Como contar uma história sem usar uma palavra
O cérebro é realmente incrível e mais incrível ainda é como a nossa mente funciona utilizando as coisas que vemos e sabemos como peças na criação de coisas novas.
Como professor e empreendedor, eu tenho me defrontado com o constante desafio de dizer as pessoas o que eu faço, usando o menor tempo possível e causando o maior impacto possível. Homens de negócio e investidores tem pouco tempo, alunos tem pouca atenção. Se você não causar impacto imediato: Bum! Perdeu a sua chance.
Assuntos complexos não ajudam. Biodiversidade, biotecnologia, engenharia genética, são coisas que as pessoas tem dificuldade de entender mesmo depois de uma vida de estudo. Mas isso só torna o desafio mais importante. Ainda assim, muito difícil.
Mas as vezes tudo que a gente precisa é saber que é possível. Sabendo que é possível, é muito mais fácil acreditar e perseverar na busca do objetivo.
E foi com um quadrinho do Calvin que eu descobri que era possível. Nesse quadrinho genial, Bill Watson explica que nas tirinhas de domingo, onde o espaço dele no jornal é maior, ele pode explorar mais nuances e eliminar completamente o diálogo.
A história de Calvin tem todos os elementos importantes da narrativa (situação inicial, personagens, conflito, conclusão) e responde todas as perguntas do lead jornalístico e da retórica greco-romana: o que, quem, como, quando, onde, porque. Tudo isso Sem Dizer Uma Palavra!
Tomei para mim então o desafio de contar a história do que fazemos no nosso laboratório e empresa em apenas uma página e sem usar nenhuma palavra. Um quadrinho que pudesse ser usado em qualquer país, lingua, cultura, com clareza e precisão, do mesmo jeito que Bill Watson fez com as peripécias de Calvin.
Falei com a unica pessoa que seria capaz de colocar essas minhas idéias doidas no papel: Julia Back, a melhor designer do mundo(!), que não se intimidou com o desafio (que não era só de criação, mas também de tempo: tinha que ficar pronto em 3 semanas.
Seguindo a estrutura do Bill Watson, mandei um roteiro para Julia com uma descrição de uma linha para cada quadrinho. O resultado superou as expectativas. As minhas pelo menos.
Educar para a ciência não é trabalho de ‘alguém’. Todo cientista precisa se dedicar a contar a sua história de forma que todo mundo possa entender.
Recortes de "Uma palavra depois da outra – o processo da escrita"
“Quando eu dou aula, e dou aula frequentemente, digo aos meus alunos: – ‘Vocês tem que escrever todos os dias e escrever pelo menos duas horas por dia.’ Eu espero que eles nunca me perguntem, porque eu não consigo fazer isso. Eu entro em comas e passo meses sem escrever, e depois eu explodo e escrevo por 10h, 12h por dia. Mas isso não muda nada, se vocês quiserem ser escritores, tem que escrever todos os dias, 2h por dia” Dennis Lahane, EUA (2007).
“Eu devo dizer que, na parte que me toca, e quanto a estrutura propriamente dita, eu vou deixando que as coisas aconteçam. E quando digo isso, não faço nenhum apelo a espontaneidade. Quando digo que não faço estruturação prévia, não quer dizer que ela não seja feita. Ela é feita a um nível subliminar, mas que já implicou muito esforço. É como se da realidade que é captada envolta, das vivências, captadas também, minhas e dos outros, é como se houvesse uma decantação e tudo isso fosse parar a um laboratório oculto, interior, onde passa por retortas e crisóis, até ser transfigurado e refeito, aparecer de novo, eventualmente, em certa madrugada, já elaborado, essa elaboração não é por intervenção divina, tem a ver com muitas leituras e talvez, isto pode ser uma peculiaridade do escritor com algum poder de captação, ou roubo, de palavras, de textos, de imagens.” Mario de Carvalho, Portugal (2006).
“Na maior parte das vezes, a inspiração chega quando você acaba de trabalhar. e então pensa, ‘ah… tenho aqui ainda está coisa… mas não vale a pena escrever agora… eu vou me lembrar amanhã…’ e ai você esqueceu. Como aquelas vezes em a gente está naquele estado crepuscular, entre o dormir e o acordar está meio dormindo. que de repente tem a sensação que compreendeu o mundo e compreendeu o segredo da vida e do mundo. Mas tem consciência que está dormindo e que quer acordar. e a medida que vai caminhando para a superfície vai perdendo tudo e quando chega cá acima, já não tem nada e então, o que eu pensava era, como é que eu posso conseguir um estado parecido com esse, de maneira as coisas fluírem mais facilmente e então percebi que através do cansaço acontecia isso. As 2h-3h primeiras horas são perdidas, porque os seus mecanismos lógicos e a sua polícia política interior ainda estão funcionando.” Antônio Lobo Antunes, Portugal (2009).
“Eu lanço as minhas mãos na maquina, com a ambição que elas escrevam sozinhas. Eu procuro estar ausente dali. De preferência tomo dois whisks, ou não tomo, mas tento estar ausente dali, tentando me aproximar da escrita inconsciente. Depois eu pego aquele material e tento relacionar com tudo aquilo que eu sei.” Domingos de Oliveira, Brasil (2009).
“Eu uso a metáfora da escultura para indicar a necessidade de remover, mover e distruir parte da pedra para exibir a forma. Você realmente escreve por remoção. E o meu trabalho é o de apagar e não de escrever. Eu costumo dizer que qualquer um pode escrever. Que escrever é fácil. A arte está em apagar o que foi escrito”. Amós Oz, Israel (2007).
