Sensibilidade e Especificidade

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O problema da gente tentar consertar um erro depois de errar muito, é que a gente tende a errar para o lado contrário. Sabe aquela coisa de pecar primeiro pela falta e depois pelo excesso?
Em estatística, a gente diz que existem dois tipos de erro: ‘Erro do tipo I’ e ‘Erro do tipo II’, que são nomes terríveis, porque não ajudam em nada a gente a saber o que é um e o outro, demonstram uma total falta de criatividade dos estatísticos e tiram a curiosidade das pessoas para essa informação super importante.
Um nome muito melhor para o ‘Erro do tipo I’ é ‘falso alarme’ ou ‘falso positivo’. Esse tipo de erro acontece quando alguma coisa que você disse que era verdadeira, no final das contas se mostrou falsa. Eu sei que vocês não gostam de exemplos se estatísticos, aquelas coisas com ‘lançamentos de dados’ e ‘retirada de bolas de uma urna’, então vou tentar uma coisa mais na linha da fofoca.
O primeiro passo é fazer uma pergunta: “Será que ela(e) me ama?”
Ai você tem que recolher as evidências que podem te ajudar na resposta: o que ela(e) disse aqui, o que ela(e) fez ali, o que ela(e) falou lá. Junta, eventualmente, com algumas coisas que os outros dizem por ai, etc.
Depois você coloca tudo em um modelo e chega a uma conclusão: “Sim, ela(e) me ama”.
Um teste de hipótese até calcula a probabilidade da sua conclusão ser um falso alarme. (que nesse caso, significaria que tudo que ela(e) disse e fez foram na verdade obra do acaso e não do amor). E se a chance de ser um falso alarme for inferior a 5%, você toma a sua conclusão como certa (mesmo que na verdade a certeza seja de 95%).
Mas 95% é muito bom, não é?! É quase certo, não é?! Com 95% de certeza eu até vou pra debaixo da janela da pessoa fazer serenata de amor. Os 5% de chance de quebrar a cara estão lá, mas é melhor a gente se arrepender do que fez, do que daquilo que não fez, certo? Bem, pra fins didáticos, vamos dizer que sim.
Noventa e cinco por cento de chance de estar certo deve ser muito bom, porque se tornou um valor sagrado para os cientistas. Se a sua probabilidade p de estar errado é de 0,05 (que é igual a 95% de chance de estar certo) então sua hipótese será aceita, seus dados serão publicados, sua tese será aprovada. Caso contrário, se for 0,06; 0,1 ou qualquer outro valor maior que 0,05; então você é um pobre coitado.
Esse valor não depende dos dados. Esses sempre são o que são. Se você coletou bem, são bons dados (senão, você também é um pobre coitado). Também não é uma questão de interpretação dos dados. Diferentes interpretações podem levar a diferentes conclusões, mas a chance de estar certo ou errado é a mesma.
A questão está no quanto você se permite errar. Vejamos um outro exemplo: Se você souber que a chance de chover é 5%, você sai de casa com guarda-chuva? Bom, eu não. Só 5% de chance não é suficiente para me deixar carregando aquele trambolho pra lá e pra cá o dia todo. Mas para isso, e ai está a questão, você tem que aceitar que pode se molhar em 5% das vezes que sair de casa.
É verdade, nem todo mundo aceita. Tem gente que fica bravo com a chuva e amaldiçoa as gotas de água. Mas quem está na chuva deveria estar preparado pra se molhar, não é?!
Por outro lado, tem gente que sairia de casa sem o guarda-chuva mesmo se a chance de se molhar fosse 6, 7 ou até 10%. Ou até mais. Afinal, como disse Richard Gordon, ‘Cientificamente, embora seja deprimente, não passamos de sacos à prova d’água cheios de produtos químicos e carregados de eletricidade’. No nosso dia-a-dia podemos, e temos que, tomar decisões com percentuais menores do que 95% de certeza, mas os cientistas tem mesmo que manter esse alto padrão de qualidade.
Precisa porque o falso positivo é um problema duplo: você não só aceitou como verdadeira uma coisa que era falsa, como não descobriu a coisa verdadeira!
E é por isso que, em geral, não nos importamos muito com o ‘Erro do tipo II’, que é o falso negativo. Ele significa apenas que ‘perdemos uma boa oportunidade de descobrir a verdade’. Se ela(e) acha que você não a(o) ama, quando na verdade você ama, pode dar uma tremenda ‘dor de cabeça’, mas eventualmente novas evidências aparecerão para esclarecer a verdade. E essa é outra razão para nos importarmos menos com o falso negativo. A chance de cometer um erro do tipo II diminui muito com o acumulo de evidências a por isso, em geral, conseguimos evitar ele com o bom senso. Se você se baseia em apenas um bilhete que ela(e) te escreveu pra concluir ela(e) te ama, pode até ser o mais bonito poema já escrito, mas você nunca vai conseguir ter 95% de certeza que ela(e) te ama só com isso. Então, naturalmente, você busca mais argumentos para chegar a sua conclusão.
Erros do tipo I são erros de falta de especificidade: Um(a) te ama, o(a) outro(a) não, mas você não consegue ver a diferença. O erro do tipo II é um erro de falta de sensibilidade: ele(a) pode te amar, mas você não consegue saber com certeza. Se você corrige a sua falta de sensibilidade deveria, automaticamente, melhorar a sua falta de especificidade (ainda que não na mesma proporção). Na pratica, infelizmente, nem sempre funciona assim, porque a coerência, que é um pressuposto estatístico, não é uma qualidade humana inata.
Outra razão pode ser o ‘Erro do tipo III’ (descoberto depois dos dois primeiros) que é: ‘Você fez a pergunta errada!’

Diário de um Biólogo – Domingo 31/01/2010

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Rio de Janeiro, praia do Leblon, vista do Morro dos Dois Irmãos, sol de rachar, temperatura da água 24oC… O que poderia dar errado em um dia desses? Só uma coisa.
Me expus demais, o que parecia natural no dia de hoje, e me queimei.

