Oficina de Escrita Criativa em Ciência

Diário de um biólogo – Terça, 17/05/2011 – PRIMO's Next

Em Outubro vamos organizar novamente a Escola Internacional de Pós-graduação em Meio Ambiente e Saúde. A expectativa é que esse ano tenhamos uma adesão ainda maior, principalmente depois da apresentação que eu no congresso internacional de efeitos de poluentes em organismos marinhos. Para se inscrever, basta ir na página da escola em www.bioletim.org/primosnext.

Abaixo você pode ver a apresentação da escola no congresso internacional. O vídeo é de baixa qualidade, mas o som está muito bom e você pode acompanhar a apresentação preparada com o PREZI.
Comente e divulgue.

O carro na frente dos bois

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Descobri o que anda me irritando tanto nos congressos e na ecotoxicologia em geral: primeiro, ninguém sabe fazer apresentações de PowerPoint interessantes (colocam mais introdução do que resultado, introduzem o que a platéia já sabe, não treinam e não respeitam o tempo, usam tabelas impossíveis de ler, figuras pequenas demais, e outras coisas que você pode ler aqui). Mas isso é em qualquer área e é o que torna os congressos tão chatos em geral. A segunda coisa é que os trabalhos são pequenos demais. Quer dizer, as vezes são trabalhos grandes, mas com uma pergunta muito específica. Parece que estamos todos olhando para um aspecto muito particular, de um problema mais particular ainda, porque a ‘big picture‘, o problema como um todo, é muito grande, muito complexo, ou muito caro. Mas o que mais me irrita mesmo, é o pessoal que faz um experimento e depois fica ‘brincando com os dados’ pra ver o que pode responder. Encontra uma correlação aqui, uma correlação ali… e acha que pode concluir alguma coisa. Colocar os resultados antes de ter muito claro qual, ou quais são, as perguntas, é colocar o carro na frente dos bois. E desrespeitar um princípio básico do método científico. A pergunta tem que vir ‘antes’ do desenho experimental e da análise dos resultados. A falta de uma pergunta específica no início do experimento, leva a um desenho experimental que responde não só a uma, mas a várias perguntas. Quando se observa um evento a posterióri, podemos justificá-lo ou explicá-lo não com uma, mas com várias teorias. Sem nunca poder determinar qual a verdadeira. (no máximo podemos usar a Navalha de Occam pra escolher qual é a melhor) É sempre possível, com base em uma mesma observação, contar várias histórias plausíveis. É o que diz a lógica dedutiva, e por isso que não podemos usá-la no método científico.