“O primeiro rascunho de um romance é sempre excitante. Mas depois… vira… matemática. Ah, acabo de descobrir que usei a mesma palavra, duas vezes na mesma frase… e ai vem… como faço pra não usar essa palavra duas vezes… e não parecer um amador… e pegar o ritmo das frases… então eu me divirto no primeiro rascunho, e ai tenho uma vida miserável durante o 2o, 3o, 4o, 5o, 6o… e lá pelo 7o… começo a me divertir de novo.” David Sedaris, EUA (2008).
“Você se lembra aquele poema que Cabral fez sobre Graciliano Ramos, aquela primeira quadra, eu acho que todo aspirante a escritor deveria ler, deveria ter essa quadra bem em frente. Que é mais ou menos assim. Escrevo somente com o que escrevo, com as mesmas 20 palavras, que giram ao redor do sol, que as limpam do que não é faca. Então você tem que começar a aprender a tirar tudo que não é gordura. porque há palavras que existem para não serem usadas. Advérbios, advérbios de modo… horríveis, né?! adjetivos. O Cortaz já dizia: os adjetivos, essas putas! E tentar escrever cada vez mais no osso e tirar tudo aquilo que não é faca, como diz o Cabral”. Antônio Lobo Antunes, Portugal (2009).
“Nem todos são capazes de escrever. De contar uma história. Alguns são capazes de fazer isso oralmente e uns outros poucos por escrito.” James Salter, EUA (2009).
“O meu trabalho como poeta é sempre uma descoberta. Eu, naturalmente, adquiri alguma habilidade, pela fato de muito escrever” Ferreira Goulart, Brasil (2006)
“Todos são capazes de contar uma história. E se você pedir a qualquer pessoa em uma sala que se levante e conte uma história da sua vida, ele provavelmente fará você arrepiar seus cabelos! Contar histórias é uma função humana natural, assim como o desejo de falar é uma função humana natural. É claro que que toma tempo organizar todas as palavras na página na ordem correta e todas essas coisas. E é claro que você tem que fazer isso. Mas pra que exagerar a dificuldade em fazer isso?! É uma função natural e espontânea, como falar, cantar, comer.” Hanfi Kureishi, Inglaterra (2003).
“É muito bom chegar num momento em que a gente conhece o ofício da gente. que a gente sabe o que a gente faz. É chegar na prancheta e não ter medo do tema, do que te encomendaram.” Angeli, Brasil (2004).
Para vencer a astrologia
Em 1990 eu estava no segundo ano da universidade quando fui pela primeira vez a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Era o meu primeiro Encontro Nacional de Estudantes de Biologia (ENEB). Fui com Milton Moraes, hoje coordenador da pós-graduação da Fiocruz e mais uma galera da Bio UFRJ. Ninguém sai impune de um ENEB e eu certamente não sai. Fui a todos os outros durante toda a minha graduação (e alguns depois dela também). Fiz ali amigos para o resto da vida como minha querida Nádia Somavilla, que então era aluna de Biologia da Universidade Federal de Santa Maria. ‘Dançando Lambada’, do Kaoma, era o hit do momento (em todo o mundo) e eu lembro super bem de tantas coisas desse evento, que é de questionar se tudo que eu li esse ano sobre a fugacidade da memória é verdadeiro. Dormíamos no chão das salas de aula e o banho era frio, mas ali vi o Carlos Minc falar pela primeira vez e descobri o que era o movimento estudantil. Além, é claro, do Carimbó, com a sempre marcante delegação da UFPA. Lembro até de dirigir o FIAT UNO do Milton pelo campus, o que só aumentou hoje a minha surpresa, ao voltar a UFRRJ, quando me deparei com o belíssimo campus da universidade. Fui a convite da minha amiga, a jornalista e professora Alessandra Carvalho, falar sobre divulgação científica, dividindo a mesa com a também jornalista Eveline Teixeira, da Universidade Federal do Mato Grosso.
Eu não preciso de muito estímulo pra ir falar do meu blog. Principalmente agora que posso levar meu livro a tira colo. (fique até pensando, depois, se tinha alguma estória do ENEB no livro, mas acho que não. Ou será que falei daquela gaúcha de 1,90m da UFRGS que dançava lambada de mini-micro saia?) Mas quando cheguei lá, no cair da tarde, a beleza dos pastos e dos prédios me impactou.
Talvez por isso, apesar de ter falado bem (no sentido de conseguir dizer tudo que tinha pra falar), respondi pessimamente a melhor pergunta que foi feita na tarde. A pergunta era tão boa, que eu pedi para a Eveline deixar eu dar um aparte, mas como diria a minha irmã, eu sou daqueles caras que tem a resposta perfeita para um discussão, 2h depois dela ter acabado. A pergunta de um rapaz foi: “Todos os grandes jornais do Brasil e do mundo tem páginas e seções de horóscopo. Mas quase nenhum (mais) tem de ciência. Todos querem saber de astrologia e ninguém quer saber de astronomia. Por que perdemos tantos espaço para o esoterismo (hoje acertei Daniela Peres – na semana passada havia escrito esoterismo com ‘x’) e como podemos recuperar esse espaço?”
Essa pergunta está na raiz do problema! Ela é a principal razão pela qual precisamos divulgar ciência. A resposta da Eveline foi boa, mas foi padrão: “porque a ciência é difícil, está longe da vida das pessoas, enquanto o horóscopo… quem não quer saber se vai encontrar o amor da sua vida?”