Terminei de ler… As pontes de Madison

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Mais um livro que vocês vão dizer “O que que isso tem a ver com biologia?” pra depois de ler o artigo, descobrir que eu ainda sou mais nerd do que vocês pensavam.
Meu lado que chora em filmes sempre chora quando assiste ‘Grandes Esperanças‘ e ‘As pontes do Madison‘. São ou não são dois filmes lindos?
Por isso, quando alguém puxou o livro “As pontes de Madison” de Robert Waller da estante para ler uma citação (o que já sugere que minha noite de Reveillon foi super tranquila) eu sequestrei o livro. Como o filme, é um livro de grande sensibilidade e muito bonito.
Mas me chamou atenção como Francesca se impressiona legitimamente com Richard por sua grande ‘sensibilidade’ na frase a seguir:

“O motivo não era importante. Não era esse o modo pelo qual abordava a vida.
‘A análise destrói as coisas inteiras. Algumas coisas, coisas mágicas, devem permanecer inteiras. Se você olhar por partes, elas desaparecem.’ Foi isso o que disse.”
Apesar de ser uma frase muito bonita e de grande impacto, eu tenho minhas reservas se ela é realmente util.
Por isso me lembrei de uma coisa que li no livro “A Tripla Hélice“, de Richard Lewontin faz duas colocações que estão relacionadas a isso.
Ele começa assim:
“Para criar sua teoria da evolução, Darwin teve de dar um passo revolucionário nas concepções a respeito dos organismos e do ambiente. Até então não havia uma demarcação clara entre processos internos e externos.(…) Darwin promoveu uma ruptura profunda com essa tradição intelectual ao alienar o interno do externo: ao estabelecer uma separação absoluta entre os processos internos que geram o organismo e os processos externos, o ambiente, em que o organismos deve operar.”
E segue algumas páginas adiante:
“A alienação do externo em relação ao interno elaborada por Darwin foi um passo absolutamente essencial para o desenvolvimento da biologia moderna. Sem ela, ainda estaríamos chafurdando na lama de um holismo obscurantista que misturava orgânico e inorgânico em um todo impossível de ser analisado. Mas as condições necessárias para o progresso em um estágio da história transformam-se em obstáculos para o progresso em outros estágios. Vivemos em um tempo em que a continuação do progresso no entendimento da natureza requer que reconsideremos a relação entre externo e interno, entre organismo e ambiente”.
Como sempre, a esperteza na natureza não estar em escolher ‘uma’ ou ‘outra’ estratégia e aplicá-la com habilidade. Mas na habilidade de optar por uma ou outra a cada dado momento.

A evolução da moda – parte II: As mulheres também

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(Esse post é uma continuação. Talvez você queria começar lendo a primeira parte)
Uma vez estava assistindo TV quando aparece a ex-modelo e ex-policial Marinara na telinha. Eu estava falando com uma amiga no telefone e comentei dos dotes ‘loiraça Beuzebu’ do Fausto Fawcett, o que levou ela a sintonizar mesmo no programa, ao que se seguiu o seguinte comentário: ‘Mas você viu esse cabelo dela? Não se usa essa franjinha desde os anos 80!’ Eu franja tinha passado desapercebida enquanto eu estava concentrado na relação C/Q.
Acho que foi nesse momento preciso que eu entendi que a moda era muito diferente para homens e mulheres.
Para ser justo, eu deveria começar perguntando também o que as mulheres querem, mas a resposta certamente escaparia das minhas mãos. Então, sem perguntar, vou começar respondendo que as mulheres também avaliam a beleza masculina com base na trindade rosto-torso-idade. Só que, consistentemente, as mulheres consideram esses fatores menos importantes do que a personalidade e o status (ou hierarquia) social.

Os homens colocam as características físicas acima da personalidade e do status ao avaliar as mulheres; as mulheres, não.

