M*A*S*H

Existem outros motivos que levam uma pessoa a se decidir por fazer uma faculdade de medicina e se tornar um médico(a), além de um certo tipo de loucura, hehe. Até porque, o fato de fazer uma faculdade de medicina não torna ninguém médico. A “ficha” meio que vai caindo durante o curso, tanto para um lado, como para o outro. Muitos desistem no meio do caminho (alguns até se suicidam!), a maioria “entende” o que é a medicina e acaba entrando no esquema. Outros ficam frustrados depois, mas aí já é tarde.

Dentre os vários motivos listados (ver por exemplo, aqui e aqui), há, sem dúvida, alguns inusitados. Coisas como “meu pai exigiu”, “queria ficar rico”(!) ou “tenho uma família de médicos” ainda são comuns, infelizmente. No meu caso específico, o meu motivo inusitado, nunca escondi de ninguém, foi um seriado de TV chamado M*A*S*H.

O seriado se passa na guerra da Coreia (1950-53) e foi originado de um filme homônimo que, por sua vez, é uma adaptação do livro de Richard Hooker, também com o título de “MASH: Uma novela sobre três médicos do Exército“. M.A.S.H é uma sigla que quer dizer Mobile Army Surgical Hospital, acampamentos com estrutura hospitalar para traumas de guerra que realmente existiram. O “4077th MASH” é o campo onde tudo acontece. A série fez um enorme sucesso e durou de 17 de Setembro de 1972 a 28 de Fevereiro de 1983, quase 11 anos. Este último episódio teve 2 horas e meia de duração e foi, durante muitos anos, o programa de TV mais assistido da história nos EUA: quase 106 milhões de telespectadores. Esse recorde só foi batido em Fevereiro de 2010 pela final do SuperBowl (106,5 milhões). Infelizmente, não tenho notícia desse episódio, que chama-se Goodbye, Farewell and Amen, ter sido exibido no Brasil.

M*A*S*H equilibra o humor sarcástico de Hawkeye Pierce (Falcão, no Brasil) interpretado por Alan Alda e Trapper John (Caçador) de Wayne Rogers, e o drama de participar de uma campanha sem sentido. Ver jovens americanos morrendo e sendo mutilados afeta a rotina de todos. Apesar de ser rotulado de comédia, há muitos episódios dramáticos e melancólicos, como os que Falcão escreve cartas a seu pai. Quando foi ao ar em 1974 pela Bandeirantes, eu era um mísero adolescente e ainda sonhava em ser jogador de futebol. Mas, lá pelas 6 da tarde, eu ficava sentado em frente à TV esperando tocar a musiquinha triste junto com o ruído dos helicópteros. (ouça a música aqui: Mash.wav e um tributo à série com a música cantada com sua letra original, bem pessimista. Só para ter uma ideia, o título da música é Suicide is Painless). Adorava ver Falcão insubordinar-se às rígidas leis do Exército americano para salvar pacientes ou deixá-los de alguma forma, felizes. Sua postura era revolucionária, seu sarcasmo e ironia, infinitos, só rivalizando com sua competência e dedicação. Apesar de mulherengo incorrigível, as mulheres gostavam dele e há um episódio em que a namorada o “empresta” para uma enfermeira solitária (o 13o da primeira temporada “Edwina”).

A série não é sobre médicos DO exército. É sobre médicos NO exército, porque não sei se os primeiros de fato existem. Medicina e guerras são de uma incongruência pérsica, entretanto convivem bem, às vezes até de forma promíscua. As guerras precisam da medicina porque ela é estratégica e um fator que sempre pesa na balança. A medicina, por sua vez, se beneficia das guerras, morbidamente. Sendo a medicina um tipo de humanismo, o Homem, toda sua cultura e tecnologia estão no seu centro. A guerra é o pior dos anti-humanismos pois coloca o Homem e, por conseguinte, toda a sua cultura e tecnologia, contra outros homens o que equivale a dizer, contra si. É como uma auto-imunidade, uma implosão existencial. Um médico na guerra é um E.T. depressivo em busca de sentido para sua existência e suas ações. Pierce é isso. No último episódio ele pira! A intensidade de seus conflitos sublimam-se em ironia, sarcasmo, insubordinação e muita competência e dedicação. Que doença essa! A Medicina… Uma busca de sentido comum a todos os humanos traduzida, porém em dedicação e competência tendo o Homem e suas chagas como medida sofística de todas as coisas…

Antes de querer ser médico, eu queria ser Pierce…

Clique nas fotos para ver os créditos.

Atualização: Alan Alda fez no dia 28 de Janeiro último 75 anos. Que esse mísero post seja minha homenagem a quem tanto me influenciou.