Molho de tomate e a origem da vida

Eu adoro cozinhar. E a minha especialidade é molho de tomate. Herdei da minha avó e aprimorei com minhas tias italianas. Modéstia a parte, é um espetáculo. Hoje, enquanto dava a última fervida antes iniciar o longo processo de apuração a frio, vi elas lá, lindas, algumas ‘células de Benard‘. Bom, não eram exatamente como deveriam ser, mas com ‘um pouco de muita boa vontade’, podia-se até imaginar que, nas condições ideais, elas apareceriam, pra enfeitar o meu molho de tomate.
Mas acho que, além da emoção da despedida de hoje, eu me emocionei com o fato de, finalmente, entender o que são as ‘células de Benard’ e porque elas são tão importantes.
Não se preocupe se você nunca ouviu falar sobre isso, é justamente o que eu vou explicar aqui.
Em 1997, quando eu começava o doutorado no Instituto de Biofísica da UFRJ, fiz uma disciplina incrível, chamada ‘Filosofia da Ciência’, onde tive, entre muitas, uma aula incrível com um físico chamado Paulo Bisch, que tinha estagiado no laboratório do grande químico Ilya Prigogine, que tinha ganho o prêmio Nobel pelos seus estudos em termodinâmica e pela descoberta das estruturas dissipativas.
Se você é como os meus alunos e não sabe quais são as leis da termodinâmica, pode dar uma olhada aqui e aqui e aqui, mas o que você precisa saber mesmo é que elas são leis fundamentais do universo. E se alguma coisa vai contra as leis da termodinâmica, então essa coisa tem problemas.
Muito bem, acontece que a ‘vida’ é uma dessas coisas que aparentemente vai contra as leis da termodinâmica. Mais precisamente, contra a segunda lei da termodinâmica, porque nós somos seres altamente organizados e que ‘ganhamos’ organização ao longo do tempo, enquanto tudo no universo ‘perde’ organização ao longo do tempo. Como isso é possível? Com um gasto muito grande de energia. Assim, desorganizamos ainda mais o universo, para que possamos nadar contra a corrente nos mantendo altamente organizados.
Abre parênteses: já sei, você não entendeu. Olha, eu não vou te enganar, não dá pra entender de primeira mesmo. É um trem pouco intuitivo e difícil. Tem que ler mais coisas a respeito. Não desista. Fecha parênteses.
Bom, apesar de você não ter entendido direito, explicar como a vida se encaixa na 2a lei da termodinâmica foi relativamente fácil. Mas outras coisas pareciam não se encaixar de jeito nenhum. Uma delas são as células de Benard.
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Na verdade as células de Benard são apenas um exemplo dos ‘sistemas estáveis afastados do equilíbrio termodinâmico’, que era o que mais intrigava o Prigogine. As ‘células’ que vocês estão vendo são pequenos redemoinhos de água em uma placa. O que o Prigogine chama de ‘afastado do equilíbrio termodinâmico’ significa que tem uma fonte de calor, como o fogo da boca do fogão, esquentando alguma coisa, como a placa de petri com água, ou a minha panela de molho de tomate. Sem fonte de calor, mesmo dois corpos tenha inicialmente uma temperatura diferente, o corpo mais quente vai passar calor para o corpo mais frio até que os dois fiquem com a mesma temperatura. Isso é o equilíbrio termodinâmico. Mas com a fonte de calor… o corpo mais quente passar calor para o corpo mais frio, mas eles nunca chegam na mesma temperatura.
E é isso que acontece quando você esquenta a água pra fazer café ou chá: perto do fogo está mais quente e perto da superfície está mais fria (ou menos quente) até que… a água começa a ferver. Não é mais só o calor que sobre pela coluna de água. A água mais quente é menos densa e sobe para a parte de cima da coluna d’água (dentro da penala, ou chaleira). Já a água da superfície é mais fria e densa, e desce para o fundo da panela. Forma-se então um movimento de convecção (a água sempre desce por um lado e sempre sobe pelo outro). É literalmente uma ‘cachoeira’ de água menos quente e um ‘geiser’ de água mais quente, que se alimentam um do outro: quando o geiser chega a superfície da coluna d’água, passa calor para o ar e a água esfria. Esfria o suficiente para aumentar a sua densidade e precipitar na cachoeira que leva até o fundo da panela, onde o calor do fogo esquenta a água até ela perder densidade e subir no ‘geiser’ e repetir o processo. Vistos de cima, as ‘cachoeiras’ estão nos centros das células, a parte mais escura, e os ‘geisers’ estão nas extremidades das células.
celulas de benard.jpg
A regularidade dessas estruturas impressionou os químicos e físicos da época. Como poderia um sistema fora do equilíbrio gerar ordem? Isso parecia ir contra a 2a lei da termodinâmica. Mas na verdade não ia, porque na verdade a formação das ‘células de Benard’ permitia que mais calor fosse transferido, e mais rapidamente, da água para o ar. Ou da fonte para o ar através da água. Foi então que Prigogine teve a grande sacação: quando um sistema fora de equilíbrio (como a água dentro da chaleira sobre o fogo para fazer café) alcança um momento crítico, a ordem aparece para permitir uma troca de calor mais eficiente entre os dois sistemas. Ele chamou esse fenômeno de ‘auto-organização’ e as estruturas ordenadas de ‘estruturas dissipativas’ porque elas permitem que o sistema dissipe, transfira, mais calor para o meio.
Entender isso, o que eu só fiz anos depois, foi uma vitória. Mas para mim, já depois daquela aula, tudo tinha mudado. Deus estava definitivamente morto. Havia caido, para mim, o último bastião da magia. Não havia mais um ‘por que’ ou um ‘para que’ a vida tinha sido criada. A vida é uma estrutura dissipativa auto-organizada em um ponto crítico do sistema termodinamicamente aberto do nosso planeta. Que, guardadas as devidas proporções, e respeitada a licença poética, pode ser considerada uma chaleira cuja função é dissipar a energia vinda do sol. E, como todo estrutura dissipativa, o seu aparecimento é inevitável, dado que o sistema chegue ao ponto crítico.
Depois dai, deixo com Darwin, no trecho final do belo filme ‘Criação’, que terminei de assistir hoje.
“É da guerra da natureza, da fome e da morte, a coisa mais sublime que somos capazes de conceber, a saber, ou seja, a produção dos animais superiores, advém. Há grandeza nesta forma de ver a vida, que enquanto este planeta foi girando de acordo com a lei fixa da gravidade, a partir de um início muito simples, infinitas formas as mais belas e as mais maravilhosas, evoluiram e continuam evoluindo.”

