Terminei de ler: 'Uncertainty'
Sim, fiquei um tempão sem escrever aqui. Mas não sem ler.
Entre os livros incríveis que já li esse ano, um chama atenção porque a história poderia ser um blockbuster de hollywood, poderia virar série do Netflix, poderia virar combate como o UFC. Só que um combate de cérebros! A história da descoberta da mecânica quântica e do princípio da incerteza de Heisenberg.
“Desde que Marie-Curie se perguntou sobre a espontaneidade do decaimento radioativo, desde que Rutherford perguntou a Bohr o que fazia o elétron pular de um lugar para outro nos átomos, cresceu o entendimento que eventos quânticos acontecem, em ultima instância, sem nenhuma razão.
O que nos leva a um impasse. A física clássica não pode dizer que o universo ‘aconteceu’, porque nada pode ter acontecido sem que um evento anterior tenha causado o acontecimento. A física quântica não pode dizer ‘porque’ o universo aconteceu, exceto dizer que ele simplesmente aconteceu, espontaneamente, como uma questão de probabilidade mais do que de certeza.
Em outras palavras, Einstein estava certo quando reclamava que a mecânica quântica não poderia dar uma visão do mundo físico que não fosse ‘incompleta’. Mas talvez Bohr estivesse ainda mais certo em dizer que essa ‘incompletude’ era não só inevitável, como talvez até necessária’. Chegamos então a um paradoxo que Bohr teria adorado: somente através de um ato inexplicável de incerteza da mecânica quântica que o nosso universo pode ter chegado a sua existência, disparando uma cadeia de eventos que levou ao nosso aparecimento em cena, nos perguntando que ‘ímpeto’ original nos trouxe a existência”
O que esse belíssimo trecho final do livro de David Lindley ‘Incerteza: Einstein, Heisenber, Bohr e a luta pela alma da ciência’ (que poderia muito bem dar origem a um roteiro de filme) não diz, é que o livro é um destruidor de mitos.
Quando li pela primeira vez que “Max Planck, ao passar em revista a sua carreira no seu Scientific Autobiography, observou tristemente que ‘uma nova verdade científica não triunfa convencendo seus oponentes e fazendo com que vejam a luz, mas porque seus oponentes finalmente morrem [sic] e uma nova geração cresce familiarizada com ela’” (citado por Thomas S. Kuhn em ‘A Estrutura das Revoluções Científicas’, 1962) nunca poderia imaginar que ele estava falando… de si mesmo. E de Einstein e de Schrödinger.
Como eu já sabia que Einstein tinha encrencado com o princípio da Incerteza, não veio como uma completa surpresa para mim a resistência que ele criou. Mas a intensidade da resistência e a dedicação a provar que Heisenberg estava errado, chegando a negar os próprios princípios da sua relatividade geral… me surpreenderam. Mas talvez a maior decepção tenha sido Schrödinger, que também não acreditava no que o mundo pudesse existir sem causa e consequência, ação e reação: qual não foi a minha surpresa ao descobrir que o famoso experimento teórico do gato ‘quântico’ que estaria 50% vivo, 50% morto dentro da caixa foi pensado (originalmente por Einstein) não para ajudar a explicar melhor a mecânica quântica, mas sim para provar que se um gato quântico é impossível (ridículo talvez fosse a palavra mais adequada), então o era toda a mecânica quântica. O cara que eu considerava o ‘pai’ da biofísica, era um bundão!
A triste verdade, é que a história (mesmo o presente) mostra que os cientistas, mesmo os mais honráveis e brilhantes cientistas, quando tem suas filosofias desafiadas, são capazes de dedicar todo o seu intelecto e grande parte do seu tempo a combater as idéias que desafiam suas descobertas ainda que elas contribuam para o avanço da ciência e para a explicação de fenômenos observados quotidianamente.
Michael Shermer no também interessantíssimo livro ‘Por que as pessoas acreditam em coisas estranhas’ dá a explicação: “Não fazemos escolhas utilizando a inteligência; fazemos escolhas em função das circunstâncias, por medo, para ter aceitação dos pares. Fazemos escolhas até ao acaso. Mas depois de feita uma escolha, utilizamos todo o nosso intelecto, todo o nosso arsenal cognitivo e toda a nossa criatividade para justificá-las, por mais estranhas que elas pareçam”.
Dan Ariely, outro grande autor que conheci recentemente, chama atenção na sua palestra no TED para o ‘conflito de interesses’ que criamos, inevitavelmente, todas as vezes que falamos para defender uma posição. Lidar com esse conflito é um desafio para qualquer pessoa, em qualquer situação, mas acredito que é um desafio especialmente grande para os cientistas, que buscam a verdade real e não consensual.
