A Incomensurável Distância do Ser

Homem:- Você nem liga pra mim…

Mulher: – Claro que ligo!
Homem: – Liga nada. Você só se preocupa com sua mãe e com as crianças. Não vejo você se preocupar comigo.
Mulher: – Você não sabe de nada. Me preocupo muito com você.
Homem: – É? Como?
Mulher: – Rezo para você todos os dias!
Homem: – Isso é se preocupar? Como vou saber que reza mesmo? E depois outra, em que isso exatamente se traduz? Tipo, nenhum santo ou mesmo Deus, veio falar comigo dizendo que você liga pra mim!
Mulher: – Como você é besta! Você não está saudável, trabalhando?
Homem: – Tirando uma dorzinha nas costas, tô, né? Que jeito…
Mulher: – Então. Não reclama.
Homem: – Como “não reclama”? Você não se preocupa comigo, nem liga pra mim… Nem lembro quando transamos a última vez!
Mulher: – Rá. Sabia que ia acabar nisso. Entendi tudo. Para você “se preocupar comigo” é transar.
Homem: – Bom. Veja bem. Não. Não é só isso…
Mulher: – Não? O que é se preocupar então?
Homem: – Se preocupar também é telefonar, saber se eu estou vivo…
Mulher: – O quê?!!! Não foi você que falou para eu nunca ligar no banco, exceto em emergências? Que fica falando que seus amigos tiram sarro de você e que eu tenho fama de brava!!!?
Homem: – Desisto. Não dá pra conversar com você.
Mulher: – Pois fique então sabendo que eu me preocupo com você, sim. E muito. Meus santinhos são testemunhas.
Homem: – Santo nunca é testemunha de nada… Só na cabeça das pessoas.
Mulher: – Pois é. Pra mim, isso basta.
Homem: – Pois pra mim, não. Precisa ter alguma coisa mais concreta que uma “reza” para eu acreditar.
Mulher: – Tipo “ter relação”?
Homem: – Não fala assim. Você sabe que eu brocho!
Mulher: – Quanto mais velho, mais besta.
Homem: – Pois, quanto mais reza, menos transa!
Mulher: – Ei! Não fala assim. Você sabe que eu brocho…

PS. Esse post gostaria de fazer parte da Campanha do Ceticismo Aberto “Não seja um cretino” sobre a Ética do Ceticismo.

Visita de Médico

http://dandonota.files.wordpress.com/2008/10/machado.jpgVisitei o Urban dictionary. Pra quem, como eu, tá meio por fora das slangs americanas, é interessante. Como tem muitas gírias e expressões da moda, o site conta com um sistema de votação tipo “curti” ou “não curti” com desenhos de polegares para cima e para baixo, respectivamente, para validar o “verbete”.

Na correria, vi os Contos do machado on-line. Achei sensacionais, tanto a iniciativa como o formato de sítio. Como eles mesmos apregoam na página de entrada “Este sítio é a única coleção completa dos contos de Machado de Assis jamais reunida. São 217 contos, dos quais 205 reconhecidos consensualmente como da pena do autor, dez que lhe foram atribuídos por R. Magalhães Júnior (incorporados a despeito de dúvidas sobre tal atribuição) e dois usualmente classificados como crônicas, mas que merecem estar aqui devido a seu caráter ficcional.” Se você gosta de Machado de Assis – e pra mim, Machado é essencial em algumas coisas – vale a visita.

Interessantíssimo blog médico o Clindx.org que divulga pesquisas que valorizam o exame físico em detrimento a outras ferramentas diagnósticas. Logo o exame físico, tão esquecido e desvalorizado. O exame físico, assim como a visita ao médico de uma forma geral, devem ser entendidas como uma forma de melhorar a probabilidade pré-teste de qualquer tipo de exame subsidiário que possa ser pedido a posteriori. Me explico. Hoje, diferentemente de 30 ou 40 anos atrás, o médico tem dentro de sua caneta um arsenal enorme e, porque não dizer, agressivo, de armas de investigação diagnóstica. Há que se usá-lo com certo cuidado com o risco de diagnosticar pseudo-doenças, além de outras maldades chamadas iatrogenias. A história e o exame físico não só “dirigem” a investigação, também “enquadram” o paciente em certos grupos de risco de modo que o médico tem que interpretar os exames, sejam eles positivos ou negativos, à luz desse “enquadramento”. É isso que faz um médico descartar um exame “positivo” ou repetir um exame que veio negativo várias vezes. Médicos não são cientistas.

Clique na foto para ver de onde roubei.

Intensive Care

ResearchBlogging.orgPara quem acha que é impossível definir alguma coisa utilizando-se de uma linguagem difusa e pouco precisa encaminho a impressionante poesia de Donna Doyle. Não sei se ela é médica, mas trabalha na Faculdade de Medicina do Tennessee. Embaixo, minha versão.


Intensive Care
“Now that you have been there
you recognize them, bodies
a languid blend of love and loss,
every movement fluid, as if
limbs have been surrendered by bones.
No language for this limbo, an island
where time is measured by visiting hours,
and purpose shines clear as the world
that seems to remain outside these walls.
Later is filled with wandering,
each step a pooled reminder
of liquid without a vessel,
the wading between widow and wife.”
Terapia Intensiva

Agora que você já passou por lá
os reconhece, corpos
uma lânguida comunhão de amor e perda,
cada fluido em movimento, como se
os membros rendessem-se aos ossos.
Nenhum verbo a este limbo, uma ilha
onde o tempo é medido em horas de visita,
e o propósito resplandece como o mundo
que insiste em estar fora destas paredes.
A tarde é preenchida com vagar,
cada passo uma lembrança represada
do líquido sem um vaso,
numa poça entre a viúva e a esposa.

Não me lembro de ter visto uma definição de Terapia Intensiva tão doída.

Donna Doyle (2011). Intensive Care JAMA, 306 (2), 134-134

A Morte de um Leão

A  L.F.P.F

Lição de Biologia Comportamental – quando um leão morre, os outros leões, de juba sensivelmente menor, ficam cabisbaixos. Leões mais velhos ficam como que por apreender o sentido que seus pelos brancos no focinho não traduziram em signos inteligíveis. O leão morto jazz on the ground. O sentido se descola da coisa-em-si, como se algum dia estivesse unido à ela, hehe. Aquele chumacinho preto de pelos da ponta do rabo do leão, que já não tinha nenhum significado, não tem o menor propósito ali, no chão. O bando caminha de um lado para o outro sem querer chegar a lugar nenhum. É curioso o andar dos leões. Eles dobram a pata mais do que o necessário para caminhar. Isso, às vezes, dá um ar jocoso ao andar mas, sem dúvida, elegante. Leões são preguiçosos e não costumam andar à toa. Matam e não lidam com a morte.

De repente, um leão mais jovem lança um rugido terrível. Um rugido de dor e sentimento. Magnetizados, leões e leoas, filhotes, hienas, macacos, toda a variedade de pássaros e passarinhos se orienta pelo vetor do rugido. Em Biologia Comportamental moderna isso pode muito bem ser interpretado como uma tentativa de demarcação territorial e liderança. Em leonês, é saudade mesmo.

Tchau, Leão.


Toca do Leão (hoje de manhã)