A hora de quem?

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A natureza é indiferente. Para o bem e para o mal.
Bom, ser indiferente é justamente não tender para o bem ou mal.
A ‘hora do planeta’ deveria se chamar a ‘hora do nosso planeta’, como nós gostaríamos que ele continuasse a ser. Só que o planeta nunca foi o mesmo. Mudou radicalmente, milhões de vezes, nos últimos 4 bilhões de anos. Entre outras razões, devido a espécies que exploraram recursos a exaustão, e se extinguem. Você sabia que todas as espécies que vivem hoje no planeta, toda a nossa incrível biodiversidade, é apenas 0,00001% de todas as espécies que já existiram? Pois é, todas as outras que já existiram, desde que a vida apareceu há 4 bilhões de anos, já se extinguiram.
A unica coisa realmente natural, orgânica e sustentável, a real ‘hora do planeta’, será a nossa própria extinção, com o aparecimento de uma espécie mais evoluída.
A hora do planeta da WWF é fruto do mesmo romantismo que criou os parques nacionais, como Yellowstone há mais de dois séculos: para relaxar o homem dos estresses da vida nas cidades grandes e não para preservar a natureza. Enquanto considerarmos o homem como ‘não natural’, continuaremos a achar que a ‘hora do planeta’ ou qualquer outra ‘hora…’ ou ‘dia…’ influenciará a decisão da nossa indiferente ‘Mãe Terra’ quando chegar o dia do juízo final da espécie humana.
Não vai adiantar. Mas até lá, serão vendidos muitos livros, espaços de propaganda, alimentos orgânicos, jornais, revistas e camisetas da hora do planeta. Vão me chamar de chato, mas o verde motivando essa ‘hora’ me parece outro.

Os próximos 150 anos


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Em 2009 a teoria da evolução pela seleção natural de Charles Darwin completa 150 e se mantém como a mais importante descoberta da biologia.

Durante todos esses anos, ela foi testada com todo o rigor do método científico (e da lei) por ilustres defensores e ferrenhos opositores, e em todas as vezes, mostrou sua importância. Sim, algumas idéias de Darwin não estavam corretas. Kumura mostrou que não só a seleção natural é capaz de fixar genes nas populações (veja o post que explica a seleção natural aqui) mas também um processo chamado ‘deriva gênica’ permite que um gene neutro, que não traz nenhum benefício adaptativo para a espécie, mas também não prejudica a adaptação dela, passe a integrar o conjunto de genes da população. Já o biólogo evolucionista Stephen J. Gould mostrou que a evolução não acontece gradualmente, de maneira uniforme, mas principalmente em saltos, que revolucionam adaptatividade (fitness) dos organismos.

No entanto, o núcleo central da teoria de Darwin, de que os organismos lutam pela sobrevivência usando as armas que dispõe no seu ‘pool’ de genes, se mantém intacto e vem sendo fortalecido a cada novo resultado. Vem dai a razão da grande aceitação da teoria: ela funciona! Explica uma enorme variedade de fenômenos e observações, e contribui para além da biologia, em campos como o desenvolvimento de drogas na industria farmacêutica ou de componentes eletrônicos na industria de informática. A seleção natural é poderosa mesmo no maior de seus desafios: explicar a evolução humana. A idéia do homem como topo da evolução é um pilares que sustentam os princípios religiosos, mas análises recentes mostram que a nossa espécie, o Homo sapiens, não só evoluiu, como evoluiu muito nos últimos 10.000 anos, e com velocidade assustadora. Um exemplo de adaptação recente é a habilidade de digerir leite em adultos do norte europeu. Também temos muito menos dúvidas sobre nossas origens,. Sabemos que não viemos exatamente dos macacos, mas de um ancestral comum remontando aos primeiros Australopithecus entre 4 e 7 milhões de anos atrás (veja o texto Uma breve história do homem).

Mas então porque a seleção natural não é uma lei da natureza?

A resposta não é simples e provavelmente não é justa. Mas a idéia de mutações aleatórias sendo responsáveis pelo aparecimento de toda a biodiversidade, desde o nível de macromoléculas (diversidade dos genes e proteínas) até os biomas (diversidade de ecossistemas) é muito pouco intuitiva. Difícil de entender e difícil de provar. Como os processos de seleção ocorrem em escalas de tempo geológicas, é impossível observar ela em ação. Assim, nunca podemos fazer experimentos que estabeleçam indubitavelmente relações de causa no estudo da evolução: a seleção é observada sempre a posteriori, e como é sempre possível contar mais de uma história plausível para explicar um mesmo evento… cada um acaba acreditando na sua versão. Além disso, o homem está acostumado a selecionar artificialmente suas culturas e animais de criação, decidindo quais organismos dentro de uma população se reproduzirão e interferindo na direção adaptativa da prole, e criando coisas como cães Pincher e Dinamarqueses. É a ‘seleção artificial’, que ao invés de ajudar, atrapalha ainda mais a compreensão da teoria da evolução, já que fortalece a crença de um ‘ser inteligente’ direcionando os processos evolutivos.