Sorte do Heinsenberg que nunca precisou se preocupar com isso. A descoberta dele foi tão incrível e tão definitiva, que ele nunca precisou defender sua descoberta de si mesmo. Heisenberg seria ‘o’ cara se não tivesse se juntado aos nazistas para fazer a bomba atômica alemã.
Como falei, o livro é um destruidor de mitos.
Onde está o cientista?
O carnaval está terminando e eu ainda não fiz o meu post sobre a(s) folia(s).
Eu ia falar, como todo ano, pra todo mundo usar camisinha, mas esse ano tenho um babado mais forte (mas por via das dúvidas, acabo de escrever um post curtinho e bonitinho falando pra todo mundo usar camisinha).
Eu vou chegar no babado forte, mas queria começar com essa foto clássica de Albert Einstein. Quando ele mostrou a lingua para o paparazzi que o estava atormentando no dia do seu 72o aniversário, acho que não pensou que estaria fazendo um desserviço a ciência. Ele só queria ser deixado em paz e quando o fotografo pediu para ele sorrir, botou a lingua pra fora. Mas acabou se tornando um símbolo da estranheza dos cientistas. Se juntou a tantas outras histórias, mais ou menos verídicas (como a que Einstein tinha apenas ternos iguais assim não precisaria se preocupar com o que vestir e podia utilizar a sua mente brilhante para coisas mais importantes), de como os cientistas são estranhos.
Quando comecei esse blog em 2005 um dos meus objetivos era justamente lutar contra essa imagem esteriotipada do cientista, que infelizmente persiste até hoje. Não que tenha algum problema ser estranhos. E é exatamente esse o ponto: de médico e louco todo mundo tem um pouco! Só que parece que os cientistas tinha mais de louco e isso foi afastando as pessoas, principalmente os jovens, da ciência. E isso não é bom. Principalmente porque não vejo nenhuma foto mostrando o quanto o Silas Malafaia é estranho (e perigoso) e quando 80% dos meus alunos de ciências biológicas se dizem evangélicos.
Ainda que muitas pessoas reclamem do seriado The Big Bang Theory justamente porque ele aumentaria esse esteriótipo, eu discordo. TBBT humaniza os cientistas, que tem suas estranhices esteriotipadas, mas tem problemas iguais aos de todo mundo e, ao contrário do Mackgiver, não são problemas que a ciência possa resolver.
Cientistas, principalmente os cariocas, gostam de cerveja, praia, futebol e carnaval. Entre outras coisas e não necessariamente nessa ordem. E estão em todos os lugares que as outras pessoas estão. Até no melhor bloco de rua do carnaval do Rio, a Orquestra Voadora. Você consegue encontrar o cientista?
Abre parênteses: Só temo que, se conseguir, acabe por confirmar o esteriótipo. Mas não me leve a mal, é carnaval! Fecha Parênteses.
Fazer ciência é legal!
"E eu não quero dar pasto a crítica do futuro"
Me lembrei da frase depois de conversar essa semana com duas pessoas. Ambas assistiram minha palestra sobre escrita criativa no II EWCLiPo: um é um pesquisador renomado e o outro um aluno que sempre enfrentou dificuldades com os rigorosos critérios da academia. Ambos acham que seus textos sempre precisam de mais alguma coisa antes de publicá-los. E nunca publicam.
“Escrever é sobretudo reescrever” falou o Antônio Lobo Antunes na FLIP e eu repeti na palestra. Conclamei todos a criarem seus blogs e começarem, com textos pequenos, falando de momentos ou acontecimentos específicos (como a dica de Fredo “escreva sobre o 1o tijolo, da esquerda para direita, do alto para baixo, do prédio da prefeitura em frente a lanchonete” com a qual conseguiu quebrar o bloqueio de uma aluna em ‘O Zen e a arte da manutenção de motocicletas‘), mas que por favor, começassem a escrever.
A primeira coisa para andar avante em um texto é excluir o medo de errar como critério de qualidade. O medo da critica do futuro nunca impediu Machado de publicar nada. Os cientistas, por exemplo, sempre erraram. Um dos maiores deles, Einstein, acreditava em variáveis escondidas na mecânica quantica e refutava a sua natureza probabilística (o livro Penso, longo me engano está cheio de gafes científicas). Nem o ‘medo da critica do futuro’ deve impedir cientistas ou alunos de escreverem. O que eles sim devem é, como Machado fazia, era apurar o trabalho e o cuidado com a revisão de seus textos. O blog é a ferramenta perfeita para isso.
Quem já leu meus textos viu que a língua portuguesa não é o meu forte: semântica, gramática e ortografia. Meu pai e meus queridos amigos Edu e Bitty são incansáveis revisores dos meus textos, a quem eu sempre agradeço as correções que me fazem. E não são poucas.
