A tese sobre a escrita da tese

Em um mundo saturado de informação, não basta mais o aluno ‘saber’. Ele precisa saber aprender e saber mostrar o que aprendeu também. Se não souber selecionar informação, se não souber ser preciso, conciso, coeso e coerente, não vai conseguir identificar o que importa do que não importa no mar de informação. E não vai conseguir responder uma pergunta de prova, montar uma apresentação para um processo de seleção, nem sobreviver a uma entrevista de emprego.

Para todos os alunos, a experiência mais comum de produção de conteúdo é a resposta de prova. Por mais namoradas que um cara tenha na vida, ele responderá muito mais questões de prova do que escreverá cartas de amor. Ainda assim, na escola ninguém ensina a gente a ‘responder’ o que o professor está perguntando, o que é uma habilidade tão importante quanto ‘saber’ o que o professor quer saber se a gente sabem ou não. Para alguns alunos, aqueles que chegaram na pós-graduação, as angústias da resposta da prova se multiplicam e se amplificam na hora de escrever a tese. Sim, porque não conheço nenhum curso de pós-graduação que ensine seus alunos a escreverem suas teses (da mesma forma que não ensinam os professores a avaliarem essas teses). É como se escrever fosse uma habilidade natural, com a qual a gente já nasce. Ou um talento, que quem tem está feito e quem não tem… está… perdido.

Com a ‘Oficina de Escrita Criativa em Ciência‘ nós temos tentado mostrar que escrever não é uma questão de talento, é uma questão de prática, porque envolve uma coisa que não se ensina mas se pratica, que é critério. Então pra melhorar a sua escrita você precisa primeiro querer escrever melhor e depois… escrever!

Mas ainda assim as pessoas tem dificuldade. Escrever, como disse a Bruna Surfistinha, ‘É uma questão de coragem’, coragem de se expor, coragem de errar. E muita gente não tem essa coragem. Mas ainda assim temos que escrever. Então nós criamos o ‘roteiro do bioletim‘ que deveria ajudar as pessoas a selecionar informação de uma maneira amigável. Com a experiência, descobrimos que nem com o roteiro do Bioletim as pessoas escrevem. Por mais que ele te ajude a organizar as idéias, ele não ajuda a diminuir o medo e ele não pratica por você: você ainda tem que buscar fontes, identificar seu público alvo, escrever, rescrever… dá trabalho.

A segunda constatação é que quem tenta escapar do trabalho… não escreve. Ou não escreve bem, o que, em um mundo saturado de informação, acaba dando no mesmo (porque ninguém vai ler). Essas pessoas não vêem valor no roteiro do Bioletim porque ele é um roteiro sem ser um guia. Ele te diz ‘o que’ tem de ser feito, mas não diz ‘como’. Ele estabelece limites (de seções, de tópicos, de número de parágrafos, de palavras por parágrafo), te ajuda a escrever um primeiro rascunho (que é a parte mais complicada para a maioria das pessoas) mas não há garantias de que você selecionou a informação corretamente e nem que o artigo produzido seja interessante. Ou que alguém vá querer ler. Nunca há garantia de que o resultado tenha sido bom.

As angustias vão se acumulando e quando você vê, está na hora de escrever a tal da tese e você não tem idéia do que fazer. Ou melhor, tem sim: quer escrever a tese da mesma forma que você ‘lê’ a tese. Você quer começar pela introdução, depois os objetivos… e terminar na discussão e nas conclusões. Na verdade, você senta no computador e quer escrever o título, fazer a folha de rosto e escrever os agradecimentos. E quer deixar as referências por último. TUDO ERRADO! Não é assim que se escreve uma tese. Quer dizer, pode até ser, mas é bem mais difícil, ainda que dê menos trabalho.

Ops, como é que pode ser mais difícil e dar menos trabalho?! Bom, leia aqui o texto “Foi o Google quem disse…’ pra saber porque um texto mais curto dá mais trabalho pra ser escrito. Quanto menos trabalho você coloca no texto, pior ele fica e mais tempo leva para ele ficar bom. De novo, não tem como fugir do trabalho para produzir um bom texto. Mas se você quer seguir a sua ‘intuição’ ou se quer ‘esperar a inspiração’ então boa sorte. Você vai precisar.

