Metafísica Médica

ResearchBlogging.orgO que é a Medicina? O lugar-comum das respostas é a tal “fusão entre Ciência e Arte”. Dado que não há uma definição universalmente aceita para Ciência e muito menos para Arte, eis que ficamos em situação bastante pior, posto que uma fusão entre duas coisas indefinidas é uma confusão! Praticar medicina baseado apenas nas evidências científicas, nos processos de generalização e indução, é tratar dos pacientes como sendo iguais em suas diferenças, o que favorece um tratamento massificado; por outro lado, a recusa aos dados científicos nos leva de volta às experiências pessoais, anedóticas de uma medicina pré-científica.

http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/e/e1/Turkey_ancient_region_map_ionia.JPGCostuma-se dizer que a Medicina é uma profissão e isto é bem verdade. Assim como o sapateiro, o mascate e o barbeiro, o médico procura, com sua técnica, facilitar a vida da espécie humana em troca de alguma remuneração. Uma separação de ordem conceitual, entretanto, começou a ocorrer entre a Medicina e outras profissões há mais ou menos 2500 anos. “Segundo Werner Jaeger (Paidéia – página 198) o conceito de physis foi o ponto de partida de pensadores naturalistas do século VI AC, dando origem a um movimento espiritual e a uma forma de especulação. Na verdade, seu interesse fundamental seria o que chamamos hoje metafísica, por seu interesse nas causas primordiais dos fenômenos.” Esse tipo de pensamento surgiu numa região chamada Jônia (território da atual Turquia – foto ao lado, clique para aumentar e ver os créditos).

Hipócrates e seus seguidores eram da ilha de Cós, de população e língua dóricas, e escreveram todo o Corpus Hippocraticum em jônico. A razão disso é que o jônico era como se fosse um tipo de linguagem científica da época e da região, a exemplo do que é o inglês para o mundo hoje. Ainda segundo Jaeger, a incorporação do pensamento jônico fez com que a medicina se tornasse uma techné consciente, metódica e, principalmente, distante do pensamento mágico, este último o responsável pela estagnação da medicina egípcia desde suas grandes descobertas, todas bem anteriores aos progressos da medicina grega. Longe de querer repetir toda a bela história da medicina, essa minúscula retrospectiva teve o intuito de dizer que a medicina está, desde sempre, apoiada sobre uma base científica para exercer sua profissão. Como é, ou como está, essa base hoje? Posto de outra forma, de que áreas do conhecimento humano se constitui a ciência médica – as bases científicas da prática médica? A tabela abaixo é uma tentativa de resposta sintética para essa difícil pergunta (clique para aumentar – modificado da referência 1).

Já abordamos o assunto sob a ótica do público e do privado e penso que uma das principais confusões sobre a prática médica chamada de “Medicina Baseada em Evidências” (MBE) seja o fato de que ela pertence ao “privado”, tendo sido sequestrada pelo “público”. Mas, isso é outra história. Quero me aprofundar desta vez, no conteúdo da tabela. A ciência médica compreende, segundo Williams [1], três domínios de pesquisa, a saber, o laboratório experimental, pacientes e, por fim, populações. Cada um desses domínios têm um tipo de abordagem, trabalha com determinadas ferramentas, necessitando de infraestruturas específicas. Nos EUA, têm programas de treinamento diferentes, que em geral se assemelham aos brasileiros. Apesar de bastante abrangente, a tabela dá uma ideia errônea da ciência médica pois supõe que os vários domínios sejam equivalentes em relevância para a prática clínica. Não são. Há, por assim dizer, uma hipertrofia enorme do domínio “pacientes” e de suas ferramentas, em especial, os ensaios clínicos, sobre a forma de se conduzir do médico contemporâneo.

