Cerveja, Piruvato e novidades na sala de aula
Dia 17 de março foi dia de São Patrício (St. Patrick). Eu não saberia disso se não estivesse fora do Brasil, porque aqui não se comemora tanto o dia do padroeiro da Irlanda. E porque se comemoraria? Bom, porque a festa do padroeiro da Irlanda acabou virando a festa da Cerveja, o produto mais associado aos irlandeses, e os brasileiros também adoram cerveja. Mas acho que o carnaval e a Oktoberfest (a nossa é a segunda maior do mundo e a segunda maior festa brasileira – não religiosa – depois do carnaval) já cumprem esse papel.
E o que isso tem a ver com biologia além do fato dos biólogos adorarem cerveja? A cerveja é um ótimo assunto para ensino e divulgação científica. Um dos meus primeiros textos foi sobre o consumo do álcool e mais recentemente escrevi sobre a toxicologia do álcool e o interesse que esse assunto desperta nos alunos. E chamou a minha atenção o vídeo feito por um biólogo sobre a biologia da cerveja:
Não é um barato?! Para fazer esse vídeo eu tenho certeza que ele aprendeu muito mais do que se estudasse para qualquer prova. Também tenho certeza que muitos alunos, ou apenas beberrões curiosos, aprenderam (e aprendem) mais com ele do que com qualquer livro didático. E contribui para isso o fato de ser um vídeo e de estar no youtube, onde as pessoas podem acessar de qualquer lugar e quantas vezes quiserem.
Fiquei me perguntado porque não temos alunos assim: criativos, divertidos, dedicados, interessados e inovadores? Ops! Mas peraê… nós temos sim!!!
O video abaixo sobre a via glicolítica foi feito por alunos da UFRJ e é um sucesso na internet:
Ainda que algumas pessoas possam questionar o bom gosto dos produtores, o ‘Piruvato’ é sensacional! Esse vídeo, essa música, deveriam ganhar prêmios! Eu queria dar um premio pra esses caras.
Ops, mas peraê de novo. Eu conheço esses caras! Eu conheço essa sala de aula! São os meus alunos, é a minha sala de aula. Esses rapazes e moças passaram pela minha disciplina sem nenhum brilho, sem nenhuma iniciativa. Provavelmente sem presença também. Por que será que esse interesse não se manifesta no dia-a-dia da sala de aula?
Porque, vamos combinar, a aula é muito chata! A escola é chata e a universidade é chata também. Não é (quase sempre) culpa de ninguém, é o fato da escola não ter acompanhado as mudanças tecnológicas da sociedade nos últimos 100 anos, como diz Seymour Papert.
“Alguns setores da atividade humana, como a medicina, os transportes e as comunicações, foram transformados drasticamente, a ponto de não reconhecermos, durante o século XX. Comparadas com essas mega mudanças, as práticas da escola permaneceram virtualmente estáticas. Isso se deve a aprendizagem não ser suscetível a mudanças? ou a tecnologia apropriada ainda não ter aparecido?”
Por melhor professor que eu seja – e eu sei que sou – não tem como a minha aula, nos moldes em que se espera que eu dê aula, possa competir com os estímulos do mundo moderno. Eu sou a favor de fazer um monte de coisas super legais em sala de aula, mas como fazer isso se temos que passar conteúdo para os alunos?
A relação com o conteúdo tem que mudar. Tem, pelo menos, que mudar o ‘momento’ de passar o conteúdo. Não pode ser mais a sala de aula. A aula tem que ser pra discutir as respostas dos alunos com eles. REspostas que eles encontraram no youtube, no google, no facebook. Que conversaram entre si, que perguntaram pra alguém ou ouviram falar no jornal, na TV, pixado em um muro. Que ouviram no video engraçado do ‘Piruvato entra e sai’.