Mas se quer escrever uma boa tese, é assim que se faz:

  • Escreva um rascunho respondendo os ‘sete lugares do pensamento’ pra sua tese. Se você já fez a ‘Oficina de Escrita Criativa em Ciência’ vai ser fácil. Se não fez, você pode estudar alguns textos sobre o assunto que estão compilados no livro digital que nós produzimos para a oficina e tentar. Esse rascunho será o seu ‘mapa’ para escrever a tese mais rápido e melhor.  Vai te dar direção e permitir que você corrija desvios no caminho. Responda cada pergunta com uma frase de no máximo duas linhas. Você pode imprimir essa 1 página e colar na parede atrás do monitor do computador. Esse mapa será seu companheiro pelas próximas semanas.
  • DEPOIS (e só depois) de responder as sete perguntas dos lugares do pensamento, escreva uma versão reduzida, de 3 a 5 páginas, da sua tese. Essa versão é pra você contar a história da tese e não pra fazer um resumo dela. Conte como começou, qual foi o primeiro experimento, como você progrediu, o que aconteceu depois, quais foram os experimentos que se seguiram, o que você aprendeu, o que precisou estudar, o que descobriu… O mais importante nessa versão é que ela tenha começo meio e fim, ao invés de Introdução, M&M, Resultados e Discussão. Essa versão não servirá de base para a tese, mas vai te ajudar a criar um fio condutor para suas idéias que te ajudará enormemente durante a produção do manuscrito
  • Isso tudo você pode fazer mesmo antes de ter terminado todos os resultados. Mas para começar a escrever a tese mesmo, é importante ter todos os seus resultados (ou quase todos) prontos. Isso porque a tese, se começa a escrever pelos resultados.
    • Organize seus dados em tabelas e gráficos. Pode organizar os mesmos dados em tabelas e em gráficos para depois decidir qual deles permite uma compreensão melhor dos resultados. Nesse caso a primeira etapa é escolher qual gráfico é mais adequado para os seus dados.
    • Gráficos de barras são adequados para variáveis que ‘saem’ do zero e ‘chegam’ a um valor. Crescem ou decrescem. Valores pontuais, obtidos de replicas técnicas e biológicas, que são muito comuns em experimentos na área biomédica, devem ser representados por gráficos do tipo box-plot.
    • Não, nem tudo na vida é normal. Muito menos nos seus experimentos em laboratório. Se você não sabe muito bem o que está fazendo, então use boxes com mediana e quartis. Visualmente você já vai ter uma idéia a distribuição (normal ou não) de cada grupo de dados. E é justamente ai que, nesse grupo de dados, que deve ser testada distribuição a priori e não nos conjuntos de todos os dados para uma variável. Abre parênteses: Um erro comum é ‘agrupar’ todos os dados de uma variável (controle, tratado, tempos, réplicas) e avaliar a normalidade desse conjunto de dados. Isso está errado! Você tem que avaliar a normalidade em cada grupo de dados que será utilizado para calcular a média e o desvio padrão que serão utilizados para comparação entre esses grupos em um teste de hipótese. Como a maior parte das pessoas usa um n=3 para suas réplicas biológicas, são esses 3 míseros dados que devem ter a normalidade testada. Como você verá muitas vezes o software nem consegue fazer isso e se ele te diz que os dados são normais… não confie. Fecha parênteses
    • Se você não tem muita certeza do que está fazendo, use o teste não paramétrico U de Mann-Whitney para comparar qualquer dois grupos que te interessem e regressão de Sperman-Karber para ver a dependência entre duas variáveis contínuas. Se houver diferença mesmo, ela vai aparecer do mesmo jeito que na análise paramétrica usando média e desvio padrão, só que você não corre o risco de criar diferenças quando elas não existem, e nem de passar vergonha na hora que a banca te perguntar porque você usou uma coisa ou outra.
  • Depois dos resultados, escreva as conclusões. Em tópicos numerados, com base nos resultados como foram descritos acima.
  • Depois das conclusões, os Objetivos. Também em tópicos identificados por letras.
  • Associe os objetivos (letras) e as conclusões (números). Não pode ter objetivo sem conclusão ou conclusão sem objetivo. Todo objetivo deve ser respondido por (pelo menos) uma conclusão. Toda conclusão deve estar associada a pelo menos um objetivo.
    Volte ao mapa da tese e confira se objetivos e conclusões estão dentro dos sete lugares do pensamento. Faca ajustes no ‘mapa’ se necessário (mas se o seu mapa foi bem feito, é mais provável que você tenha que fazer ajustes nos seus objetivos e conclusões).
  • Faça um mapa conceitual da sua introdução. Mapas conceituais são uma técnica que ainda não tratamos na oficina de escrita, mas que você pode estudar um pouco sobre ela aqui. Ela ajuda a identificar os os núcleos conceituais que devem estar na introdução, e que são aqueles necessários para que o leitor entenda os objetivos, os métodos e os resultados do seu trabalho. Abre parênteses: Você não precisa dizer tudo para o leitor: defina quais as ‘ lacunas’ você espera que o leitor preencha e quais você vai preencher pra ele. Não trate o leitor como burro: se ele já deve saber alguma coisa, ou se é de domínio publico, você não precisa dizer. Lembre-se também que seu público, na tese, é limitado e especializado. Fecha parênteses.
  • Faça outro mapa conceitual para a discussão. O mapa conceitual ajuda a estabelecer relações, filtrar informação e sair da confusão geral da cabeça. Te permite também corrigir depois o texto corrido.
  • Na discussão, seus resultados vem SEMPRE primeiro. Levantamento bibliográfico é pra ser feito na introdução. Na discussão, discutimos o SEU dado, e não tudo que já foi feito no mundo.
    Abre parênteses: a discussão é um delicado equilíbrio entre o que os seus dados deixam e o que eles não deixam você dizer. Até onde a evidencia permite que você vá e até onde você e eu permitiremos que a especulação vá. Além dos resultados, isso será avaliado na tese.dizer menos do que os dados permitem, não extraindo conclusões, é ruim, talvez até pior, do que expectar e inferir sem lastro experimental e estatístico. Fecha parênteses.
  • E os dados mais importantes vêm sempre antes dos dados menos importantes.
  • Pronto. Agora você pode fazer todo o resto, que é escrever sumário, resumo, referências, título.