Tentarei me aprofundar nessa questão no(s) próximo(s) post(s). Investigar o porque disso ter ocorrido e tentar estabelecer questões epistemológicas a respeito desse conhecimento que vem dando base à prática médica é uma tarefa talvez demasiado grande, mas tem bastante medaglia chegando. E eu vou atrás…


ResearchBlogging.org1. Williams GH (1999). The conundrum of clinical research: bridges, linchpins, and keystones. The American journal of medicine, 107 (5), 522-4 PMID: 10569311

Boaventura, Baptista e as Ciências em Bom Português

“Atribui-se, é possível que apocrificamente, a Richard Feynman, o comentário jocoso de que a filosofia da ciência é tão útil para os cientistas como a ornitologia para as aves. (…) Mas recorde-se, por exemplo, o que aconteceu quando o Grande Timoneiro lançou uma das suas famosas campanhas contra as aves que destruíam, segundo ele, as culturas agrícolas da China. Foi uma guerra sem quartel que quase exterminou os pássaros e, assim, quase destruiu as culturas agrícolas na China. Qualquer ornitólogo poderia ter informado os ideólogos do partido que, em particular, os odiados pássaros se alimentavam dos insectos que constituíam, esses sim, um perigo muito maior para a agricultura do que as próprias aves.”
António Manuel Baptista –  DISCURSO PÓS-MODERNO CONTRA A CIÊNCIA
Obscurantismo e Irresponsabilidade


Imaginem a cena. Um professor de Zoologia é chamado para um grupo de estudo cujo o tema é “o que é ciência?”. Um dos textos propostos para discussão foi o “Um Discurso sobre as Ciências” do polêmico sociólogo português Boaventura Sousa Santos. Pânico! O texto é recheado de parágrafos rococós, idas e vindas e de fato, imprecisões científicas. A inteligibilidade do texto é um desafio para quem está acostumado ao estilo enxuto e direto da linguagem científica. Que fazer?Antes de mais nada, é necessário entender as raízes de uma “pósmodernofobia” da qual cientistas, divulgadores científicos e alguns sciencebloggers sofrem. Isso porque o Pós-modernismo é visto como uma relativização do discurso da ciência; ou pelo menos assim foi apresentado a ela. Mas, o fato é que o Pós-modernismo não é bem isso. Já é tradicional tentar defini-lo pelo que ele não é, pois que existe muita contradição sobre o que ele é ou deixa de ser. Definição? Nem pensar. Um jeito de entender é que o Pós-modernismo questiona do pensamento moderno (leia-se iluminista) seus próprios fundamentos que antes eram considerados imutáveis, supra-históricos, transcendentais. Ao fazer isso, o pensamento pós-moderno tira de centro o próprio Sujeito cognoscente, veja só. O Sujeito todo-poderoso que havia sido colocado ali por Descartes e toda turma, e também pela sucessão de fantásticos resultados obtidos a partir de então. Ao questionar quem é esse Sujeito, o Pós-modernismo dissipa a objetividade [1], desafia a autoridade e “truca” a adequação entre objeto e experiências impostas a ele pelo Sujeito, o que convencionamos chamar de Verdade científica, porque diz, por exemplo, que isso pode depender de quem é esse sujeito, ou que essa adequação é feita entre o objeto e um discurso que se produz sobre ele, entre outras. Putz, experimenta falar para um cientista dos bons que seu método é contingente (tipo, depende de outras variáveis que não dele próprio), que outro resultado poderia ter sido obtido se fosse conduzido de outra forma, por outra pessoa, etc. Daí toda essa aversão e as reduções perigosas que todo preconceito termina por efetuar: pós-moderno = relativo, sem base, inconsequente, etc. Tudo isso com requintes de crueldade quando um matemático meio irresponsável publicou um monte de baboseiras em um jornal “pós-moderno” e disse, depois, que era tudo uma farsa. “Hahaha, vocês publicam qualquer porcaria bastando para isto escrever um monte de termos rebuscados e difícieis. Isso é que é ciência? Hahahaha”. (No final, até acho que foi bom mesmo, porque os ‘pós-modernistas’ estavam exagerando).Entretanto, o Pós-modernismo, seja lá o que isso queira realmente dizer, trouxe algumas ideias interessantes e algo incômodas para os carinhas de óculos, avental e crachá (alguns têm gravatas também), preenchedores-de-formulários-para-conseguir-$ (provocação explícita a uma certa lista de emails, =)). Em primeiro lugar, toda vez que falamos de ciência, já deixamos de fazer ciência há muito tempo. Qualquer cientista, por melhor que seja, quando fala de ciência está produzindo um discurso (escrito ou não) sobre a ciência. Podemos chamar isto de metadiscurso. Um metadiscurso quando produz uma visão convincente das coisas pode ser chamado de metanarrativa. O Pós-modernismo tem como passatempo predileto dissolver essas metanarrativas e deixar todo mundo com as calças na mão exatamente por mexer com os fundamentos do conhecimento como dito acima! Em segundo lugar, resolveram perguntar pro cientista se o que ele estava fazendo (pressupostamente, Ciência, oras) melhorava o mundo e o ser humano. O cientista ficou bem bravo porque para ele a Ciência é: “Primeiro, uma atividade executada por cientistas, com certas matérias-primas, propósitos e metodologia. Segunda, é o resultado desta atividade: Um corpo bem estabelecido e bem testado de fatos, leis e modelos que descrevem o mundo natural.” E podem prevê-lo. Você não voa de avião? Não tem GPS no carro? Então, não enche meu saco! Óbvio que o mundo é melhor. Mas…… se quando falamos de Ciência já estamos distantes do ponto de vista científico, a partir de qual ponto de vista falamos, então? A rigor, segundo D. Christino, qualquer um” “(..) pode ser filosófico, mas também sociológico, como crê Boaventura de Sousa Santos, ou antropológico, como argumenta Bruno Latour, ou (mesmo) ético-jurídico.” Pois é, Boaventura Sousa Santos (também conhecido como BSS) aborda a Ciência de um ponto de vista sociológico e não poderia ser diferente porque o homem é um baita sociólogo. Por mais defeitos que a Sociologia possa ter (deu-nos até um presidente!), ela tem lá seu jeito peculiar de ver o mundo. E esse jeito peculiar de ver o mundo vê a Ciência e a critica a partir de seu ponto de vista. O livro em questão (“Um Discurso sobre a Ciência”) é muito polêmico mesmo, tendo sido criticado tanto dentro da Sociologia como fora dela. De fora, em especial pelo físico António Manuel Baptista que publicou dois livros em resposta a tese de BSS, rebatendo suas imprecisões. Cristina Pereira publicou um estudo sobre o livro que vale a pena ser lido onde explica toda a polêmica. É sua conclusão que comento abaixo:“‘Um discurso sobre as ciências’, é uma obra polémica que versa o tema da epistemologia das ciências sociais, é nesse campo que nos demonstra que nos encontramos numa fase de transição, uma vez que face à existência de um paradigma dominante, já é possível encontrarem-se vestígios um paradigma emergente.” Apesar de criticas de dentro e fora da Sociologia, segue a autora “A obra está no centro da discussão sociológica e há que lhe reconhecer a qualidade de 21anos depois da sua primeira edição ainda despertar o interesse do público académico, tendo dado origem a outras obras, quer como resposta, quer como defesa de teoria.” 
Ao Eduardo Bessa e à sinceridade de suas dúvidas