Diário de um biólogo – Quarta, 06/05/2011 – FOG

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Voltando de um seminário em Friburgo, na 6a feira de manhã, ao atravessar a ponte Rio-Niterói, fui mostrar a minha cidade maravilhosa para a minha pérola Balcã, mas me deparo com essa lamentável imagem: meu Rio de Janeiro coberto com uma terrível névoa marrom, tóxica, fruto da inversão térmica e da poluição, e da qual nenhum de nós pode escapar.
Que os mecanismos de reparo do DNA nos protejam! Porque Deus, ainda que você acredite nele, não pode proteger.

Universidades ricas?

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Outra da revista Época.
No dia 14/04/2011 eles publicaram o diagrama: “Universidades ricas e escolas pobres“, onde ilustravam um estudo da FGV que mostra a distorção nos gastos brasileiros com a educação: a maior parte dos recursos vai para a universidade e uma parcela pequena sobra para o ensino fundamental.
Mas será que é verdade? Pela reportagem eu não consegui saber.
O principal indicador utilizado pelo estudo da FGV é o ‘investimento anual por aluno como percentual do PIB per capita’. Por si só essa variável já é difícil de entender e mais difícil ainda é saber o que ela significa. Os números, que em teoria nunca mentem, mostram que um aluno universitário no Brasil custava R$11.820,00 por ano, enquanto um aluno escolar custava R$1.773,00. Essa discrepância não seria vista em nenhum outro país. Os dados são mostrados na reportagem. E mais: a reportagem usa essa discrepância como justificativa para o mal desempenho dos alunos brasileiros no PISA.
O problema é que, como professor universitário, não consigo encontrar evidências para concordar com esse número. Verdade seja dita, uma preguiça mortal se abateu sobre mim para ir atrás desse relatório da FGV e ver o trabalho que eles fizeram, e ver se eles fizeram bem. A FGV tem nome, mas pra certas coisas só o nome não serve.
Quer dizer que cada aluno da UFRJ custa, provavelmente em média (e esse pode ser o primeiro questionamento do relatório: será que a média em um caso como esses é o melhor indicador de tendência central dos dados?), mais de 10.000 reais? Se é isso, onde está esse dinheiro que eu não vi? Outra pergunta importante é: os dados são referentes a universidade pública? As particulares estão incluídas? Esse percentual do PIB inclui investimentos privados?
No final da reportagem, um gráfico do MEC mostra como o percentual do PIB gasto em educação (4,3%) é aplicado e… 3,7% é aplicado no ensino médio! Ué, como é que pode?!
Levei um tempo lendo e relendo a reportagem e acho que descobri. É que mais vergonhoso do que o desempenho dos alunos do ensino fundamental no PISA, é o percentual de jovens brasileiros na universidade, atualmente em torno de 13%, como eu já disse aqui, menor do que na Bolívia. Assim, dá pra explicar entender um pouco melhor os dados e tirar uma conclusão menos obtusa e tendenciosa que a reportagem da Época. O estudante universitário é caro porque são poucos estudantes e porque são poucas universidades! Porque está tudo concentrado em um centro ou outro, porque a politicagem deixou as universidades anos sem concurso, sem técnicos acadêmicos e administrativos, sem recuperação de infra-estrutura.
A reportagem quer levar o leitor a conclusão de que a universidade no Brasil é um luxo, que o universitário é um privilegiado, e que o investimento não é recuperado. Não é verdade! E essa reportagem é uma bosta!

