Biofísica para(didático) Biologia
Ao longo dos últimos 10 anos, fui professor da disciplina Biofísica Geral para o curso de graduação em ciências biológicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Tendo sido também aluno desse mesmo curso 20 anos atrás, eu acredito que possuo uma perspectiva única sobre ele, que me motivou a organizar um livro.
Há 20 anos não havia internet e nem redes sociais. Não havia telefones celulares e muito menos os smartphones e todas as possibilidades que eles oferecem hoje. Não havia o mesmo número de computadores nos domicílios brasileiros que existem hoje, as notícias circulavam em jornais impressos e ainda que a biblioteca da UFRJ se parecesse muito com o que é hoje, ela tinha um papel mais importante já que toda informação científica publicada em periódicos estava armazenada nas suas estantes e para descobrir o que havia de novo tínhamos de vasculhar guias como o Current Contents por artigos a partir de palavras chaves do título e resumo. Eu usei muito os leitores de microfilmes, onde podíamos buscar quais os periódicos, volumes e números estavam disponíveis em quais bibliotecas do Brasil. Havia umas poucas livrarias no Rio de Janeiro onde podíamos comprar livros importados, apenas em inglês, com as últimas novidades da ciência. Eram os últimos suspiros de uma era. Hoje tudo está diferente.
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Estamos expostos diariamente a uma quantidade de informação proporcional ao conteúdo de 6 jornais. No entanto, nosso cérebro não pode armazenar mais informação do que armazenava antes. Sabemos sobre mais coisas, mas somos mais superficiais.
Esse volume todo de informação começou a estimular fortemente a pesquisa científica nas áreas da neurociência da cognição. Nunca se publicou tanto sobre emoções, memória, visão, audição e aprendizagem. Sabemos hoje mais sobre como aprendemos do que em nenhuma outra época. Ainda assim, nossos métodos de ensino e estudo permanecem os mesmos. Estamos preparando as novas gerações com métodos obsoletos para um mundo obsoleto. Enquanto a tecnologia avança e os computadores e robôs substituem os seres humanos em trabalhos braçais e repetitivos, temos uma necessidade crescente de mão de obra para trabalhos intelectuais, aquele que as máquinas (ainda?) não podem nos substituir.
A criatividade, no entanto, ainda que seja uma habilidade inata dos seres humanos, uma propriedade emergente do nosso cérebro complexo, como a nossa consciência, depende fortemente do nosso conhecimento das coisas. Para criarmos inovação, nos baseamos naquilo que já sabemos, naquilo que temos em nossas cabeças, em nossa memória de longa duração e não aquilo que temos armazenado nas nossas estantes de livros, pendrives ou nos HDs virtuais da Google e da Amazon.
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Vivemos em um mundo de caos. Nosso papel não é resistir a ele, mas sim abraçá-lo. Nesse novo mundo, não há mais espaço para o professor da minha época. E nem para o aluno que eu fui.
O professor há 20 anos era o único que dominava o conteúdo. Fora os anos de experiência, era o único que oportunidade de uma vez ao ano ir a um congresso no exterior, comprar livros atualizados e preparar aulas com as últimas informações disponíveis sobre determinado assunto. Se o aluno nas aulas se dedicasse a prestar atenção, teria a oportunidade única de ser exposto a um conteúdo que, de outra maneira, seria praticamente impossível de acessar. Mas hoje tudo está acessível ao toque dos dedos, em diferentes mídias, linguagens, línguas. Tanto que é difícil decidir qual informação é a mais viável ou correta. O aluno não pode mais confiar plenamente no professor como fonte porque não há como o professor estar atualizado. O aluno tem que decidir por si só em quem confiar e para isso, mais do que interesse e atenção, vai precisar de organização e autonomia. Nesse mundo, o papel do professor é ensinar o aluno a ter critério é selecionar a informação mais importante.
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Ao longo desses 10 anos, ficou claro que os alunos chegam ao 4º período do curso de biologia sem ter uma ideia clara do que seja biofísica. É possível que a biofísica tenha sido a primeira, talvez após a bioquímica, das ciências que foram formadas pela união de duas outras categorias mais básicas. Hoje temos a bioinformática, bioengenharia, bioeconomia… Mas como decidir o conteúdo para ser colocado em um período limitado de tempo e espaço?
É o momento no qual cabe ao professor fazer escolhas e assumir compromissos.
Foi o que fizemos nesse livro, criando uma nova ementa, da maneira que explicamos no texto de abertura. Esperamos que, mais do que ‘o que é biofísica’, você aprenda sobre como devemos estudar e aprender nesse admirável mundo novo.
O livro foi feito com a colaboração de muitas pessoas, inclusive da turma do Scienceblogs, edição da Numina Labs e apoio da FAPERJ. Acesse preferencialmente de dispositivos móveis conectados a internet.
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