Saturnismo
“Hence gout and stone afflict the human race;Hence lazy jaundice with her saffron face;Palsy, with shaking head and tott’ring knees.And bloated dropsy, the staunch sot’s disease;Consumption, pale, with keen but hollow eye,And sharpened feature, shew’d that death was nigh.The feeble offspring curse their crazy sires,And, tainted from his birth, the youth expires.” (Description of lead poisoning by an anonymous Roman hermit, Translated by Humelbergius Secundus, 1829) | De gota e cálculo a raça humana padece; De semblante cróceo a icterícia esmorece; Paralisia, a cabeça treme e o joelho desce. E túrgido edema, do qual o bêbado padece; Consumptivo, pálido, de olhar vazio mas fulgente, E traços realçados mostram que a morte é iminente. A prole malsã execra seus antigos, loucos. E, maculados ao nascer, expiram-se moços. (Descrição de envenenamento por chumbo, por um eremita romano anônimo, traduzida com graça e estilo pelo Igor Santos da tradução de Humelbergius Secundus, 1829) |
Hoje aconteceu mais um fato a somar-se na intrincada rede que é a prática médica na saúde suplementar (é assim que o Governo divide a saúde: o SUS e o resto, este último chamado de “saúde suplementar”) que constitui e é constituída pelo comportamento do médico, dos pacientes e os interstícios ao qual ambos estão mergulhados, a saber, o mundo dos signos. Bem, a Medicina toda é assim. Um paciente veio procurar-me – logo eu, mero clínico a procura de seu lugar ao sol – com suspeita de intoxicação por chumbo. Eu sempre pergunto aos pacientes qual alma boa (ou não) lhes indicou minha pessoa e ele, para minha supresa, de modo franco, foi dizendo: “Bom, doutor. Na verdade, foi falta de opção mesmo.”
Eu, que já não me acho lá grande coisa, mesmo assim, fiquei surpreso com essa colisão frontal com a realidade, mas o paciente foi logo se explicando: “Não leve a mal, doutor. É que eu sempre gosto de procurar especialistas. Quando tenho dor de cabeça, vou a um neuro. Se tenho dor na barriga, um gastro. Otorrino, oftalmo, etc. Mas quando o médico da empresa me disse que podia ser intoxicação por chumbo, eu revirei a internet. Teria que ser um toxicologista mas não encontrei nenhum que faça consultório. Acabei optando por um clínico mesmo”. Claro que não levei a mal.
Na minha cabeça, enquanto o paciente falava, passavam inúmeras imagens, textos, parágrafos de livros (eu, algumas vezes, me lembro do local onde li ou onde estava tal foto, ali no canto superior esquerdo da página da esquerda… sou normal?). De repente, a sucessão de imagens parou e eu estava em Roma, a vecchia. Há quem diga que a deterioração moral e intelectual da elite de Roma estava ligada à intoxicação pelo chumbo que era adicionado ao vinho (e outros alimentos) à época, por ter sabor adocicado, corrigindo os fortes taninos, além de ser utilizado em utensílios domésticos. O chumbo parece ter algum papel na queda do Império Romano. Júlio César, apesar de suas aventuras sexuais, não deixou muitos herdeiros e seu sucessor, César Augusto, além de ser totalmente estéril, não tinha o menor interesse sexual… Ahn? Como?
“Então, doutor. Eu acho realmente que tenho uma intoxicação por chumbo, pelo menos inicial. Mas, gostaria de investigar, porque na minha empresa, trabalho com um tipo de … e o médico disse que… e a minha mulher tá achando que….” Hmmm – disse, apoiando o queixo com os dedos em “L”. Vamos investigar.
