As Origens do Emaranhamento

gasparzinhoEste é um post de um autor convidado, oculto e que faz parte de uma blogagem coletiva do SBBr. Saiba mais clicando aqui. Os leitores também podem tentar adivinhar quem seja o blogueiro entre os participantes.
Por Blogueiro Oculto
O post de hoje é sobre ocultismo. E vai ter fantasmas também. E muita ciência. Quer ver? Vamos lá:

oculto.:adj. Do latim occultu-, «idem», particípio passado de occulĕre, «esconder; ocultar»

1.subtraído à vista, escondido; encoberto; 2. que apenas se conhece pelos efeitos; 3. invisível; 4. ignorado; 5. misterioso; 6. que não pode ser explicado pelas leis naturais, sobrenatural; 7. não explorado

O conceito de “elemento oculto” permeia os mais variados campos do conhecimento humano. Em especial, na verdade, quando há algum nível de desconhecimento: é a incógnita das equações matemáticas ou o sujeito oculto da gramática, é ainda o contaminante de reações químicas ou o elemento que falta em Hamiltonianos na modelagem teórica correta de experimentos. À boca pequena, diz-se mesmo que quando médicos diagnosticam pacientes genericamente com uma “virose”, o que há de fato é algum elemento que eles desconhecem e previne um diagnóstico mais preciso.

Um dos elementos ocultos historicamente mais famosos são as “variáveis escondidas” propostas por Einstein e colegas a fim de justificar que a nascente Física Quântica não poderia ser como de fato é.

Não entendeu? Eu explico. Imagine um sistema formado por duas partes. Duas bolas, por exemplo. Uma azul, outra vermelha. Melhor ainda, pense quanticamente: cada bola pode ser azul ou vermelha e o estado quântico é uma-bola-azul-e-uma-bola-vermelha. Agora separe as duas partes. Quando você olhar para uma delas e descobrir que ela é vermelha, imediatamente você sabe, sem olhar para a outra, que ela é azul, e vice-versa. Mas, e aqui tem uma grande MAS exclusivamente quântico: a bola para a qual você olhou até o momento anterior à medida é azul E vermelha e só “define” sua cor no ato da medida. Consequentemente, a outra bola, não importa quão distante ela esteja, metros, quilômetros, anos-luz distante, IMEDIATAMENTE, define sua cor também.

Ora, “imediatamente” é um conceito completamente avesso à Teoria da Relatividade de Einstein. Em Relatividade não há NADA imediato: toda informação leva um tempo para se propagar e, no máximo, se propaga com a velocidade da luz. Com a interpretação do parágrafo anterior e sua Teoria da Relatividade em mãos, Einstein, Podolski e Rosen escreveram um trabalho onde afirmavam categoricamente que havia aí um paradoxo: a interpretação só poderia estar errada pois, afinal, a Relatividade estava correta. Abre parênteses: Einstein, dentre tantos, ajudou a construir a Física Quânica não apenas “positivamente”, desenvolvendo-a, mas especialmente por criticá-la, questioná-la, tentar mostrar que havia problemas e instigando seus colegas, defensores da Física Quântica, a achar interpretações coerentes para contornar os supostos problemas. Fecha Parênteses.

Desta feita, os três sugeriram duas possibilidades para resolver este aparente paradoxo: ou há, na Física Quântica, variáveis ocultas que fazem a transmissão da informação e, obviamente, ainda não haviam sido consideradas e/ou descobertas ou havia algum tipo de “ação fantasmagórica à distância” (olha os fantasmas que eu prometi aí!) responsável pelo efeito. Mais um parênteses: vindo de cientistas de alto gabarito, a menção explícita a “fantasmas” chega a ser engraçada e surpreendente.

A questão manteve-se e foi estudada por muitos e por muito tempo. Coube a Bell colocar a existência das variáveis ocultas numa simples desigualdade matemática (a desigualdade de Bell) e ao físico Alain Aspect a testar essa desigualdade e, surpreendentemente, violá-la, descartando definitivamente a existência das variáveis escondidas propostas por Einstein. Mas então, perguntará você: se a parte oculta da questão não existe, isso significa que há fantasmas agindo por aí? É claro que não.

De fato, a aventada “ação fantasmagórica à distância” tornou-se uma das mais emblemáticas e potencialmente aplicáveis faces da Física Quântica. Nascia ali o Emaranhamento. Em termos simples, e voltando ao nosso exemplo lá do começo do texto, as duas bolas estão emaranhadas e por isso, não importa quão distante elas estejam, ainda assim formam um único sistema, delocalizado e, por isso, quando a cor de uma se define, a da outra, imediatamente, também se define, pois elas formam um único sistema. Esse tipo de fenômeno é exclusivo da física quântica e não tem, nem pode ter, análogo clássico. De fato, é este fenômeno um dos pilares das propostas de transmissão, criptografia e computação quânticas, e do teletransporte (“Beam me up, Scotty!”) que um dia farão (farão mesmo?) seus caminhos para o nosso dia-a-dia e que hoje começam a se tornar reais em laboratórios ao redor do mundo.

