O segundo dia do II Encontro de Blogs Científicos

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Domingo começou com a apresentação da neurocientista Suzana Herculano. Com 6 livros sobre neurociências para leigos publicados e uma esquete no programa Fantástico, ela é uma cientista pop e o melhor exemplo de cientista bem sucedido na tarefa de divulgar ciência. Suzana, que tem dois blogs (O cérebro nosso de cada dia e A neurocientista de plantão) chamou atenção dos cientistas blogueiros para que não fiquem apenas na internet porque existe um mercado real para livros de divulgação científica. Ela ainda defendeu a publicação de livros de ‘auto-ajuda científica’: “afinal, o objetivo da ciência não é tornar a vida das pessoas melhor?”. E isso ai.
Talvez pelo clima aprazível de Arraial e o aconchego do encontro, quando a jornalista Alessandra Carvalho (do Karapanã) subiu no palco com seu belo sotaque paraense não havia mais nenhuma dúvida de que jornalistas e cientistas devem divulgar ciência, que cada uma tem o seu espaço, mas que só tem a ganhar com a convivência. Ela relatou várias experiências bem sucedidas onde jornalistas ajudaram os cientistas a divulgar seus trabalhos.
Depois do intervalo, a jornalista Lacy Barca (que escreve no Minha amiga Jane) fez um incrível e delicioso panorama da ciência na TV, com apenas 8,5h por semana de programação (comparados a 50h de esporte e, acreditem, 190h de religião). Depois de trabalhar em programas como Globo Ciência ela é responsável pela recuperação do arquivo na Rede Brasil e mostrou pra nós trechos de vídeos dos primeiros programas de ciência na TV brasileira, remontando a década de 70, e falou sobre a mudança da linguagem na comunicação.
Foi a vez de Maria Guimarães (Ciência e idéias), cientista e jornalista da Revista FAPESP apresentar a sua visão de como cientistas escolhem seus temas de pesquisa e como jornalistas escolhem seus temas de reportagem: “minha paixão pela ciência não cabia em um só tema de pesquisa”. A platéia se encantou com a caçadora de roedores no doutorado que agora escreve até sobre astronomia. Para mim ficou o recado de que cientistas precisam aprender a contar, mesmo que só para os jornalistas, a história por trás de suas pesquisas, e os jornalistas não podem nunca esquecer a paixão por trás do tema de pesquisa de um cientista.
As meninas da Ciência Hoje não resistiram ao sol e fizeram muito bem ao almoçar camarão frito na praia enquanto alguns foram para as suas pousadas fazer o check-out e outros para o Saint-tropez se despedir da Muqueca de Dourado e da Lula Doré.
Mas as 15:30 estavam todos de volta para assistir Fábio Almeida, do Ciêncine falar sobre a importância dos documentários cinematográficos na divulgação científica. Mostrou trechos da entrevista com José Reis, ex-diretor do do Instituto Biológico de São Paulo e um pioneiro da divulgação científica rápida e eficiente. Fábio foi muito didático ao mostrar como a atividade científica e cinematográfica tem a ‘observação’ do mundo como ponto de partida e portanto, nada mais normal que os biólogos, ao registrar imagens em movimento para estudar fenômenos naturais, sejam os verdadeiros criadores do cinema. Aproveitou para mostrar o risco da divulgação irresponsável, que atribui aos irmãos Lumiére, criadores do cinema como espetáculo, a invenção do cinema como método. E terminou com uma alfinetada: os blogueiros tem que pensar em usar todo o potencial de outras mídias, porque ainda estão postando como se fossem uma revista impressa!
As 17h, sem tempo para uma despedida apropriada de todos os novos amigos que ser formaram ali, o ônibus partiu para o Rio levando convidados e agregados. Foram dois dias estimulantes e tenho certeza que todos voltaram pra casa com novas idéias para colocarem em prática nos seus blogs. Agora é esperar pelo próximo.
Obrigado a todos que ajudaram a tornar o evento um sucesso.

N.E.R.D.S.