A seleção cultural em humanos, voltada para atender ideologias dominantes (religiosas, políticas, raciais), representa um grande risco para a espécie como um todo. No último dia 12 o escritor Luís Fernando Veríssimo publicou um texto no globo questionando o propósito da manipulação do DNA. Como podemos determinar o que é um bom direcionamento? O que é útil hoje, pode ser perigoso amanhã. E a capacidade do ser humano de mudar de idéia é imensamente superior, e mais veloz, que o potencial de resposta da Seleção natural.
Mas a manipulação de genes em laboratório nesse nível (o de modificar características humanas) ainda tem grandes desafios antes de se tornar a realidade dos filmes e realizar todas as promessas de aumento de eficiência das habilidades humanas (ou mesmo cura e prevenção de doenças). Os genes raramente agem sozinhos: uma função do organismo é determinada por vários genes, e por sua vez, um mesmo gene pode afetar em graus variáveis diferentes funções no organismo: fenômeno conhecido como pleiotropia. Por isso é possível que nunca consigamos realmente otimizar a característica que queremos sem causar efeitos colaterais.
Ao mesmo tempo, um tipo de evolução afetado pelas nossas decisões conscientes e pelos progressos alcançados pela tecnologia humana (atualmente mesmo pessoas não aptas física ou intelectualmente tem chances – e as vezes mesmo superiores – de reproduzir).

Será que o aumento da expectativa de vida para muito além de 100 anos e a integração da consciência humana com as máquinas, dois eventos que atualmente parecem inevitáveis, poderá modificar a forma como a natureza vem selecionando e acumulando complexidade, desbancando a seleção natural? É possível. Afinal, nem mesmo a seleção natural está livre da evolução: se extinguir sendo substituída por uma teoria de uma nova espécie. Isso é o natural.

Esse post faz parte da ‘Roda de ciência’ do mês de Março. Por favor, comentários aqui.

Que bichinho é esse? Que plantinha é essa? E como dizer isso pros outros?

Na viagens que fazia com amigos durante a faculdade, era inevitável a presença de zoólogos ou botânicos que paravam a cada passo para admirar, identificar ou coletar alguma coisa. Os amigos dos amigos, estudantes de direito, economia ou administração, começaram logo a implicar: “Que bichinho é esse?” ou “Que plantinha é essa?” Apesar da implicância, essa curiosidade pelo mundo que nos cerca não é exclusiva dos biólogos, e nem dos cientistas. Ela está dentro de cada um de nós.

Em outro momento, já depois de formado, ouvia com enorme freqüência a seguinte pergunta: “Mauro, você que é biólogo, me explica…” e o que se seguia eram as dúvidas mais estapafúrdias, nem sempre pertinentes, de pessoas leigas e sinceramente intrigadas com a natureza que as cercava. As vezes, devo confessar, fui mau, e criava uma resposta fantasiosa tão estapafúrdia quanto a pergunta. Era divertido. Como quando num dos muitos finais de semana que passei em São Paulo na casa do meu tio, indo do Rio de Janeiro para Rio Grande onde cursei o mestrado, sentados na varanda, ele me perguntou: “Mauro, você que é biólogo, tem um passarinho que sempre vinha aqui na minha varanda. Ele chegava a tarde e depois ia embora. Porque agora ele não vem mais?”

Respondi que a culpa era da poluição e que ele devia fumar menos por isso também. Ou algo desse tipo. Como eu poderia falar que a pergunta estava mal formulada, pedir o número de observações que ele fez da frequência de visitas do pássaro, se ele usou algum método de foto-identificação para saber se era sempre o mesmo pássaro, se havia mudado as plantas do jardim, e outras tantas variáveis que seriam pertinentes se aquele fosse um experimento ou trabalho de campo. Todos somos cientistas, mas trabalhar com o método científico é para poucos. Dá trabalho e exige muita dedicação e atenção. Além de uma fé quase religiosa nos seus procedimentos. Mas como explicar isso para os outros? O que escrever? Para quem? Como?