Mas eu vou parar de escrever por isso? Não. Vou melhorando meu português aos poucos (porque as demandas são muitas) e prometo que vou contratar um revisor para os textos ficarem perfeitos enquanto isso não acontece.
A questão é que, quem deixa de escrever por medo de errar ou por timidez, está perdendo a grande arma do mundo moderno. A espontaneidade.
A privacidade, como nós a conhecíamos, acabou. Mas para alguns estudiosos isso não é necessariamente um problema (claro que não estou falando dos namorados que filmam suas garotas e colocam depois na internet. Esses continuam merecendo um encontro como capitão Nascimento). Enquanto a TV passou décadas tentando criar esteriótipos para as pessoas seguirem, na web 2.0 cada um fala o que quer e se mostra do seu próprio jeito, com todas as suas particularidades e idiossincrasias. Encontramos de tudo sobre qualquer assunto na internet, isso significa que encontraremos também sobre nós mesmos (ou você nunca digitou o seu nome no google?). Então, porque não ser você mesmo o primeiro a se mostrar?
Quem escreve se mostra. Quem se mostra, arrisca estar errado. Mas também só quem se mostra, mostra o que sabe.
Diário de um Biólogo – Sábado 29/09/2007
“Você quer que eu vá com você?” A Rê perguntou enquanto tomavamos um café da manhã chic, comemorando que eu estava na lista dos “Jovens cientistas do nosso estado” divulgada pela FAPERJ no dia anterior.
“Não… porque você iria querer perder a sua tarde em museu de ciência decadente?”
Téééééééééééé!!!!!! Resposta errada!
Quando disse essa infelicidade, tinha em mente o museu montado em um galpão abandonado que restou das obras do metrô que revolveram nos anos 80 a Praça Saenz Pena, na Tijuca onde eu nasci e cresci.
Quando cheguei hoje no “Espaço Ciência Viva“, atrasado para a exposição dos resultados que meus alunos do curso “formação continuada para professores de 2o grau”, não poderia ter uma surpresa melhor. Um museu pequeno, simples, mas revigorado e bem arrumado. E o que é mais importante: cheio! E o que é mais importante ainda: cheio de crianças!
Todo último sábado do mês, o espaço organiza uma tarde temática, com um monte de professores, pesquisadores, alunos de pós-graduação, graduação, monitores e voluntários ensinavam uma orda de pessoas, de todas as idades, mas principalmente crianças, pelas diferentes opções de contato com a ciência do museu. Desde uma simples garrafa de Coca-cola cheia de água, com furos perto do gargalo, no meio e no fundo da garrafa, para explicar o efeito da pressão em grandes profundidades (ilustrada por fotos dos estranhos seres encontrados no fundo dos oceanos) até uma exposição sobre a visita de Einstein ao Brasil na década de 20, onde foram confirmadas as mais importantes previsões da sua teoria da relatividade espacial.
Sai de lá meio emocionado. Sei do esforço que os professores responsáveis por recuperar o museu fizeram para que ele esteja agora de volta a árdua missão e divulgar ciência para um publico cada vez mais metralhado com consumismo e misticismo.
No próximo mês, sou eu que vou chamar ela para ir.
A realidade e a relatividade
Fui no CCBB ver o Veríssimo (, Luís Fernando) na “Oficina para escritores”. Cheguei mais de uma hora antes, mas a fila já dava voltas pelo salão. Sem chance! Então eu e o JP fomos ver a exposição ‘China Hoje’ e acabamos assistindo duas exposições paralelas sobre fotografia. A primeira tinha o nome do autor, o fotografo espanhol “Chema Madoz” e a segunda se chamava ‘Instantes de Felicidade’.
A primeira foto era do pioneiro Louis Jacques Daguerre. A primeira fotografia com uma figura humana: Um engraxate, que ficou na mesma posição tempo suficiente para ser capturado pela exposição de horas. Na foto, uma movimentada esquina de Paris aparecia vazia. Até esse momento, a foto não registrava o ‘instante’.
Eu devia estar com as palavras na cabeça, porque conforme via as fotos ia só vendo as diferenças entre a realidade e a realidade registrada na foto. E portanto, a relatividade da realidade.
Ao contrário do que podem pensar, a relatividade não é nova, nem foi concebida por Einstein. Galileu havia descrito a relatividade de um evento dependendo da posição de um observador (o clássico exemplo da bola de ping-pong quicando no mesmo lugar pra quem está em frente a mesa dentro do trem, mas formando arcos para quem vê desde o lado de fora, o trem passando). O que Einstein descreveu foi a relatividade especial, aquela que descreve os fenômenos ligados a luz. Tudo que acontece na velocidade da luz está sujeito a uma relatividade especial. E foi ai que ele descobriu a relatividade do tempo e do espaço.