Fazer desse jeito vai te dar trabalho, mas te garanto que você não ficará nenhum dia olhando para o computador perdido sem saber que fazer. As correções serão menores também. Se você ainda tiver alguma dúvida, dê uma olhada no post ‘check-list‘, onde eu já discuti quais os critérios que um aluno deve usar para saber se a tese dele está ‘pronta’ para a defesa.

Fantasia e Concretude

Essa semana voltei aos meus tempos de adolescente e dei uma de tiete, igual aqueles malucos que vão pra fila da Madonna, 3 dias antes do show, pra pegar o primeiro lugar na fila. O show era a palestra do sociólogo italiano Domenico de Masi, em Curitiba.

Quem me apresentou Domenico foi meu amigo Milton Moraes e depois que eu li ‘A emoção e a regra’, minha vida não foi mais a mesma. Comecei a me interessar muitíssimo pelas razões que tornam um grupo criativo e o interesse apenas aumentou com o tempo. Hoje eu já li quase tudo que Domenico de Masi publicou e como eu escrevi aqui, ainda estou no meio de Fantasia e Conretude, um calhamaço de 1000 páginas sobre a criatividade.

Apesar de Domenico vir com regularidade ao Brasil, assistí-lo não é fácil. Como um dos homens que previu a falência do sistema de trabalho industrial no mundo pós-industrial, hoje ele é requisitadíssimo por grandes empresas para falar para executivos de alto nível sobre como eles devem gerir seus recursos humanos. Assistir uma palestra do Domenico de Masi pode custar R$1.500,00!

Mesmo assim, de vez em quando eu entro no seu site (www.domenicodemasi.it) pra dar uma olhada na agenda dele. Quando fiz isso no sábado passado, vi que ele estava no Brasil, mais especificamente no Paraná, e que falaria em Curitiba na 4a e 5a feira. Fiquei agitadíssimo, como fiquei para a palestra do Richard Dawkins anos atrás, como fico toda vez que a Madonna vem ao Brasil. Sem pensar muito, cancelei minhas aulas, comprei uma passagem e fui pra Curitiba, determinado a dar um jeito de assistir meu ídolo. Aos 42 minutos do segundo tempo, consegui a confirmação que poderia assistir a palestra exclusiva para professores da PUC – Paraná e gestores da Volvo do Brasil que ele daria na própria universidade.

No auditório cheio, resolvi dar um gostinho pra quem não estava lá e minha primeira transmissão ao vivo pelo twitter. Sei que pelo menos @alesscar e @srehen seguiram 🙂 Ao contrário do Richard Dawkins, Domenico é uma simpatia, conquistou a platéia, deu uma palestra interessantíssima e no final foi rodeado por uma orda de professores (principalmente professoras) querendo fotos e autógrafos. Eu fiquei com vergonha, achando que era mico, mas fui lá apertar a mão dele e convidá-lo para participar da próxima edição do PRIMO’s next, a escola internacional de pós-graduação que organizamos todos os anos.

