude>(se é que isso é possível!), <criar filhos>, <ser avô>. E aqui voltamos aos 3 níveis de profundidade. O papel da filosofia seria basicamente esclarecer as implicações de cada escolha, não só para a vida pessoal, mas também para que se dialogue com as ciências e elas entre si.

Conclui Hilton Japiassú, que a filosofia “precisa cavar as fundações do conhecimento científico para descobrir sobre que solo ele se constrói. E a presença do homem ao mundo é este solo primitivo sobre o qual se edificam as ciências. Assim, encontramo-nos diante de uma volta ao fundamento, de um retorno às fundações. E é somente depois das ciências que o filósofo tem o direito de voltar (para) antes delas. Em outras palavras, é no ponto mais avançado de uma ciência que ele pode e deve colocar o problema de suas raízes, de seus fundamentos e, por conseguinte, de seu sentido.”

Penso com isso, que divulgadores de ciência – assim como os críticos de arte em relação à própria arte – têm uma posição bastante privilegiada, já que crítica, em relação à ciência. Ao exercitarmos nosso senso crítico em relação à produção científica, já estamos “filosofando” sobre ciência (o Ignobel que o diga). Quem sabe se com um pouquinho de filosofia não percebamos o quanto a ciência tem sido eficaz em disfarçar-se de “questão do homem” quando na realidade, está se tornando uma grande “questão do ser” para quem trabalha com ela, aumentando ainda mais, a já enorme tragicomicidade da aventura humana nesse planeta.

Foto do bonito blog de Fernando Pimenta.

Hermenêutica Médica

http://1.bp.blogspot.com/_T9Ev6D2alXk/Sm7gQKAEjTI/AAAAAAAAAYc/E6jUAO7pzqI/s320/coracao-vazio.jpgAcho que o momento é propício (καιρός). Qual a melhor forma de combater “medicinas alternativas” e “pseudociências” em geral?

Segundo Boaventura de Souza Santos[1]:

1. Todo conhecimento é em si uma prática social, cujo trabalho específico consiste em dar sentido a outras práticas sociais e contribuir para a transformação destas;
2. Uma sociedade complexa é uma configuração de conhecimentos, constituída por várias formas de conhecimento adequadas às várias práticas sociais;
3. A verdade de cada conhecimento reside na sua adequação concreta à prática que visa constituir;
4. Sendo assim, a crítica de uma dada forma de conhecimento implica sempre a crítica da prática social a que ele se pretende adequar;
5. Tal crítica não se pode confundir com a crítica dessa forma de conhecimento, enquanto prática social, pois a prática que se conhece e o conhecimento que se pratica estão sujeitos a determinações parcialmente diferentes.

Tratamos do problema do conhecimento como fator de transformação social, em geral e em particular, das relações entre a ciência e o senso-comum. A racionalidade utilizada pelo senso-comum é objetivista, individualista e naturalista no sentido de conservadora do status-quo. Um conhecimento, científico ou não, que pretende mudar esse panorama será fútil se pretender corroer o sistema por meio de uma elaboração teórica da prática social a que esse conhecimento se refere utilizando sua própria racionalidade. Esse procedimento termina por duplicar o senso-comum ou seja, tendemos a pensar esse conhecimento também de forma objetivista, individualista e naturalista com vistas a manter o status-quo! É ingênuo pensar que a ciência tendo apenas seu método como arma, possa ir além da crítica, se não se unir ao processo de transformação da realidade de tal forma a transformar também, o critério de verdade, do qual fazem parte os mais variados aspectos da humanidade.

Me é irresistível concluir: Dawkins e seus partidários pregam no vazio.

[1]. Introdução a uma Ciência Pós-Moderna. Boaventura de Souza Santos. 4a edição. Graal. 1989. Rio de Janeiro.