Essas são perguntas que chegam a atormentar um cientista todos os dias, e foi sobre elas que eu escolhi falar para os alunos da UNICAMP que gentilmente me convidaram para uma palestra sobre divulgação científica no seu IX CAEB – Congresso Aberto aos Estudantes de Biologia em Julho/2009. Tenham certeza que estarei lá.

"Estamos em busca de um conceito para o vocábulo vida"


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A solicitação foi feita pelo ministro do supremo tribunal federal (STF) Carlos Ayres Britto a 22 cientistas na audiência pública do processo de inconstitucionalidade contra a Lei de Biossegurança de 2005, aquela que permitiu o uso de embriões humanos para a pesquisa com células tronco.

Não foi um pedido simples. O tema adentra não só em um debate filosófico e moral que nem mesmo os grandes pensadores da humanidade conseguiram chegar perto de resolver, mas também em um complicado problema científico.

Atualmente o problema é abordado pelos astrobiólogos, aquelas pessoas que buscam indícios de vida fora da Terra. Uma dessas pesquisadoras, dra. Claudia Lage do Instituto de Biofísica da UFRJ, inicia sua palestra dizendo que: “Não existe uma definição de vida. Podemos denominar os atributos da vida, mas não definí-la”.

Se pensarmos bem, quando estávamos no ensino fundamental, aprendemos que os seres vivos têm características (esses atributos): nasce, cresce, reproduz e morre. Mas isso não é uma definição.

Para transformá-la em um definição, precisaríamos adicionar o ponto de vista bioquímico (entidades que possuem metabolismo), genético (entidades capazes de auto-replicação e evolução) e até termodinâmico (sistemas abertos onde a entropia tende a diminuir). Porém, todas essas definições encontram problemas para explicar algumas exceções: algumas vezes as máquinas também apresentam essas mesmas características, e outras vezes, alguns seres vivos falham em apresentar alguma delas.

Abre parênteses. Aqui começa um outro problema. A definição de vida tem de se aplicar a todo tipo de vida, mas os filósofos e juristas estão preocupados apenas com um tipo: a vida humana. Mesmo os ativitstas radicais dos direitos dos animais estão preocupados apenas com os animais ‘superiores’, um eufemismo para mamíferos com sangue quente e domesticados: cães, gatos, gado e cobaias de laboratório (ratos, camundongos, coelhos, porquinhos da Índia e macacos diversos). Até hoje não vi um comitê dos direitos das Salmonelas e Escherichias (bactérias utilizadas em testes de toxicidade e experimentos de genética e biologia molecular). Apenas o Canadá sugere um procedimento para o sacrifício de peixes utilizados em pesquisa. Fecha parenteses.

Alguns filósofos gregos imaginavam a concepção mesmo antes das evidências científicas da fecundação (que só apareceram no século XVII com o advento do microscópio) e determinavam que ali estava o momento da concepção. Durante toda a idade média o conceito vigente era de que a vida começava quando o feto também começava a se mexer na barriga da mãe.

No Renascimento, Descartes complicou a questão com o seu ‘ penso, logo existo’. O ser vivo só passou a ser ‘humano’ depois de ter a consciência da sua existência. A Igreja também gostava dessa idéia, porque podia ser associada diretamente ao conceito de alma. Mas quando as primeiras pesquisas de embriogênese no sec XVIII mostraram o momento da fecundação e o desenvolvimento do embrião, até mesmo a Igreja se dobrou e passou a aceitá-lo como o início da vida.

Mas no que se difere um zigoto de uma outra qualquer célula dentro do organismo? Certamente ambos estão vivos. Tirando as unhas, pelos, cabelos e a camada superficial da pele, todas as células do nosso corpo estão vivas. O potencial para se diferenciar em um organismo também não é um argumento definitivo. Muitas outras células se diferenciam durante o seu processo de desenvolvimento e também se multiplicam formando tecidos e órgãos inteiros. A capacidade de diferenciação não é uma característica definida por algo que apenas o zigoto tem, mas pela forma única pela qual o zigoto controla algo que todas as outras células têm.

Alguns cientistas defendem que o momento do início da vida está mais adiante, quando o óvulo fecundado adere à parede do útero, que é quando ele realmente passa a ter chances de se desenvolver. Outros vão ainda mais adiante e sugerem que a vida começa a partir da segunda semana de desenvolvimento, quando aparecem as primeiras terminações nervosas que resultarão no cérebro. Para os biólogos que trabalham em escalas macroscópicas, um bebê com menos de 5 anos de idade não tem chances de sobreviver sozinho e por isso poderia nem mesmo ser considerado como ‘vida independente’. Isso leva a uma outra discussão sem solução, que é de onde vem a vida? Mas disso eu trato em um outro artigo, aqui.