Fotografia é um excelente exemplo de como ciência pode influenciar a vida das pessoas. Por exemplo, a arte, mas também todo o resto. Com a fotografia, a arte deixou de ser meramente representativa da realidade e pode partir para o abstrato. Ao mesmo tempo, foi a necessidade de retratar o real, exercida primeiramente pelo desenho e pela pintura, que motivou inicialmente Nicéphore Nièpce a explorar as possibilidades da fotossensibilidade. O tempo de exposição da fotografia diminuiu de horas para milésimos de segundo. E pudemos guardar o… instante. Para sempre! Depois, foi a fotografia que passou ao abstrato, como nas fotos de Madoz.
Em um dos antigos cofres do CCBB, uma projeção mostrava fotos do julgamento de Klaus Barbie: O Carniceiro de Lyon. Em uma das fotos, ele aparecia como um gentil velhinho. Poderia ser meu ou seu avô. Em outra foto, uma das testemunhas, um senhor chamado Favve, totalmente deformado pelas torturas, parecia um monstro. Mas era, na verdade, uma pessoa doce e gentil, em busca de justiça.
A realidade e a relatividade das imagens continuaram me assolando por toda exposição. Como podemos saber o que é realmente real? Se até o que é fotografado é relativo? (ainda mais nesses tempo de Photshop…)
A grande realidade está no saber. A informação é a única força capaz de alterar o estado da relatividade, transformando ela cada vez, mais e mais, em realidade. Com informação, a imagem de Barbie não pode ser suavizada pela fotografia.
Mas esse pode ser também o problema da informação. Uma vez que você sabe… não dá pra fingir que não sabe. Não dá mais pra relativizar a realidade.
A ciência como nós a conhecemos hoje…
Darwin também causou rebuliço quando, em uma época de grande poder da igreja católica, afirmou que os humanos descendiam dos macacos como resultado de uma guerra evolutiva conhecida como seleção natural. A partir daí a teoria atômica de Bohr, a relatividade de Einstein e a mecânica quântica de Planc e a dupla hélice do DNA de Watson e Crick causaram um fenômeno, talvez, até então não percebido: as áreas estudadas pelos grandes nomes da ciência eram muito distantes da realidade cotidiana do publico em geral, o que contribuiu certamente para o distanciamento do cientista da sociedade e vice-versa.
Antes de Einstein nunca um cientista tinha sido uma celebridade, dado autógrafos ou fugido de tietes. O próprio Watson (o do DNA), reclama em sua recente biografia que, apesar do sucesso de sua descoberta, ninguém o convidava para nenhuma festa.
A sociedade não percebe (e talvez com razão) que a ciência que estuda o 5o pleópodo dos copépodos e descreve o desvio da luz causado pela distorção do espaço próximo a corpos de grandes massas, é a mesma ciência que possibilitou todos os avanços tecnológicos que permitiram o aumento da expectativa e da qualidade de vida. A imagem do cientista recluso que foi Newton (que inclusive nunca se casou e segundo as más línguas morreu virgem) e dos cabelos desgrenhados de Einstein, permeiam o imaginário popular com a idéia de que todos os cientistas são loucos. Isso não é só inferência, mas o resultado de uma pesquisa coordenada pelo prof. Leopoldo de Méis do instituto de Ciências Biomédicas da UFRJ, um dos cientistas mais respeitados do Brasil, com crianças e adolescentes de diversas classes sociais.
Os cientistas de hoje são pessoas normais: adoram tomar chope no buteco, jogar futebol no final de semana e pensam em sexo 98% do tempo, como quase todo ser humano. Sua única loucura talvez tenha sido escolher fazer ciência no Brasil, onde nos últimos 10 anos conseguimos entrar no seleto grupo dos 20 paises que são responsáveis por mais de 1% da produção científica mundial, mas as verbas para ciência são consideradas supérfluas já que o governo considera mais interessante comprar tecnologia do que formar cérebros e cidadãos.
Verdade seja dita, os cientistas tem que fazer sua parte, e dedicar mais tempo para atividades sociais, a terceira perna do tripé universitário conhecido por ensino, pesquisa e extensão. A vaidade científica (talvez a pior das vaidades profissionais, já que dinheiro algum pode comprar o tesão de “saber”), tem feito os cientistas se isolarem em seus laboratórios: “me dêem financiamento e me deixem trabalhar já que vocês não conseguiriam mesmo entender o que estou fazendo”.
Precisamos divulgar o conhecimento científico, fazer marketing com a ciência e dissemina-la para todas as pessoas. Essa é a única forma de combatermos os bispos Macedo, os “Big Brother Brasil”, os Tarots e as Roseanas que adentram nossas casas e derretem pouco a pouco o nosso cérebro todos os dias sem que tomemos consciência disso. É isso que essa coluna pretende daqui por diante.