O chumbo é um metal que deve ser dosado no sangue total já que adere à parede dos glóbulos vermelhos o que torna sua dosagem no plasma não confiável. Também por isso, causa uma anemia microcítica hipocrômica que faz diagnóstico diferencial com falta de ferro. Eu explico. A anemia causada pela falta de ferro faz os glóbulos vermelhos ficarem pequenos e desbotados. Igualzinho à intoxicação por chumbo. Temos que averiguar. Vou pedir também o ácido D amino levulínico na urina que pode mostrar se o chumbo encontrado no sangue está tendo algum efeito tóxico ou não. Vale a pena pedir Vitamina D e hormônio paratireoidiano (PTH) para checar alterações do metabolismo do cálcio… Ossos… radiografias…
Não encontrei nada de alterado no exame clínico. Fiz a solicitação de exames e pedi para o paciente remarcar tão logo tivesse seu resultado. Ele foi embora, pareceu-me, satisfeito. Impressão que confirmei com a secretária depois. No intervalo entre uma consulta e outra, sentei ao computador e fiquei pensando e escrevendo estas linhas…
Esse é um belo de um “furo” no raciocínio tecnicista da especialização desmedida da medicina atual, não? O paciente precisa de um super-especialista e não encontra. Nem pagando! A “mão invisível” do mercado da saúde suplementar ainda não está preparada para exceções anedóticas. Curiosamente, casos complexos são encaminhados aos hospitais-escola, invariavelmente pertencentes à rede pública, para serem desvendados. Por quê? Eu acho que é porque nesses hospitais, quando se consegue vencer as deficiências eternas, alguém “abraça” o caso. “Veste a camisa” e o paciente, cansado de procurar, tenta a sorte. Não que isso não exista na rede privada. Acho que existe sim, mas custa muito caro. Talvez nem todo mundo saiba, mas existe um vão entre os usuários da saúde complementar tão profundo e vasto quanto o que separa o SUS dela própria. Quando falamos de “convênios”, há pacientes tão desassistidos que preferem utilizar a rede pública, (se for ligada a algum hospital-escola, tanto melhor) a utilizar a rede própria da seguradora. Vivo isso diariamente e não sei como resolver.
Saturno é o planeta identificado com o chumbo, um dos primeiros metais descobertos e por isso, conhecido como o “pai dos metais”. Segundo o mito grego, Cronos (não confundir com Khronos – tempo) que romanizou-se para Saturno, era um titã mórbido que castrou o pai – Uranus – e acabou devorando sua própria prole com medo de perder o trono. “A própria palavra saturnino significa especificamente o indivíduo com temperamento uniformemente sombrio, cínico e taciturno como resultado da intoxicação crônica pelo chumbo”. Soturno. O paciente não estava envenenado pelo chumbo, ainda bem. Mas, de repente, confesso que fiquei curioso em saber meus níveis plúmbicos…
~ o ~
PS. Veja a interessantíssima história das intoxicações pelo chumbo aqui.
UTI. Agradecimentos ao Igor Santos pela brilhante tradução acima.
O Batman e o Estudante de Medicina
Toda vez que médicos ou estudantes de medicina cometem algum ato hediondo contra a humanidade, sinto como se milhares de olhares virtuais se dirigissem a mim. Essa observação atenta deixa transparecer, por vezes, um certo ar reprobatório, em outras, permite perceber semblantes dúbios, num misto de dúvida e comiseração.
Quanto ao julgamento moral, não há como escapar. Tais atos acabam afetando toda uma classe de trabalhadores da Saúde e, dada a velocidade da informação, julga-se, condena-se, explica-se o inexplicável em escala mundial. Mas isso não me perturba. Me incomoda muito mais, esse olhar que pergunta: “Por quê?”. Ou “O que é que vocês veem, fazem, sofrem que, de súbito, um ou outro, aqui e acolá, rendem-se aos instintos mais sanguinários e crueis ?”. “O que é essa pulsão de morte que mora dentro de vocês?”.
Assim é, que um estudante de medicina chamado James Holmes de 24 anos matou 12 pessoas e feriu 59 no cinema onde estreiava o novo “Batman”, no estado do Colorado nos EUA. Em 1999, de modo incrivelmente semelhante, Mateus da Costa Meira, então com 25 anos, cursando uma tradicional faculdade de medicina em São Paulo, capital, disparou mais de 40 tiros contra a plateia no cinema de um shopping center que assistia o filme “Clube da Luta” na mesma cidade. As estórias de Eugênio Chipkevitch e Roger Abdelmassih já fazem parte de enciclopédias virtuais. Artigos são publicados com compilações de crimes perpetrados por médicos. Matamos calouros em trotes. Tudo isso sem falar nas horrendas “experiências” realizadas por médicos e cientistas nazistas.