A única exceção parece ser a altura. Em todo o mundo, as mulheres consideram homens altos mais atraentes do que homens baixos. Estima-se que menos de 1% dos casais humanos sejam formados por homens menores que as suas mulheres! Como conseqüência (ou talvez causa) calcula-se que cada 2 cm a mais de altura valem 6.000 dólares a mais no salário anual de um homem na América do Norte.
As mulheres também trazem essa preferência no hardware (a metáfora que estou usando para identificar um comportamento selecionado geneticamente). E novamente, tem a ver com a nossa sociedade monogâmica.
Nela, freqüentemente uma mulher escolhe o seu parceiro muito antes que ele tenha possibilidade de se transformar em um “chefe”. Mas ela tem de saber avaliar esse potencial futuro, e para isso, as ‘realizações passadas’ pouco contam. Os bons indicadores que ela deve procurar são traços de personalidade como equilíbrio, segurança, otimismo, perseverança, coragem, decisão, inteligência, ambição – estas são algumas das características que fazem com que os homens cheguem ao topo da carreira nas suas profissões. E não por acaso, estas são as características que as mulheres acham atrativas em um homem: os indícios do seu futuro status.
Essas preferências são confirmadas por estudos com o de Buss, que analisou 37 sociedades modernas, ou o de Low com duzentas sociedades tribais, e em todas elas a ‘beleza’ de um homem dependia mais das suas habilidades e bravura do que da sua aparência. Definitivamente, a linguagem corporal é importante para que um homem seja considerado sexy. Mas enquanto ela fala da sua personalidade, os ‘símbolos’ é que falam do seu status.
Para alguns pesquisadores esses símbolos sempre estiveram presentes na roupa e os ornamentos masculinos e atualmente, um terno Armani, um relógio Rolex e uma BMW são indícios de hierarquia gritantes, como eram antigamente as listras da patente de um general ou o cocar de um chefe Yanomami.
Mas peraê?! Eu não disse que as mulheres eram programadas geneticamente para buscarem personalidade e status? Como é que agora eu digo que as mulheres estão buscando a triade Armani-rolex-BMW, que existe há apenas uma geração humana, para avaliar os homens?
É que o que é selecionado geneticamente não é o símbolo em si, mas sim a ‘busca pelo símbolo de status’, qualquer que ele seja naquela época e lugar. As mulheres modernas possuem um mecanismo mental, evoluído durante o período Pleistoceno, que permite a elas perceber o que se correlaciona com status, entre os homens, e achar esses símbolos impressionantes.
E ai? Percebeu alguma coisa? Acendeu algum neurônio?
Alguma coisa que mude de acordo com a época e o lugar é quase uma definição precisa de MODA! A moda não é importante para aprimorar beleza, é importante para identificar símbolos de status!
Mas isso não sou eu que estou dizendo e nem é novidade. Vários estudos de historiadores da arte mostram que a Moda, até recentemente, estava amarrada à competição entre as classes: primeiro a simulação da aristocracia pela burguesia e depois das classes médias pelo proletariado.
Chegamos então a um paradoxo. Os evolucionistas e historiadores de arte concordam que a moda é uma questão de status. As mulheres procuram nos homens indícios de status, que mudam com moda, e os homens procuram nas mulheres indícios de fertilidade, que não mudam.
Biologicamente, os homens deveriam se importar menos com o que as mulheres vestem, desde que a sua pele seja lisa, elas sejam esbeltas, jovens, saudáveis e, preferencialmente, solteiras. Já as mulheres deveriam se importar extremamente com o que os homens vestem, porque isso lhes diz muito sobre a sua história, sua riqueza, seu status social e mesmo sobre suas ambições.
Mas então porque as mulheres seguem avidamente a moda para roupas e acessórios enquanto os homens se importam bem menos (muito, muito menos) com elas?
Angie Dickinson disse: “Eu me visto para as mulheres e me dispo para os homens”. É uma tremenda frase de efeito, mas não a luz da evolução.
Essa é uma questão que atualmente a ciência não consegue responder. O que parece é que a nossa moda, hoje, é uma aberração que surgiu alguns 200 anos atrás, porque durante o período regencial na Inglaterra, o reinado de Luis XIV na França, na idade media cristã européia, na Grécia antiga, ou mesmo entre Yanomamis modernos, os homens seguiam a moda tanto ou mais que as mulheres, vestindo cores brilhantes, roupas esvoaçantes, jóias e ornamentos luxuosos, lindos uniformes e armaduras decorados até com brilhos. O que podemos dizer com certeza é que estar ‘na moda’ é certamente um símbolo do status entre mulheres e por isso “qualquer pequeno detalhe que sinalize a habilidade de seguir as tendências da moda” é um sinal de status de uma mulher, que pode significar a sua posição hierárquica ou a riqueza do seu marido.
Falta esclarecer a razão, mas o erro esta claro: cada sexo age de acordo com seus instintos, na convicção que o outro sexo tem as mesmas preferências. As mulheres se importam mais com a roupa e os homens se importam menos, mas em vez de tentar influenciar o sexo oposto com seus interesses, eles tentam influenciar o próprio sexo.
Um experimento interessante foi feito na universidade de Pensilvânia. Os cientistas apresentavam para os sujeitos, homens ou mulheres, desenhos simples de figuras masculinas e femininas, e pediam que eles indicassem, nas figuras do seu próprio sexo, qual aquela que eles acreditavam que se assemelhava a sua forma física atual, sua forma física ideal e a forma física que eles consideravam mais atraente para o sexo oposto. E nas figures do sexo oposto, pediam que indicassem qual a forma física que consideravam mais atraente. Em geral, os sujeitos conseguiam identificar corretamente a sua própria forma física mas enquanto os homens colocavam a sua forma física ideal muito próxima da sua forma física atual (mostrando que os homens estão satisfeitos com o seu corpo), as mulheres escolhiam sempre figuras mais magras como o seu ideal. Mas o que intrigou os pesquisadores foi o cruzamento dos resultados de ‘qual a forma física do sexo oposto eles achavam mais atraente’ com ‘qual forma física você acha que mais atrai no sexo oposto’: os resultados não bateram! Os homens acham que as mulheres preferem caras mais fortes do que elas realmente preferem, e as mulheres acham que os homens preferem mulheres mais magras do que eles realmente preferem.

A moda ainda cria um outro paradoxo, que é o da uniformização da beleza. Evolutivamente, em uma espécie monogâmica, a beleza pode ser tudo, menos uniforme!
Charles Darwin já havia dito que “se todas nossas mulheres devessem se tornar tão bonitas quanto a Venus de Medici, nós acharíamos aquilo encantador por um momento; mas logo desejaríamos variedade; e assim que nós obtivéssemos a variedade, nós desejaríamos ver determinados caracteres nas nossas mulheres um pouco exagerados além do padrão comum existente.”
Bell disse que ‘É incrível que o hábito de se vestir de uma determinada maneira, que consiste em leis leis irracionais, arbitrárias e, freqüentemente, cruéis; impostas sem nenhuma sanção formal, sejam obedecidas com tamanha docilidade.’
No Brasil, onde a moda pega tanto e as leis tão pouco, é bem provável que o destino de mais estilistas seja o congresso nacional.
Para saber mais: Leia o capítulo 9 – “Os usos da beleza” do livro “A Rainha Vermelha: sexo e a evolução da natureza humana” de Matt Ridley.

