Médicos e a BigPharma

big-pharma.jpgA manchete na edição de hoje da Folha de São Paulo (aqui para assinantes) não deixa margem a dúvidas: “Quase metade dos médicos receita o que a indústria quer”. Tirando o fato que a pesquisa foi encomendada pelo Cremesp ao Datafolha e que a Folha conseguiu os dados com “exclusividade” (só faltava essa, né Claudinha!), não vejo porque isso deveria ser a manchete de um jornalão.

Em primeiro lugar, porque é um assunto antigo. Em 2007, o New England publicou extenso artigo abordando o problema. Lá, nos States, 94% dos médicos recebem algum tipo de incentivo dos laboratórios farmacêuticos, número muito semelhante ao nosso. O assunto foi discutido no Brasil, em especial devido ao lançamento do blockbusterA Verdade Sobre os Laboratórios Farmacêuticos” de Marcia Angell, ex-editora do New England Journal of Medicine, no mesmo ano e que aliás, está na 3a edição. Isso culminou com a modificação do Código de Ética Médica, em vigor desde 13 de Abril de 2010, com citações explícitas sobre as relações dos médicos com a indústria farmacêutica em seus artigos 68,69,104 e 109. Segundo, porque é preciso analisar com cuidado as relações dos médicos com os grandes conglomerados farmacêuticos – o que se convencionou chamar de Big Pharma. A reportagem entrevista o presidente do Cremesp, prof. Luiz Bacheschi e Bráulio Luna Filho, cardiologista e coordenador da pesquisa. Ouve a Interfarma (Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa) e a Alanac (Associação dos Laboratórios Farmacêuticos Nacionais). A íntegra da pesquisa pode ser baixada aqui.

O marketing da Big Pharma é um marketing estranho. O público-alvo das campanhas não é o consumidor final, mas sim, um agente (médico) que veicula o produto (medicamento, prótese, procedimento, etc) ao consumidor final (paciente). Essa triangulação não é vista em outras áreas onde um produto precisa ser inserido no mercado. O assédio não vem só desse front. Os médicos empregados em grandes
conglomerados assistenciais (“convênios”) sofrem um tipo de pressão “ao
contrário” desse descrito: aversão total ao novo e, em geral, caro, o
que inibe novas terapias e potenciais benefícios reais que possam vir a apresentar. Qualquer que seja a forma de assédio – e creiam-me os leitores desse blog, elas são inúmeras e a cada dia são criadas novas – qual seria o escudo protetor do médico? Não há outra forma de proteger-se a não ser pelo espírito crítico desenvolvido pelo médico frente aos novos dados e estudos publicados.

Temos aqui um caso em que a Ética é reforçada pela visão crítica do conhecimento produzido. Isso seria inimaginável na época de Aristóteles: como um saber epistêmico influenciaria um procedimento fronético? Daí, a especificidade da filosofia da medicina, mas isso é outra história…

O que eu sinceramente, gostaria de saber é como incutir essa independência de pensamento e crítica com 31 cursos de medicina, só em São Paulo. Chego a pensar que isso sim, foi uma grande jogada de marketing…

Foto:Daqui