In Silico Clinical Trials!?


Participei neste fim de semana do V Fórum Internacional de Sepse. Foram palestras interessantes e que sempre acabam por acrescentar algum conhecimento ao médico praticante. Mas é inevitável a sensação de que apesar do corpo de conhecimento sobre o assunto ter aumentado consideravelmente, pouco evoluimos quanto a potenciais intervenções terapêuticas. Há alguns anos, surgiu um pacote de intervenções que parecia indicar um caminho. Hoje, 6 ou 7 anos depois, não há uma daquelas condutas que não esteja sendo reavaliada, algumas tendo seu grau de recomendação rebaixado, a ponto de um palestrante atribuir a pequena redução na mortalidade conseguida ao fato do protocolo ter trazido o médico à beira do leito do paciente, como um efeito Hawthorne médico.

Coincidentemente, na Plos de 25 de Abril, um incrível artigo sobre Translational Systems in Biology, que poderia ser traduzido em algo como sistemas de intercomunicação em biologia (se alguém pensar em alguma coisa melhor, por favor me avise!!), falando exatamente sobre sepse. Vejamos o autor:

“Sepsis was the motivating clinical problem that led to mathematical modeling of inflammation. Intensive care physicians recognize that sepsis therapy has not changed substantially for decades despite an enormous amount of data generated from in vitro and animal studies, as well as from clinical studies [41][44]. The first approaches were designed to answer the question, “What are the dynamics of sepsis, and does our lack of therapies imply some yet undiscovered mediator of the syndrome?” In mainstream biology and biotechnology, this question motivates the ongoing search for a “magic bullet” to treat sepsis. The translational systems biology formulation of the question, though, was reworded to reflect a different philosophical approach to research, i.e., “Is the current state of knowledge insufficient to explain observed clinical behaviors?” Thus, the missing knowledge was assumed not to be a missing molecule or pathway, rather the missing knowledge was assumed to be an understanding of how all the various components involved in the sepsis response are organized and how they interact to generate a behavior.”

Como corolário desse tipo de modelagem, surge a possibilidade de realizarmos ensaios clínicos totalmente simulados (in silico ou wet) onde ainda poderiamos incluir dados genéticos entre outros deteminismos. O esquema acima é de um artigo da Science (aqui, para assinantes) que fala sobre a teoria dos sistemas em biologia, citado no artigo em questão.

A abordagem multi-nível e a modelagem matemática de sistemas biológicos nos trará importantes informações sobre estados complexos onde vários componentes de vários níveis de complexidade (moléculas, proteinas, células, células invasoras, etc) interagem não de forma unívoca em resposta a insultos. Esse tipo de interação que aliás, marca os seres vivos e suas doenças, não se presta a abordagens tipicamente reducionistas, uma das grandes diferenças reconhecidas entre a biologia e as ciências naturais. Vitalismos à parte.

O Desdiagnóstico


Em determinados pacientes, saber qual é a doença e tratá-la corretamente pode ser menos importante que saber quais doenças não se deve considerar, pois o custo para excluí-las – e aqui entenda-se não só o aspecto econômico, como também o custo individual do paciente, traduzido na forma de sofrimento físico e psicológico – não tem uma relação favorável com o benefício que o diagnóstico pode trazer. Muitos diagnósticos são, atualmente, tecnologicamente constituídos. Por exemplo, no caso da embolia de pulmão, um exame de sangue (d-dímero) e uma tomografia são muito mais valorizados que a história clínica do paciente. Não são infrequentes diagnósticos errôneos de embolia pulmonar com consequências sérias pois os pacientes necessitam de anticoagulação. De que forma um médico pode discordar de uma tomografia? Esse talvez seja um dos papéis do médico diagnosticador contemporâneo.

Seu papel atual seria também DESDIAGNOSTICAR.

Para o médico, o diagnóstico é um constructo, mais que apenas um rótulo, é um discurso, ou uma formação discursiva. Diagnosticar é, antes de mais nada, elaborar um discurso sobre o paciente. Discurso esse que deve seguir as normas da lógica, ter uma sequência temporal coerente e ser adequado à matriz científica vigente. É muito interessante observar em discussões clínicas como médicos diferentes elaboram discursos diferentes sobre o mesmo paciente e até sobre os mesmos aspectos de sua doença. O discurso acopla-se a uma realidade quando um determinado tratamento baseado nele foi eficaz. O discurso é ele mesmo tão vivo quanto o paciente, ora valorizando, ora minimizando determinados aspectos, acrescentando ou suprimindo eventos de acordo com o que se quer demonstrar. Por isso, desconstruí-lo não é tarefa simples. É um preciso um tipo especial de médico. Um profissional que não se presta a ficar preso a exames, que para ele, são subsidiários.