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Um sistema é tão rápido quanto a sua parte parte mais lenta.
Ainda me lembro quando o Batata me explicou pela primeira vez o papel da memória e do processador na limitação de velocidade do computador. Não adianta ter um em excesso, se faltar do outro. O sistema será sempre limitado pela sua parte mais lenta, ou menos abundante.
O Batata era um NERD gente boa, mas apesar de termos feito a maior parte da faculdade contemporaneamente, só fomos descobrir afinidades depois, na fria e chuvosa Rio Grande (RS), onde morávamos durante o mestrado.
Eu admirava ele por ler coisas como ‘A mente nova do Imperador’ de Roger Penrose. Foi ele quem me explicou que os halos de luz em volta da lua em noites muito, muito frias, eram formados pela difração da luz em no gelo acumulado em camadas elevadas da atmosfera. O mais engraçado é que estávamos Eu, Dani e Lilica na rua da vila em que morávamos, quando vimos encantados o halo em torno da lua e, depois de uns 15 min de elocubrações, sentenciamos: “vamos perguntar pro Batata porque definitivamente ele sabe”. E sem pensar por apenas um minuto, o Batata respondeu, como se a resposta fosse a coisa mais trivial do mundo.
Eu e Batata conseguíamos discutir por várias coisas sem nunca brigar, o que até hoje me surpreende, já que não é uma coisa que eu experimente com frequência. Mas acho que era possível apenas pelas convicções fortíssimas de cada um. Ele adorava gatos e eu detestava gatos. Nada seria capaz de demover um ou outro. Mas como morávamos na casa dele, eu aturava os gatos. E o Batata também é autor daquela célebre frase: “Sexo é bom mas dá muito trabalho!” Éramos realmente diferentes.
Mas porque essa história toda do meu amigo NERD se eu quero falar sobre sistemas? É pra dizer que eu também sou NERD. Talvez um pouco menos na aparência, mas não muito menos no espírito. Eu fui ler Nietzsche, Popper e outros caras pra poder ter mais assunto com cérebro privilegiado do meu amigo, enquanto ele fazia batata frita com casca e eu frango assado pro pessoal da nossa vila. Infelizmente não consegui que o Batata aprendesse um passo de dança, mas felizmente, não me deixei contaminar pelo RPG.
O que me torna NERD, e me deixa orgulhoso disso, é o tesão que tenho no conhecimento. Além de continuar gostando de ler livros densos até hoje, eu vejo um sistema, qualquer um, e procuro a parte mais lenta dele, para descobrir o quão rápido ele pode ir. E quando consigo, me fascina! É também um exercício de resolução de problemas: se você precisa de mais velocidade no seu computador, não adianta investir todo o seu dinheiro em memória, e deixar o processador pra lá: o computador não ficará mais rápido por isso. Mas principalmente se não dá pra investir em memória e processador, tem de descobrir qual deles é o limitante (senão são tempo e energia desperdiçados).
Isso vale para qualquer área. Em ecologia também temos os fatores limitantes. Dos 3 principais nutrientes para as plantas, nitrogênio, fósforo e carbono; não adianta nada ter excesso de um ou dois, se faltar o terceiro. Com um fator limitante, a planta não cresce.
Por isso, muitas vezes sei, de antemão, se a proposta para resolver um problema não vai funcionar: a solução não leva em conta o fator limitante.
Identificar os fatores limitantes dá trabalho. É preciso conhecer o sistema e isso requer um considerável investimento de tempo e recursos.
Você pode achar que não vale a pena gastar nem um minuto com esse divertimento NERD, mas eu acho meu entretenimento esporádico um treinamento que aumenta em muito as minhas chances para resolver qualquer problema que possa aparecer, por me ajudar a reconhecer pontos chaves, fatores limitantes e calcular probabilidades de sucesso. Ai é uma questão de decidir (que, definitivamente, nem sempre é fácil).
Mas eu também decido, porque convenhamos, depois que a gente cresce, resolver problemas pode ser divertido também. Mas como resolver problemas não é a minha única forma de divertimento (eu tenho muitas, muitas outras), depois de resolvido o problema, posso ir mais cedo pra praia, ou pra festa, me divertir de verdade.
O que eu não acho a menor graça, é em quem não gosta de investir nenhum tempinho em resolver seus problemas, e fica pra lá e pra cá com os problemas debaixo do braço, sem nunca abandoná-los. Quase se vangloriando, orgulhosos, que seus problemas não tem solução. Vai pra praia e leva os problemas. Vai pra festa e leva os problemas. Isso é que não é diversão. Pra mim, esses são os verdadeiros NERDS.