Pra quem ainda não acompanha o @vcqebiologo ou não conseguiu seguir a transmissão #domenicodemasipucpr, eu resolvi compilar os twitts, algumas pérolas, aqui no VQEB. Espero que vocês aproveitem.

  • Sou NERD mesmo… Parece que vou ver a Madonna, mas é o Domenico de Masi
  • Será que ele vai falar alguma coisa que não esteja nas 1000 páginas de ‘Fantazia e Concretezza’?
  • Quantas vezes as autoridades vão repetir o título antes do início da palestra?
  • Criatividade é começar! Não tentem produzir o processo completo. Ajustes são feitos no caminho. (Jaime Lerner)
  • De onde viemos, p/ onde vamos e o que temos p/ o Jantar? W Allen Ñ adianta pensar gde problemas se ñ resolvemos os pq
  • A luta entre Tesis e Metis. A luta entre Corbusie e Niemyer. A luta entre a reta e a curva.
  • Qdo Marx escreveu ‘o capital’ 94% dos trabalhadores de Manchester trabalhavam com as mãos
  • A principal característica da sociedade industrial é o colonialismo: quem produz coloniza quem consume
  • 5 fatores de inovação: globalização, difusão da escolaridade, perdi os outros
  • Mesmo quem nasceu em uma sociedade industrial vive hoje já em uma sociedade pós-industrial
  • Hoje apenas 1/3 dos trabalhadores usa as mãos. 1/3 trabalho intelectual repetitivo e 1/3 trabalho intelectual criativo
  • Hoje a palavra ‘trabalho’ se aplica a diferentes atividades. Mas tratamos todos os trabalhadores do mesmo jeito
  • ‘como explicar a minha mulher que qdo olho pela janela estou trabalhando’?
  • Gestores de recursos humanos das empresas não evoluíram da sociedade industrial para a pós industrial
  • as pessoas estão sempre infelizes n trabalho
  • Nos países latinos apenas os homens fazem carreira. As convenções parecem o gay pride
  • vale ainda o princípio do iluminismo onde o que vale é a racionalidade. O que é emotivo é ruim e… Feminino
  • o homem que tanto se dedica ao trabalho… Morre mais cedo!
  • Marília Zaluar e Silvana Allodi iam adorar isso
  • assim como neurônios não crescem: estabelecem novas conexões, como serão as conexões entre os 7bi de cérebros em 2020?
  • não se é velho enquanto não se perde a vontade de seduzir e de ser seduzido. O que nao acontece aos 60 anos
  • a cultura enriquece as coisas de significado. Quando sei que o pêssego veio da China, Japão e Pérsia, ele parece + doce
  • no mundo, aprendemos a produzir cada vez mais com cada vez menos trabalho. Isso é difícil de explicar no Brasil
  • difícil explicar no Brasil: quanto mais riqueza em um pais: menos trabalho
  • o aumento da tecnologia tira o trabalho. Para resolver o problema, temos que diminuir as horas de trabalho
  • em 2020 a tecnologia tornará o adultério impossível! 🙂
  • gdes empresas farmacêuticas estão investindo em drogas ante-ciúmes!!!
  • Enquanto a sociedade industrial pensava em organizar o trabalho, agora temos que organizar o tempo livre
  • Berlusconi, por exemplo, só tinha ‘problemas de tempo livre’
  • o carnaval do Rio é um grande exemplo dessa ‘organização’
  • Produção contemporânea de riqueza, saber e alegria: isso é o ócio criativo – Não a preguiça
  • em 2020 a sociedade será andrógina. Mulheres cada vez mais masculinas. Homens mais masculinos
  • a sociedade pós-industrial depende fortemente da ética e respeito, pq depende de serviços, que dependem de confiança
  • os ‘analógicos’ principalmente os anciões tem medo de tudo que é novo: computadores, redes, gays, tudo que é novo
  • Eraclito: é no repouso que as coisa se acomodam. É importante incorporar a inovação com ‘leveza’
  • se dependesse de mim seria sempre imaturo no relacionado as idéias -Rob Freire. Estar sempre abertos a novas idéias
  • não se pode pedir aos homens, ou a quem não esta no poder, de deixar o poder
  • fazem carreira as mulheres que tem mentalidade andrógina. O desafio das mulheres e mudar a organização das empresas
  • as empresas são lugares de sofrimento. A mulher tem que mudar a organização e até lá é melhor ter homens no poder
  • o poder é tomado com ‘graça’ ou com a revolução
  • os bancos nasceram na Itália, no séc XII, junto ao purgatório, para gerir os recursos do ‘indulto’ pago a igreja
  • o paraíso é um paradoxo: todos querem ir pra lá, mas o mais tarde possível!
  • “não digo a vocês como é o paraíso de Maomé, porque senão todos se converterão ao islamismo”
  • em nenhum ‘paraíso’ se trabalha!
  • O futuro é dos humanistas. Bastam poucos engenheiros pra planejar e poucos operários para produzir, mas…
  • … Precisamos de milhares de humanistas para colocar conteúdo lá dentro. O outros milhões para usa-lo.
  • escola de música de Antônio Abreu na Venezuela. Platão já dizia que o mais importante a ensinar, é a música
  • Bolschoi Brasil em Joinville, escola em foz do iguaçu, músicos do sertão brasileiro. Todos exemplos do futuro da escola
  • governo Berlusconi foi a primeira ditadura mediática do mundo: a violência nãoo é física. A tortura é intelectual
  • na ditadura mediática, o governo faz o que o povo quer, que faz o que a TV sugere, que sugere o que o governo quer
  • a genialidade é feita de grande fantasia e grande concretude. Hoje temos muitos com excesso de um ou outro. Ñ de ambos
  • a bossa nova no Brasil é um grande exemplo de criatividade pós-industrial
  • em foz do Iguaçu, a natureza das cataratas competem com o humanismo da hidrelétrica de Itaipu. Eu já tinha dito!
  • na universidade há sempre a luta entre a inteligência e a imbecilidade. Ambas são infinitas! Ainda que com ‘violência’
  • o maior inimigo do criativo é o burocrata. Os burocratas são sempre seguros pq pensam ao passado
  • os burocratas são sempre amigos de Burocratas. Deus foi criativo! (como deus nao existe…)
  • a única arma contra os burocratas é a ironia: a arma dos gênios e dos criativos