Mas eu acho que não é só isso. Quer dizer, SEI que não é só isso. Não é a questão da dificuldade. Aprendi que as pessoas, as normais, não NERDS, só gostam e só se interessam por histórias. De preferência com outras pessoas. E é por isso que as pessoas gostam tanto de astrologia. Não, não tem nada a ver com astros, planetas, mapas, modelos malucos com cálculos absurdos: tem a ver com pessoas. Como se comportar em relação a você e em relação as pessoas a sua volta. Nada prende mais a nossa atenção do que isso!
E ai cometi a grande gafe: disse pro rapaz que não havia nada que pudéssemos fazer e que dificilmente ganharíamos da astrologia. A ciência é efetivamente muito difícil e está se afastando cada vez mais da escala das coisas que interessam as pessoas, para escalas, astronômicas ou moleculares, que pouquíssimas pessoas entendem.
E foi só duas horas depois, dirigindo, voltando para o Rio, que eu vi o quão errada foi a minha resposta. Caramba, toda a minha luta, método de trabalho, textos no blog, livro, é pra mostrar que SIM! A ciência não só pode ser interessante como ela É mais interessante que a astrologia. E SIM (!!!) nós vamos vencer o horóscopo! Fiquei tão empolgado que perdi a saída para a linha vermelha e fui parar dentro de Caxias.
O problema dos cientistas é que tiveram que estudar tanto para se super-especializarem nos seus assuntos, que criaram uma forma de transmitir conteúdo bastante prática, porém pouco intuitiva. Os artigos científicos tem tudo que precisamos saber de forma prática e segura. Mas fria e monótona. Só estudantes e profissionais altamente motivados (e eu garanto para vocês que o estresse de uma tese é um excelente fator motivador) conseguem superar a chatice dos artigos científicos (e do papo dos cientistas também).
Quando um cientista conta uma história… bem… é esse o problema: o cientista NUNCA conta uma história. Ele sempre transmite informação, mas nunca conta uma história. Só que a história é a melhor forma de transmitir informação! Não é a mais eficiente (como o artigo científico) mas é a mais eficaz! Quem ouve uma história, aprende alguma coisa. Já quem estuda um artigo… pode aprender se não pegar no sono antes.
Só que a história não é mais intuitiva ‘por que sim’. Ou ‘por acaso’. É ciência! Nosso cérebro foi programado pela evolução para interagir com outros seres humanos e tirar a maior vantagem reprodutiva possível. Em um mundo de coisas palpáveis. O nosso cérebro, capaz de linguagem, arte e música, é a nossa ‘cauda de pavão’: o instrumento de sedução mais eficaz criado pela natureza até hoje. E porque você nunca ouviu falar disso? Bom, primeiro porque está lendo horóscopo ao invés de livros como ‘a rainha vermelha’, ‘a mente copuladora’ e ‘a guerra dos espermatozóides’. Ou ‘A verdade sobre Cães e Gatos’. Mas também porque mesmo os hábeis autores desses livros, apesar de contarem muito bem a história da ciência e dessas descobertas, não conseguem criar histórias com o que se descobre dessa ciência. E ai… a comunicação da ciência fica capenga.
Vocês já ouviram a sinfonia 25 de Mozart? Ou o ‘Inverno’ de Vivaldi? São duas obras primas que foram, obviamente, compostas pensando em sexo! Elas tem todo o ritmo de uma relação sexual perfeita! Já pensaram em um livro que conte a história da criação dessas duas músicas maravilhosas, inspiradas por mulheres por quem eles tinham um desejo incrível, subsidiadas pela anatomia e fisiologia da mente humana, evoluída desde os primatas para seduzir parceiros sexuais? Seria um best seller!!! Ia virar filme em Hollywood!!! Acho que vou até escrever esse livro 🙂
Então me deixem responder pro rapaz novamente: “Contando histórias! Nós vamos ganhar da astrologia contando histórias!”
Deixe o texto descansar
Há alguns dias escrevi sobre porque devemos escrever um blog. Na verdade estava escrevendo sobre porque devemos praticar a escrita, principalmente no meio acadêmico onde escrever dissertações, teses e artigos é mais do que uma obrigação, é uma questão de sobrevivência.
Hoje, corrigindo um texto de uma tese, tive uma epifania: descobri o que significa ‘deixar o texto descansar’.
Obviamente é uma metáfora e nunca ninguém que escreve, principalmente teses e artigos, duvidou da importância desse procedimento, por mais obscuro que sejam suas razões e significados. Porque um texto tem que descansar?
Na verdade, somos nós que temos que descansar do texto. Mas isso também não ajuda a esclarecer porque o processo é importante. Ainda que muitas pessoas consigam executar um procedimento apenas com base na instrução para vê-lo funcionar; outras precisam de explicação para compreender o processo e assim aplicá-lo. Nem sempre é possível. Inúmeras vezes, na FLIP, vi escritores experientes descreverem de maneira completamente hermética, como decidiam quando um texto estava bom: “Eu lia e relia, escrevia e rescrevia, até que achava que estava bom”.
Hoje, discutindo a tese de um aluno, percebi porque é importante. Quando estamos escrevendo, a leitura que fazemos do nosso texto é influenciada pela idéia que temos em nossa mente. Escrevemos achando que estamos conseguindo colocar no papel tudo que está na cachola.
Paramos para ler o que escrevemos, para ver se está tudo claro, e olhamos mas não vemos: a nossa visão não repete o que está no papel, mas o que está na cabeça.