Estação Elegância

Acabei de ler o livro “A Elegância do Ouriço” de Muriel Barbery. O livro é um tratado sobre “elegância” mesmo. Aliás, ô palavrinha difícil de definir! Tem a mesma raiz de “eleição” e significa “escolher com cuidado”. Encontrei algumas tentativas e muitas frases sobre ela, o que quer dizer que não tem nenhuma que dê realmente conta do recado. Talvez seja preciso muitas frases, um post, ou mesmo um livro, para dar uma ideia do que seja essa ocasião chamada elegância. Me explico:

O livro é um romance filosófico com duas narradoras bastante improváveis. Uma é Reneé, a zeladora filósofa de um condomínio parisiense luxuoso onde moram famílias estereotípicas da alta sociedade francesa contemporânea. A outra é Paloma (irmã de Colombe, vai gostar de pomba assim…) uma menina de 12,5 anos, superdotada, ela mesma moradora do condomínio. Narrando em primeira pessoa, com divagações profundíssimas, elas vão definindo o que a autora acha que é a elegância. Talvez, pelo fato de que as duas protagonistas sejam do sexo feminino, e também a autora, o livro trata do universo pela lente das mulheres e pode ser difícil para um leitor masculino navegar sobre descrições de enfeites de casa, tipos de lingerie, receitas de doces, tecidos, rendas etc, mas, não pensem que isso tudo é chato. Pelo contrário, as mulheres têm um olhar para a elegância e a valorizam. (O livro, nesse ponto, é bastante didático, viu, rapaziada).