Pára-Quedas, a Ciência e Eu

Reconheço que ser médico algumas vezes me causa certos problemas que vão bem além de consultas em festas de aniversário. Me explico: já disse que fazer parte de uma comunidade como o Scienceblogs Brasil, me obriga a rever certas posições quase fossilizadas que temos no meio médico; fazem-me sair da “área de conforto”. Pois bem, um exemplo ilustrativo é a visão bastante particular que os médicos têm da ciência. Excetuando-se os cientistas que formaram-se em medicina, pois alguns deles são mesmo cientistas – sendo uns poucos, em exercício ilegal da medicina! -, a grande maioria dos médicos têm uma visão utilitarista da ciência. Não nos apropriamos da ciência como fim, mas como meio de melhor cuidar dos pacientes. Isso ocorre devido a congênita relação da medicina com a prática (iatriké techné de Platão) e culmina com a afirmação seminal de que “a medicina é mais velha do que a ciência“. O Ecce Medicus é pródigo em posts que tratam da diferença entre medicina e ciência médica (ver aqui e aqui, por exemplo).

Tudo isso para dizer que meu apego pela ciência é, digamos, relativo. Isso significa, entre outras coisas, por exemplo, que rejeito veementemente o método científico como único guia e indicador dos procedimentos médicos. A ciência não é um imperativo ético! Posso utilizar minha experiência prévia que não é baseada no método científico. Posso utilizar a experiência prévia de outro médico mais velho que, além de não ser baseada no método científico, é ainda transmitida a mim de forma enviesada, fantasiosa e, às vezes, preconceituosa. Não há estudo metodologicamente bem desenhado (nem mal)  que demonstre o benefício do uso de pára-quedas em prevenir mortes e politraumatismos de saltos de avião. Que fazer? Não “prescrevê-los”? Esse exemplo é semelhante ao uso dos suplementos vitamínicos e outros tantos que nunca, jamais serão testados de acordo com metodologia aplicável de modo a gerar a “certeza” exigida nos pesquisadores. Esse é o dia-a-dia do médico. Trabalhar com uns “sujeitos bem individuais”, não-encaixotáveis em ensaios clínicos e ter que usar o conhecimento científico disponível aplicado com bom-senso (mas, o que é bom-senso mesmo?). Às vezes, é bem fácil. Não infrequentemente, você só tem o seu juízo clínico com que contar: A ciência é um luxo que não se pode ter sempre!

Espero que tais fatos ajudem a explicar a minha total falta de ânimo e entusiasmo em “combater” medicinas alternativas e outras pseudociências em geral, com o vigor do método científico. Pululam exemplos em que pais estúpidos deixam seus filhos morrerem à míngua por utilizarem-se de homeopatia ou “rezas bravas” enquanto os pequenos agonizavam em seus berços. Eu mesmo já postei sobre a imbecilidade de um grupo de fundamentalistas americanos em não vacinar crianças. Entretanto, acredito ser não só impossível, como anti-ético, julgar os atos de outrem tendo como base única e exclusiva o método científico e os fatos por ele gerados. A ciência é uma ferramenta, talvez a melhor que temos, mas está longe de ser um código de ética. Ela é uma geradora de problemas éticos mas não os resolve. Os conflitos éticos são habitualmente resolvidos em outras instâncias da sociedade (ou não!).

Vendo pessoas com crenças não-científicas agir dessa maneira, penso sempre na atitude humana frente ao conhecimento. Pessoas assim, utilizam-se de um conhecimento adquirido de forma diferente, mas que desempenha o mesmo papel e ocupa os mesmo espaços e as mesmas sinápses que o conhecimento científico no cérebro humano. Todos, científicos ou não, são conhecimentos arrogantes e possessivos. Utilizam a racionalidade do sujeito vs objeto, com a petulância da posse, do entender para dominar. Razões instrumentais. Então, eu olho para os leitos ocupados dos hospitais; olho para um lado e para o outro e vejo, pasmo, que estou cientificamente só.

