O que posso consertar sozinho?

Pensar não é fácil. Por isso, nossa primeira reação a uma pergunta é tentar ‘lembrar’ a resposta. Usar a memória ao invés do raciocínio. Sem encontrar a solução, nossa segunda reação talvez seja ‘perguntar pra alguém’. Ainda muito mais fácil do que pensar.

Há algumas semanas participei de um treinamento para uma apresentação. Um dos nossos projetos estava concorrendo a um prêmio e os organizadores queriam ter certeza que todas as apresentações estariam de acordo com as expectativas de forma e conteúdo dos juízes e da platéia. Ao final de cada apresentação, o mediador não fazia nenhum comentário sobre a apresentação. Não criticava, nem elogiava. Não dizia o que estava bom ou ruim. Apenas repetia uma séria de perguntas:

  • Você caracterizou bem o problema?
  • Você mostrou a solução?
  • Você apresentou bem a sua equipe?
  • Você demonstrou a necessidade de financiamento?
  • Você acredita que explicou como vai utilizar os recursos?
  • Você explicou os resultados no longo prazo?
  • Sua apresentação está dentro do tempo estipulado?

Não importava sobre o que era o projeto ou quem era o apresentador. Menos ainda como ele tinha se saído. As perguntas eram as mesmas e o resultado, inequivocamente o mesmo: a pessoa era capaz de reconhecer sozinha os problemas da própria apresentação e voltava para seu computador para consertar.

Foram 7 versões (e um dia e uma noite de trabalho intenso) até eu finalmente ter ficado satisfeito com a minha apresentação e responder positivamente a todas as perguntas do moderador.

O princípio não é novo. Já escrevi aqui sobre a estratégia dos escritores de aprender com os próprios erros. Mas eu nunca tinha visto uma metodologia para colocar em prática esse princípio e o uso das perguntas para questionar o próprio texto me tomou de arrebate pela simplicidade e o poder.

Hoje, lendo o livro ‘Vender é da Natureza Humana’ de Daniel Pink vi uma boa explicação para o poder dessa abordagem, que ele chama de ‘conversa pessoal interrogativa’: “A interrogativa, por sua própria forma, incita respostas – e dentro das respostas há estratégias para de fato realizar a tarefa.[…] Três pesquisadores – Ibrahim Senay, Dolores Albarracín e Kenji Noguchi – confirmaram a [sua] eficácia em uma série de experiências que eles conduziram em 2010. […] “[Ela] pode inspirar pensamentos sóbre razões autônomas ou intrinsecamente motivadas para buscar o objetivo”. […] As pessoas tendem a agir e atuar bem quando as motivações vêm de escolhas intrinsecas, em lugar de pressões extrínseca, A conversa pessoal afirmativa tem o risco de ignorar as motivações da pessoa. O questionamento pessoal evoca as razões para fazer algo e lembra às pessoas que muitas dessas razões vêm de dentro.”

Outro exemplo excelente que o autor usa é o desenho animado Bob, o construtor, que para induzir a si mesmo e a sua equipe faz uma pergunta: Podemos consertar?

Esperar a crítica dos nossos superiores e amigos, apesar de ser uma ótima solução no curto prazo, traz vários problemas no longo: não nos permite praticar solução de problemas, aprender coisas novas. Mas  talvez mais importante do que tudo isso, nos tira o domínio sobre a solução dos nossos problemas. É claro que ninguém sabe tudo e todos precisamos de ajuda, mas será que antes de tornar um problema nosso em um problema dos outros (e portanto sujeito a disponibilidade e prioridades dos outros) não deveríamos esgotar todas as nossas opções?

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