Pra quem ficou com gosto de ‘quero mais’, se tudo der certo, teremos ele novamente no Brasil em Outubro, dessa vez patrocinado pelo VQEB.

Diálogo

Meus amigos inteligentes, e eu tenho muitos, são uma constante fonte de inspiração para mim. Mas  também de inquietação. Uma inquietação produtiva, como eu já descrevi aqui.

Nesse feriado prolongado chuvoso que termina hoje com a previsão de sol para amanhã, eu tive que defender a ciência em roda de samba e mesa de bar (só faltou estádio de futebol, mas eu estava na mesa de bar vendo o jogo – sim, porque se o Vasco perdeu, então a taça Rio não era final, porque não é campeonato pra ter campeão e vice – e não é mesmo!) de amigos brilhantes mas que não são tão nerds quanto eu.

A questão é simples: quanto tenho um argumento ‘científico’ para uma discussão qualquer (como a que eu estava tendo domingo com o matemático Fernando Goldenberg na praça São Salvador, no Rio, sobre a formação de comportamentos sociais a partir de instintos biológicos, enquanto as garrafas de Bohemia se empilhavam na mesa na mesma velocidade dos contra-ataques do Botafogo) me encho da força, da convicção e até mesmo da contundência que um argumento científico proporciona (muitas vezes pelo menos). Bom, as vezes um pouco da arrogância também.

E foi com essa convicção que eu estava afirmando que, por mais que eu adore e seja fã da psicanálise, não posso considerá-la uma ciência. O conhecimento e o sucesso obtidos por essa prática não obedecem os requisitos para serem considerados ‘científicos’ (basicamente, serem obtidos pelo ‘método científico’). E por isso, essa prática não pode ser considerada ‘ciência’.

“Mas o que é ciência então?” perguntou o Fernando

“Ciência é o que você obtém por um processo que, quando repetido ou replicado, alcança o mesmo resultado” eu respondi.

“Mas isso então exclui todas as ciências sociais como ciência” ele retrucou

“Exatamente” eu conclui, para desespero da minha amiga Alba Zaluar, caso ela venha a ler isto.

Mas o Fernando, além de matemático, foi dono de bar (do Estephanio’s Bar na Tijuca, o melhor bar do mundo), o que o torna mestre, doutor PhD e pos-doc em sociologia, sociopatia, antropologia, antropofagia, antropomorfia e o que mais você quiser. E não se entrega fácil.