O fato é que quanto mais a ciência avança, mais complexa se torna a questão, e mais difícil o consenso. Mesmo quando se tenta definir a vida pelo seu oposto, a situação continua complicada, já que determinar o momento da morte é tão difícil quanto o início da vida. Sem um consenso científico do que seja a vida e de quando ela se inicia, não é de se espantar que não haja consenso jurídico.

O direito avança bem mais lentamente que a ciência ou mesmo a sociedade. Imagino que até mesmo por isso, os princípios fundamentais são tão amplos. A ponto de na constituição de 1988 estarem garantidos o ‘direito à vida’, assim como ‘direito à felicidade’. Mas garantidos a quem?

“Na verdade, na verdade o feto não tem personalidade jurídica, então, à rigor, não tem direito nenhum. Mas o Direito preserva os direitos futuros, e assim resguarda os interesses do nascituro” diz a advogada Juliana Fernandes.

Ao dar o seu voto na questão da inconstitucionalidade da Lei de Biossegurança, o ministro relator Carlos Ayres Britto, afirmou que a Constituição Federal vale para os brasileiros nascidos vivos, não para embriões. “É preciso vida pós-parto para ganho de personalidade perante o Direito. (…) A vida tem três realidades que não se confundem – o embrião, o feto e o ser humano. (…) Não há uma pessoa humana embrionária, mas sim um embrião de pessoa humana. Na definição jurídica, a vida humana revestida de personalidade civil transcorre entre o nascimento com vida e a morte.”

Essa questão foi dedicida e o Brasil foi um dos primeiros países do mundo a regulamentar o uso de embriões humanos em pesquisa e continua sendo um dos poucos países com uma clara legislação a respeito, o que permitiu que hoje nossos pesquisadores, mesmo com escassez de recursos, sejam lideres nessa área de pesquisa. Mas o problema está longe de estar resolvido.

Em resposta a uma solicitação de um defensor público em favor de oito filhos de detentas de São Bernardo do Campo (SP), o Tribunal de Justiça de São Paulo reconheceu que bebês que ainda não nasceram podem entrar com uma ação na Justiça e pleitear seus direitos.

“O zigoto é um individuo humano actual e não simplesmente um potencial do mesmo modo uma criança é uma pessoa humana com potencial para desenvolver a maturidade”.

Para Teresa Ancona Lopez, professora de direito civil da Universidade de São Paulo (USP), a decisão abre um importante precedente. “Apesar de o feto ainda estar em gestação, ele tem muitos direitos assegurados”, afirma. Ela explica que, nestes casos, a ação não é impetrada no nome que a mãe pretende registrar a criança, mas em nome do “nascituro” da seguinte cidadã.

“Existe uma diferença entre pessoa e sujeito de direito. O feto não é pessoa ainda, mas ele é sujeito de direito. E, com isso, já tem direitos assegurados”, explica Teresa. “A mãe tem que ser bem cuidada porque isso vai refletir nele (bebê)“, afirma.

E se, e quando, o Direito avançar para as áreas além das humanas, os dilemas já estarão lá esperando, porque recentemente a dra. Silvana Allodi do Instituto de Ciências Biomédicas da UFRJ acabou de publicar o primeiro estudo sugerindo que células tronco de invertebrados levam a formação do sistema nervoso desses animais.

O que podemos dizer é que para que haja vida independente, é necessária a conjunção de uma série de fatores. E a falha em qualquer um deles, ainda que não diretamente, vai levar à morte. É uma boa definição.

Diário de um Biólogo – Domingo 08/03/2009


Acordei tarde e feliz. Desde ontem não faço nada além de comer, dormir e namorar.

Mas mais uma semana vai começar e o texto do blog ameaça fazer 15 dias estampado na vitrine. Havia me prometido lançar pelo menos um texto por semana, mas a coordenação da nova Biofísica para Biologia (BMB163) tem tomado todo o meu tempo. Como boa parte desse tempo foi gasto na criação de textos para auxiliar nas aulas, pensei: “Porque não colocar eles também no blog?”

Os textos são um pouco mais didáticos do que eu costumo a colocar aqui, mas talvez sejam até mais interessantes para os muitos estudantes que frequentam o VQEB. Quem sabe até eles não comentem mais os textos, que eu sei, por diversos canais (tem texto até com comunidade – pro bem e pro mal – no Orkut), ele lêem?

PS: Um beijo especial hoje para todas as mulheres por mais esse dia especial.

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