À parte da sociologia dos fatos, qual seja, a das sociedades bélicas, facilidade ao acesso de armas, mentalidade do “kickass“, “Tiros em Columbine” (que aliás, faz 10 anos e continua atualíssimo), que deixo aos sociólogos e filósofos de plantão e; à parte das explicações psiquiátricas e psicanalíticas do que possa passar dentro da cabeça dessas criaturas, muito além de seu sofrimento difuso e profundo que deixo a quem de direito, vou ficar com alguns números.
O censo de 2009 mostrou que o Brasil tinha 330.825 médicos e 191.480.630 de habitantes. Isso dá, grosso modo, 1 médico para cada 580 pessoas. Entretanto, a distribuição é bem desigual. A figura abaixo mostra um quadro de 2007. O Brasil tem uma proporção de 900 pacientes para cada médico, segundo o autor. Segundo dados do CREMESP (pdf), a proporção de médicos na cidade de São Paulo é de 232 habitantes para cada médico. Em Santos, o número chega a 158, dados de 2009.
Com isso, quero deixar a pergunta: Médicos e profissionais da área da saúde cometem proporcionalmente mais crimes hediondos que a população não atuante nesta área específica? A resposta parece óbvia que não. Entretanto, os crimes praticados em especial por médicos têm um peso social muito maior dada a imagem que ainda resguardam no cotidiano das pessoas. O que acaba chocando não é o crime em si, já que, desgraçadamente, é mais um crime, mais uma chacina, mais uma bestialidade humana. O que chama atenção nos noticiários são dois fatos: O Batman e o estudante de Medicina.
Um real, outro imaginário. O Batman nos vinga. Haverá correlação? O massacre “cinematográfico” brasileiro ocorreu durante a exibição de um filme violento também. É um “n” muito pequeno para concluir, diriam. E discutiriam… Já a facticidade do “estudante de Medicina” choca porque vai no nervo exposto daquilo que nos mantém em pé e que não é a imaginação, o sonho, a virtualidade. Nem tampouco é facilmente quantificável, já que habita os recessos de uma subjetividade sobrescrita e desbotada a nós legada pela sociedade tecnológica e espetacular. O maior horror dessas estórias talvez não seja proveniente do fato de que o vilão “Estudante de Medicina” mata seres humanos comuns, mas sim porque aniquila um dos últimos resquícios de nossa humanidade: a Esperança.
Razão de Chances
Outro dia, me perguntaram a tradução para o português brasileiro do termo estatístico odds ratio. Acho que a mais utilizada é mesmo razão de chances. Essa nomenclatura tem um significado muito especial porque chance é uma forma de exprimir probabilidade. Probabilidade, por sua vez, pode ser a medida de uma incerteza ou de uma expectativa de ocorrência acerca de um evento. É interessante separar essas duas formas de probabilidade porque delas se originam os dois ramos principais do pensamento probabilístico, a saber, “probabilidade tipo crença” e “probabilidade tipo frequência”, respectivamente [1]. Outros autores usarão os termos “subjetiva” e “objetiva”, “epistêmica” e “aleatória” e, finalmente, “bayesiana” e “frequentista”, respectivamente. Em medicina, usamos muito a frequentista apesar de que abordagens “subjetivas” têm sido cada vez mais frequentes, hehe. (Sorry, pelo trocadilho infeliz, ver aqui e aqui, pitacos recentes sobre Bayes).
Risco, chance e probabilidade são conceitos dos quais temos noções intuitivas e que, muitas vezes, utilizamos indistintamente. Mas há diferenças importantes. Diferenças que devem ser conhecidas tanto por quem reporta os dados, como para quem lê um artigo científico que os usa. Imagine a seguinte situação retirada do livro do professor Júlio César [1]. Foram analisadas 793 quedas de moto em determinada cidade. Alguns motoqueiros estavam de capacete, outros não. Alguns sofreram ferimentos na cabeça e outros não. Podemos usar a tabela abaixo, para melhor visualizar os dados.
