Por que o Papa é pop?

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Quando assisti ‘Contato’, de Carl Sagan, um trecho me impressionou especialmente. E não tinha nada a ver com a nave espacial que estava sendo construída com instruções extra-terrestres: durante a seleção de quem seria o piloto da nave, que representaria a humanidade no contato com uma outra civilização, a astronauta representada por Jodie Foster, apesar de ser a melhor candidata, foi rejeitada por não acreditar em Deus. Um dos responsáveis pela seleção disse a ela: “Nossa missão era escolher alguém para falar por todos. Eu não poderia votar numa pessoa que não acredita em Deus. Alguém que acha honestamente que 95%dos seres humanos sofrem de uma ilusão coletiva.”

Sou ateu convicto, daqueles que como Richard Dawkins faz pouco até dos agnósticos (que para mim, como para ele, não tem coragem de assumir o ateísmo), mas esse número me impressiona: O que faz com que 95% da população humana sinta a necessidade de acreditar em um Deus? Qualquer um?

Eu entendo ir pra Copacabana e passar a noite inteira em uma festa de 3.000.000 de pessoas. Fiz isso para ver os Rolling Stones, o Ano Novo. Fiz pior para ver a Timbalada no carnaval de Salvador. Se as músicas fossem boas talvez eu até fosse pra lá também. Só pela festa (mas não era o caso. Apesar de muito menos chatos que os evangélicos, os católicos são chatos também). Mas a necessidade autentica em acreditar em magia e milagre, de racionalmente negar a razão e se submeter aos caprichos e vontades de uma entidade superior a você? Para mim é um retrocesso no avanço cultural e científico da humanidade.

Mas 95%… é um percentual alto. Se fosse uma análise estatística, seria até significativa. Será que existe uma razão racional, até biológica, não para a Deus, mas para a necessidade de acreditar em Deus?

Mais uma vez a melhor resposta que encontrei para essa pergunta está no livro de Desmond Morris, ‘O macaco nu’

“Já que falamos em religião, talvez valha a pena observar mais de perto essa estranha forma de comportamento anima (…) O assunto não é fácil, mas, como biólogos, devemos fazer o possível para observar o que se passa na verdade. Se o fizermos, teremos forçosamente de concluir que, em sentido comportamental, as atividades religiosas consistem na reunião de grandes grupos de pessoas que executam longas e repetidas exibições de submissão, no intuito de apaziguar o indivíduo dominante. Esse indivíduo dominador assume muitas formas nos diferentes tipos de cultura, mas conserva sempre um fator comum: um poder enorme. (…) As respostas submissas que lhe são oferecidas podem consistir em fechar os olhos, baixar a cabeça, pôr as mãos em atitude de súplica, ajoelhar, beijar o solo, ou mesmo chegar à prostração extrema, freqüentemente acompanhada de vocalizações de lamento ou de cânticos. Se esses atos de submissão são bem sucedidos, o indivíduo dominante acalma-se. Como mantém enormes poderes, as cerimônias de apaziguamento têm de ser praticadas a intervalos regulares e freqüentes, para impedir que o dominador volte a sentir-se irado. Em regra, mas não sempre, o indivíduo dominante é chamado um ‘deus’.”

“Como nenhum desses deuses existe numa forma corpórea, é o caso de perguntar por que foram inventados. Para encontrar a resposta, temos de regressar às nossas origens ancestrais. Antes de nos termos tornado caçadores cooperantes, devemos ter vivido em grupos sociais semelhantes aos que ainda hoje se vêem em outras espécies de macacos e símios. Nos casos típicos, cada grupo é dominado por um só macho. Este é ao mesmo tempo patrão e senhor todo-poderoso e cada membro do grupo tem de apaziguá-lo ou sofrer as conseqüências. O chefe é também o membro mais ativo na proteção do grupo contra os perigos exteriores e no ajuste de contendas entre os restantes membros. Durante toda a vida, cada membro do grupo gira à volta do animal dominante. O seu papel de detentor de poder absoluto dá-lhe uma posição semelhante à de um deus. Voltando agora para os nossos antepassados mais próximos, torna-se evidente que, com o desenvolvimento do espírito cooperativo, tão fundamental para a caça em grupo, a aplicação da autoridade do indivíduo dominante teve de ser muito limitada, para conservar a lealdade ativa (e não passiva) dos restantes membros. Era preciso que estes últimos quisessem ajudar o chefe, em vez de se limitarem a temê-lo. Para isso, o chefe tinha de ser cada vez mais como ‘um dos outros’.”

“O antigo macaco tirano teve de desaparecer, para ser substituído por um chefe macaco pelado, mais tolerante e cooperante. Tratava-se dum passo essencial para a organização de um novo tipo de ‘entreajuda’, mas criou um problema. O domínio total do membro n.° 1 do grupo foi substituído por um domínio qualificado, de forma que aquele não podia impor uma lealdade cega. Embora essa mudança tenha sido vital para o nosso novo sistema social, deixou, no entanto, uma lacuna. Devido aos nossos antecedentes, conservamos a necessidade de uma figura todo-poderosa que mantivesse o grupo sob um certo controle, e a vaga foi preenchida com a invenção de um deus. Dessa forma, a influência da figura-deus inventada podia funcionar como uma força complementar da influência progressivamente decrescente do chefe do grupo.”

“À primeira vista, surpreende como a religião tem tido tanto sucesso, mas o seu enorme poder nos dá apenas a medida da força da nossa tendência biológica fundamental, herdada diretamente dos macacos e símios nossos antepassados, para nos submetermos a um membro do grupo dominador e todo-poderoso. Por esse motivo, a religião tem-se revelado extremamente valiosa como mecanismo de coesão social, e é mesmo possível que a nossa espécie não tivesse progredido tanto sem ela, dado o conjunto especial das circunstâncias que acompanharam a nossa evolução.”

Pelo visto, vamos ter que conviver com isso até evoluirmos para perder esse traço de submissão da nossa personalidade.

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