O primeiro dia do II Encontro de Blogs Científicos

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O ditado diz que tudo o que é bom, dura pouco.
E durou mesmo. Acabou ontem as 17h o 2o EWCLiPo. Foi organizado, num lugar lindo (Arraial) com um tempo maravilhoso, gente inteligente, discussões pertinentes e … diversão. O que mais eu poderia querer?
Tudo começou na 6a feira com Milton Moraes do ‘Confraria da Boa Companhia‘ falando sobre gastronomia e ciência. Ele usou os novos conceitos de gastronomia molecular para mostrar como a ciência vem mudando a culinária. Ferran Adrià, considerado atualmente o melhor ‘chef’ do mundo, é um químico de formação que aperfeiçoa a sua cozinha com conceitos científicos. Como um professor em uma aula prática, impressionou a platéia extraindo DNA de morango ao vivo usando apenas produtos encontrados na cozinha e aplicou conceitos da gastronomia molecular para fazer drinks como caipirinha sólida e mousse de caipirinha.
A seguir o coquetel de abertura teve um risoto de frutos do mar preparado pela chef Janaina Jan do Chez Naná. Quando os marinheiros do Hotel Ressurgência começaram a ficar nervosos com aquela movimentação toda as 11:30 da noite, nos transferimos para o Saint-Tropez, no final da Praia dos Anjos.
O dia amanheceu belíssimo, confirmando as previsões da meteorologia, apesar da chuva pesada de 5a e 6a feira e qual não foi a minha surpresa quando as 9:30, com apenas meia hora de atraso, estavam todos prontos para ouvir esse que vos conta, Mauro Rebelo do ‘Você que é biólogo…’ falar de Escrita criativa.
A palestra tratou dos 7 pontos problemáticos na escrita de alunos (e outros cientistas) no processo de autoria de textos: sejam eles respostas a perguntas de provas, ou a elaboração de artigos, dissertações e teses. Fez um paralelo com a 2a lei da termodinâmica para questionar aqueles que acreditam que escrever depende de ‘inspiração’: escrever depende de ‘investimento energético’, porque a maior parte do tempo você precisa gastar re-escrevendo o que escreveu, até ficar bom. Seja na tese, no blog e até mesmo no twitter.
Depois Sonia Rodrigues do ‘Inclusão Digital’ falou da sua experiência no ‘Poesia para físicos’, no ‘sei mais física‘ e no ‘almanaque da rede‘: iniciativas para a inclusão digital de jovens e adolescentes. Quando você tenta fazer inclusão digital para jovens, descobre que o problema é anterior a universidade, onde eles chegam dom deficiências difíceis de consertar, o que ficou claro no ‘poesia para físicos’. Foi então que ela resolveu atacar o problema em crianças e adolescentes da escola pública, se deparando com os problemas que a falta de cidadania gera para esse público, principalmente em áreas de risco. As vezes R$100 para a passagem de ônibus e 1h de acesso a internet em uma Lan House é a diferença entre uma criança com 90 pontos no índice de Raven conseguir chegar ao vestibular em física na UFF.
Foi então que blogueiro profissional Carlos Cardoso do ‘Contraditórium‘, ‘Meio bit‘ e uns outros 5 blogs subiu no palco para falar aos blogueiros de ciência sobre os desafios da profissionalização. Com 5000 visitas únicas por dia em apenas um de seus blogs e muito conhecimento do assunto, ele tinha conhecimento de causa. Só que ainda era muito divertido: “Bom dia, meu nome é Carlos Cardoso, e eu sou um NERD”. Entre as dicas para ganhar dinheiro com um blog a associação com sites de vendas de livros nos textos com resenhas foi a que mais fez sucesso com os blogueiros científicos, mas a apresentação também levantou outras questões como a perseguição de grupos fundamentalistas e outros ‘stockers’. O mesmo tema voltaria a tona no dia seguinte na palestra de Suzana Herculano.
Em seguida, Carlos Hotta do ‘Brontossauros em meu jardim‘ e Átila Iamarino do ‘Rainha Vermelha‘ movimentaram a platéia falando sobre a experiência de ‘síndicos’ do Science Blogs Brasil. As vantagens de se andar em bando são muitas, e o que suscitou a discussão foram justamente os critérios para se entrar no grupo, principalmente agora que o grupo está se aproximando do seu limite de número de blogs. Um condomínio não deixa de ser um ‘selo’, mas esse selo não deve ser o único. É importante que outros condomínios de blogs científicos se formem em torno de temas comuns, e que blogs importantes continuem em suas trajetórias individuais. Viva a diversidade! Átila ainda falou sobre o Research Blogging, uma ferramenta para aumentar a credibilidade da informação publicada que dá um ‘selo’ ao texto que é publicado fazendo referência (e disponibilizando) o artigo original ao que se refere ao informação.
Caminhada pela praia, almoço no Saint-Tropez, é incrível que novamente as 15:30 estivessem todos reunidos novamente para ouvir Osame Kinouchi do ‘SemCiência‘ falar sobre ‘Redes de informação e a blogsfera científica’. O conceito de redes complexas é fundamental para um blogueiro compreender como a informação flui na grande rede e como o qual o comportamento da informação publicada no seu blog. Ele ainda falou das mudanças na autoridade ‘technorati’ geradas pelo aparecimento do Twitter e deu um panorama da blogsfera científica brasileira, que hoje conta com aproximadamente 250 blogs, considerados como blogs ‘vivos’ aqueles que sobrevivem publicando após os primeiros 3 meses de empolgação, blogs ‘mortos’ aqueles que deixaram de publicar há seis meses e extintos os que saíram do ar.
Então Leandro Tessler do ‘Cultura Científica‘ falou da anti-ciência, o efeito negativo causado pela ciência de má qualidade publicada em jornais de grande circulação. Para ele o problema pode estar nos conflitos que a rede (internet) criou com relação a hierarquização, autoridade, e da informação. Ele acha que temos que tentar regular isso, eu acho que não dá: vamos ter que aprender a conviver com isso.
Depois de mais um intervalo, Bernado Esteves, editor da ‘Ciência Hoje on line‘ falou do espaço do blogs na divulgação de ciência e mostrou com muita clareza o papel de jornalistas e cientistas nessa divulgação, antecipando a discussão de Domingo. Para ele cada um tem sua especialidade e da mesma forma que um jornalistas não pode entrar em um laboratório e se propor a ensinar o pesquisador como operar um espectrômetro de massas, um pesquisador deveria ter mais cuidado ao propor como deve ou não deve ser o texto de um jornalista. Muita gente deveria vestir essa carapuça. Para ele, os cientistas tem um papel fundamental na divulgação ao publicar sobre o que é interessante, mas não necessariamente importante (como o funcionamento de um mecanismo molecular dentro da célula), enquanto o do jornalista é informar sobre o que é importante, ainda que não seja tão interessante (como a distribuição de verbas para a ciência no próximo ano).
O dia terminou com Osame Kinouchi distribuindo os prêmios de melhor blogs científicos eleitos por votação popular organizada pelo ‘Anel de Blogs Científicos‘.
Como a 6a feira tinha terminado tarde, resolvemos todos ir direto para o Saint-Tropez tomar uma cerveja (porque ninguém é de ferro) e tentar voltar mais cedo para a pousada. Foi uma ótima idéia, mas não funcionou. Fomos todos dormir tarde. Cardoso se apaixounou pela filha do dono do Saint-Tropez, uma loira linda com um micro shortinho que trabalhava no caixa e que ele apelidou carinhosamente de Penny, em homenagem a loirinha que anda com Nerds no seriado ‘The Big Bang Theory‘.