Quantos médicos conhecemos hoje em dia que seriam capazes de desprezar o laudo de uma tomografia computadorizada por não coincidir com seu julgamento clínico?

Philanthropy Based Medicine

Tem-se falado mal das indústrias farmacêuticas – a Big Pharma. Em especial, sobre o modo como elas, de uma forma geral, vêm tratando as evidências que elas mesmas produzem. Várias são as acusações de distorções de dados e até tentativas recentes de não publicar estudos negativos (aqueles nos quais o efeito esperado de determinada droga não pôde ser demonstrado).

Não que a grande indústria seja filantrópica, mas existem ações positivas de fato. Como conhecer essas ações e, o que é mais interessante, como comparar ações de diferentes corporações entre si é a pergunta que o access medicine index tenta responder. Os objetivos da fundação são:

“The Access to Medicine Foundation believes that improving global access to medicine is a responsibility of us all. That includes governments, medical researchers and nongovernmental organizations. It also includes investors and pharmaceutical companies, which, as the owners of vital knowledge, technology and infrastructure, have particular roles to play. Indeed, the last Millennium Goal includes the aim to provide access to affordable essential drugs in developing countries in cooperation with pharmaceutical companies.”

No site (muito bonito por sinal!), pode-se baixar relatórios sobre as indústrias, verificar áreas onde elas têm uma atuação mais decisiva e ver o ranking de 2008. A campeã esse ano é a britânica Glaxo Smithkline.

A exemplo do que descrevemos para as notícias médicas divulgadas na mídia leiga, tal iniciativa deve ser usada para argumentar e repensar o papel das companhias farmacêuticas na melhoria da qualidade de vida das pessoas, principalmente as de países em desenvolvimento.

Da mesma forma que se propõe um consumo dirigido a empresas que demonstram ações ambientais, talvez chegue o dia em que prescreveremos medicações baseados em filantropia.

O Médico Diagnosticador

Durante muitos anos, a figura do médico diagnosticador foi de fundamental importância para a Medicina. Ele desvendava o mistério da doença do paciente através da história clínica e do exame físico, necessitando mesmo de quase nenhum exame confirmatório. Pouco a pouco, o diagnóstico passou a ter o auxílio cada vez mais presente da tecnologia. Mas, paradoxalmente, o diagnóstico não se tornou mais fácil. Pelo contrário, houve uma proliferação de conceitos na tentativa de entender a revolução que se processou: incidentalomas (nódulos encontrados em exames solicitados por outra razão), achados laboratoriais de significado duvidoso, pseudo-doenças e a necessidade de redefinição do que era considerado normal. O conhecimento “progrediu” e incorporou a tecnologia em fluxogramas de raciocínio clínico – os algoritmos – de modo a “facilitar” o uso das novas tecnologias para diagnóstico que proliferaram, principalmente após a descoberta do uso clínico dos raios-X por Wilhelm Roentgen.

O médico diagnosticador ficou domesticado dentro de esquemas de raciocínio e subjugado por enormes e sofisticadas máquinas que cortam o corpo humano sob todos os eixos e o reconstroem em imagens tridimensionais, fazendo ver o que não se vê. Ficou refém de exames específicos e sensíveis tendo de escolher entre o raciocínio estatístico e o fisiopatológico de sua formação original. Talvez daí provenha uma das razões do sucesso da série House: seu confronto (e até desprezo) frente a tecnologia médica e ao saber comum da medicina.

A tecnologia não só permite o diagnóstico como vai mais além: constitui o próprio conceito de doença . Há doenças forjadas dentro de um ambiente totalmente tecnológico. Mas ainda surge outro problema. Se se pode diagnosticar doenças que ainda não se manifestaram, então que exames realizar no paciente que se diz são? Forças-tarefa em vários países esforçam-se em responder a pergunta laica: que doenças ocultas podemos diagnosticar a tempo? O exame clínico não mais basta. Pior, a opinião médica não basta. O próprio paciente indica o exame complementar. Trafega de médico em médico até conseguir a solicitação do exame que lhe acalma. É uma solicitação de seu círculo familiar, de amigos ou até de médicos amigos, em suma, da própria sociedade na qual a tecnociência é a ideologia.

Neste quadro, qual seria o papel do médico diagnosticador?