“Mas a verdade científica muda. Sempre mudou. O que é verdade hoje não é mais amanhã” ele constatou.

“Sim, porque o método científico aceita a incerteza.” disse enquanto abria mais uma garrafa de Bohemia.

“Então meu amigo, se o que você chama de ciência aceita a incerteza, porque não podemos aceitar que as ciências sociais, que são cheias de incerteza, também sejam ciência?”

Touche! Nunca tinha pensado nisso. Ou melhor, tinha sim, lendo, no ano passado, um livro que peguei emprestado do próprio Fernando, e que já resenhei aqui: O último teorema de Fermat. Nesse livro incrível, que, além dde contar a epopéia do inglês Andrew Wiles na resolução do maior problema do mundo, conta também uma excelente história da matemática, o autor discute logo no início do livro a questão da prova absoluta.

“Em matemática, o conceito de prova é muito mais rigoroso e poderoso do que o que usamos em nosso dia-a-dia e até mesmo mais preciso do que o conceito de prova como entendido pelos físicos e químicos. (…) Os teoremas matemáticos dependem deste processo lógico, e uma vez demonstrados eles serão considerados verdade até o final dos tempos. A prova matemática é absoluta.”

Como cientista, eu me treino, e treino os outros, para reconhecer, compreender, aceitar e finalmente lidar com a incerteza. E sei, portanto, que por causa dela, a prova científica nunca será definitiva como a prova matemática.

“Aceite Mauro, só a Matemática pode ser chamada de ciência!” Um pavor tenebroso percorreu todo o meu corpo. Era o terceiro gol do Botafogo e sob o efeito do álcool, que eu sou capaz de explicar ao nível bioquímico e molecular, um pilar das minhas certezas estava para ser demolido: teria eu de parar de chamar a biologia de ciência? Também não me entregaria facilmente.

O que mais me incomodava no argumento do Fernando era o fato da matemática em si não ser uma ‘ciência’. Quer dizer, é, mas há controvérsias. Pelo menos na minha cabeça. A matemática é um sistema lógico criado pelo homem. Ela também fornece um conjunto de ferramentas que são utilizadas pelas outras ciências para explicar o mundo. O estudo desse sistema lógico em si (a matemática) pode ser considerado uma ciência (a única capaz de dar provas absolutas) mas ela também é a única ciência que usa as próprias ferramentas que constituem esse sistema lógico para estudá-lo e explicá-lo. A matemática é, até certo ponto, no meu entender, um argumento circular. Isso era um argumento para contrapor qualquer afirmativa do Fernando, mas ainda assim, isso não retrucava o argumento dele, que nesse momento se deliciava com a cerveja gelada e com a minha angustia.

“Fernando, a diferença é que a incerteza do que eu me permito chamar de ‘ciência’ está na ‘medição’. São nossos sentidos e instrumentos que são imperfeitos e sujeitos a imprecisões, não os objetos dos nossos estudos ou o sistema lógico do método científico. Já nas ciências sociais, a incerteza está justamente nesses objetos de estudo. Eu posso não saber a posição e a velocidade de um elétron, como diz o ‘principio da incerteza’, porque não tenho como usar nada menor do que um outro elétron para fazer essa medição e a interação entre eles impede o registro perfeito ou completo das variáveis. Já nas ciências sociais e humanas, além da incerteza na medição (causada pelo fato da observação influenciar no comportamento do observado) nós temos a incerteza no objeto: você nunca sabe o que um homem vai fazer. Pior, o próprio homem nunca sabe o que vai fazer até que a situação apareça e um processo complexo e nem sempre racional, leve a decisão. Nas ciências naturais eu posso conhecer a incerteza (e eventualmente lidar com ela), nas ciências sociais, não. Por isso os processos nunca levam ao mesmo resultado, por isso não são reprodutíveis e replicáveis e por isso não são ciência.”

O argumento foi bom o suficiente para que os dois parassem a discussão (ou foi a menina de shortinho curto e camiseta apertada do botafogo que atravessou o bar que distraiu nossa atenção?!). Brindamos com a saideira e mudamos de assunto. Voltei pra casa triste com a derrota, mas não derrotado. O pilar continua firme, posso continuar implicando com o pessoal das ciências sociais, e como meu time não está ‘de férias’, posso pensar no próximo jogo que é da Libertadores. E na próxima discussão. Dessa vez, 4a feira, no bar do Macarrão, em São Januário.

 

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