Falta 1 dia para o II EWCLiPo

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O II EWCLiPo começa amanhã, mas nós já estamos indo pra Arraial arrumar tudo pra esperar vocês. Ainda dá tempo de se planejar. A programação está imperdível.
PS: Se o tempo continuar assim chuvoso, o encontro será um sucesso! 🙂

Observações

Tava escrito até no artigo da Nature: blogueiros nunca poderão substituir jornalistas, porque eles querem escrever apenas sobre o que eles quiserem.
Talvez seja porque estou me emocionando lendo a biografia de Nelson Rodrigues escrita por Ruy Castro que hoje não vou falar diretamente de ciência. Nelson era incrivelmente, unanimamente mal compreendido, mas fazia poucas, muito poucas concessões. Admiro pessoas que fazem poucas concessões (talvez da mesma forma que não admiro aquelas que não fazem nenhuma).
Hoje uma querida amiga, psicóloga, me enviou um link para um artigo que falava sobre como homens ‘perdem a cabeça’, um eufemismo para ficam mais burros, quando falam com um mulher bonita.Lembrei de você‘ ela escreveu.
Tentei ler o artigo original, o que eu sempre faço quando leio um release que chame atenção, que seja minimamente interessante, ou de alguma forma polêmico; mas o site do sciencedirect, que guarda os artigos da “Journal of Experimental Social Psychology“, mas hoje o site está fora do ar para manutenção durante todo o dia. O primeiro release foi publicado no Telegraph, de Londres, um jornal que pode não ser o mais sério, mas também não é pequeno.
Não precisei ler o artigo original para ver que concluir que se tratava de mais um estudo mal planejado, com conclusões precipitadas, mas que, por se tratar de um tema popular, saiu publicado em jornais de todo mundo.
E aqui novamente me lembro de Nelson Rodrigues.
Ontem dei uma aula sobre Criatividade no mestrado em Educação em Saúde da Fiocruz. Há vários anos meu amigo Milton me convida para dar essa aula. Eu sempre convido ele pra falar sobre marcadores moleculares de doenças negligenciadas no meu curso de Relações Gene-Ambiente, o que é muito menos legal. Mas esse ano estou compensando, porque ele fará a abertura do 2o EWCLiPo, falando sobre ciência e gastronomia: pode ter alguma coisa mais legal?
Ontem, antes da aula, enquanto discutíamos sobre o caipirinhas de DNA (que ele preparará ao vivo no encontro) conversamos, como tantas vezes fazemos, sobre ciência e sociedade. A citação do artigo ‘cospe ou engole’ em um texto sensacional sobre orgasmos, no blog Rainha Vermelha, gerou mais de 500 acessos no VQEB. Chegamos a conclusão que se quisermos aumentar o nosso público leitor, teremos de colocar sexo entre as palavras-chave.
O artigo ‘mostra’ que homens que conversam, até mesmo poucos minutos, como uma mulher que eles acham atraente, tem uma performance pior em testes para medir habilidades cognitivas. Isso estaria relacionado ao esforço de sedução que os homens empregam e as oportunidades de acasalamento que procuram. As conseqüências estariam nos efeitos dessa ‘baixa performance’ em ambientes de trabalho e escolas mistas.
Me lembro novamente de Nelson Rodrigues, porque talvez, eu disse talvez, o artigo fosse interessante como exercício teórico. Mas isso na Holanda. No Brasil, Nelson já falava disso mais de 50 anos atrás (‘Vestido de Noiva’ estreou em 1953).
Como pesquisa científica? Fala sério. O cara usou um grupo de 100 adolescentes, estudantes de alguma faculdade da Holanda, conversando com modelos. Pra quem quiser saber alguma coisa séria sobre sexo e a natureza humana, leia a ‘Sperm Wars’ ou ‘Red Queen‘. Sinto muito, mas os títulos estão em inglês justamente porque os livros ainda não foram publicados em português (outra opção é ler o VQEB).
Houve uma época que todos os livros de ciência traziam ‘Deus’ no título. Era uma estratégia de marketing. Será que basta agora colocar sexo no título? Eu aprendi com que nunca, nunca devemos enganar o nosso leitor. Por isso, sexo no título (ou nas palavras chaves) só quando tiver sexo no texto.
Mas não só. Escreveremos sobre sexo apenas quando houver o que ser dito sobre sexo. Pelo amor de Deus(?)! O artigo sobre ‘Como a interação como mulheres atraentes podem diminuir as funções cognitivas do homem’ sugeria como leitura outras pérolas:

Infelizmente, existem revistas demais que são científicas de menos. E um jornal sensacionalista quase sempre conseguirá ‘legitimar’ de um de seus artigos em um artigo científico furreca. E sem critério, não dá pro leitor saber.

Cuidado com o penteado

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“Gosto não se discute” é o que diz a sabedoria popular. Mas não é bem assim, não é mesmo? Pra começar uns dizem que na verdade não se discute, se lamenta. Mas a maioria… essa gosta mesmo é de discutir (e principalmente criticar) o gosto dos outros. Se olharmos pra todos os bares lotados no Rio de Janeiro a partir de 5a (4a?) feira, podemos até dizer que é esse o esporte nacional.
Pô, então eu vou me juntar ao coro dos que não gostaram do texto publicado na coluno Espiral do G1. O estudo de um indiano, publicado numa revista indiana, revela(?) a relação entre o sentido dos redemoinhos no couro cabeludo de homens e as suas preferências sexuais. Eu já escrevi sobre homsexualidade aqui e aqui e sei que é um tema acalorado. Mas é sempre um tema que desperta o interesse das pessoas, então sempre que há uma discussão científica sobre o assunto, vira notícia. O problema é que de ciência o artigo original tem muito pouca. Falta de embasamento teórico, seleção de observação, baixo número amostral, má aplicação de ferramentas estatísticas, conclusões tendenciosas… está tudo lá (vejam os comentários da matéria). Nossa… parecia até o exemplo que meu amigo usava nas aulas de estatística sobre como a eventual existência de correlação entre ‘dias de chuva x número de homens calvos’ em uma cidade não demonstra qualquer relação causal. A relação entre a preferência sexual, a orientação dos redemoinhos de cabelo e o uso de hemisférios do cérebro é tão fraca que eu arrisco a dizer que na verdade a orientação dos redemoinhos é um efeito da força de Coriolis (aquela relacionada com a rotação da Terra e que faz com que a água desça pelo ralo para a esquerda no hemisfério sul e para a direita no hemisfério norte). A impressão que dá é que o autor (do artigo) quis fazer uma brincadeira. E o autor da coluna quis fazer outra. Só que parece, pelos comentários, um monte de cientistas lêem a coluna e não acharam muita graça. Vai gente, foi brincadeira! Logo o Alysson que parece ser um cara preocupado com as mazelas do marketing científico a ponto de escrever um artigo sobre o tema no início do ano. Então acho que foi só uma brincadeira de gosto duvidoso mesmo. Tomara que ele publique logo outra coisa. Mas justamente quando o II EWCLiPo se propões a discutir o papel de cientistas e jornalistas na divulgação científica, não poderia deixar de comentar isso. Dá até pro Leandro usar na palestra dele.