A evolução da moda – parte I: Os homens são todos iguais

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Meu pai é completamente avesso a modismos. Se mais de 5 pessoas começarem a gostar de alguma coisa (que não seja o Vasco), ele logo arruma uma razão pra discordar. Se a gente estende um pouco o assunto, descobre que ele tem uma grande dificuldade para ‘entender’ a questão da moda. Só que nisso, ele não é o único: a maior parte dos homens tem dificuldade de entender o interesse da maior parte das mulheres com a moda.
A estação brasileira dos desfiles está terminando e com espaço que os desfiles, as modelos e os estilistas ganharam na mídia nessa Fashion Week, eu me pergunto se não teria espaço para um cientista também fazer algumas considerações sobre a moda (afinal, depois que ouvi a tal de Glória Coelho falar e não dizer nada sobre aquecimento global, eu estaria até perdoado se o que vou dizer não tiver interesse).
A primeira pergunta que precisa ser feita é: do que os homens gostam? (Fiz essa pergunta também porque ela é muito mais fácil de responder do que a outra: do que as mulheres gostam?)
Os homens não gostam de mulheres porque ‘aprenderam’ isso durante o seu desenvolvimento. Existe uma predisposição genética para os organismos com cromossomas sexuais XY gostarem de mulheres. Mais especificamente os genes SRY, SOX9, FGF9 e WNT4, já que são eles que controlam as doses de testosterona durante o desenvolvimento que fazem com o que o cérebro seja ‘masculino’ e, entre outras coisas, ‘goste de mulheres’.
Homens gostam de mulheres, ponto. Isso não é uma moda e não vai passar. O que eu quero dizer, é que existem coisas, comportamentos, que não são aprendidos, não são flexíveis e não poderiam variar com a moda.
Mas os homens gostam de qualquer mulher? Essa é uma pergunta um pouco mais complicada que a primeira, mas ainda assim mais fácil de responder do que a variante feminina da mesma.
Os machos da espécie humana são, na verdade, muito mais seletivos do que as mulheres da espécie humana podem imaginar. Certamente não tão seletivos quanto as mulheres, mas muito mais seletivos do os machos das espécies de primatas próximas a nossa. Um chimpanzé ficará interessado (e excitado) por uma fêmea seja ela feia ou bonita, alta ou baixa, gorda ou magra, nova ou velha, desde que ela esteja no cio. E, pensando bem, porque ele deveria desperdiçar uma oportunidade, qualquer que fosse, de reproduzir?
No caso dos homens esse ‘desperdício’ pode ser vantajoso. É que somos uma espécie muito particular em aspectos sociais. E uma dessas particularidades é a monogamia. A monogamia também não é aprendida, é algo que está no nosso hardware. Já veio de fábrica (eu sei que isso dá outros posts inteiros, mas peço que por favor guardem suas considerações para que possamos seguir adiante na questão da moda).

Abre parênteses:
para alguma coisa ‘entrar no hardware’, que significa se transformar em um comportamento determinado geneticamente, é necessário que durante milhões de anos, homens que não apresentavam essas características (esses comportamentos) e por ‘vontade’ ou ‘aprendizado’ escolheram mulheres fora desse padrão, deixaram menos filhos, que deixaram menos netos, que eventualmente desapareceram. Fecha parênteses.
E junto com a monogamia, foram selecionadas 3 características de gosto dos homens, sem as quais essa opção evolutiva (a monogamia) seria infrutífera. E por isso os homens gostam de mulheres bonitas de rosto, jovens, e com uma alta relação entre a cintura e os quadris.
Você, mulher, pode não gostar (e até conhecer vários exemplos contrários), mas o conjunto de evidências científicas apontando nessa direção é enorme. E não, vestidos novos ou velhos, azuis ou verdes, de seda ou de malha, estampados ou floridos, com ou sem brilho, combinando ou não com o sapato, não fazem parte da opção.
A beleza do rosto é um ótimo indicador não só de bons genes, como de uma boa nutrição durante a criação. Existem vários estudos (e eu não vou ficar citando tudo aqui porque essa não é uma revisão formal, mas você pode ler o capítulo que eu recomendo no final do texto) que mostram, por exemplo, o efeito de doses de testosterona ou estrogênio nos delineamentos do rosto (o que qualquer transsexual sabe). Don Symons diz que “A face é a parte mais densa de informação de todo corpo”.
A relação entre a cintura e os quadris (C/Q) mostra que não há um acúmulo de gordura que poderia ser prejudicial a saúde, ao mesmo tempo que sugere facilidade na hora do parto.
“Dentro do limite do razoável, um homem achará uma mulher de qualquer peso atraente desde que sua cintura seja mais fina do que seus quadris.”
Os estudos mostram que uma mulher cheinha, mas com uma alta C/Q é geralmente preferida à uma mulher magra mas C/Q baixa. Como a dieta em mulheres razoavelmente magras, como as modelos das passarelas, não tem nenhum efeito na relação C/Q (e quando muito piora ela, ao reduzir o quadril e não a cintura), elas estão condenadas a nunca se sentirem atraentes.
Finalmente, a juventude diz que aquela fêmea poderá reproduzir muitas vezes. Na verdade, muitos dos componentes da beleza feminina são indicadores da idade: ausência de marcas na pele, lábios cheios, olhos brilhantes, seios firmes, cintura estreita e pernas finas.
Abre parênteses: “Os homens (realmente) preferem as loiras”. As mulheres tingiam (ou descoloriam) em os cabelos de loiro desde a Roma antiga. O gene para cabelo loiro nas crianças é bastante comum na Europeus (e também entre os aborígines Australianos) e por isso, quando apareceu um mutação para que o cabelo loiro permanecesse até o início da idade adulta (não depois dos 20 anos de idade), todos os homens com tivessem uma preferência genética por mulheres loiras estariam casando somente com mulheres jovens. Os homens nunca tiveram uma forma direta de saber a idade das mulheres e por isso esse tipo de ‘hardware’ foi levou a um número maior de descendentes, espalhando a preferência e também a propagação do próprio traço (o cabelo loiro) que era certamente um indicador honesto do valor reprodutivo da fêmea. Fecha parênteses.
Se esses os 3 fatores que podemos dizer que determinam geneticamente a preferência dos homens por mulheres, a próxima pergunta tem que ser: pra que serve a moda? Porque certamente não é para deixar as mulheres mais bonitas para os homens. Quem achar isso, não entende nada de homem!
É verdade, a cirurgia plástica pode dar uma esticada no rosto e adiar um pouco a avaliação da idade, uma saia com crinolinas (armações usadas sob as saias para lhes conferir volume) podem enganar a relação C/Q ali; assim como esses malditos sutiãs com forro (que estão super na moda, ainda que sejam menos eficientes e bem menos bonitos que os antigos ‘meia-taça’), mas todos esses subterfúgios não são suficientes para enganar a maquinaria psico-fisiológica dos homens para detectar uma boa candidata a parceira.
A roupa pode ajudar, as pesquisas revelam o que todos já sabem: Os homens são atraídos por mulheres em roupas reveladoras, apertadas, curtas, coladas e decotadas. Quanto mais ‘inadequada’, melhor. A moda faz pouco por isso.
“Os homens são todos iguais” dizem a sabedoria feminina popular. Pelo menos no que tange o gosto pelas mulheres, é verdade. Podemos até dizer que todos os homens querem o mesmo tipo de mulher: o tipo bonito, jovem e reprodutor.
Mas, como os Stones já diziam, “You can’t always get what you want”.
Na Europa medieval e na Roma antiga, os homens poderosos pegavam todas as belezas para seus haréns, deixando uma falta generalizada de mulheres para os outros homens (hoje ainda é assim, na verdade, um pouco menos). Assim uma mulher feia tinha alguma chance de encontrar um homem desesperado bastante para casá-la. Isso não pode parecer muito justo, mas a justiça raramente é uma conseqüência da seleção sexual.
(Continua no próximo post)
Para saber mais: Leia o capítulo 9 – “Os usos da beleza” do livro “A Rainha Vermelha: sexo e a evolução da natureza humana” de Matt Ridley.