No final, após avaliar receitas elegantes, homens e mulheres elegantes, músicas, arte, moda, linguagem, esportes, atitudes elegantes, o que ficou? Se me perguntarem, ainda não sei definir elegância, mas digo que ela é uma propriedade do humano. Não se diz que uma cachoeira ou uma praia são elegantes. São bonitas ou lindas ou feias. Um vestido ou terno não são elegantes, ficam (ou não) quando os vestimos. Mas, um móvel pode ser elegante, mesmo que não tenha ninguém perto. Há um movimento caracteristicamente humano implícito na elegância. Já me é, então, possível separar elegância de beleza. Sim, porque a beleza causa um prazer estético imediato, vale dizer, não-mediado, direto, na veia. A elegância, não. Ela depende de um aprendizado, de um tipo de leitura de signos patognomônicos da humanidade; depende de uma decifração. Por isso, o prazer estético que proporciona é maior do que o da beleza em si. Aliás, coisas muito belas, por afetar diretamente nossos sentidos, muitas vezes nos impedem de degustar momentos ou pessoas elegantes.

A elegância é uma ocasião e está no cruzamento do Humano com o Belo. É parte integrante da cultura humana e por isso varia entre as várias culturas. Está fora de moda porque depende de um aprendizado e ninguém quer perder um segundo, tudo tem que ser ao mesmo tempo e agora e isso é um dos contrários de elegante, ou seja, brega ou kitsch. Então é que a elegância parece também ter a ver com Tempo, outra de nossas dimensões, daí o movimento humano implícito em seu interior. E o ciclo se fecha. “Porque o que é bonito é o que captamos enquanto passa. É a configuração efêmera das coisas no momento em que vemos ao mesmo tempo a beleza e a morte“, nas palavras de Paloma (grifos meus). Nada mais humano que a morte (agora entendi, cachoeiras e praias não são elegantes exatamente porque são eternas!).

A eternidade do tempo é o trem onde o efêmero da vida humana sofre da consciência de sua finitude. Uns viajam de cabeça baixa. Outros esperam à janela, ansiosos pela ocasião da dádiva de um cruzamento no qual vislumbrem a humanidade estética e trágica da vida. Mesmo que isso perdure apenas até uma próxima estação qualquer.

Ecce Medicus – Ano 3

Em Fevereiro tem Carnaval (que esse ano é em Março) e tem aniversário do Ecce Medicus.

Desta vez, não vou ficar escrevendo muita coisa como aqui e aqui. Esse ano, resolvi dar um presente ao blog: um novo banner e isso me causou vários problemas e muitas horas de trabalho. Em primeiro lugar, como minhas capacidades artísticas são bastante limitadas, tive que recorrer a um outro médico, este sim, um profissional das imagens médicas. O Dr. Hermes Prado Jr é premiado no Brasil e no exterior por suas imagens médicas e tem um blog que vale uma visita.

Hermes, deixamos aqui nosso agradecimento especial. Obrigado pelo lindo trabalho.

Depois de pronto o banner, restava colocá-lo no lugar, lá em cima, bonitinho. Para isso, é necessário enfrentar um dragão dos bons. Me armei com paciência e coragem e fui. Resultado, o Ecce Medicus ficou sem banner por umas 12 h. Foi quando chegou um jedi oriental e matou o dragão. Mais um agradecimento então, obrigado chefia Carlos Hotta por ter resolvido o problema brilhantemente.

O último agradecimento é aos leitores. Obrigado pela vigilância constante, pelo suporte, pela companhia. Sem vocês, isso tudo não teria muito sentido.

Perguntinha Epidemio-Existencial

Filho: – Pai?
Pai: – Humm?
Filho: – Quantas pessoas “tem” no mundo?
Pai: – (Pigarreia). Sei lá, filho. Uns 6 bilhões de pessoas….
Filho: – Ahnn….
Pai: – Por que?
Filho: – E eu sou número “qual”?

Figura daqui.

M*A*S*H

Existem outros motivos que levam uma pessoa a se decidir por fazer uma faculdade de medicina e se tornar um médico(a), além de um certo tipo de loucura, hehe. Até porque, o fato de fazer uma faculdade de medicina não torna ninguém médico. A “ficha” meio que vai caindo durante o curso, tanto para um lado, como para o outro. Muitos desistem no meio do caminho (alguns até se suicidam!), a maioria “entende” o que é a medicina e acaba entrando no esquema. Outros ficam frustrados depois, mas aí já é tarde.