A Musa

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Uma das coisas que me fascina na ciência é a íntima relação com o conhecimento. Me deixa excitado e é o maior afrodisíaco que conheço.
Tantas coisas aparentemente chatas ficam legais depois que você conhece a história por trás delas. É o caso dos Fori romanos. Quem disser que acha lindo aquele monte de ruinas está mentindo pra se fazer de intelecutal. Mas quando você vê uma reconstituição dos edifícios, lê a história da batalha, cuja vitória justificou a construção de um templo em homenagem ao Deus da guerra (Marte), aprende de onde foram trazidos os mármores das colunas, então tudo ganha um significado diferente e passear por aqueles escombros se torna uma aventura épica. É melhor que o livro, que é melhor que o filme.
Por isso que eu disse que dá tesão, porque é a emoção gerada pelo conhecimento, e não o conhecimento em si, que muda tudo. As vezes uma informação simples, transforma algo banal em uma coisa especial. Se não especial, bela. Enfeita.
E a biologia pode fazer o mesmo pelas coisas simples. E ainda hoje, apesar da nossa longa convivência, continua me surpreendendo. Veja a banana. Para mim sempre foi a mais banal das frutas: ‘dá como banana em cacho’; ‘a preço de bananas’… Nunca fui muito fã de bananas. Já meu avô, português de Trás-os-montes, adorava bananas que na sua terra eram uma coisa completamente diferente do que se encontrava aqui.
Talvez tenha sido quando morei fora do Brasil e as bananas eram realmente horrorosas, ou quando aprendi a dividir uma banana em 3 no ‘The Dreamers’ de Bertolucci, ou quando descobri que é uma fruta muitíssimo prática para quem mora sozinho e quer ter uma fruta em casa. Comecei a ficar fã das bananas. Mas depois de ontem, elas me emocionam.
Como não pude atender o convite, fui perguntar as meninas como tinha sido a fala do escritor angolano Agualusa na Travessa. Eu já tinha visto ele na FLIP de 2007 e sabia que o cara era bom. Elas disseram que ele contou como ser agrônomo influenciou na sua decisão de ser escritor, porque ele se inspirava nos belos nomes científicos das espécies. O exemplo foi a banana, cujo nome científico, dado por Lineu no século XVIII é Musa paradisiaca. Gente… e como eu não sabia disso?
Quis saber mais (porque eu sou assim mesmo é quero sempre mais). Na verdade a pergunta na minha cabeça era: o que levou Lineu a dar esse nome tão singular a banana?
Curiosamente encontrei a resposta. Mas essa história já está super bem contada neste artigo de 2001 da colunista Vera Moreira, que eu cito aqui não só porque vale super a pena ser lida a etimologia do termo escolhido por Lineu para identificar cientificamente a banana (que já foi tida como a verdadeira fruta proibida), mas também porque eu sempre cito as minhas fontes e não quero mais os chatos de plantão me acusando de plágio.
De uma forma ou de outra, foi emocionante comprar bananas no supermercado hoje.

Falta pouco para o II EWCLiPo!

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Ewclipo_2009_cartazete.pdf
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Fechamos o programa do II EWCLiPo e ficaram prontos (e belíssimos) o folder e o cartaz do evento feitos pela designer Patrícia Kiss. Imprimam e divulguem em suas instituições! Os inscritos aumentam a cada dia e . Além do time de palestrantes de primeira categoria, teremos outras personalidades na platéia como o cientista pop das células tronco Stevens Rehen. O II EWCLiPo é uma iniciativa dos blogueiros de ciência reunidos no Anel de Blogs Científicos e tem apoio do Instituto de Biofísica da UFRJ, do IEAPM, com financiamento do CNPq e secretaria de divulgação científica do MCT. Não perca! Esperamos por você em Arraial do Cabo!

