Teleologia I


Certa vez, ao assistir uma aula de fisiologia, fiz a pergunta que todo aluno do 2o ano de Medicina faz ao seu professor de fisiologia (ou pelo menos tem vontade de fazer!): “Mas, para que serve o sistema límbico?” (era uma aula de neurofisiologia). O professor, deixou o giz cair na calha, inverteu as sombrancelhas – até então, amigáveis – e me respondeu: “Você não deve pensar assim!”. Por quê? “Por quê?! Passamos anos tentando nos livrar dessa pergunta! Esse tipo de pergunta não leva a lugar nenhum!” Fiquei um pouco humilhado pelas risadas da classe e não quis me alongar no debate, mas a resposta nunca me satisfez. Principalmente porque ninguém nunca tinha me dito como não pensar antes!
Para que serve o rim? Para livrar o organismo de subprodutos tóxicos, eliminar ou economizar água e manter o equilíbrio ácido-básico. Nada mais simples. Entretanto, essa linguagem teleológica é quase um tabu na Biologia e mostra como a Medicina desconhece conceitos básicos de Teoria da Evolução. Nos próximos posts, tentarei refletir sobre o pensamento teleológico, principalmente à luz de Ernst Mayr. Extrapolações para a Ciência Médica e a Medicina propriamente dita serão permitidas, aceitas e até encorajadas. Nada faz muito sentido senão à luz da evolução, não é mesmo?

Isaac, Albert ou Charles

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Ernst MayrPhoto by Kris Snibbe

Ernst Mayr defendia uma filosofia própria para a Biologia (Toward a New Philosophy of Biology). Acreditava que a Biologia não poderia nunca ser reduzida à Física, como sonhavam mecanicistas de outrora. Por que falamos em darwinismo e não existe um newtonismo ou eisteinismo?

Chamou a atenção por exemplo, à diferença entre a Biologia Funcional e a Evolucionária. A pergunta principal do biólogo funcional é “Como?”. Como isso funciona? Como aquilo interage com isso? e etc. A pergunta do biólogo evolucionário é “Por quê?”. No sentido de “Como aconteceu?” e não no sentido de “Para quê?”, a pergunta que Aristóteles fez e que gerou uma confusão que atravessou milênios! Voltaremos a ela, com Mayr em outro post.

Para usar uma analogia didática de Mayr, podemos comparar o trabalho dos campos da Biologia com a tecnologia da informação: o biólogo funcional quer decodificar a informação programada no DNA. Entender os mecanismos de funcionamento do processo. O biólogo evolucionista, por outro lado, está interessado na história destes programas de informação e nas leis que controlam suas mudanças de geração a geração. Ou seja, nas causas destas mudanças.

Os seres humanos são produtos de uma infinidade de experiências casuais da natureza culminando no que somos hoje. Para onde caminha a Ciência Médica? A quem ela almeja desposar: Isaac, Albert ou Charles ?

Dual Processing – O Público e o Privado

Parece realmente haver 2 formas de pensar, segundo os psicólogos abaixo:
“Psychologists from various persuasions have proposed two fundamentally different modes of processing information:
– one that has been variously referred to as intuitive (Jung, 1964/1968), natural (Tversky & Kahneman, 1983), automatic (Bargh, 1989; Higgins, 1989), heuristic (Chaiken, 1980; Fiske & Taylor, 1991; Tversky & Kahneman, 1983), schematic (Leventhal, 1984), prototypical (Rosch, 1983), narrative (Bruner, 1986), implicit (Weinberger & McCleUand, 1991), imagistic-nonverbal (Bucci, 1985; Paivio, 1986), experiential ( Epstein, 1983 ), mythos (Labouvie-Vief, 1990), and first-signal system (Pavlov, cited in Luria, 1961 ) and,
– the other as thinking-conceptual-logical (Buck, 1985; Leventhal, 1984; Jung, 1964/1968 ), analytical-rational (Epstein, 1983), deliberative-effortful-intentional-systematic (Bargh, 1989; Chaiken,1980; Higgins, 1989), explicit (Weinberger & McClelland,1991), extensional (Tversky & Kahneman, 1983), verbal (Bucci, 1985; Paivio, 1986), logos (Labouvie-Vief, 1990), and second-signal system (Pavlov, cited in Luria, 1961).”
Intuitivo, natural, automático em oposição a lógico-conceitual, analítico-racional, sistemático. A Razão Médica não é diferente. Uma decisão médica envolve um saber técnico-empírico e um juízo clínico global. (Sobre a divisão técnica/empírica do saber técnico-empírico, ver também este post). O conhecimento técnico-empírico é um conhecimento nomotético: busca leis e regras gerais, se utiliza da Lógica e do senso-comum. É teórico, transmissível, objetivo e público.
O juízo clínico global é um tipo de conhecimento idiográfico, individual, específico. Conta com a intuição e experiência pessoal. Por ser prático é difícil de transmitir. É subjetivo e privado.
Como médicos, qual tipo de processamento mais utilizamos? Podemos utilizar um processamento duplo? Eles trabalham em conjunto ou em oposição? Podemos confundir o público com o privado?