Qualquer gato vira-lata

Assisti ‘Qualquer Gato Vira-Lata (tem uma vida sexual mais saudável que a nossa)’. Uma graça o filme. Aqui, chegou a passar da marca de 1.000.000 de espectadores nos cinemas (a peça homônima de Juca de Oliveira já havia levado mais de 1.000.000 de pessoas aos teatros), mas eu achei que faltou aquele ‘burburinho’. Como o gerado por ‘Ele não está tão afim de você’ ou por ‘Big Bang Theory’. Sim, porque o filme é um tipo de ‘BBT’ da biologia.

Não, na verdade eu entendo porque não houve burburinho. Assistindo o filme parecia até que estava assistindo uma filmagem do VQEB. E como o tipo de coisa que eu escrevo aqui gera polêmica, porque o filme não haveria de gerar?

Polêmica?! Não sei se é a palavra correta. Descrença, talvez seja uma palavra melhor. Desconfiança, melhor ainda.

As pessoas resistem tanto, tanto, mas tanto mesmo, a aceitar a nossa natureza animal e a amoralidade da natureza. E as regras que ambos impõem.

“Não existem regras para o amor! É preciso respeito acima de tudo. As relações sempre vão ser únicas, porque cada pessoa tem uma bagagem diferente, costumes, valores diferentes. O interessante é tentar deixar de ser egoísta, ser mais parceiro, ser mais amigo. Mas o fato de que toda relação é única faz com que não existam regras” foram unânimes em afirmar os atores do elenco.

Não importa se nossos instintos de 1 milhão de anos digam outra coisa, não importa se nossas mudanças hormonais digam outra coisa, não importa se nossa anatomia diga outra coisa. As pessoas preferem negar essas influencias castradoras até a morte. Ou até o divórcio.

Sim, porque se não existem regras para o amor, certamente existem para o desamor. Ou é isso que as estatísticas mostram.

No Brasil, de 1940 até 1990, o percentual de pessoas divorciadas, na população em geral, aumentou 15 vezes (IBGE). O percentual de divórcios era de 1:9 em 1985, 1:4 em 1995 e se aproximou de 1:2 em 2005 (nos Estados Unidos o percentual é de 60% e na Inglaterra de 40%). Mais de 50% dos divórcios é causado por problemas financeiros (Instituto Gallup), 33% dos casais brigam com freqüência por dinheiro e 7,5% brigam sempre por esse motivo (H2R Pesquisas Avançadas). Além do dinheiro, a curiosidade e a fofoca também levam ao fim dos relacionamentos. Mais de 60% dos brasileiros checam o perfil do(a) namorado(a) em redes sociais (TNS Research), com o percentual subindo para 70% quando se trata do(a) ex. No fim de 2009, um em cada cinco processos da Divorce-Online trazia a palavra ‘Facebook’ nos autos.

Olha, eu não estou fazendo propaganda pró ou contra coisa nenhuma. Simplesmente me impressiona que, contra todas as evidências, biológicas e estatísticas, as pessoas continuam achando que o modelo de relacionamento inventado menos de 1 século atrás é o que deve ser. E que se não for, a culpa é nossa, como se dependesse da nossa vontade. Ou do amor. Quando se trata de relacionamento, há muito pouco livre arbítrio.

Queriamos ser bonzinhos, respeitadores, éticos, morais, altruistas, mas somos só humanos.

Isso também não significa que eu seja determinista, como meus amigos cientistas gostam de pensar que eu sou. Os posts do blog que tratam do assunto (veja por exemplo ‘A evolução da moda – parte I e parte II) quase sempre são motivados por conversas de bar entre cientistas, tem argumentação respaldada por diversas referências bibliográficas, divertem, mas são sempre rejeitados pelas mesmas pessoas que levantaram as hipóteses inicialmente.

Claro, cientistas estão acostumados a testas suas hipóteses com o rigor do método científico, e apresentam forte resistência a toda forma de ciência que não segue esse modelo. Mas em algumas situações, outras metodologias podem ser aceitas com quase tanta confiança. A epidemiologia não segue o método científico e auxilia enormemente na prevenção, tratamento e cura de doenças. A evolução por seleção natural não pode ser avaliada pelo método científico mas nem por isso existe qualquer dúvida quanto ao valor dela (bom, a não se entre os criacionistas). Estudar o comportamento humano do ponto de vista zoológico não é uma novidade e foi assunto de um livro incrível, publicado na década de 60 e que eu acabei de ler: ‘O macaco nu‘ de Desmond Morris.

Sexo, agressão, alimentação, colaboração, está tudo lá. Mas em uma das muitas passagens brilhantes do livro, Desmond sugere um pequeno conjunto de regras, que aplicamos em muitas situações. Veja:

“Assim, em qualquer dessas esferas – pintura, escultura, desenho, música, canto, dança, ginástica, jogos, esportes, escrita, discurso -, nos prosseguiremos, para nossa satisfação pessoa e ao longo de toda vida, complicadas e especializadas formas de exploração e de experimentação. Por meio de um treino elaborado, tanto os executantes quanto os assistentes somos capazes de sensibilizar a nossa capacidade de responder ao imenso potencial exploratório que nos é oferecido por tais atividades. Se pusermos de parte as funções secundárias dessas atividades (ganhar dinheiro, criar prestígio etc), elas representam biológicamente quer o prolongamento da na vida adulta das nossas brincadeiras infantis, quer a aplicação das ‘regras da brincadeira’, aos sistemas de informação-comunicação dos adultos.
Essas regras podem resumir-se assim:

  1. investigar o desconhecido até que este se torne conhecido;
  2. impor repetição rítmica daquilo que é conhecido;
  3. variar essa repetição de todas as maneiras possíveis e imagináveis;
  4. selecionar as variações mais satisfatórias para as desenvolver à custa dos outros;
  5. combinar essas variações entre si de todas as formas possíveis;
  6. fazer tudo isso pelo simples gosto de fazer, como fim, e não como meio.

Esses princípios aplicam-se de um extremo ao outro da escala, quer se treate de uma criança que brinca na areia, que de um compositor que trabalha numa sinfonia.”

Podem não ser regras bonitas, mas nos ajudaram a sobreviver por 1 milhão de anos. Achar que elas não servem para mais nada e não nos ajudam mais, é tão ingênuo quanto achar que elas são determinísticas e que vivemos apenas de acordo com elas, sem influência da nossa razão.

Vivemos em conflito. Vivemos tentando gerenciar o conflito. Viver isso é melhor do que viver fingindo que não é assim. Talvez você até se divirta mais.

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