Blogs de ciência e Inclusão digital

Sonia Rodrigues e Mauro Rebelo na noite de autógrafos do livro dela 'Meu nome é Maria'Versão completa da entrevista a Sonia Rodrigues no Blog Inclusão Digital de O Globo.
Queria começar agradecendo à Sonia o convite para a entrevista. Ainda há muito preconceito no meio acadêmico quanto aos blogs, e acredito que haja 3 razões: primeiro o pânico dos acadêmicos em colocar seus dados em qualquer outra mídia que não sejam os tradicionais artigos científicos em revistas indexadas; segundo que apenas essas revistas contabilizam para o currículo do CNPq e outras agências; e terceiro, um preconceito maior ainda com novas ferramentas que são usadas na internet, principalmente, para entretenimento.
Sonia: Queria que você falasse um pouco sobre blogs científicos. O que é mesmo um blog científico?
Mauro: São blogs que falam de descobertas científicas (tanto as novas quanto as históricas), a vida e obra de cientistas, mas principalmente, sobre a ciência no cotidiano das pessoas. Está todo mundo ouvindo falar na TV de genoma, terapia celular, células tronco, clonagem, nanotecnologia, computadores quânticos, mas sem que haja uma verdadeira ‘tradução’ do que significam esses termos, e o que as tecnologias desenvolvidas a partir dessas descobertas científicas podem realmente trazer de benefícios para a sociedade. Os blogs científicos oferecem uma possibilidade do cidadão comum se informar ou se esclarecer sobre essas coisas, que é verdade, podem ser muito complicadas. O mais importante é que os blogueiros científicos possuem um compromisso com a ciência do que eles estão divulgando, mas que com a notícia. Nem sempre um jornal ou programa de TV pode valorizar isso. É claro que nesse processo os blogs acabam falando de outros assuntos ligados direta ou indiretamente a ciência como educação, política, tecnologia, saúde e religião. Houve, por exemplo, um grande esforço na comunidade de blogs científicos para explicar o que os cientistas realmente sabiam sobre a gripe H1 para tentar amenizar o sensacionalismo das notícias. Ainda são poucos, infelizmente, os blogs científicos especializados, que fazem o que chamamos ‘cadernos de protocolo’, onde cientistas divulgam os resultados de suas pesquisas para o publico diretamente do laboratório para a grande rede. Para quem quiser saber mais sobre o que é um blog científico, nos dias 25 a 27 de Setembro realizaremos o II encontro de blogs científicos em Arraial do Cabo (RJ).
Sonia: De que maneira esse movimento de blogs científicos se relaciona com inclusão digital?
Mauro: De diversas maneiras. Acredito que a melhor forma de desmistificar a tecnologia, é desmistificar a ciência por trás dela. A exclusão digital que observamos hoje é resultado da exclusão científica que vimos observando há muito tempo. Hoje tudo de importante que acontece aparece na televisão, no computador, no celular. Mas quando eu entro na sala de aula e pergunto quem foi Maxwell, o físico escocês que descobriu que campos elétricos variando rapidamente deveriam gerar ondas eletromagnéticas que se propagariam no espaço, o que é a base da tecnologia de todos esses aparelhos, todo mundo acha que ele é só o nome de uma marca de CDs. As equações de Maxwell são realmente difíceis, mas ninguém precisa aprender elas pra saber o que elas explicam. É verdade também que ninguém precisam saber o que elas explicam para poderem usar um celular, mas se soubessem, saberiam que um vídeo na internet que coloca um ovo sendo cozido entre dois celulares que se comunicam só pode ser uma montagem. Para mim, sem inclusão científica, não há inclusão digital. E os blogs de ciência ajudam na inclusão científica.
Mas também há o oposto: não há como fazer inclusão científica hoje sem inclusão digital. Vivemos em um mundo saturado de informação (em boa parte produzida pela ciência) e precisamos muito da tecnologia para acessar essa informação científica. Alguém que quisesse se informar sobre ciência há 50 anos, ia a uma biblioteca, hoje tem que ir a internet. Se ela não sabe usar o computador… Isso também prejudica os futuros cientistas. Hoje, as metodologias da ciência são todas de alta tecnologia. Antigamente os estudantes precisavam aprender a misturar líquidos em frascos, usar uma balança, uma pipeta. Hoje tem de operar espectrômetros de massas, citômetros de fluxo, microscópios confocais e outros aparelhos, todos digitais, que são delicados e complexos. Tudo passa pelo computador.
Sonia: Você conhece a ferramenta “Google Wave” em teste? Poderia falar um pouco sobre isso?
Mauro:
Essa me parece uma nova ferramenta para uma velha idéia: colocar os cientistas para colaborar online. Antes mesmo da WEB 2.0 já existiam programas capazes de fazer isso. O próprio PUBLIQUE!, software nacional utilizado para gerenciar o conteúdo WEB de dezenas de empresas publicas e privadas, ficou famoso mais de 10 anos atrás justamente por ser colaborativo. É maravilhoso que um documento possa ser editado por diferentes autores e que o conteúdo não seja limitado ao texto. Imagina clicar no nome de uma proteína (e eu trabalho com uma que se chama metalotioneína) e ver não só a foto ao lado da sua estrutura molecular, mas também abrir uma janela para movimentar a sua estrutura em 3D? Mas eu vejo dois problemas: o primeiro, como diz a própria entrevista, é a dificuldade para usar essas ferramentas. O segundo, é que os cientistas realmente não estão pedindo por elas. Eles ainda não sentem a necessidade disso. Entre em um departamento de uma universidade e tente explicar a um professor sênior, que até 5 anos atrás mal usava e-mail, que ele agora tem que escrever os artigos dele online de forma colaborativa. Você vai ouvir todo o tipo de resistências. Mas ai é que entram os alunos. Eles estão gerando a demanda. Minhas alunas no laboratório mandam ‘presentes virtuais’ umas para as outras, da loja de ‘presentes para biólogos moleculares’ do facebook. Eles usam as comunidades virtuais e estão dominando as ferramentas de colaboração. Os professores e pesquisadores vão ter de acompanhar.
Sonia: Gostaria que você comentasse também como o software livre e as ferramentas colaborativas funcionam na produção ou extensão no campo da ciência.
Mauro:
Acredito que o conhecimento científico deve ser público e gratuito. Para isso o cientista passa pro 3 etapas: a produção do conhecimento, a sua verificação e a divulgação. O software livre tem participa de todas elas.
Para gerar conhecimento, a análises de muitos dados científicos são possíveis apenas através de programas de computador, por softwares muito específicos e utilizados por poucas pessoas. Esses programas geralmente foram subsidiados (direta ou indiretamente) e por isso são livres e de código aberto.
O principal mecanismo de correção da ciência é a discussão, a avaliação pelos pares. Essa verificação é feita principalmente no momento da publicação dos dados e por isso ambos se misturam. Ainda hoje o sistema de comunicação de dados científicos formal ainda são as revistas impressas. A discussão funciona, mas é muito, muito lenta. Os autores escrevem artigos, enviam para os editores, esses enviam para revisores, esses enviam de volta para o editor, que retorna para o autor. Quando publica, um leitor precisa escrever uma carta ao editor para poder fazer um comentário. Dá pra acreditar? Mas isso está mudando. Na revista científica especializada PLoS One o leitor pode dar nota e fazer comentários online em um artigo científico. No Brasil, a revista eletrônica Bioletim (www.bioletim.org), publica os estudantes de biologia em fase de revisão em um blog, para que possam ser revisados pelos colegas antes mesmo da publicação. O Bioletim é na verdade um portal de serviços pra comunidade acadêmica com muitas outras ferramentas colaborativas e foi todo construído com o software de código aberto DRUPAL (drupal.org). Ele é gratuito, modular, extremamente flexível e possui uma comunidade de desenvolvedores enorme, que produzem módulos para praticamente qualquer facilidade que você queira introduzir no seu portal. Hoje um cientista tem a sua disposição um grande arsenal de software livre para realizar qualquer uma das suas atividades e isso tem favorecido a divulgação da ciência e a inclusão científica.

