Sobre Candidatos e Doenças

A campanha eleitoral me deu um exemplo bem interessante do que vem ocorrendo com o conceito de doença.

Não sou analista político, mas pelo que tenho visto e (para minha surpresa!) em concordância com alguns autores bem famosões, o debate político foi propositalmente evaporado da propaganda eleitoral. Cada vez mais o objetivo dos marqueteiros eleitorais é “construir” seus candidatos fortalecendo os pontos positivos que têm e “trabalhando” os negativos, de modo a “produzir” uma imagem que seja não só forte, mas que, literalmente, engula a do adversário, angariando o que importa: o voto, tal como um produto a ser comprado. Por impulso, de preferência. O debate político mesmo, tipo esquerda vs direita, oposição e governo, política externa, reforma política, reforma fiscal, etc, etc, este foi para o beleléu faz tempo.

Grosso modo, o caso dos candidatos serve para entender o que aconteceu com o que se pode chamar de “conceito de doença contemporâneo”. A exemplo do que ocorre com o marketing político em relação aos candidatos, houve uma virtualização da doença. A influência da tecnologia, em especial das novas tecnologias de imagem (mas também da nova patologia – depois eu falo mais dela), sobre a racionalidade médica é tão grande que elas passaram a constituir a doença. Se por um lado, isso significa que algumas doenças não podem ser concebidas sem essa “visão tecnológica” o que, por si só, não se configura como uma coisa ruim; por outro, essa abordagem pode, ao levar-nos para um substituto virtual de realidade, ela mesma criar algumas doenças/problemas. A tendência em se tratar os exames é muito grande com todos os problemas que isso possa acarretar. O mais interessante é que vários pacientes PEDEM por isso. O diagnóstico de uma doença baseado apenas em critérios clínicos é muito difícil de ser aceito. “Mas doutor, não há nenhum exame que comprove isso que está dizendo?” Não, não há. O diagnóstico é clínico, baseado APENAS na história e no exame físico.

Se o paradigma de racionalidade fosse simplesmente a ciência, não acho que seria de todo ruim. Mas, nosso paradigma de racionalidade atual é o que a ciência tem de mais hollywoodiano: a tecnologia. Em especial, a tecnologia que aparece na mídia. Visto dessa forma, é muito difícil estar “racionalmente correto” sem a utilização de uma “tecnologia avançada” consensualmente aceita. Já foi o ultrassom, a tomografia, a ressonância. Hoje é o PET, as múltiplas biópsias, os robôs.

Com o perdão da comparação de mau gosto entre candidatos e doenças, o paralelo me foi inevitável. A discussão política passou ao largo, assim como passa a discussão real sobre o impacto de determinado achado de exame na possibilidade de um ser humano específico ser feliz.