House, Holmes, Bell, Shore e Doyle

Vem fazendo sucesso a série médica House M.D. (no Brasil, simplesmente House exibida pelo canal pago da Universal). Criada por David Shore para a Fox, a série tem como ator principal o britânico Hugh Laurie interpretando o protagonista Gregory House e, há quase 4 anos em cartaz, já angariou prêmios importantes. Dr. House é infectologista e nefrologista e tem como principal característica o fato de elaborar diagnósticos bastante difíceis. Além disso, é portador de um grande mau-humor e cinismo praticamente incompatíveis com a profissão médica, preferindo interagir com seus pacientes por intermédio de seus residentes. O autor tem em Sherlock Holmes de Arthur Conan Doyle a fonte inspiradora do personagem principal, inclusive no trocadilho do nome . Doyle era ele próprio médico e nunca escondeu que seu personagem mais famoso foi, por sua vez, inspirado em seu professor na Universidade de Edimburgo: Dr. Joseph Bell. Bell era considerado um mágico por seus alunos. Capaz de diagnosticar pacientes no momento de sua entrada no consultório, também fornecia dados epidemiológicos e falava com exatidão sobre suas vidas pessoais antes mesmo que os espantados pacientes sequer abrissem a boca. Mas por que médicos assim ainda chamam tanto a atenção do público e da mídia em geral?

O Frio e o Gênero


Pesquisa de utilidade pública para o Inverno que está chegando.

Está comprovado “cientificamente” (acho demais essa frase bombástica):

Mulher sente mais frio que homem. (desde 1978)

PS. Isso justifica alguma brigas conjugais…

Ainda o Cérebro Humano

A controvérsia do gene do tamanho do cérebro humano parece ter encontrado um beco sem saída nos ASPM e microcefalinas. Achei esse link no excelente blog do Dienekes.

Falsas Esperanças e Medos Injustificados

Na Plos, para variar, um editorial sobre a avaliação de notícias médicas divulgadas na imprensa. Vários países têm sites que atribuem notas (estrelas) às notícias que são veiculadas na mídia leiga de acordo com critérios tipo ABC (Accuracy, Balance, Completeness). São organizações não-governamentais dirigidas por médicos e/ou jornalistas que têm grande credibilidade. Nos EUA temos o Health News Review; na Austrália é o Media Doctor e no Reino Unido é o Behind the Headlines.

São explicitadas as causas de más reportagens sobre saúde e medicina, como no trecho abaixo:

“The origin of hype in health stories goes even deeper than journalists’ lack of training and the hurried pace of broadcasting. Ransohoff and Ransohoff have described medical researchers and reporters as “complicit collaborators,” both of whom may benefit from a sensationalized story [7]. Researchers benefit from the publicity because it may increase citations to their study and help their chances of promotion or tenure, while a highly visible story of a dramatic medical breakthrough can boost a journalist’s career. Sensationalism occurs, they say, “when the participants stand to benefit from publicity without a corresponding penalty for misleading reports.” HealthNewsReview.org could now provide such a penalty with its public naming and shaming of poor reporting, which in turn may drive journalists toward more balanced reporting.”

Esse tipo de trabalho tem sido realizado no Brasil principalmente na blogosfera. Blogs como do Paulo Lotufo e do Marcelo Leite, são iniciativas isoladas dentro de um panorama desértico. A esmagadora maioria dos blogs sobre saúde e medicina no Brasil são de “dicas”, vendedores de remédios ou de tratamentos de eficácia duvidosa. Não há uma leitura crítica ou um ombudsman de notícias médicas. O leitor/consumidor brasileiro não tem como se proteger. A saída pelo menos, é ler o dos gringos.

Doze de Junho

Lung lovers at Street Anatomy

Mais imagens médicas muito interessantes no Street Anatomy. Essa é pelo dia dos Namorados.

PS. Tentando limpar a barra por ter falado da sogra…

A Importância da Sogra


Depois de muito tempo falando mal de sogras, sobretudo da minha, me chamou a atenção este estudo, que é meio velhinho (está fazendo 10 anos), mas muito interessante.

O racional é o seguinte: A fêmea humana é única entre os primatas. Ela demonstra uma longevidade incomum após o período fértil, como mostra a figura. Isso incomodou os pesquisadores e várias explicações e teorias foram aventadas. Esse artigo, sugere que a presença da avó, aumenta as chances da prole sobreviver pois permite a divisão de trabalho e a transmissão de know-how para a mãe inexperiente. Nas palavras do autor:

“The grandmother hypothesis directs attention to likely ecological pressures for variation. The use of high return resources that young juveniles cannot handle favors mothers and daughters remaining together. As daughters grow, they acquire the strength and skill needed to help feed their younger siblings (5,41). When daughters mature, the assistance of aging mothers continues to enhance the benefits of proximity (3).”

E continua:

“Senior females could affect the fertility of their sons’ mates through food sharing as well as that of their daughters. But the grandmother hypothesis, combined with the assembly rules of Charnov’s Model and the variation in ape life histories highlighted here, favors co-residence between older mothers and their daughters.

Co-residence between older mother and their daughters…. Sei… Essa história já vem de muuuito longe.