Use camisinha!

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Ao som da Timbalada, o VQEB entra em recesso de carnaval fazendo coro para a anual campanha do sexo seguro contando um pouco da história do acessório mais importante da folia. Afinal, como diz o ditado popular, ‘o que não mata, engorda’!
Essas histórias estão no capítulo “o sexo e seus inconvenientes” do livro “A assustadora história da medicina”, que eu comentei no post anterior.
No texto, Richard Gordon fala que a divergência entre o entusiasmo do ser humano pelo prazer do sexo e a idéia da reprodução humana sempre provocou um ‘debate acalorado’, já que o mundo todo ama o amor, mas ele pode ter inconveniências desagradáveis: a doença e, as vezes, a gravidez.
O primeiro grande defensor da camisinha foi o inglês James Boswell, que ao longo da vida teve 19 crises de gonorréia, a primeira aos 22 anos em 1763. Ele usava camisinhas de tripa de carneiro ou cabra, temperadas, perfumadas, com 20 centímetros de comprimento, delicadamente fabricadas em moldes de vidro pelas mãos da proprietária, a senhora Phillips, que tinha uma loja em Leicester Square. As de melhor qualidade, Baudruches (balões) superfinas, eram amarradas na extremidade superior com fitas nas cores da bandeira da Inglaterra.
Tinha também o “Duplo superfino” para os fregueses mais cautelosos, feito com a superposição e a colagem de dois cecos, a extremidade fechada do intestino grosso do carneiro. “Essa tripa ovina profilática foi pela primeira vez anunciada como ‘um aparelho para a prevenção dos inconvenientes das aventuras amorosas’, no jornal The Tatler, em 12 de maio de 1709.”
Muitos achavam que as camisinhas eram “Armaduras” que dimínuia o prazer com as Lizzies, Nannies, Louisas, Megs… e alguns preferiam as feitas de linho, que precisavam ser molhadas antes de usar. “Elas ainda eram mais econômicas que as Baudruches da senhora Phillips, porque podiam ser lavadas na lavanderia de camisinhas em St. Martin Lane”
Lavanderia de camisinhas? Meu… Deus…
A vulcanização da borracha, em 1843, permitiu um salto de qualidade nas camisinha e na década de 1920 as eram tão resistentes quanto os pneus (guardadas as devidas proporções), além de não formarem volumes vergonhosos nos bolsos dos cavalheiros.
É, parece que sempre houve pudor na obtensão do utensílio, porque a história diz que elas eram colocadas em lugares invisíveis pelos farmacêuticos, obrigando o consumidor a um ritual de leitura dos rótulos de fortificantes, comida para crianças e pastilhas para a tosse até a farmácia ficar vazia. Mas elas eram distribuídas mais abertamente à alta sociedade pelos os barbeiros: “E alguma coisa de uso pessoal, senhor?”
Reza a lenda que as camisinhas receberam seu nome em inglês, condom, por causa do doutor ou possivelmente coronel Condom, um inglês, ou talvez francês, mas que também pode nunca ter existido. Em latim ‘condo’ significa “inserir, enfiar”, mas no dicionário de Oxford, ‘condoma’ é um antílope listrado com chifres em espiral: em quem acreditar? Condom também é uma cidade de 6.781 habitantes na França, entre Bordeaux e Toulouse.
A origem do nome ‘camisinha’ em português, eu não sei, mas tenho certeza que algum dos meus bem informados leitores deixará essa valiosa contribuição nos comentários. Os portugueses eu sei que falam condoms (sem sotaque inglês), ainda que na verdade, ninguém chame as camisinhas de ‘condons’. Os americanos chamam de borracha (rubber) e os ingleses usam algo parecido com FL, que é a sigla em inglês de Free Love – Amor Livre.
Claro que com a pílula e os antibióticos, a camisinha parecia fadada ao esquecimento, e ainda que ela proteja de muitas, muitas outras coisas, foi a AIDS que a trouxe glamurosa de volta a cena.
Independentemente do nome, hoje as camisinhas são distribuídas gratuitamente nos postos de saúde. Tenha uma sempre com você no carnaval. Como diz o outro ditado: “É melhor ter e não precisar, do que precisar e não ter”.
Mas fique alerta, ela não protege de amor transmissível sexualmente.