Vocês já viram aquele texto escrito apenas com partes das palavras, mas que não impede que tenhamos a compreensão total da idéia? Que nos deixa até nervosos com o quanto é automática a leitura, apesar de tantas letras estarem fora do lugar? Não?! Copio ele aqui então antes da minha conclusão:
“De aorcdo com uma peqsiusa de uma uinrvesriddae ignlsea, não ipomtra em qaul odrem as lteras de uma plravaa etãso, a úncia csioa iprotmatne é que a piremria e útmlia lteras etejasm no lgaur crteo. O rseto pdoe ser uma bçguana ttaol, que vcoê anida pdoe ler sem pobrlmea. Itso é poqrue nós não lmeos cdaa ltera isladoa, mas a plravaa cmoo um tdoo. Sohw de bloa!”
Você precisa deixar um texto na gaveta até que sua mente se esqueça do que você queria dizer na hora que estava escrevendo e você possa finalmente ler o que escreveu, ao invés de ‘ler’ o que queria ter dito. Quanto tempo de descanso? Acho que um mês de férias 🙂
Porque é importante para um cientista ir a uma festa literária?
Para mim, a principal atividade do cientista é estudar.
Produzir dados no laboratório (ou no campo) é uma das coisas que o cientista faz, mas transformar esses dados em informação e conhecimento é (ou deveria ser) a sua principal atividade. E para isso o domínio da linguagem escrita, da habilidade de se comunicar por escrito, de ler de maneira critica desvendando um texto e de criticar o próprio texto são fundamentais.
Por isso, vir para Paraty ouvir Roberto da Matta dizer que “quanto mais velhos fixamos, mais temos opiniões sobre tudo” ouvir Stephen Greenblatt dizer que Shakespeare “rescrevia incansavelmente seus textos”, ouvir James Shapiro falar sobre como “os autores tinha pavor de serem ‘rescritos’ por Shakespeare“, ver a empatia infinita de Gabeira, ou como uma boa idéia (“E se Renè Descartes tivesse vindo ao Brasil com Maurício de Nassau?”) ser destruída por Cao Guimarães no chatíssimo filme Ex-isto; é tão importante.
Nos ajuda a criar valores e parâmetros que são importantes para o nosso senso crítico na atividade de ler e escrever, que é uma atividade fundamental e complexa para o cientista. E que não se aprende e não se desenvolve a não ser pela prática.
Porque eu tenho que escrever um blog?
“Mas porque você acha que todo mundo tem de ter um blog? Nem todo mundo quer, ou tem de querer, ter um.”
De todas as coisas que ouvi esse ano na FLIP, a que mais me motivou a escrever foi a pergunta da minha namorada. Mais importante do que as coisas que ouvi de Stephen Greenblatt falando de Shakespeare, Gabeira falando sobre autoritarismo ou Roberto da Matta falando sobre cidades e urbanismo. A resposta para essa pergunta é a razão pela qual deveríamos vir até Paraty, ano após ano, ouvir escritores falando sobre suas obras e sobre a arte de escrever.
E ao tentar responder a pergunta dela, vejo que a minha instrução para os meus alunos, meus pares, meus pais, meus amigos e para todo mundo que eu sugiro escrever um blog, pode estar errada, ainda que esteja certa. Explico:
Nunca antes na história a escrita foi tão importante para a comunicação. A tecnologia nos oferece diversas formas de comunicação, diversos veículos, diversas mídias, mas a escrita permeia todas elas. Fazemos vídeos, fazemos musicas, podcasts, discursos, palestras… e ainda assim o texto está lá. Se não é em primeiro plano, dominando completamente o ambiente, está nas entrelinhas ou nos bastidores, porque nada disso pode funcionar sem um roteiro escrito anterior a obra. Não é a toa que a escrita foi inventada para certificar transações comerciais e depois para escrever leis. Nada pode funcionar baseado apenas na volatilidade do discurso falado.
No entanto, acho que não são todas as pessoas que reconhecem isso. E mesmo aquelas que reconhecem a importância da escrita, não acreditam no fato que não sabem se comunicar habilmente por escrito. Elas acham que, porque conseguem se comunicar com habilidade no discurso falado, podem fazer o mesmo por escrito. Será que podem? Não!
A diferença fundamental entre os dois discursos é a sincronia. O discurso falado é síncrono: enquanto eu falo com alguém, tenho uma serie de sinais verbais e não verbais do meu interlocutor que me ajudam a saber se a minha mensagem esta sendo comunicada corretamente (da maneira como eu gostaria que fosse). Já o discurso escrito é assíncrono e quando eu escrevo, não tenho os mesmo sinais. Quando escrevo, não sei se serei entendido como eu espero quando for lido, se serei entendido de uma outra maneira ou se simplesmente não serei entendido. Como lidar com isso? Como aprender a lidar com isso? Ai vem a minha proposta: escrevendo um blog.
Hum… você ainda não se convenceu?! Quer mais motivos?!
No mundo de hoje, na verdade há muito tempo, somos avaliados por escrito. Não importa o que você pensou, o que você disse ou o que você diz: importa o que você escreve na sua carta de intenção, no seu CV, na sua resposta de prova, na sua tese, no torpedo, no seu twitter, no facebook. Apesar disso, na escola não nos ensinam a escrever. Quer dizer, ensinam, mas só a escrever. Na escola aprendemos a escrever, mas não aprendemos a nos comunicar por escrito. Precisamos, agora mais do que nunca, aprender a nos comunicar por escrito.
E o que é a comunicação por escrito? Como se alcança ela? Como fazemos para aprender? A resposta é, de novo: escrevendo um blog.
