Marvada Pinga

Do blog da poeta Graziela Arantes

Está ficando enfadonho, mas sou obrigado de novo a discordar de José Arthur Giannotti e a concordar com Paulo Lotufo. Sou a favor da nova Lei! Principalmente quando deixo de pensar em mim (Sim, eu como todo brasileiro, sei muito bem me cuidar e etc, etc) e começo a pensar nos meus filhos adolescentes. Veja abaixo o texto de Giannotti.

A lei seca e a secura do Estado

Rigor excessivo contra motoristas que ingerem álcool oculta um Estado fraco e põe em risco o próprio respeito à norma

JOSÉ ARTHUR GIANNOTTI
COLUNISTA DA FOLHA

É dever moral evitar acidentes causados pelo exagero no consumo de bebida alcoólica. É dever do Estado coibir o desatino de pessoas alcoolizadas dirigirem seus veículos; cabe-lhe puni-las segundo o rigor da lei. Como, porém, se determina esse rigor para torná-lo efetivo? Bebidas alcoólicas tradicionalmente fazem parte de nosso cardápio. No Mediterrâneo, o vinho, o trigo e a azeitona compuseram a base da alimentação que permitiu o desenvolvimento do Ocidente. Na França costuma-se dizer que uma refeição sem vinho é como um dia sem sol. E os cardiologistas aconselham que se tome um copo de vinho tinto diariamente para evitar doenças coronárias. O problema, portanto, não é o álcool, mas o exagero e o vício. Aliás, como a comida e o sexo. O caso do álcool é mais pungente, pois seu consumo desmesurado, além de causar danos a quem bebe, freqüentemente e cada vez mais atinge pessoas inocentes, que nada têm a ver com os exageros e os vícios alheios. Isso porque nos tornamos cada vez mais dependentes do automóvel como meio de transporte.

Situação esdrúxula
E o caso das grandes metrópoles, em particular o de São Paulo, mostra como medidas urgentes devem ser tomadas.
De um lado, diminuindo o peso do transporte individual; de outro, coibindo o exagero do consumo do álcool. Ora, toda a questão reside na medida desse exagero. Segundo a Folha de domingo passado, os EUA e o Reino Unido admitem oito decigramas de álcool por litro de sangue, a França, cinco, e o Brasil, dois, junto com Noruega e Suécia. Essa medida equivale a proibir que a pessoa dirija depois de beber um copo de cerveja ou de vinho.

Punição à maioria
Chegamos a uma situação esdrúxula: em vez de o Estado determinar a medida da segurança, simplesmente se isenta dessa medida e pune aquele que bebe moderadamente, ciente de seus limites e de suas obrigações sociais.
Em resumo, pune a maioria para evitar que desregrados causem malefícios. Na Noruega e na Suécia, a tolerância zero tem lá suas razões de ser. No Brasil, esse exagero simplesmente repete o espetáculo de violência de um Estado fraco, que encena uma força desproporcional a seus recursos simplesmente para atemorizar. Isso equivale a legislar para que a lei não pegue, obviamente depois de saciar a boa consciência dos bem pensantes. Como de costume, os brasileiros enfrentam um problema desfraldando a bandeira do rigor da lei para deixar tudo como está, menos o respeito pela lei, o qual se degrada a cada dia.


JOSÉ ARTHUR GIANNOTTI é professor emérito da USP e coordenador da área de filosofia do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento. Escreve na seção “Autores”, do Mais! .

Mais Autópsias


Tenho recebido comentários, alguns bastante indignados, sobre a questão das autópsias. Sejamos breves: não sou contra a autópsia como instrumento de conhecimento médico. É uma atividade médica secular. É interessante notar o comportamento dos médicos frente à autópsia de acordo com o conceito de doença. Na medicina antiga (gregos e galênicos) a autópsia era inútil pois a doença era uma alteração da circulação dos humores. Não se podia aprender nada do corpo morto: humores não circulam em cadáveres.

Quando se associou a doença com a anatomia patológica – coisa que aconteceu no século XVIII e XIX – a autópsia passou a ser um instrumento importantíssimo, permitindo grande avanço da medicina e cirurgia. São figuras proeminentes dessa época Morgagni, Xavier Bichat e, principalmente, Rudolf Virchow.

Entretanto, várias fontes, na última década, têm percebido uma queda no número das autópsias (a exceção são os estudos médico-legais, que vêm aumentando). Para ver algumas, clique aqui. Post no Ecce Medicus. Outros blogs. A literatura médica vem dando mais destaque para esse fato, sempre com um tom de lamentação, atribuindo o fato a uma falta de estímulo aos mais jovens por parte dos mais experientes, custos, medo de processos, entre outros.

Na visão que este blog defende, essas são apenas consequências e não as causas. A causa real seria a de que o conceito de doença vem novamente apresentando mudanças radicais, principalmente nas últimas décadas, o que está exercendo forte influência no número de autópsias realizadas. A exemplo da medicina galênica, a autópsia passa a não ter mais importância para o médico, comunidade médica e familiares. Parece estar havendo um retorno à medicina do vivo! (O que faz todo sentido, aliás, dada a necrofobia dos tempos atuais). Além disso, a fragmentação do conhecimento médico é cada vez maior e os ramos integrativos da ciência médica estão minguando tal e qual as autópsias (ver este post).

Procuram-se explicações para o fenômeno. Habermas: fenômeno de sociedades tardo-capitalistas baseadas na tecno-ciência (autópsia=medieval)? Baumann/Nietzsche: necrofobia, neocristianização (autópsia=violação/violência)? Lyotard: sociedade virtual, simulacros (melhor em bits que em carne e osso)? E por aí vai.

A indignação dos patologistas e defensores da autópsia deveria transmutar o choro em ação e adaptar a autópsia à nova racionalidade médica emergente. Só assim, poderíamos revalorizar a autópsia como procedimento medicamente útil. Quem sabe veríamos hospitais como o Einstein, Sírio-Libanês ou Oswaldo Cruz alardearem como estratégia de marketing a (re)inauguração de suas salas de autópsia?

Reprodução de Células-Tronco

As células-tronco têm ocupado um espaço bastante grande na mídia não-especializada. (Clique aqui para uma coleção gratuita de 569 artigos do New York Times, em inglês).

Pela primeira vez na história da Ciência, cientistas brasileiros conseguiram fotografar a reprodução de uma célula-tronco. No Ecce Medicus em primeira mão, antes da Science e da Nature.

agradecimentos a Samuel Gallafrio (não é montagem!)

Technological Invention of Disease and Decline of Autopsies

Interessante artigo no São Paulo Medical Journal. Seria o declínio mundial das autópsias decorrente de uma mudança no conceito de doença? As autópsias estão caindo mesmo em países onde é obrigatória!
Seriam as autópsias parte de uma racionalidade médica que está sendo ultrapassada? O debate parece estar só começando… Segue tabela com a queda das autópsias nos vários países do mundo.