Dentre os vários motivos listados (ver por exemplo, aqui e aqui), há, sem dúvida, alguns inusitados. Coisas como “meu pai exigiu”, “queria ficar rico”(!) ou “tenho uma família de médicos” ainda são comuns, infelizmente. No meu caso específico, o meu motivo inusitado, nunca escondi de ninguém, foi um seriado de TV chamado M*A*S*H.

O seriado se passa na guerra da Coreia (1950-53) e foi originado de um filme homônimo que, por sua vez, é uma adaptação do livro de Richard Hooker, também com o título de “MASH: Uma novela sobre três médicos do Exército“. M.A.S.H é uma sigla que quer dizer Mobile Army Surgical Hospital, acampamentos com estrutura hospitalar para traumas de guerra que realmente existiram. O “4077th MASH” é o campo onde tudo acontece. A série fez um enorme sucesso e durou de 17 de Setembro de 1972 a 28 de Fevereiro de 1983, quase 11 anos. Este último episódio teve 2 horas e meia de duração e foi, durante muitos anos, o programa de TV mais assistido da história nos EUA: quase 106 milhões de telespectadores. Esse recorde só foi batido em Fevereiro de 2010 pela final do SuperBowl (106,5 milhões). Infelizmente, não tenho notícia desse episódio, que chama-se Goodbye, Farewell and Amen, ter sido exibido no Brasil.

M*A*S*H equilibra o humor sarcástico de Hawkeye Pierce (Falcão, no Brasil) interpretado por Alan Alda e Trapper John (Caçador) de Wayne Rogers, e o drama de participar de uma campanha sem sentido. Ver jovens americanos morrendo e sendo mutilados afeta a rotina de todos. Apesar de ser rotulado de comédia, há muitos episódios dramáticos e melancólicos, como os que Falcão escreve cartas a seu pai. Quando foi ao ar em 1974 pela Bandeirantes, eu era um mísero adolescente e ainda sonhava em ser jogador de futebol. Mas, lá pelas 6 da tarde, eu ficava sentado em frente à TV esperando tocar a musiquinha triste junto com o ruído dos helicópteros. (ouça a música aqui: Mash.wav e um tributo à série com a música cantada com sua letra original, bem pessimista. Só para ter uma ideia, o título da música é Suicide is Painless). Adorava ver Falcão insubordinar-se às rígidas leis do Exército americano para salvar pacientes ou deixá-los de alguma forma, felizes. Sua postura era revolucionária, seu sarcasmo e ironia, infinitos, só rivalizando com sua competência e dedicação. Apesar de mulherengo incorrigível, as mulheres gostavam dele e há um episódio em que a namorada o “empresta” para uma enfermeira solitária (o 13o da primeira temporada “Edwina”).

A série não é sobre médicos DO exército. É sobre médicos NO exército, porque não sei se os primeiros de fato existem. Medicina e guerras são de uma incongruência pérsica, entretanto convivem bem, às vezes até de forma promíscua. As guerras precisam da medicina porque ela é estratégica e um fator que sempre pesa na balança. A medicina, por sua vez, se beneficia das guerras, morbidamente. Sendo a medicina um tipo de humanismo, o Homem, toda sua cultura e tecnologia estão no seu centro. A guerra é o pior dos anti-humanismos pois coloca o Homem e, por conseguinte, toda a sua cultura e tecnologia, contra outros homens o que equivale a dizer, contra si. É como uma auto-imunidade, uma implosão existencial. Um médico na guerra é um E.T. depressivo em busca de sentido para sua existência e suas ações. Pierce é isso. No último episódio ele pira! A intensidade de seus conflitos sublimam-se em ironia, sarcasmo, insubordinação e muita competência e dedicação. Que doença essa! A Medicina… Uma busca de sentido comum a todos os humanos traduzida, porém em dedicação e competência tendo o Homem e suas chagas como medida sofística de todas as coisas…

Antes de querer ser médico, eu queria ser Pierce…

Clique nas fotos para ver os créditos.

Atualização: Alan Alda fez no dia 28 de Janeiro último 75 anos. Que esse mísero post seja minha homenagem a quem tanto me influenciou.