Eu, como cientista, tento buscar o lado científico das coisas. Mas acho que a escrita náo é só ciência. Ela esta mais para a psicanálise: um misto de técnica e arte que parece mas não é ciência. E quando é assim não adianta dar um método, uma receita, um truque, uma dica. É preciso praticar. É preciso escrever. É preciso ler, reescrever, reler e reescrever de novo. A comunicação eficiente com o leitor depende de empatia, senso estético e senso critico que são muitas vezes subjetivos. O importante não é tentar agradar a todos (ainda que sim, seja importante comunicar a todos), mas desenvolver uma linguagem própria, cuja qualidade mais desejável é a autenticidade. Não há outra maneira de encontrar essa linguagem própria que não seja a pratica freqüente e consistente da leitura e da escrita. E é por isso que o blog é tão importante.
O blog demanda atenção constante do autor para sobreviver. Se você não publicar no seu blog todo dia, toda semana, ele morre. Ou nem nasce. É como no meio acadêmico: ‘publish or perish’ (publique ou pereça)! E assim, você é obrigado a exercitar freqüência. Mas não é só uma questão de obrigação: o blog te coloca em contato com o público, com o seu público, muito rápido. E também coloca o público em contato com você, o autor. É perfeito para aprender a lidar com a assincronicidade da mensagem, porque o leitor não esta ‘ali’, mas esta mais próximo do que em um livro, uma revista ou um artigo em jornal. O leitor comenta, ‘curte’, compartilha, te xinga. Com ferramentas relativamente fáceis de usar e gratuitas, você instala um contador de acessos e pronto… tem um monte de informações sobre quem, como onde e quando te lê. É bem mais fácil colocar o blog na trilha certa e saber se seu conteúdo está angariando leitores ou sendo ignorado. Finalmente, quando você tem que escrever um texto curto, que o tamanho mais adequado ao blog, fica um pouco mais fácil se dedicar aos atributos que defendo que o texto tenha na Oficina de Escrita Criativa em Ciência: concisão, coesão, consistência, clareza (precisão) e criatividade.
Pronto, terminei. Espero que eu tenha te convencido. Mas é provável que não tenha. A experiência mostra que não convenço os outros a começarem a escrever assim… tão facilmente.
É uma pena. Entendo que Rubens Figueiredo, um escritor/tradutor/professor que dá aulas de língua portuguesa no turno da noite em uma escola da rede publica do subúrbio de São Paulo tem dificuldade de convencer seus alunos da importância daquilo que ele diz, eu entendo. Mas eu? Eu dou aula para a elite intelectual: alunos de pós-graduação (e professores) das universidades públicas federais. O ‘crème de la crème’. Meus alunos de PG não deveriam ter a dificuldade em ver a importância de escrever e de escrever bem. Mas tem e oferecem grande resistência a tudo que está relacionado com a prática da escrita. E isso me irrita e me entristece.
A beleza nas letras
“O Australopithecus sp. usava ferramentas, o H. habilis usava utensílios, o H. erectus começou a falar e construir; o H. sapiens, podia raciocinar de forma complexa. Acredita-se que há 100.000 anos, o Homo sapiens saiu da África para dominar o mundo, começando pela europa. No registro fóssil, encontram-se nessa mesma época, pedras que foram trabalhadas excessivamente. Mais que o necessário para que fossem úteis. Foram aprimoradas para ficarem… bonitas! Pela primeira vez o homem desenvolve a capacidade de projetar e confere concretude a fantasia, transformando-a em criatividade. O inicio de uma etapa que levou a organização social e a política.”
O texto de Domenico de Masi mostra como nosso senso de estética é ancestral, anterior mesmo a nossa fala (com a qual se desenvolveu muito da nossa inteligência). No paleolítico, a expectativa de vida era de 15 anos. Dor, esforço, intempéries, pragas, fome e doenças eram o dia-a-dia do homo sapiens. A vida não era fácil e os homens conviviam com a morte dos entes queridos. Nos vivemos 99% do nosso tempo de vida como espécie nesse estilo de vida. A arte e a religião eram as únicas formas de consolo da dura vida terrestre.
A beleza tem um papel preponderante na vida de todos nós. Mais até do que gostaríamos que tivesse. Mais do que nos orgulhamos que tenha. Vivemos em uma época em que apreciar o belo é politicamente incorreto, mas ao mesmo tempo, nunca buscamos tanto o belo, nunca a moda foi tão poderosa e o consumo tão forte. Nosso senso de estética se aprimora a medida que… A medida que o que? É provável que a medida que ficamos mais inteligentes! Quanto mais inteligente você é, e você fica, mais você admira o belo.
Não, a inteligência não substitui a beleza. A inteligência é sexy, mas sem a beleza, ela é capenga. Na verdade, a inteligência quase atrapalha.
Veja, se você é bonito, seus filhos serão bonitos. Se você é inteligente… não há nenhuma garantia que seus filhos serão inteligentes. Simples assim. Poderoso assim. Quase insuportável.
Sempre buscamos identificar a beleza. O ‘mais’ bonito. Tanto que temos ‘instintos’ de beleza: reconhecemos cor, brilho, simetria, tamanho… tudo como sinal de beleza.
Pelo nosso senso de estética, a beleza só pela beleza já seria suficiente, mas podemos usá-la também para coisas úteis. A beleza serve para avaliarmos saúde (ou você já viu alguém doente bonito?) e podemos usar a beleza para… ler! Duvida?! Continue comigo.