Celebridades

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Depois de recusar vários convites para desfilar no Fashion Week, o cientista Mauro Rebelo foi fotografado no seu laboratório, no circuito OFF-Fashion, com seu tradicional look descolado casual‘. Mauro usava camiseta Hering verde exército, calça Redley (comprada 10 anos atrás quando ele ganhava em euro) e sapato Mr. Cat.
O detalhe fica por conta da sua chiquerérrima bolsa Diesel vermelha.
O paparazzi que flagrou o cientista disse que ouviu o borburinho logo que ele chegou. Os comentários variavam de ‘Que linda a sua bolsa‘ até o ‘Tá podendo hein professor!‘.
O cientista disse que a bolsa, vinda direto de Nova Iorque, tinha sido um presente… especial.
O comentário no laboratório era um só: “Quem dá um presente desse, tá querendo alguma coisa“.
Será?

T.S.N. Totalmente Sem Noção

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“Ele é mó TSN!”
Assim nos referíamos durante a faculdade aquelas pessoas que, mas do que nós (já que todos somos um pouco, ou eventualmente muito, TSN), tinham enorme falta de critério.
É verdade que o problema as vezes não é a falta de critério para avaliar uma informação, mas a falta de ferramentas para aplicar esse critério, mas isso é uma história para outro dia. Vou me ater agora a discussão da falta de critério mesmo.
O problema começa quando tentamos definir critério. Quando penso nele, me lembro da máxima que uma vez ouvi sobre o ‘bom senso’:
“Bom senso é a única coisa que todo mundo acha que já tem o suficiente e que não precisa de mais”.
Seria um mundo melhor se fosse verdade, não é mesmo?!
No livro “Cinco mentes para o futuro” de Howard Gardner, (presente da Soninha que eu terminei de ler no ano passado), ele sugere que precisamos de 5 ‘mentes’ para podermos viver bem no mundo contemporâneo:
“Com (…) elas, uma pessoa estará bem equipada para lidar com aquilo que se espera, bem como com o que não se pode prever. Sem elas, estará à mercê de forças que não consegue entender, muito menos controlar.”
Na descrição da primeira mente, a disciplinada, ele apresenta um mecanismo, ou uma atitude, que é aquela através da qual eu acredito que consigamos adquirir ‘critério’:
“A mente disciplinada é aquela que dominou pelo menos uma forma de pensar – um modo distintivo de cognição que caracteriza uma determinada disciplina acadêmica, um ofício ou uma prodissão. Muitas pesquisas confirmam que leva até 10 anos para se dominar uma disciplina. A mente disciplinada também sabe como trabalhar de forma permanente, ao longo do tempo, para melhorar a habilidade e o conhecimento (…). Sem pelo menos uma disciplina em sua bagagem, um indivíduo estará fadado a dançar conforme a música dos outros”
E sem ela, não terá chance de alcançar duas das outras ‘mentes’ importantes: a sintetizadora e a criativa (justamente porque lhe faltará… critério).
Vejamos um exemplo* da falta que o critério faz. Você sentou no buteco com os seus amigos que começaram a contar histórias.
1 – Milton conta impressionado que um amigo de um amigo seu, especialista em história da música, afirma que pode identificar se uma página de partitura é da autoria de Haydn ou Mozart. E que quando é submetido a um teste, em 10 tentativas, ele acerta todas.
2 – Barbosa conta que quando morou na Inglaterra, ouviu o zelador falar da Mrs. Surewater, que só tomava chá com leite, e que afirmava que podia identificar numa xícara que lhe fosse servida, se o leite ou o chá foram despejados primeiro. E que quando foi submetida ao teste, em 10 tentativas, ela acertou todas.
3 – Por fim Fernandinho contou que o seu amigo Richard, bêbado em fim de festa, afirmava ter a capacidade para predizer o resultado do lançamento de uma moeda honesta. E que quando foi submetido ao teste, em 10 tentativas, ele acertou todas.
Em qual dessas histórias você acredita? E em qual delas pode acreditar?
A explicação necessitaria de um outro post (ou de uma série de posts). Mas vou tentar resumir a duas respostas.
A estatística clássica diz que você pode confiar em todas, que não há razão para duvidar de nenhuma das 3. Porque ela é o que chamamos de ‘frequentista’ e trata esses eventos como ‘estatísticos’, ou, melhor ainda, ‘repetitivos’. Assim, basta confrontar os resultados com a hipótese de que eles acertaram por pura sorte (h0: p=0,5) e verificar que, com base nesses resultados, eles são capazes de fazer o que dizem (e assim rejeitamos h0). Mas você fica tranquilo com essa conclusão? Você apostaria dinheiro que seu amigo acertará na próxima moeda lançada? Ou que poderá enganar Mrs. Surewater na proxima xicará de chá que lhe oferecer?
Minha experiência prévia, que construiu o meu critério, me diz para apostar apenas na habilidade do amigo do Milton, especialista em história da música, em identificar corretamente a próxima partitura. Ainda que eu não saiba história da música a ponto avaliar se ele é realmente um bom especialista, capaz de acertar sempre, minha experiência com a minha disciplina, me diz que se você estudar bastante um assunto, é capaz de acertar (quase) sempre. Os meus parcos conhecimentos de teoria do Caos e mecânica de fluidos me dizem que é impossível que Mrs. Surewater saiba o que está fazendo, assim como os conhecimentos de estatística que o cotidiano nos dá já são suficientes para saber que o Richard não tem a capacidade de adivinhar a moeda, não importa o que diga o resultado do teste t.
O dilema aqui está relacionado com a diferença entre lógica indutiva e lógica dedutiva. Não podemos propor essa questão a estatística clássica, por isso a resposta dela não é válida. Como são problemas de lógica indutiva, como os são as hipóteses científicas e a maioria das nossas situações do cotidiano, não há como a conclusão ser obrigatoriamente verdadeira a partir das premissas, ainda que, verdadeiras. E isso já é problema demais para resolver. Não avaliar corretamente nossas premissas, as informações para chegar a uma decisão, é desperdiçar todo esse esforço.
Algumas decisões são simples: ‘sim’ ou ‘não’, (o que não quer dizer que elas sejam fáceis, dados o alcance e a magnitude das consequencias) e você não precisa de mecanismos sofisticados de decisão. Por isso (e mesmo quando as opções de escolha são mais complexas), vale muito mais a pena investir em informação para eliminar incertezas.
No texto anterior eu falei do mundo saturado de informação em que vivemos, e que a Internet facilita o acesso a ela, mas não nos ajuda a seleciona-la. Isso significa que sem você na interface, o Google tem muito pouca utilidade.
O Google não é uma referência! É preciso investir em você, e no seu critério.
Só que agora você está pensando: “Que saco!”, ou “Socorro!” ou simplesmente que tudo isso dá muito trabalho. E dá mesmo. Ainda conseguimos sobreviver sem ter de aplicar métodos estatísticos para as decisões do nosso dia-a-dia. Mas cada vez mais precisaremos avaliar informação para tomar decisões importantes. Aquelas que afetam a nós e as pessoas a nossa volta.
Por isso, exercite sempre o seu critério. Ou você pode virar o próximo TSN.
*Adaptado do exemplo no livro de “Introdução a estatística Bayesiana” do professor Paul Kinas (FURG).