Uso de Capacete |
Total |
|||
Não |
Sim |
|||
Ferimento na Cabeça |
Não |
428 |
130 |
558 |
Sim |
218 |
17 |
235 |
|
%Ferimento na Cabeça |
33,75% (218/646) |
11,56% (17/147) |
29,63% (235/793) |
|
Total |
646 |
147 |
793 |
Por esses dados podemos concluir que a probabilidade de motoqueiros terem ferimento na cabeça após uma queda nesta cidade é 29,63%. Já a probabilidade de um ferimento na cabeça com capacete é de apenas 11,56% e sem ele é de 33,75%. Esses números se referem ao conjunto dos acidentados. Pacientes gostam de perguntas do tipo: “Dr, qual o risco de EU machucar a cabeça se EU andar de moto sem capacete?” Uma resposta possível seria: “Segundo um estudo, ao andar de moto em determinada cidade sem capacete, o risco de se lesionar a cabeça em um acidente é 33,75%”. Risco, portanto, seria a própria probabilidade trazida ao nível individual. Aí, a pessoa que fez o estudo fica famosa e vai dar uma entrevista ao jornal local. Lá pelas tantas, a repórter gata pergunta: “Muito bem, doutor, sabemos que o capacete protege contra lesões encefálicas. Mas, quanto?” Você pode fazer a seguinte conta 33,75%-11,56% = 22,19% e dizer que há uma redução de 22% no risco. A repórter: “???”. Você vendo o desespero dela e querendo ajudá-la (e aproveitando para se exibir um pouco), mentalmente, faz outra conta 33,75/11,56; e ao vivo, responde na lata: 2,92. O que quer dizer esse número? Quer dizer que o número de lesões encefálicas em quem se acidenta de motocicleta e não usa capacete é quase 3 vezes maior (2,92) que em quem usa. Esse é o que chamamos Risco Relativo (RR). Fica bem mais fácil de entender, não? (Você poderia ainda fazer outra conta que é 1/22,19% = 4,5, que significa que para cada 4,5 motoqueiros usando capacete que caem, você previne 1 lesão encefálica. Esse é o number need to treat – NNT – muito utilizado em ensaios clínicos, mas aí a repórter ia se apaixonar). Quem usa capacete tem menos risco de lesão encefálica, associação agora devidamente quantificada. O RR é um número muito fácil de compreender e por isso é muito bom quando podemos informá-lo. A odds ratio (OR) e o risco relativo (RR) são semelhantes e as duas medidas de associação mais utilizadas em epidemiologia. Por essa razão, são extremamente importantes para as ciências da saúde, em geral, e para a medicina, em particular.
Chamemos de associações, as inferências sobre relações causais, mas usemos outro exemplo: Quem tem colesterol alto tem mais infarto do miocárdio? Estudos epidemiológicos tentam associar dislipidemia com eventos coronarianos. Como? De várias formas, mas especialmente com estudos chamados de observacionais porque os pesquisadores só ficam observando o que vai acontecer, sem intervir nos casos. (Estudos em que há uma ou mais intervenções são chamados, muito sugestivamente, de intervencionais ou experimentais). Voltando aos estudos observacionais, estes podem ser de dois tipos principais: transversais (cross-sectional) ou longitudinais. Os transversais são como uma foto de uma comunidade ou grupo de pacientes, ou seja, o tempo está parado e estático, não havendo seguimento dos indivíduos no tempo, portanto. São bons para avaliarmos a prevalência de doenças. Por outro lado, longitudinais são os estudos que requerem que os indivíduos sejam observados por um período de tempo. Esse “tempo” em que vou “observar” pode ser para frente ou para trás e aqui, por favor, não entre em pânico. Veja a figura abaixo (desgraçadamente em inglês, mas fácil de entender, retirada da referência [2])
É sempre bom começarmos do starting point. Notai que existem 2 caixas “contendo” indivíduos com uma determinada doença e sem ela. Se, para utilizarmos o exemplo acima, dosarmos o colesterol de todo mundo, saberemos quem tem dislipidemia (colesterol alto) e quem não tem, i.e., quem está ou não exposto ao fator que queremos estudar. Se eu seguir esses pacientes por um tempo, vou ver quem teve (develop disease) ou não (disease-free) infarto do miocárdio. E assim, terei feito um brilhante estudo de Coorte. Se, por outro lado, eu pegar os registros hospitalares, dos consultórios, ou quaisquer que sejam, de pacientes com infarto e comparar com pacientes que não tiveram infarto, posso tentar associar o colesterol elevado no passado com a presença de doença coronaria atual, retrospectivamente. Estarei então, fazendo um estudo caso-controle. Entendido isso, vejam só que interessante.