Nós começamos a escrever mais ou menos há 5.000 anos e ainda que pareça óbvia a associação entre ler e escrever, ela não é. É provavel que a identificação visual dos símbolos que chamamos de letras seja mais difícil para o cérebro do que a realização dos precisos movimentos manuais que gravam o símbolo em uma superfície (como a pedra ou o papel) com o auxílio de um instrumento (como o formão ou a caneta). A linguagem, nós aprendemos com Noam Chomsky, é bem anterior a tudo isso. Tanto que está gravada no nosso cérebro como um instinto, tendo areas bem reservadas para ela. O sistema visual é mais antigo ainda, análogo e homólogo a muitos outros sistemas visuais na natureza, e também tem áreas reservadas no cérebro. É a combinação desses dois sistemas que nos permite… ler. O sistema verbal transforma as letras em sons pronunciáveis e dá acesso ao conhecimento de palavras similares, para que possamos inferir significado. O sistema visual Identifica as letras de forma eficiente. Mas qual parte do sistema visual?
Uma variação da nossa região de reconhecimento de faces! O VMFA sigla do inglês Visual Word Form Area – ‘área da formação visual das palavras’, é uma região do ‘giro fusiforme esquerdo’, na parte central do sistema visual (o córtex occipto temporal) responsável pelo reconhecimento dos simbolos que compõe as letras e palavras.
Mas veja, porque nós desenvolvemos um sistema de reconhecimento de rostos, cujo principal atributo, um dos na verdade, é a beleza, podemos ler. Porque queremos reconhecer o belo, podemos nos comunicar. Que bonito!
Mas aprendemos a ler não é o único benefício dessa associação. Os benefícios neurológicos vão mais além: “A aquisição da leitura leva a melhor codificação fonológica através da influência das representações ortográficas.” diz a pesquisadora Dehaene. Isso quer dizer que quem lê, fala melhor. E evidências comportamentais mostram que as representações ortográficas da palavra são ativadas pela fala. Aprender a ler aprimora a fala e a fala melhora o reconhecimento dos simbolos da leitura, em um mecanismo de retroalimentação que termina por nos deixar mais espertos. As experiências mostram que vários tipos de efeitos ortográficos no processamento da fala, como o reconhecimento de rimas consistentes*, são afetados pelo letramento. O feedback direto da ortografia na fonologia é provavelmente responsável pelas modificações das respostas cerebrais à linguagem falada no sistema visual.
E ai uma cascata de efeitos acontecem. Basicamente nossa percepção se aprimora com a aprendizagem porque cria modificações nos mapas corticais, como campos de recepção e curvas de frequência mais precisas nos neurônios sensoriais, que se correlacionam positivamente com melhoras no comportamento. Percebemos, vemos melhor o mundo a nossa volta, porque aprendemos a ler.
E para que queremos uma percepção mais aguçada do que para perceber o belo? Vê-lo ainda mais belo?
É provável que haja outras razões, mas as minhas terminam por aqui.
* Céu e Véu forma uma rima consistente. Céu e Mel formam uma rima inconsistente.
—
Dehaene, S., Pegado, F., Braga, L., Ventura, P., Filho, G., Jobert, A., Dehaene-Lambertz, G., Kolinsky, R., Morais, J., & Cohen, L. (2010). How Learning to Read Changes the Cortical Networks for Vision and Language Science, 330 (6009), 1359-1364 DOI: 10.1126/science.1194140
"A verdade sobre Cães e Gatos" o livro do Blog "Você que é Biólogo…"
Saiu o livro do blog!
Uma seleção de textos em torno de assuntos que interessam e agradam a todos nós: homens, mulheres, amor, sexo, instintos e emoções. São 51 textos que trazem uma visão científica e divertida desses temas, e vão colocar um pouco mais de pimenta na já acalorada disputa entre os sexos.
O lançamento oficial, transmitido ao vivo pelo Hangout, será no dia 12/06, dia dos namorados, as 18h na livraria Folha Seca, no Centro do Rio de Janeiro. Depois o autor vai a São Paulo, Campinas, Salvador, Recife e Natal. No final do Ano, Curitiba, Porto Alegre e Caxias do Sul.
Leia aqui a resenha na contra-capa feita por Cristine Barreto e o texto sobre o autor escrito por Eduardo Goldenberg.
O livro está a venda na loja da Singular digital, no formato impresso e digital ou eBook.
Aqui nessa página você pode deixar os seus comentários sobre livro e sobre o autor.
A tese sobre a escrita da tese
Em um mundo saturado de informação, não basta mais o aluno ‘saber’. Ele precisa saber aprender e saber mostrar o que aprendeu também. Se não souber selecionar informação, se não souber ser preciso, conciso, coeso e coerente, não vai conseguir identificar o que importa do que não importa no mar de informação. E não vai conseguir responder uma pergunta de prova, montar uma apresentação para um processo de seleção, nem sobreviver a uma entrevista de emprego.
Para todos os alunos, a experiência mais comum de produção de conteúdo é a resposta de prova. Por mais namoradas que um cara tenha na vida, ele responderá muito mais questões de prova do que escreverá cartas de amor. Ainda assim, na escola ninguém ensina a gente a ‘responder’ o que o professor está perguntando, o que é uma habilidade tão importante quanto ‘saber’ o que o professor quer saber se a gente sabem ou não. Para alguns alunos, aqueles que chegaram na pós-graduação, as angústias da resposta da prova se multiplicam e se amplificam na hora de escrever a tese. Sim, porque não conheço nenhum curso de pós-graduação que ensine seus alunos a escreverem suas teses (da mesma forma que não ensinam os professores a avaliarem essas teses). É como se escrever fosse uma habilidade natural, com a qual a gente já nasce. Ou um talento, que quem tem está feito e quem não tem… está… perdido.