[Este texto é parte da primeira rodada do InterCiência, o intercâmbio de divulgação científica. Saiba mais e participe em: http://scienceblogs.com.br/raiox/2013/01/interciencia/]

Subúrbio

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Naquela época não se dizia “o trem que vai para ou que vem do subúrbio”; dizia-se apenas “o subúrbio”, sinônimo daquele trem.

Ele não devia ter mais que nove ou dez anos e andava de mãos dadas com aquela que parecia ser sua mãe. Na cabeça pelada, um boné com as três cores de seu clube preferido ganho numa dessas campanhas de final de ano. Encaminhavam-se para a estação em meio ao tropel da multidão líquida e amorfa de trabalhadores duas, às vezes, três vezes na semana, mas não iam trabalhar. O hospital ficava a duas horas e dois trens de distância, um “subúrbio” e depois, um metrô. Nas estações onde tomavam o subúrbio que os levaria ao centro, vários trens utilizavam a mesma plataforma. Era dessas estações, mais singelas, que ele gostava. Cada vez que um trem se aproximava, ele perguntava a ela: “É esse?”. Quando ela dizia não, é que o momento mágico começava.

Ele sabia que o trem não ia parar, então postava-se com o olhar fixo, perpendicular ao trem e observava sua passagem. Com o repetir de suas experiências aprendeu a olhar de duas formas diferentes. Uma, na qual transpassava o trem de modo que sua rápida passagem pela plataforma se tornava uma sequência contínua de brilhos inoxidáveis, alternância de claro/escuro, transparente/opaco e a sensação ao mesmo tempo gostosa e assustadora da velocidade. Na outra forma de ver, ele fixava um ponto, em geral, uma cabeça de passageiro ou um cartaz e tentava acompanhá-los até perder de vista. Depois, fixava outro ponto, e outro, cada vez mais próximos, até doerem os olhos castanhos ou então sentir uma vertigem, que era sempre maior quando ele tomava o soro vermelho. “Eram jeitos muito diferentes de ver o mesmo trem”, pensou.

Um dia de domingo, a viu chorando ao falar sobre o futuro a uma tia. Ao vê-lo, enxugou as lágrimas e sorriu mal-disfarçando. Ele ficou pensando muito no futuro e de como seria bom se pudesse dizer o que aconteceria nele para que ela não ficasse com medo. O futuro. “Por que ela tem medo do futuro, mas não tem do passado ou do presente?”

Na volta do hospital aquele dia, ficou aguardando o subúrbio que não pararia. Recebera o soro vermelho e estava com vontade de sentar em qualquer lugar, mas permanecia como sempre, em pé segurando a mão dela. “É esse?” “Ainda, não!” foi a resposta; mas os trens que eles esperavam não eram os mesmos e ele se preparou. Olhou para o trem da forma como sempre fazia, mas dessa vez, não fixou os olhos e não conseguiu acompanhar as pequenas cabeças dentro dos vagões. Viu outra coisa. Viu o trem passando. Olhou para frente e viu o trem que tinha acabado de passar, olhou para trás e viu o trem que ainda não havia passado. Na sua frente, o trem passando. “Quanto de trem passa agora?” – perguntou baixinho. “Já vem”, ouviu dela. Era fácil saber quanto de trem ainda faltava passar, quanto de trem havia passado, mas muito difícil saber quanto de trem passava exatamente agora na sua frente. Só uma fatia muito fininha de trem, mais fina que ele, mais fina que seu dedo magrelo, que ele colocou entre o nariz e o trem, “passa agora”. O resto ou já passou, ou passará. Então, o subúrbio tinha três partes que passavam ao mesmo tempo. “A que falta, a que passa e a que já passou, mas é o mesmo trem”. Se divertiu muito com a ideia de que quando voltava a cabeça em direção à frente ou ao final da composição, a fatia-fininha-do-trem-que-passa-agora também podia mudar de lugar e imaginou as pessoas em outros pontos da plataforma tendo as mesmas sensações. Só então fechou os olhos. Uma certa tontura um pouco diferente o acometeu. Eram muitos e complexos pensamentos. Imaginou um trem gigante e muito comprido que nunca parasse de passar e achou que isso era muito parecido com a vida das pessoas.

“Não precisa ter medo do futuro” – disse, ainda com os olhos fechados, e riu. “Vem, menino. Abriu as portas. Cuidado com o buraco”. Ela puxou-lhe pela mão e fez com que entrasse no subúrbio, novamente transformado em trem parado na estação.

Perguntinha Extemporânea

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Qual é o oposto de tempo? O que é ou qual é o outro do Tempo; o seu não-ser?