Santa Teresa, Orgasmos e o 11° Mandamento

Parece que as opiniões veiculadas nesse blog andam valendo alguma coisa. Ganhei outro livro para “resenhar”, que é o verbo que uso para substituir a expressão “ler e viajar na maionese” que, por fim, é uma atividade que gosto muito de fazer. Então, sem querer torrar a paciência do leitor que, se chegou aqui pelo título absurdo do post, vai se decepcionar de qualquer jeito, vamos lá.

Ganhei, já o disse, de uma amiga, com a promessa de que escreveria uma “resenha”, o livro “O 11° Mandamento” de Abraham Verghese. Não li o livro todo ainda, mas o prólogo e o primeiro capítulo já me agradaram. É um romance. E se você é daqueles que acha que ler romances é o mesmo que ler histórias da carochinha, ou seja, uma perda de tempo irreparável, melhor nem começar. O livro é um toledão de 626 páginas.

Começa contando a história de uma freira que era vidrada em Santa Teresa de Ávila (1515-1582). Essa santa escreveu uma autobiografia com o nome sugestivo de “A vida de Teresa de Jesus”. Nela, Santa Teresa descreve uma experiência mística com um anjo como segue (em livre tradução daqui):

“Eu vi em sua mão uma longa lança de ouro cuja ponta parecia ser um pequeno fogo. Ele parecia penetrá-la várias vezes no meu coração e perfurar minhas entranhas; quando ele a tirou, parecia atraí-los para fora também, e deixando-me em fogo, com um grande amor em Deus. A dor era tão grande, que me fez gemer, e ainda assim foi superando a doçura desta dor excessiva, eu não pude querer livrar-me dela. A alma está satisfeita agora com nada menos que o próprio Deus. A dor não é física mas espiritual; embora o corpo dela partilhe. É uma carícia de amor tão doce que agora tem lugar entre minha alma e Deus, que rezo a Deus pela dádiva dessa experiência, que podem pensar que estou mentindo.”

Gian Lorenzo Bernini (1598-1680), um escultor napolitano, que de bobo não tinha nada, fez a escultura abaixo, baseada no relato da santa:

Detalhe Santa Teresa.jpgA escultura chama-se “O Êxtase de Santa Teresa” (clique na figura para aumentar e ver os créditos). Vários autores chamaram a atenção para o fato de que havia muitos indícios de que a freira pudesse estar tendo um orgasmo (ver detalhe ao lado). Muitos até, especulam sobre a possibilidade de orgasmos espontâneos, possível em algumas disfunções sexuais como a Sindrome do Despertar Genital Persistente ou mesmo esquizofrenia. Esse negócio de ficar atribuindo doenças a pessoas com comportamento atípico não é lá muito recomendável [1]. Temos um exemplo bem recente em relação ao que convencionou-se chamar o massacre de Realengo. De qualquer forma, a obra de Santa Teresa vai bem além desses episódios extáticos.

A história de uma freira-enfermeira que, após uma viagem fatídica de navio, conhece um cirurgião inglês (e cuida dele!), mudando totalmente seu destino é
narrada por um de seus filhos! Gêmeos! Além de ficar fascinada por uma santa de hábitos orgásticos e ter filhos, ela marca a história do lugar para onde vai. Só isso, já seria suficiente para despertar algum interesse. Para os que gostam de histórias de médicos da velha guarda, o livro é um prato cheio. Bem narrado e fiel com as descrições técnicas de época, a leitura é bem fácil e prazerosa. Abraham Verghese tem alguns livros de sucesso. Esse, segundo consta, vendeu mais de 1 milhão de exemplares nos EUA. Médicos são bons contadores de histórias. Talvez porque tenham muitas mesmo para contar. Esse livro é sobre a história de médicos. O que também não deixa de ser interessante.

ResearchBlogging.org[1] Rogelio Luque & José M. Villagrán (2009). Teresian Visions Philosophy, Psychiatry, & Psychology, 15 (3), 273-276 DOI: 10.1353/ppp.0.0191