Com a ‘Oficina de Escrita Criativa em Ciência‘ nós temos tentado mostrar que escrever não é uma questão de talento, é uma questão de prática, porque envolve uma coisa que não se ensina mas se pratica, que é critério. Então pra melhorar a sua escrita você precisa primeiro querer escrever melhor e depois… escrever!
Mas ainda assim as pessoas tem dificuldade. Escrever, como disse a Bruna Surfistinha, ‘É uma questão de coragem’, coragem de se expor, coragem de errar. E muita gente não tem essa coragem. Mas ainda assim temos que escrever. Então nós criamos o ‘roteiro do bioletim‘ que deveria ajudar as pessoas a selecionar informação de uma maneira amigável. Com a experiência, descobrimos que nem com o roteiro do Bioletim as pessoas escrevem. Por mais que ele te ajude a organizar as idéias, ele não ajuda a diminuir o medo e ele não pratica por você: você ainda tem que buscar fontes, identificar seu público alvo, escrever, rescrever… dá trabalho.
A segunda constatação é que quem tenta escapar do trabalho… não escreve. Ou não escreve bem, o que, em um mundo saturado de informação, acaba dando no mesmo (porque ninguém vai ler). Essas pessoas não vêem valor no roteiro do Bioletim porque ele é um roteiro sem ser um guia. Ele te diz ‘o que’ tem de ser feito, mas não diz ‘como’. Ele estabelece limites (de seções, de tópicos, de número de parágrafos, de palavras por parágrafo), te ajuda a escrever um primeiro rascunho (que é a parte mais complicada para a maioria das pessoas) mas não há garantias de que você selecionou a informação corretamente e nem que o artigo produzido seja interessante. Ou que alguém vá querer ler. Nunca há garantia de que o resultado tenha sido bom.
As angustias vão se acumulando e quando você vê, está na hora de escrever a tal da tese e você não tem idéia do que fazer. Ou melhor, tem sim: quer escrever a tese da mesma forma que você ‘lê’ a tese. Você quer começar pela introdução, depois os objetivos… e terminar na discussão e nas conclusões. Na verdade, você senta no computador e quer escrever o título, fazer a folha de rosto e escrever os agradecimentos. E quer deixar as referências por último. TUDO ERRADO! Não é assim que se escreve uma tese. Quer dizer, pode até ser, mas é bem mais difícil, ainda que dê menos trabalho.
Ops, como é que pode ser mais difícil e dar menos trabalho?! Bom, leia aqui o texto “Foi o Google quem disse…’ pra saber porque um texto mais curto dá mais trabalho pra ser escrito. Quanto menos trabalho você coloca no texto, pior ele fica e mais tempo leva para ele ficar bom. De novo, não tem como fugir do trabalho para produzir um bom texto. Mas se você quer seguir a sua ‘intuição’ ou se quer ‘esperar a inspiração’ então boa sorte. Você vai precisar.
Mas se quer escrever uma boa tese, é assim que se faz:
- Escreva um rascunho respondendo os ‘sete lugares do pensamento’ pra sua tese. Se você já fez a ‘Oficina de Escrita Criativa em Ciência’ vai ser fácil. Se não fez, você pode estudar alguns textos sobre o assunto que estão compilados no livro digital que nós produzimos para a oficina e tentar. Esse rascunho será o seu ‘mapa’ para escrever a tese mais rápido e melhor. Vai te dar direção e permitir que você corrija desvios no caminho. Responda cada pergunta com uma frase de no máximo duas linhas. Você pode imprimir essa 1 página e colar na parede atrás do monitor do computador. Esse mapa será seu companheiro pelas próximas semanas.
- DEPOIS (e só depois) de responder as sete perguntas dos lugares do pensamento, escreva uma versão reduzida, de 3 a 5 páginas, da sua tese. Essa versão é pra você contar a história da tese e não pra fazer um resumo dela. Conte como começou, qual foi o primeiro experimento, como você progrediu, o que aconteceu depois, quais foram os experimentos que se seguiram, o que você aprendeu, o que precisou estudar, o que descobriu… O mais importante nessa versão é que ela tenha começo meio e fim, ao invés de Introdução, M&M, Resultados e Discussão. Essa versão não servirá de base para a tese, mas vai te ajudar a criar um fio condutor para suas idéias que te ajudará enormemente durante a produção do manuscrito
- Isso tudo você pode fazer mesmo antes de ter terminado todos os resultados. Mas para começar a escrever a tese mesmo, é importante ter todos os seus resultados (ou quase todos) prontos. Isso porque a tese, se começa a escrever pelos resultados.
- Organize seus dados em tabelas e gráficos. Pode organizar os mesmos dados em tabelas e em gráficos para depois decidir qual deles permite uma compreensão melhor dos resultados. Nesse caso a primeira etapa é escolher qual gráfico é mais adequado para os seus dados.
- Gráficos de barras são adequados para variáveis que ‘saem’ do zero e ‘chegam’ a um valor. Crescem ou decrescem. Valores pontuais, obtidos de replicas técnicas e biológicas, que são muito comuns em experimentos na área biomédica, devem ser representados por gráficos do tipo box-plot.