Vai que dá…

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Minha irmã precisava de um armário pro seu quarto e comprou um nas ‘Casas Bahia’. Como mora em uma casa de dois andares, com uma escada em espiral para o quarto, foi enfática com a vendedora: “Por favor, mande o armário desmontado, senão será impossível passar pela escada.” No dia seguinte, pela manhã, chega o caminhão na casa dela levando o armário… montado. O caminhão voltou com o armário, que não passou pela escada espiral. Ela voltou a loja, procurou a vendedora, argumentou que foi enfática quanto a necessidade de mandar o armário desmontado, ao que a vendedora respondeu:
“É que quando eu cheguei de manhã, os rapazes já haviam montado o seu armário. Ai eu pensei: ‘vai que dá?!’ e falei pra eles entregarem”.
Todos temos de tomar decisões todos os dias, claro, mas porque alguns de nós insistimos em tomar decisões que vão contra todas as possibilidades de sucesso?
Já escrevi aqui sobre coerência e propensão ao risco, que são elementos fundamentais para explicar a dinâmica da tomada de decisão, mas hoje eu queria falar sobre ‘avaliar’ a incerteza. Acho que isso está na raíz desse ‘mal’. E tem a ver com um tema recorrente nesses tempos de internet e saturação da informação: a qualidade da informação que temos.
Veja, antigamente (e estou falando de 1993, a era pré internet), havia, realmente, pouca informação. E essa informação nem sempre era disponível, já que o esforço para chegar a ela era quase sempre infrutífero ou simplesmente não valia a pena.
Atualmente, a quantidade de informação produzida em um ano, supera a quantidade de informação produzida por toda a humanidade nos últimos 40.000 anos. Claro que nem toda essa informação é boa, ou útil, mas com os meios digitais, toda ela está ao alcance dos nossos teclados e monitores. O que nos traz um novo problema: como separar a informação que é boa, daquela que não é boa.
Deixa eu dar um exemplo. Eu posso querer saber se um aluno que chega na sala de aula feliz, aprende mais do que aquele que chega na aula infeliz. Como vou avaliar se meus alunos são/estão felizes? A melhor forma seria perguntar a eles. Então coloco uma folha de papel na mesa de cada um, com uma pergunta simples de múltipla escolha: Você está feliz? Marque uma opção de 1 a 5 com 1 sendo ‘muito infeliz’ e 5 sendo ‘muito feliz’. Analiso rapidamente os resultados e decido se a minha aula pode ‘pegar mais pesado ‘ ou tem que pegar mais leve. Certo? Errado!
Qual a qualidade, a credibilidade, da resposta das pessoas a pergunta ‘você está feliz’? Mesmo não tendo formação em psicologia, posso imaginar umas 100 razões para que uma pessoa responda essa pergunta com viés para o ‘muito infeliz’ ou para o ‘muito feliz’ e que não tenham nada a ver com o real estado de espírito dela.
Se você opta por utilizar a informação fornecida por esse questionário, não importa o quão bom seja o seu método de tomada de decisão (como por exemplo o método estatístico Bayesiano): sua decisão não terá sido melhor do que um chute.
Então como saber se uma informação é boa? Na falta de um mecanismo de verificação, temos que confiar no nosso critério.
Para ter certeza, a vendedora das ‘Casas Bahia’ poderia ter ido até a casa da minha irmã com uma trena, tomado as medidas da escada e da porta, e confrontado com as medidas do armário: montado e desmontado. Assim, tomaria uma decisão sem nenhuma dúvida. Em não tendo essa confirmação, ela tem de confiar na palavra da minha irmã, que conhece a própria casa melhor do que a ela (vendedora), contando que, ao contrário dos meus alunos na sala de aula, minha irmã não tenha nenhum motivo psicológico (conhecido 😉 para fornecer uma informação duvidosa.
Mas ainda assim, ela toma a decisão contrária a lógica e a razão. Porque?
Ok, primeiro escrevi uma longa resposta para essa pergunta (que vai virar o próximo texto), falando sobre critério (e a falta dele) mas depois pensei bem, apliquei a ‘navalha de Occam’ nas minhas idéias, e cheguei a conclusão mais simples (que mostrou que na verdade o meu exemplo inicial da vendedora foi ruim, mas agora vou responder do mesmo jeito).
A vendedora foi contra a lógica por preguiça! Não tem nada a ver com falta de instrumentos estatísticos ou critérios. Foi preguiça e falta de responsabilidade. Não foi ela quem montou o armário à-toa, não era ela quem pilotaria o caminhão ou descarregaria o armário à-toa, nem era ela que ficaria mais um dia sem armário. A sua responsabilidade era de mandar o armário naquele dia (ainda que montado, o que acrescenta falta de ética as suas qualidades).
A conclusão é que a preguiça não é um bom critério de decisão.