Romances e Pacientes


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Em artigo interessantíssimo na Piauí desse mês, Mário Vargas Llosa sai “Em defesa do romance”. Explica que não apenas nossa linguagem, mas também nossa imaginação e raciocínio são feitos de palavras. Em determinada passagem, afirma: “Os conhecimentos que nos transmitem os manuais científicos e os tratados técnicos são fundamentais; mas eles não nos ensinam a dominar as palavras nem a exprimi-las com propriedade: pelo contrário, amiúde são mal escritos e revelam certa confusão linguística porque os autores, às vezes eminências indiscutíveis em sua profissão, são literariamente incultos e não sabem se servir da linguagem para comunicar os tesouros conceituais de que são detentores.” Isso para dizer que o romance é a única peça cultural que pode, mais que qualquer gramática, mais que a TV ou a internet, ensinar o uso preciso de palavras conhecidas e nos apresentar novas. Eu acrescentaria, não só palavras mas também conceitos. Rorty concordaria. Para ele, a filosofia contemporânea deve explicar os romances. A tessitura do real é caricaturada nos romances. Os romances são como ensaios clínicos randomizados duplo-cegos, placebo controlados do mundo da vida. Os “pacientes” reais não estão lá, mas como nos ensinam!

Li o longo artigo e me deparei com a seguinte frase: “A ciência e a técnica não podem mais cumprir aquela função cultural integradora em nosso tempo, precisamente pela infinita riqueza de conhecimentos e da rapidez de sua evolução que levou à especialização e ao uso de vocabulários herméticos.” O vocabulário específico nos isola numa armadilha solipsista. Quanto mais somos específicos, mais nos tornamos incapazes de avançar em outras arenas. Tive então, a certeza de que Vargas Llosa falava dos médicos. Se a dificuldade em se comunicar com um leigo é aceitável para qualquer profissional que utiliza conhecimentos científicos, no caso dos médicos, esse é o tipo de deficiência catastrófica. Sem essa habilidade, o médico não conseguirá persuadir o paciente de que seu tratamento é importante, não conseguirá aderência ao que for prescrito, nem a confiança do paciente, caso algo não corra bem.

Somente a literatura, conclui Vargas Llosa, conserva esse denominador comum à humanidade de todos nós. Sempre aprendi que os escritores descrevem as doenças melhor que os médicos. Me parece óbvio agora que isso é incorreto. Eles descrevem melhor os pacientes, e só o fazem porque os apoiam nessa base afetivo-sócio-patológico-cultural a que chamamos vulgarmente de vida. Esta última, parece não morar nos livros de medicina, é preciso incomodá-la em outro lugar…

Sobre a Cópia de Posts

Esse post é apenas para dizer que o Ecce Medicus vem tendo alguns de seus posts inteiros copiados sem menção ou crédito. Infelizmente, descobri que isso tem sido uma prática comum e outros colegas do Scienceblogs.com.br têm sofrido o mesmo tipo de agressão. Sabemos também, que pessoas de pouca experiência estão tendo acesso às ferramentas que permitem publicar um blog e que, muitas vezes, copiam os posts que acham interessantes em outros blogs, sem dolo. Entretanto, é preciso que estas pessoas sejam informadas rapidamente e tomem ciência do que é uma licença Creative Commons e assim como, das iniciativas brasileiras que tratam do problema.

A cópia de posts inteiros ou em parte, sem crédito, é fortemente desencorajada pela blogosfera. Há medidas no Blogger e em outros sítios de hospedagem contra o roubo de conteúdo. O Ecce Medicus está protocolando uma queixa contra o blog envolvido nas cópias. Caso os créditos sejam acrescentados e um pedido de desculpas seja postado, retiraremos, com prazer, as providências tomadas. Obrigado, aos leitores que me avisaram do ocorrido, em especial, ao Felipe Frog do Psicológico.

Espero que a causa desses problemas não seja a má intenção, mas sim, a falta de educação crônica que assola o país. A blogosfera de divulgação científica tem mesmo uma dura missão aqui.

Atualização

Por outro lado, as citações são sempre muito bem vindas. São elas que fazem um blog crescer em visibilidade e autoridade. Obrigado a todos que citam e linkam o Ecce Medicus.

O Sexto Sentido?