Sonia: Gostaria que você sugerisse alguns links, se possível com uma linha de identificação de cada um.
Mauro:
A melhor dica para conhecer um blog de ciência é visitar o Roda de Ciência (http://rodadeciencia.blogspot.com) onde diversos blogueiros publicam sobre um tema diferente a cada mês. Cada um tem o seu blog e publica nele o texto sobre o tema do mês, e direciona os comentários para a roda. O Blogs de Ciência (http://divulgarciencia.com) é um site português que repete os artigos publicados em vários blogs de ciência em língua portuguesa cadastrados. Pra quem lê inglês uma boa dia é o Science Blogs (http://scienceblogs.com). E é claro, o Science Blogs Brasil, onde está o meu blog ‘Você que é biólogo…’ (http://scienceblogs.com.br/vqeb) na ilustre companhia de vários colegas blogueiros da maior qualidade.

A trajetória de um biólogo II – Homenagem ao dia do biólogo

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Bem na foto – Turma de 89/1 no laboratório de genética em 1990. Do alto à esquerda para baixo: Reo, Ana Paula Falcão, Marília, Vivi morena, Ricardo Barney e Helena. Ricardo Maiô, Rodrigo Magoo, Carla de Carli Silvia e Gisela. Deia, Mauro, Renato, Ronald, Betina e Marcos Vinícius (com a prof. Vera no estereoscópio).
(Continuação)
“Colei grau às 10h da manhã de uma terça-feira como biólogo marinho, e às 13h estava num ônibus para Rio Grande, no Rio Grande do Sul. Tinha sido aprovado no mestrado em Oceanografia Biológica e passaria naquela fria e chuvosa cidade dois anos de grande crescimento pessoal e profissional.
Morar sozinho pela primeira vez foi um desafio. Ao meu lado tinha o benefício de ter a melhor bolsa de mestrado que esse país já viu. Eram os idos de 1994 e, com o Plano Real, R$ 800,00 equivaliam a U$ 800. Consegui até economizar um dinheirinho. Mas na Oceanografia as demandas que Química e Física alcançaram um novo patamar e tive que estudar muito para superar minhas deficiências em Matemática e Cálculo.
O mesmo aconteceu quando precisei aprender Estatística de verdade para poder fazer minha tese. Descobri com meu colega de laboratório José Monserrat o quão interessante, útil e poderosa é a Estatística e hoje tenho certeza que é ela, e não a Física, que explica o mundo. Minha tese foi com o efeito de amônio na osmorregulação do caranguejo Chasmagnathus granulata (ainda hoje me lembro o nome de cor) e tenho muito a agradecer pelo que aprendi com todas as pessoas do departamento de Ciências Fisiológicas da Furg.
De volta ao Rio, não entrei para o doutorado direto. O CNPq havia lançado um novo programa chamado Desenvolvimento Científico Regional (DCR) para estimular a ida de pesquisadores para o Nordeste. Assim escrevi um projeto para trabalhar com a Dra. Iracema Nascimento na UFBA. Mas o CNPq perdeu o projeto e caí no temido limbo entre mestrado e doutorado.
Em 1996, acontecia um evento que mudaria a cara da sociedade: a internet saiu das universidades e começou a ser oferecida a população por provedores comerciais. Além de biologia, eu só sabia mexer com computadores. Ainda que superqualificado, comecei a trabalhar como estagiário em um provedor de internet. Foi muito divertido e aprendi muito sobre computadores (como abrir, montar e desmontar) e sobre informática (a lógica da máquina, protocolos, algoritmos, etc.). Ambos os conhecimentos seriam de suma importância quando entrasse no doutorado, seis meses depois.
Sim, ainda que eu pudesse muito bem trabalhar com informática a vida toda, isso teria de ter acontecido em outra vida, onde eu não tivesse tido contato com a ciência. Entrar no doutorado não tem a ver com ser biólogo, mas com se tornar cientista. Muitas pessoas não veem essa distinção. Termine o mestrado e se a tese foi um sacrifício para você, vá trabalhar na Bayer. O doutorado é um forte treinamento em ciência, mas também o estabelecimento de uma relação mais íntima com o meio acadêmico que, cá entre nós, não é para qualquer um.
Entrei para o doutorado do Instituto de Biofísica da UFRJ. A primeira coisa que aprendi no doutorado foi que ele é um caminho para alguma coisa e não um fim. Isso significa que a tese é um projeto de pesquisa e não um projeto de vida. Entender isso com clareza ajuda a poupar um monte de frustrações.
Mas provavelmente a decisão que mais influenciou minha vida acadêmica foi participar de uma reunião dos estudantes de pós-graduação onde me elegeram, por total falta de outro candidato, representante dos alunos no conselho deliberativo do IBCCF. Logo nas primeiras reuniões com os representantes dos departamentos (chamados de programas lá) e com os professores titulares, percebi o que era a academia no seu dia-a-dia. Foi bom, porque eu pude escolher e me preparar para o que me esperava: política e egos, como em qualquer outra profissão ou repartição, ainda que menos nobre.