Terminei de ler… Gomorra

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Vira e mexe, quando quero argumentar o ponto de vista ‘biológico’ de alguma coisa, geralmente depois do 3o chopp em uma mesa de buteco, acabo recorrendo as EEE, ou Estratégias Evolutivamente Estáveis. Esse conceito é muito útil para mostrarmos a natureza amoral da natureza. Não tem o ‘certo’ e o ‘errado’. Tem o que dá certo e o que dá errado evolutivamente (ou seja, a longo prazo).
Para mim, o melhor exemplo é o do traficante carioca. Alguém conhece algum traficante com 80 anos? Pois é, eles podem ter sucesso a curto prazo, mas a longo, a estratégia de resolver os problemas atirando não é boa. Sempre terá alguém atirando mais que (e em) você.
A essa altura você já deve estar se perguntado o que isso tem a ver com o livro. “Gomorra”, de Roberto Saviano é o romance de um jornalista infiltrado na máfia napolitana, a terrível e temível Camorra. Depois de ler “Elite da Tropa”, que eu terminei no final do ano passado, fiquei com aquela sensação de “Meu Deus, quem manda no Rio são os grandes traficantes de drogas”. Só que depois de ler Gomorra, você fica com a sensação de que a máfia napolitana manda no mundo todo, devido a seus longos braços, que atravessam as fronteiras da itália para dezenas de países, com negócios lícitos e ilícitos nos 5 continentes.
Agora você deve estar se perguntando o que isso tem a ver com Biologia. Bom, a primeira coisa a ver é com o cientista. Primeiro que é importantíssimo para um cientista ler coisas que não sejam apenas artigos científicos. A prosa de Saviano é bastante interessante. O ritmo, a forma como ele relata os fatos sem envolvimento, ou com tanto envolvimento que chega a comover. Depois, porque mostra pra gente quando estamos perto da maluquice, já que mesmo lendo uma reportagem sobre a máfia napolitana, nossos cérebros não estão desligados da ciência. Nunca! É um trabalho non stop, 24h por dia, 7 dias por semana.
Atirem a primeira pedra os meus leitores cientistas, ou futuros cientistas, que foram assistir Avatar e não ficaram analisando científicamente c-a-d-a u-m dos elementos do filme. Eu sei, coisa de Nerd.
Um trecho de Gomorra fala exatamente do comportamento dos boss, ou dos chefes dos clãs, que sabem que serão presos ou mortos muito cedo, mas mesmo assim trabalham, lutam e matam para comandar. Correto? Mau? Ético? Talvez o mais importante é que não é, certamente, uma EEE, como fica claro no trecho a seguir:
“Poucos dias depois da prisão do primogênito do clã, seu rosto arrogante encarando as câmeras da TV gira pelos celulares de centenas de rapazes e moças das escolas de Torre Annunziata, Quarto, Marano. Gestos de mera provocação, de banal agressividade entre adolescentes. É verdade. Mas Cosimo sabia. Por isso precisava agir daquele jeito para ser reconhecido como chefe, para tocar o coração das pessoas. (…) Cosimo representa claramente o novo empresário do Sistema. A imagem da nova burguesia desvinculada de qualquer freio, movida pela absoluta vontade de dominar todo o território do mercado, de meter a mão em tudo. Não renunciar a nada. Fazer uma escolha não significa limitar o próprio campo de ação, privar-se de outras possibilidades. Não para quem considera a vida como um espaço onde se pode conquistar tudo, mesmo correndo o risco de perder tudo. Significa, inclusive, levar em conta a possibilidade de ser preso, de acabar mal, de morrer. Mas não significa renunciar. Querer tudo e mais e o quanto antes. É esta a força e o atrativo que Cosimo Di Lauro personifica. Afinal, se todos, mesmo os mais zelosos com a própria segurança, terminam na gaiola da aposentadoria, se todos, mais cedo ou mais tarde, se descobrem traídos e terminam com uma babá polonesa, por que morrer de depressão à procura de um trabalho tedioso? Por que se acabar num part-time atendendo telefone? (…) Ernst Jünger diria que a grandeza está sujeita à tempestade. (…) Quem diz que isso é amoral, que não pode haver vida sem ética, que a economia possui limites e regras a serem seguidas, é simplesmente quem não conseguiu comandar, quem foi excluído do mercado. A ética é o limite do perdedor, a proteção do destronado, a justificativa moral para aqueles que não conseguiram jogar tudo e conquistar tudo.”