Em um estudo transversal (o da fotografia), eu posso calcular o risco de uma certa doença baseado na sua prevalência, ou seja, no número de pessoas com aquela doença naquele exato momento. Nos estudos de coorte (aqueles nos quais o tempo vai “pra frente”), eu posso obter o risco de desenvolvermos uma doença qualquer através da incidência. Ótimo, perfeito! Mas, e no estudos caso-controle? Como faço para obter o risco já que o tempo vai “pra trás”? Como vimos, o risco é a probabilidade de algo acontecer a nível individual. Se tivermos as incidências e prevalências de antemão, poderemos estimar o risco, mas isso nem sempre é possível ou é não confiável. Como diz o Luiz Cláudio do excelente MBE: “Quando o estudo é caso-controle, onde casos (desfecho já ocorreu) são selecionados no início do estudo de forma arbitrária, não dá para calcular a proporção de pacientes que virão a ter o desfecho. Ou eles já tiveram o desfecho (casos) ou eles não tiveram o desfecho (controle). Neste caso, como não dá para calcular probabilidade do evento ocorrer, se usa odds (chance)”.
Posto isso, qual a diferença entre OR e RR? O raciocínio é mais ou menos o mesmo. Entretanto, as duas grandezas não podem ser utilizadas indistintamente. A OR superestima a RR na dependência da incidência da doença estudada. Veja o gráfico abaixo retirado da referência [3].
De novo, o Luiz Cláudio nos ajuda: “Um erro freqüente é a leitura do odds como se fosse risco. Odds ratio de 3.8 não quer dizer risco 3.8 vezes maior. Isso não é risco, pelos motivos já expostos. No entanto, quando o desfecho é raro, com uma freqüência menor que 10%, as medidas do OR e do RR se aproximam. Mas em um desfecho freqüente, embora as duas medidas indiquem um fenômeno na mesma direção, o OR tende a superestimar a força de associação, quando comparado ao RR.”
Quando a incidência é baixa (Io = 0,01) a correlação entre as duas variáveis é boa. Mas reparem na curva da Io = 0,3 (30%). Quando o RR é 2, a OR é próxima a 4, quase o dobro. A propósito, a OR dos motoqueiros com cabeça quebrada acima é 3,89 contra o RR que é 2,92, como vimos.
Fórmulas
RR = p / q
OR = p (1 – q) / q (1 – p)
Consultei
[1] Pereira, Júlio César R. Bioestatística em Outras Palavras. São Paulo. Ed USP, FAPESP. 2010.
[2] A. Petrie J. S. Bulman and J. F. Osborn. Further statistics in dentistry. Part 2: Research designs 2. British Dental Journal 2002; 193:435–440
[3] Carsten Oliver Schmidt, Thomas Kohlmann. Int J Public Health 53 (2008) 165–167
Ver também o excelente medicina baseada em evidências citado acima.
Abraço ao André Souza do Cognando, motivador do post.
Ciência sobre a Divulgação da Ciência
Um recente comentário nesse blog diz respeito a uma questão que virou, ela mesma, motivo de investigação científica, e permanece atualíssima, como se pode notar. Parece mesmo que esse tal “diário de menininhas” acabou virando um veículo de importância para a população, seja “letrada” sob determinado assunto, seja considerada leiga. Por permitir comentários e perguntas diretas aos autores, os blogs acabam desempenhando um papel que permite a transposição dos grandes abismos entre decisões tecnocráticas, descobertas científicas, de um lado, e o entendimento geral da grande massa de não-técnicos de outro. Pelo menos foi o que algumas autoras concluiram.
Em um estudo que teve este blog como objeto ou, mais especificamente, comentários dos leitores feitos a partir de posts sobre a campanha de vacinação contra a gripe A de 2010, Fausto e col. concluiram que os blogs são ferramentas úteis para propagação de informações sobre saúde ao público não-especializado. Nas suas palavras “This approach enlightens the internet blogs as useful tools for searching about health information by the lay public, indicating that the official health campaigns should reinforce their strategies to disseminate health information in a simple and understandable way to the general public, in order to inform and influence individual and community decisions that improve health.”