Terminei de ler… A Assustadora História da Medicina

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O livro de Richard Gordon cria um dilema para quem se propõe a fazer uma resenha. Se te aconselhar a ler, terei de dizer que vai precisar de um bocado de paciência pra chegar até o final. Se te disser para não ler, terei de arcar com o custo do tanto de coisas importantes, interessantes ou só curiosas que você vai deixar de aprender.
“A história da Medicina é uma longa substituição da ignorância pela falácia” começa a contra-capa. O livro pretende ser bem humorado, mas talvez por seu autor ser Inglês, o humor recheado de sarcasmo e que ironiza violentamente os médicos, é parecido com os filmes do Monty Python, em que muitas vezes ficamos com a sensação de que fomos os únicos que não entenderam a piada.
Uma outra razão é a tradução, que eu tenho certeza que está ruim (já que a outra opção é autor, editor e revisor serem muito incompetentes) e contribui para que alguns parágrafos simplesmente fiquem sem sentido.
Finalmente, há uma enorme quantidade de nomes de pessoas, de locais e obras literárias e artísticas, além de muitas datas, e mais nomes, e mais lugares, e mais datas. Isso não seria necessariamente um problema, mas como não é um livro longo, desses que a gente usa pra consulta, esses dados são só ilustrativos, mas só ilustram alguma coisa pra quem já conhece todas essas citações. Para nós, meros mortais, muitos deles pouco significam e nenhum contribui realmente para a compreensão do texto. Veja um exemplo (e nem é dos piores):
“A afirmação de Darwin de que Sir Thomas Browne havia sugerido, no seu Religio Mediei, que o Gênesis não era tão confiável quanto os horários das estradas de ferro vitorianas foi considerada uma afronta da ciência à Igreja. A discussão chegou ao auge em 30 de junho de 1860, entre os soluços e desmaios das senhoras, no Museu da Universidade, ao lado de Parks, em Oxford.”
O livro é um prato cheio de argumentos para calar a boca dos insuportáveis alunos do primeiro ano de medicina, cuja arrogância do “olhem como sou bom e sei muito mais que vocês”, acaba por contaminar até o sarcástico autor do livro.
Mas, se não ler, não vai saber as fofocas de doentes famosos, como os reis de França e Inglaterra, e seus médicos bem intencionados, mas totalmente incapazes (simplesmente porque não havia tratamento). Nem como apareceram doenças como escorbuto, gota, malária e sífilis; ou como desapareceram tuberculose e varíola. Nem as incríveis histórias de como foram inventada a vacina e a anestesia ou como a sulfa e a penicilina ajudaram a ganhar a guerra.
E, tantas vezes com linguagem simples, direta e divertida, como quando fala da homeopatia e outras ‘medicinas alternativas’:
“É realmente seguro para mim procurar uma pessoa sem qualificação para a medicina?”, pergunta o guia ricamente ilustrado da saúde alternativa. E responde: “Fico tentado a sugerir que faça a você mesmo outra pergunta, em lugar dessa: ‘Será seguro procurar o meu médico?’ Os medicamentos atuais são tão poderosos que se alguma coisa sair errada, os efeitos do remédio podem ser piores do que a doença. Resumindo, a medicina natural é mais segura simplesmente porque não confia tanto nos medicamentos artificiais. Minha nossa!
Se você está doente, precisa de tratamento científico. As únicas doenças que os “curandeiros” curam são as que seus clientes imaginativos não têm.
A relação da medicina com o charlatanismo é a mesma da astronomia com a astrologia. O que as estrelas predizem para os leitores de jornais é inofensivo, mas o lançamento de um ônibus espacial ou de um satélite, orientado pela astrologia, ao invés da astronomia, seria desastroso.

A decisão é sua!

"Foi… por medo… de avião…"