Se não é uma EEE, podemos ter certeza que a longo prazo, não mais existirá. Talvez seja o único alívio queteremos ao livro. O resto é só soco no estomago, como esse trecho mostrou.
Mais adiante, Roberto fala daquele sentimento que todo pesquisador também experimenta em alguma momento, quando tem dados que são suficientes para causar estranheza, mas não são suficientes para tirar uma conclusão sólida. Veja:

“Muitos diziam que o SISDE (Serviço de Informação e de Segurança Democrática) era o único responsável pela prisão. O SISDE tinha intervindo, confirmaram as forças policiais, mas sua presença em Secondigliano era difícil, dificilima de acreditar. Sinais de alguma coisa que se aproximava muito da hipótese que seguiam alguns repórteres, ou seja, a de que o SISDE tivesse pago salário a diversas pessoas da região em troca de informação ou de não-interferência; eu tinha realmente ouvido isso em pedaços de conversa de bar. Homens que tomavam café ou cappuccino com croissants pronunciavam frases do tipo:

‘Já que você recebe dinheiro de James Bond…’
Ouvi duas vezes, naqueles dias, referências furtivas ou alusivas a 007, um fato muito pequeno e risível para dele se tirar qualquer conclusão, mas também muito incomum para passar despercebido.”
A diferença é que os jornalistas geralmente não pagam com suas carreiras por um palpite ou uma opinião infundada, enquanto os cientistas…
Mas o melhor (quer dizer, o pior) está no último capítulo ‘A terra dos fogos’, onde ele denuncia com incrível riqueza de detalhes e grande correção, os Business que se tornaram os depósitos clandestinos de lixo. Um crime ecológico e civil que eu acredito que biólogo ou não, cientista ou não, ninguém ficará insensível.

"Seu cérebro de ostra!"

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Já ouvi pessoas fazendo esse tipo de ofensa umas as outras. Mas será que é realmente uma ofensa ter um cérebro de ostra? Ou pior, ostra tem cérebro?
A pergunta parece boba mas não é simples de responder. Pelo menos 3 dos meus amigos maiores especialistas em neurobiologia, incluindo o Dr. Stevens Rehen, a Dra. Marília Zaluar e a maior especialista do mundo em sistema nervoso de invertebrados, a Dra. Silvana Allodi, não sabiam, de cara, a resposta. Tive então eu que me virar pra descobrir.
A ajuda, mais demorada que inesperada, veio de um antigo livro de 1964 sobre (e entitulado) “A ostra americana Crassostrea virgínica” de Paul Galsoft. Essa é a prima norte americana da ostra de mangue, Crassostrea rhizophorae, que pode ser vista na foto acima e que eu tenho certeza que tantos de vocês apreciam na praia ou em restaurantes chiques. O livro traz um capítulo inteiro sobre o sistema nervoso das ostras.
Mas curiosamente, a primeira coisa que me chamou atenção não foi a solução do mistério. Foi a linguagem do texto. Vocês, que como eu acabam lendo muito sobre ciência, também não percebem a diferença gritante no estilo de escrita dos artigos e textos técnicos dos anos 40-60 para os atuais? Sem a pressão do ‘Publicar ou Percer’ nas costas, os cientistas eram ótimos contadores de histórias, e a ciência era muito melhor comunicada. Os textos eram sim mais longos, mas não por isso prolixos. Eram contextualizados e tinham o necessário para serem fluidos, como uma legibilidade (aprendi ontem essa propriedade dos textos) difícil de encontrar hoje em dia.
Galsoft começa falando que o sistema nervoso é bastante simples, com um gânglio cerebral na parte anterior (perto da ‘dobradiça da ostra, onde também está a boca) e um gânglio visceral na parte posterior (onde a concha se abre e onde estão tambémoutros órgãos importantes como as brânquias, o músculo adutor, intestinos, etc). Ambos estão conectados por uma longa fibra nervosa e deles partem diversos nervos para as outras partes do corpo.
Mesmo simples, ou talvez justamente por isso, é um lindo sistema nervoso. Não estou brincando… é L-I-N-D-O! Veja o esquema abaixo. Se fosse uma tatuagem nas costas de uma menina na praia todos estariam perguntando quem teria sido o designer de um tribal tão bacana (bom, talvez não usassem uma gíria antiga como essa). Mas tenho certeza, que jamais imaginariam que eram os neurônios da ostra.
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Diferente de outros bivalves, de vida (mais ou menos) livre, como mexilhões e vieiras, as ostras não possuem pé (sim, os mexilhões tem pé) e olhos (sim, os coquilles tem olhos) e seus únicos órgãos dos sentidos são mínusculos tentáculos na borda do manto.
Abre parênteses: o manto é um órgão dos bivalves com muitas funções: secreta a concha, participa da reprodução e ajuda a proteger os órgãos internos. Fecha parênteses
Apesar de pequenos, os tentáculos são muito sensíveis se retraindo com a passagem de sombras ou feixes de luz, e capazes de perceber mínimas quantidades de drogas, excesso de material particulado em suspensão variações de temperatura e de composição da água do mar.
Em uma seção de métodos, pouco frequente em um livro texto que não seja um manual, ele fala sobre a grande dificuldade de se estudar o sistema nervoso, e dá uma receita para se observar os nervos explicando também o porquê e o para quê de cada passo, como minha querida amiga Cristine gostaria que fossem todos os protocolos.
Ele diz: “Em preparações bem sucedidas, o nervo violeta escuro é visível contra a massa visceral semi-transparente.” E com uma impressionante sinceridade, impossível em um artigo nos dias de hoje, continua: “Na minha experiência o método se mostrou caprichosamente laborioso e não completamente confiável”.
Mas o mistério mesmo da história do ‘cérebro’ das ostras é o Órgão Palial. Pequenino, no formato (e no tamanho) de uma vírgula, – como esta aqui que passou, só que com muitos cílios na cabeça arredondada -, até 1964 nenhum experimento tinha sido capaz de explicar a sua função ou o seu funcionamento. Por isso, as especulações iam desde “um importante papel no controle da frequencia da respiração” até a “detecção de perturbações mecânicas” ou de alterações químicas na água.
E foi tentando elucidar esse enigma que me deparei com o final feliz, que não está no sistema nervoso, mas sim no circulatório. Como nas ostras o manto, além das funções que eu já listei, também dá uma mão na respiração, é necessário um complexo movimento de vai-e-vem do sangue (na verdade hemolinfa) nas veias e artérias dessa região. E para controlar esse movimento, a ostra possui dois ‘corações auxiliares’, que funcionam independente do coração principal. Mas fraco no inverno, e como bom carioca, mais forte no verão.
Então, se algum dia alguém disser que você tem cérebro de ostra, torça, pelo menos, pra ter coração também.

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