Pelo que soube, o estudo foi bastante bem recebido no encontro sobre informação e saúde em Bruxelas, o que significa que mesmo em países onde as desigualdades são menores que as nossas, o acesso a informação clara e objetiva é fundamental e desejado. Gostaríamos de parabenizar as autoras Sibele Fausto, Fabiana Carelli, Lúcia Eneida e Helena Neviani pelo excelente trabalho e agradecer a divulgação. De minha parte, tê-las como leitoras é uma honra e tanto. Espero sempre poder corresponder às vossas expectativas.
Para concluir, como não poderia deixar de ser, vamos a um exercício de reflexão. Se esse é um blog de divulgação científica e torna-se, ele mesmo, objeto da ciência, quando escrevo um post divulgando a ciência que o estudou, estou divulgando o quê? O blog propriamente dito ou a ciência que o motiva? Apesar desta pergunta ter me incomodado alguns segundos, entendi que sua relevância era pequena e que este meta-post é bem mais um agradecimento/reconhecimento que uma divulgação aos meus poucos porém altamente seletos (e queridos!) leitores como ficou aqui cartesianamente demonstrado.
Fausto S, Carelli F, Rodrigues LE, Neviani EH (2012). The Brazilian blog Ecce Medicus and the information on H1N1 flu vaccine for lay people: a case study in Health Communication. Annals of the European Association for Health Information and Libraries Conference, 13th, Brussels, 224-226. http://sites-final.uclouvain.be/EAHIL2012/conference/?q=node/1444.
O Homem Que Largava Livros
Ao L.A. com a gratidão das dívidas que não se pagam
“O velho estava em pé e segurava o livro aberto como um revólver sem gatilho: o polegar entre as páginas, o indicador e os outros apoiando a lombada; e com esse arranjo fazia-o balançar com habilidade enquanto andava de um lado a outro, mas apenas porque era um livro pequeno, de capa vermelha e dura. Com as lentes bem à ponta do nariz, seguiu lendo:
Caso por mim percorresse um arrepio,
um calafrio, seja de frio ou de desejo,
se alguém houvesse em contato com minha pele,
fosse mão ou mesmo pele-a-pele,
sentiria o frêmito, e também a onda que se cria
e toma o corpo ou parte dele,
já que é o arrepio e não
o suor que se estila
a língua viva do couro que o embebe?
E fechou o livro com um movimento rápido provocando um estampido que ecoou na sala. Olhava agora em panorâmica pela classe. Por cima das lentes e com certo escárnio pelo susto que acabara de provocar nos distraídos, viu o movimento dos cabelos negros escorridos da moça em queda com o ruído do livro, repousarem numa serenidade já lisa e piscou lentamente.
– Que tal? – provocou.
– Essa é a pergunta mais bonita que já vi, professor! – respondeu alguém. O velho não viu quem pois cerrara os olhos com a resposta. Do prazer professoral que lhe correu a espinha.”
~ o ~
Mais um livro terminado. O destino deste também não seria a estante. Imagine só! Livros eram para ser lidos e folheados e manipulados apenas e talvez. Quem sabe até farejados. Este – tão bonito! – teria o destino dos outros. Sim, era isso mesmo, decidira. Levantou-se – não sem uma certa dificuldade – da cadeira de imbuia que rangeu, mas não se co-moveu, e foi até a escrivaninha. Abriu uma ou duas gavetas e apanhou um carimbo grande e sua respectiva almofada embebida por tinta cor de vinho, bordô. Folheou algumas páginas e, com uma ponta de língua de fora, fez o que planejara fazer. Soprou depois e, satisfeito com o resultado, deixou o livro em cima da mesa, junto com os outros dois.
~ o ~
Vinha ouvindo The Kooks.
I’m not saying it was your fault. Although you could have done more…
Os fones brancos desaparecidos nos tragi bilateralmente. Havia ainda um brinco nas reentrâncias da orelha direita. O fio branco sumia pela gola da blusa.
I know she knows that i’m not fond of asking. True or false it may be…
Virou rápido no fluxo das pessoas e encarou a escada rolante. Sentiu o granito frio e o bafo quente do metrô em contraste mas ainda assim, era frio. Chegou à plataforma com as portas ainda abertas e mergulhou na massa de corpos sem rosto que se espremia no vagão.