Ainda no primeiro ano, a Capes e CNPq fizeram uma séria de visitas para avaliar os programas de pós-graduação, algumas vezes com comissões externas. Em uma dessas visitas, participei de uma reunião que ajudou a determinar minha relação com a academia. Eu, como muitos outros alunos de PG, já estava cansado de viver de bolsa por tantos anos e ansiava pelos concursos para professor assim que terminasse o doutorado. Mas o CNPq disse que não, que não queriam perder a nossa fase mais produtiva e por isso estimulariam a saída do país para o pós-doc logo após o doutorado, adiando ainda mais o nosso ‘projeto de vida’. Aprender a se resignar com o que você não pode mudar é uma coisa muito importante se você deseja ser uma pessoa produtiva.
Durante o doutorado, além da tese, preparei meu currículo, cuidando com muito carinho de publicações, cursos e congressos. Criei laços com professores e laboratórios, aprendi outras línguas e busquei um pós-doutorado. Mais uma vez as discussões com meus amigos eram, senão o principal , o mais constante desafio intelectual que eu participava. Meus amigos cientistas são parte da razão pela qual eu sou cientista.
Em 2002, fui para a Itália viver outro desafio: trabalhar em um laboratório moderno, com todos os recursos que precisava para fazer ciência de alta qualidade e competitividade. País, língua, cultura, comida e costumes diferentes, ainda tendo que fazer ciência no meio: será que eu ia dar conta? Dei. E quando voltei para o Brasil, em 2004, tinha muito mais do que alguns trabalhos na bagagem. Eu era um cientista.
Quando passei no concurso para professor no IBCCF naquele mesmo ano, realizei o sonho da criança que catava os peixes com baldinhos na lagoa. Era biólogo e cientista e meu projeto de vida estava só no começo. Hoje, os desafios são outros, mas de certa forma são os mesmos: aprender a reconhecer o que podemos mudar e o que não podemos e coragem para fazer o que tem de ser feito.
Coordeno o laboratório intermediário de biologia molecular ambiental, onde pesquisamos o efeito e o mecanismo de toxicidade de substâncias poluentes em organismos aquáticos. Você sabia que ostras têm câncer? Que camarões têm intoxicação alimentar e param de crescer? E que o ditado ‘a água não está pra peixe’ é justamente porque quando ela está suja eles fogem? Nós pesquisamos tudo isso.
Mas além da pesquisa, eu, como discípulo de Carlos Chagas Filho, acredito mais do que nunca no seu lema: ‘na universidade se ensina porque se pesquisa’. Minhas atividades didáticas cresceram e continuam crescendo, dentro e fora da universidade. Dentro tenho duas disciplinas na pós-graduação e coordeno as disciplinas de Biofísica para a Biologia, um curso moderno e dinâmico, com um ambiente virtual próprio e um programa renovado. Fora, estou envolvido com a capacitação de docentes em EAD para a Universidade Aberta do Brasil.
Completando o tripé da universidade, coordeno um ambicioso projeto de extensão que envolve divulgação científica e treinamento de jovens cientistas. O portal Bioletim (www.bioletim.org) foi montado para recuperar a revista de divulgação científica homônima que nasceu no âmago da nossa turma (DRE: 891), quando éramos todos alunos de graduação do Instituto de Biologia da UFRJ, em 1993. Além da proposta inicial, hoje o portal é um poderoso gestor de conteúdos, com uma plataforma de EAD que atende atualmente a 10 disciplinas e com uma estrutura de rede social que já lhe valeu o carinhoso apelido de Orkut científico. Mas a menina dos olhos do projeto é o roteiro que ajuda os autores novatos a organizarem as informações para a construção online, em poucas horas, de um artigo que pode ser submetido a revistas.
Mas essa experiência não veio do berço. Escrever é treino e prática. Noventa e nove por cento transpiração e um por cento inspiração. Por isso tenho um blog com quase 200 textos científicos para leigos e amantes da ciência: o ‘Você que é biólogo…’ (scienceblogs.com.br/vqeb ).
Para quem está começando agora a sua trajetória na biologia e na ciência, eu diria que a fórmula do sucesso na academia está na regra do 80:10:10, inventada por uma americana que preferiu não citar o seu nome. A regra diz que 80% do seu tempo você deve trabalhar da melhor forma possível, 10% do seu tempo deve investir em desenvolvimento pessoal e nos conhecimentos que serão importantes nos próximos 5-10 anos e 10% do seu tempo você passa dizendo para o maior número possível (e importante) de pessoas o quanto você trabalha bem e é competente. E é claro, é bom contar com um pouco de sorte.”

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