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Em ‘O brilho eterno de uma mente sem lembranças’, Clementine, depois de anos de relacionamento com Joel, resolve apagá-lo, literalmente, de sua memória. As angustias que um despertava no outro, vivendo juntos ou separados, eram insuportáveis e eles se submeteram a um tratamento experimental no cérebro para bloquear as memórias que tinham um do outro.
Dois artigos publicados esse mês nas prestigiosas revistas Nature e Science mostram que a ciência está cada vez mais perto de fazer com que Joel possa bloquear, senão a memória de Clementine, a reação de angustia a lembrança dela.
Eu já falei aqui sobre drogas que podem induzir a perda do medo, mas elas tem o ‘pequeno’ inconveniente de interferir com a síntese protéica no cérebro de humanos. Mas esses novos artigos demonstram uma abordagem não invasiva, ou seja, sem drogas, que pode se tornar revolucionaria e mania nos consultórios de psicanálise.
Aprender a ter medo pode ser importante adaptativamente. Um dos maiores especialistas do mundo em memória, o neurocientista Ivan Izquierdo, diz que de todas as nossas emoções, a única que realmente sabemos que é capaz de estimular a nossa memória é o medo. O medo também pode ser ensinado através do ‘reflexo incondicionado’ de Pavlov. É quando ratos tomam um choque depois de ouvir o som de um apito e aprendem a temer o apito. O medo é medido através de uma resposta involuntária e inata (que no caso dos ratos é ficar completamente imóvel).
A memória pode ser de diferentes tipos e no caso de uma memória do medo, vários tipos estão envolvidos: a memória declarativa (aquela que é ativada por palavras e outros símbolos), a emotiva e a inconsciente (que gera, por exemplo, a resposta motora ao medo). Elas estão localizadas em diferentes regiões do cérebro, mas são fixadas contemporâneamente em um processo único e definitivo chamado de consolidação. No entanto, novos resultados de experimentos com bloqueadores químicos tem mostrado que a memória é fixada, construída, de novo, todas as vezes que ela é acessada (toda vez que nos lembramos daquilo), em um processo chamado de reconsolidação.
O período de reconsolidação é relativamente curto (em ratos e humanos, de até 6h), mas durante esse período, a memória pode ser relaxada, flexibilizada, alterada, manipulada e outros -adas que você queira. Passado esse período, a memória é fixada e não pode mais ser modificada. Porém, se tiver sido modificada, o efeito, segundo o artigo da Nature, é bastante duradouro, sendo observados mesmo após 1 ano da reconsolidação.
A maior parte dos tratamentos contra ansiedade é baseada em um processo chamado de extinção: o contexto amedrontador é apresentado, mas sem o agente do medo. A teoria diz que depois de repetir esse processo muitas e muitas vezes, o medo desaparece. E desaparece mesmo. Só que na maioria dos casos, não para sempre, com grandes chances de retorno após o final do tratamento.
Segundo os autores, a extinção só é eficiente se conduzida durante o processo de reconsolidação. É importante acessar a memória amedrontadora, para que o novo processo de contextualização seja disparado. E só então podemos alterar a memória.
Estou com a sensação que falta um exemplo. Fiquei aqui pensando no que eu poderia usar que não fossem os quadrados azuis e verdes do experimento descrito no artigo, medindo como resposta ao medo a variação na condutividade elétrica da pele. E ai lembrei do Belchior e do medo de avião que fez com que ele pegasse na mão da menina, me dando assim os dois argumentos que eu precisava para construir um bom exemplo: o contexto amedrontador – avião; e a resposta inata ao medo – segurar na mão.
O medo de avião é mais que bom, é um ótimo exemplo. É um medo intuitivo forte, porque o medo de altura é inato e todos nós o dividimos; mas ao mesmo tempo irracional, porque todo mundo sabe que é o meio de transporte mais seguro que existe e as estatísticas mostram que a chance de você morrer em um acidente aéreo é de 1:1.600.000 (menor que a de morrer atingido por um raio), o que significa que você pode viajar de avião todos os dias durante 26.000 anos sem que nada lhe aconteça. E ainda assim, a gente tem medo!
Eu, por exemplo, não tinha medo de avião até que comecei a andar muito neles. Mas tudo começou mesmo quando assisti um programa que mostrava que é durante a decolagem e a aterrissagem que a maior parte dos pouquíssimos acidentes acontecem. Agora, todas as vezes que o avião decola, eu não chego a segurar na mão de quem está do lado, mas as minhas mãos suam frio, que é outro sinal inato de medo.
É um medo que eu controlo tranquilamente. Mas se o Belchior não, então minha sugestão é que ele fosse ao psicólogo pra tentar uma terapia de extinção, mostrando, por exemplo, filmes de várias e várias viagens de avião onde as pessoas partiram integras e chegaram integras aos seus destinos.
Mas o artigo diz que a terapia de extinção só funciona se houver antes uma exposição ao medo e uma recuperação da resposta a ele. Então, antes de começar a extinção, antes de começar a mostrar as viagens que são bem sucedidas, é preciso mostrar uma viagem mal sucedida. Só depois de ver um avião caindo, pegando na mão da psicóloga, a memória amedrontadora terá sido acessada, dando inicio ao período de reconsolidação. Só ai os filmes teriam efeito na flexibilização da memória do desastre que despertava a reação de segurar na mão dela. Da próxima vez que ele viajar com a menina, o gesto de pegar na mão será voluntário, e não uma resposta incondicionada.
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Já o artigo da Science diz que essa extinção não funciona para todo mundo, porque eles identificaram que pessoas que possuem uma mutação em uma única letra do DNA do gene BNDF, um fator de crescimento de células do cérebro mas que também está envolvido com comportamentos relacionados com ansiedade, não são suscetíveis a extinção. E estão fadados a viver sempre com medo de Joel ou de Clementine.
Schiller, D., Monfils, M., Raio, C., Johnson, D., LeDoux, J., & Phelps, E. (2009). Preventing the return of fear in humans using reconsolidation update mechanisms Nature, 463 (7277), 49-53 DOI: 10.1038/nature08637
Soliman F, Glatt CE, Bath KG, Levita L, Jones RM, Pattwell SS, Jing D, Tottenham N, Amso D, Somerville L, Voss HU, Glover G, Ballon DJ, Liston C, Teslovich T, Van Kempen T, Lee FS, & Casey BJ (2010). A Genetic Variant BDNF Polymorphism Alters Extinction Learning in Both Mouse and Human. Science (New York, N.Y.) PMID: 20075215

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