- Não, nem tudo na vida é normal. Muito menos nos seus experimentos em laboratório. Se você não sabe muito bem o que está fazendo, então use boxes com mediana e quartis. Visualmente você já vai ter uma idéia a distribuição (normal ou não) de cada grupo de dados. E é justamente ai que, nesse grupo de dados, que deve ser testada distribuição a priori e não nos conjuntos de todos os dados para uma variável. Abre parênteses: Um erro comum é ‘agrupar’ todos os dados de uma variável (controle, tratado, tempos, réplicas) e avaliar a normalidade desse conjunto de dados. Isso está errado! Você tem que avaliar a normalidade em cada grupo de dados que será utilizado para calcular a média e o desvio padrão que serão utilizados para comparação entre esses grupos em um teste de hipótese. Como a maior parte das pessoas usa um n=3 para suas réplicas biológicas, são esses 3 míseros dados que devem ter a normalidade testada. Como você verá muitas vezes o software nem consegue fazer isso e se ele te diz que os dados são normais… não confie. Fecha parênteses
- Se você não tem muita certeza do que está fazendo, use o teste não paramétrico U de Mann-Whitney para comparar qualquer dois grupos que te interessem e regressão de Sperman-Karber para ver a dependência entre duas variáveis contínuas. Se houver diferença mesmo, ela vai aparecer do mesmo jeito que na análise paramétrica usando média e desvio padrão, só que você não corre o risco de criar diferenças quando elas não existem, e nem de passar vergonha na hora que a banca te perguntar porque você usou uma coisa ou outra.
- Depois dos resultados, escreva as conclusões. Em tópicos numerados, com base nos resultados como foram descritos acima.
- Depois das conclusões, os Objetivos. Também em tópicos identificados por letras.
- Associe os objetivos (letras) e as conclusões (números). Não pode ter objetivo sem conclusão ou conclusão sem objetivo. Todo objetivo deve ser respondido por (pelo menos) uma conclusão. Toda conclusão deve estar associada a pelo menos um objetivo.
Volte ao mapa da tese e confira se objetivos e conclusões estão dentro dos sete lugares do pensamento. Faca ajustes no ‘mapa’ se necessário (mas se o seu mapa foi bem feito, é mais provável que você tenha que fazer ajustes nos seus objetivos e conclusões). - Faça um mapa conceitual da sua introdução. Mapas conceituais são uma técnica que ainda não tratamos na oficina de escrita, mas que você pode estudar um pouco sobre ela aqui. Ela ajuda a identificar os os núcleos conceituais que devem estar na introdução, e que são aqueles necessários para que o leitor entenda os objetivos, os métodos e os resultados do seu trabalho. Abre parênteses: Você não precisa dizer tudo para o leitor: defina quais as ‘ lacunas’ você espera que o leitor preencha e quais você vai preencher pra ele. Não trate o leitor como burro: se ele já deve saber alguma coisa, ou se é de domínio publico, você não precisa dizer. Lembre-se também que seu público, na tese, é limitado e especializado. Fecha parênteses.
- Faça outro mapa conceitual para a discussão. O mapa conceitual ajuda a estabelecer relações, filtrar informação e sair da confusão geral da cabeça. Te permite também corrigir depois o texto corrido.
- Na discussão, seus resultados vem SEMPRE primeiro. Levantamento bibliográfico é pra ser feito na introdução. Na discussão, discutimos o SEU dado, e não tudo que já foi feito no mundo.
Abre parênteses: a discussão é um delicado equilíbrio entre o que os seus dados deixam e o que eles não deixam você dizer. Até onde a evidencia permite que você vá e até onde você e eu permitiremos que a especulação vá. Além dos resultados, isso será avaliado na tese.dizer menos do que os dados permitem, não extraindo conclusões, é ruim, talvez até pior, do que expectar e inferir sem lastro experimental e estatístico. Fecha parênteses. - E os dados mais importantes vêm sempre antes dos dados menos importantes.
- Pronto. Agora você pode fazer todo o resto, que é escrever sumário, resumo, referências, título.
Fazer desse jeito vai te dar trabalho, mas te garanto que você não ficará nenhum dia olhando para o computador perdido sem saber que fazer. As correções serão menores também. Se você ainda tiver alguma dúvida, dê uma olhada no post ‘check-list‘, onde eu já discuti quais os critérios que um aluno deve usar para saber se a tese dele está ‘pronta’ para a defesa.
Antes tarde do que nunca
“O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) vai acrescentar, na plataforma eletrônica Lattes, que traz currículos e atividades de 1,8 milhão de pesquisadores de todo o País, duas novas abas para divulgação pública. Em uma delas, os cientistas brasileiros informarão sobre a inovação de seus projetos e pesquisas; e na outra, deverão descrever iniciativas de divulgação e de educação científica.”
A matéria do jornal da ciência anunciando que finalmente o CNPq, o conselho nacional de ciência e tecnologia, vai reconhecer divulgação científica como produção científica é um alento para a sociedade, para os cientistas e para os blogueiros. A sociedade porque financia a ciência com os seus impostos mas não é capaz de entender os artigos científicos extremamente técnicos que órgãos financiadores exigem, e os cientistas porque vão poder divulgar seu trabalho e se aproximar do seu público sem que isso signifique ‘desperdício’ do tempo que deveria ser investido em artigos técnicos. Finalmente, para os blogueiros, que vêm fazendo essa divulgação sem nenhum apoio dos órgãos de fomento ou dos seus próprios pares. Tomara que os alunos de pós-graduação percebam a importância de divulgar seus trabalhos para a sociedade e, ao escrever, praticar a sua escrita.