Corrida por bom-bom

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Como dar uma aula diferente? Divertida? Não tem receita. Pode ser um sucesso ou pode ser um fracasso, mas você tem que tentar.
Pra mim, o maior problema das aulas de hoje é a destilação de definições. Todo mundo que dá aula adora dar definições para as coisas, ainda que elas raramente tragam uma significação imediata para o aluno.
Olha essa definição aqui:Matéria e Energia são dois estados diferentes de uma mesma qualidade fundamental: A Matéria se caracteriza pela massa de inércia, a Energia é capaz de produzir trabalho. Esse conceito de Matéria (corpos) e Energia (campos), está contido na teoria dos campos.”
Você entendeu? Nem eu! Como posso então explicar pros alunos?! Não é fácil. Algumas coisas são simplesmente difíceis e a gente tem que ir aprendendo aos poucos, com muitos, muitos exemplos.
Felizmente, hoje tenho um coisa mais fácil pra explicar: competição: “A essência da competição interespecífica é que indivíduos de uma espécie sofrem redução na fecundidade, sobrevivência ou crescimento como resultado da exploração de recursos ou interferência de indivíduos de outras espécies.”
Ainda assim a definição não te diz muita coisa, não é? Vamos tentar de novo: “No contexto da competição por exploração, o competidor de maior sucesso é aquele que explora mais efetivamente os recursos compartilhados. Duas espécies que explorem dois recursos podem competir e ainda coexistir quando cada espécies mantiver um dos recursos num nível que seja muito baixo para a exploração efetiva pela outra espécie.”

Ajudou? Não pra mim. Eu preciso ler esse trecho pelo menos umas 5 vezes antes dele começar a significar realmente alguma coisa. Mas pode ser pior: “Um nicho fundamental é a combinações de condições e recursos que permitem a uma espécie existir quando considerada em isolamento de qualquer outra espécie. Já o seu nicho realizado é a combinação condições e recursos que permitem a ela existir na presença de outra espécie que pode ser prejudicial a sua existência.”
Aff… já estou cansado só de me escutar dizendo isso. Só pra terminar: “O princípio da exclusão competitiva supõe que, se duas espécies de competidores coexistirem em um ambiente estável, elas o fazem como um resultado da diferenciação de seus nichos realizados. Entretanto, se não existir tal diferenciação ou se esta for impedida pelo habitat, uma das espécies competidoras eliminará ou excluirá a outra. Contudo, sempre quando vemos espécies em coexistência apresentando nichos diferentes, não é racional aceitar prontamente a conclusão de que tal princípio encontra-se em operação.”
Pronto, cansei das definições, vou ensinar competição de outro jeito: com uma competição.
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Vou dar cinco perguntas para os meus alunos e publicar essas perguntas aqui no blog, agora, na mesma hora que a aula começa. Quem, na turma, responder uma das perguntas primeiro, ganha um chocolate. Um Chokito pra ser mais específico. Mas pra competição não ser apenas intraespecífica, eu vou publicar esse post exatamente no mesmo momento em que a aula começar, e qualquer pessoa, em qualquer lugar do mundo, pode tentar responder as 5 perguntas. Coloque o seu nome e endereço e se você acertar, eu mando o Chokito. Além disso, se alguém na internet responder antes dos meus alunos em sala de aula, eles, meus alunos, perdem um ponto na nota final.
As 5 perguntas são:

  • 1 – A competição interespecíca pode ser um resultado da exploração dos recursos ou da interferência direta. Dê um exemplo de cada e compare suas consequências para as espécies envolvidas.
  • 2 – Explique como os conceitos de nicho especializado e nicho fundamental nos ajudam a entender os efeitos de competidores.
  • 3 – Porque é impossível provar a existência de um efeito evolutivo da competição interespecífica?
  • 4 – Quando vemos espécies com nichos diferentes coexistirem é razoável concluir que este é o princípio da exclusão competitiva em ação?
  • 5 – Explique como a heterogeneidade do ambiente pode permitir que um competidor aparentemente fraco coexista com uma espécie que pode excluí-lo.

Agora eu quero ver se eles vão ou não vão entender o que é exclusão competitiva!
PS: Ahhh… não aguento…. tenho que colocar mais uma definição: “A competição intraespecífica é um dos fenômenos mais fundamentais em ecologia, afetando não apenas a distribuição atual e o sucesso de espécies, mas também sua evolução. Contudo, muitas vezes é extremamente difícil estabelecer a existência e os efeitos da competição interespecífica, sendo necessário, para tanto, um arsenal de técnicas de observação, experimentação e modelagem.” Que saco!

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