Há muitos anos atrás, nos primórdios da civilização humana, o homem só tinha seus cinco sentidos para entender o mundo e tentar fazer previsões sobre ele. Ele tinha certeza de que seus sentidos o guiariam de forma confiável o que quer que ele se propusesse a fazer. Com os anos, vieram alguns refinamentos e o homem viu que existiam coisas que ele não conseguia “sentir” com seus sentidos. Ele aprimorou ferramentas, pôde ver mais longe e mais perto. Pôde entrar em ambientes que jamais imaginou e testar, sentir, ouvir coisas que nunca pensou pudessem ser experimentadas antes. Ampliou seus horizontes e seu controle sobre as coisas.

Mas existiam coisas que o homem não podia sentir ou captar mesmo através de seus sentidos “aprimorados”. Um indício disso, era a ciência de contar e de pensar espaços: a matemática. A matemática era uma ciência que, ao mesmo tempo, incomodava e fascinava o homem. Seus “objetos” eram virtuais. Só existiam na cabeça dos homens. Foi considerada filosofia, seita, quase-religião. Até que se descobriu algumas utilidades interessantes para ela.

Uma das muitas utilidades da matemática que nos importará aqui, é o fato de que ela é a única ferramenta capaz de nos habilitar a lidar com os tais objetos virtuais. Quando quisemos saber se a população de uma tribo era mais alta que a de outra, tivemos que medir alturas. Dada a impossibilidade de parear membro a membro de cada tribo em embates 1:1 e contar os vencedores (experiência já realizada, muitas vezes com resultados catastróficos), era melhor medir todos e depois compará-los. Aí é que está! O homem sabia comparar pesos de cargas, tamanhos de tecido, números de cabeças de gado, mas como comparar a altura de uma tribo com outra. O resultado são fileiras de números. Nenhum dos sentidos do homem servia para validar esse tipo de comparação. Só a matemática forneceria uma ferramenta capaz de viabilizar essa experiência. Surgiu então, a Estatística.

A estatística tem várias definições, mas a que eu achei mais elucidativa é: “é o estudo da distribuição de dados”. O dado, no nosso exemplo, é a altura de um membro da tribo. Por meio de ferramentas estatísticas, posso comparar a distribuição da altura de cada tribo e dizer qual tribo é a mais alta. Fantástico, não! A estatística é uma ciência bem nova. Alguns dirão, “não, já existiam ferramentas matemáticas utilizadas pelos estatísticos no século XVII”. Ferramentas, eu diria. Não, uma filosofia de trabalho. A estatística surgiu na virada do século XIX para o século XX, com os trabalhos Karl Pearson (desenho ao lado) e Ronald Fisher. O primeiro em especial, deu o grande salto. Foi Karl Pearson quem entendeu que o objeto dessas medidas era “virtual”. O segundo, fundou a estatística de fato.

A estatística é hoje, o grande mecanismo gerador de certeza de um médico.Muitos de nossos objetos são totalmente impalpáveis: tamanhos de tumores, sobrevidas, efeitos de medicações em populações e por aí vamos. Entretanto, essa virtualização do objeto a ser apreendido causa um grande mal-estar no médico. Médicos em geral, e cirurgiões em particular, gostam de tocar, ver e sentir, a doença. Dizer que a distribuição da pressão arterial é assim ou assado, é algo difícil de interiorizar. Acreditamos com nosso lado cientista, desconfiamos com nosso lado curandeiro. Por isso, há um embate eterno entre o que um médico viu e o que esse mesmo médico leu ou ouviu. Estatística vs cinco sentidos! Seria ela, um sexto sentido?

Enquanto os médicos estiverem ainda presos à natureza humana, esse embate perdurará. Aos pacientes, resta torcer para que o médico consiga com seus meros cinco sentidos, coletar seus dados, traduzí-los em formato digital virtualizando seu “objeto”, de modo a poder compará-lo com distribuições de outros médicos ou com a sua própria, sem forçar um encaixe em qualquer uma delas, e chegar a uma conclusão estatisticamente válida que deverá ser retraduzida aos pacientes, na forma de diagnóstico e explicações, com atenção, simpatia e, desejavelmente, carinho. O raciocínio para o tratamento segue na mesma linha. Grande torcida. Esperamos não desapontá-los.