Fora umas pouquíssimas iniciativas isoladas, como a escola do Oi Futuro da qual a Samara Werner fala aqui, o professor é obrigado, ou só sabe, ou só tem instrumentos, para dar uma aula chata. É obrigado a cobrar dos alunos uma performance chata e tem de se contentar com um resultado medíocre. Todos restam decepcionados. Mas será que tem de ser assim?
Ahh… eu vou mudar isso. Vou mudar isso a partir de agora. A partir de hoje.
Ostras felizes não fazem inovação
O título do livro de Rubem Alves ‘Ostra feliz não faz pérolas‘ chama a atenção de qualquer um que, como nós do Laboratório de Biologia Molecular Ambiental, trabalha ou aprecia esses simpáticos bivalves. Mas o significado é muito mais profundo, como vocês podem ver na resenha feita pelo próprio autor:
“A ostra, para fazer uma pérola, precisa ter dentro de si um grão de areia que a faça sofrer. Sofrendo, a ostra diz para si mesma: ‘preciso envolver essa areia pontuda que me machuca com uma esfera lisa que lhe tire as pontas…’ Ostras felizes não fazem pérolas… Pessoas felizes não sentem a necessidade de criar. O ato criador, seja na ciência ou na arte, surge sempre de uma dor. Não é preciso que seja uma dor doída… Por vezes a dor parece como aquela coceira que tem o nome de curiosidade. Este livro está cheio de areias pontudas que me machucaram. Para me livrar da dor, escrevi.”
Lembrei disso esses dias. Estava na Noruega para dois dias de reunião de um projeto que envolve, ou deveria envolver, inovação. O Brasil tem agora um monte de petróleo e um monte de dinheiro para aplicar em ciência e tecnologia por causa do petróleo. Esse dinheiro para pesquisa será usado, principalmente, para explorar mais, e melhor, todo esse óleo, mas para isso precisamos de mais engenheiros, geólogos e um montão de outros profissionais, além de empresas que forneçam maquinas, equipamentos e serviços. Assim, uma boa parte desse dinheiro será usada em educação e formação de pessoal e na criação do que se convencionou chamar ‘conteúdo local’, empresas nacionais capazes de fornecer tudo que a indústria petrolífera necessitará. E não é pouco dinheiro não: estima-se que a Petrobras sozinha investirá em média 1,8 bilhões de reais por ano até 2020 (da acordo com a ANP). Então, todo mundo, literalmente, que trabalha com a indústria do petróleo, inclusive, e principalmente, os cientistas, está de olho no Brasil. E os noruegueses também.
“Descobrir petróleo pode ser a salvação ou a ruína de um país” me disse o cônsul norueguês outro dia. Para a Noruega, o petróleo que eles descobriram no ártico nos anos 70 foi a salvação. E desde que as Nações Unidas criaram o ranking de países com melhor qualidade de vida baseado no índice de desenvolvimento humano (IDH), há 20 anos, a Noruega está em primeiro lugar.
Abre (um curto) parênteses: Esse índice tem de ser furado… nenhum país com aquele frio todo pode ter a melhor qualidade de vida do mundo! Fecha (um curto) parênteses.
Toda essa qualidade de vida deixou esses noruegueses assim… bem de vida. São ostras felizes. São super educados, inteligentes, informados. Viajam, falam outros idiomas, tem respeito pelos gêneros e culturas. Mas falta a eles o incomodo da dificuldade. Aquele que faz com que você queira planejar um futuro melhor. Aquele que faz você economizar um pouco a cada mês, mesmo que tenha que deixar de comer fora, pra um dia comprar a casa própria e sair do aluguel. Continuando a metáfora, eles não tem que sair do aluguel, então… pra que se furtar a comer fora?
Os noruegueses tem certeza que as soluções que eles desenvolveram para a exploração de petróleo na Noruega, e que levaram o país deles a melhor qualidade de vida do mundo, serão úteis para a exploração de petróleo aqui. Pode até ser, mas historicamente, a experiência brasileira, é que não são. E pela primeira vez na história, o Brasil está disposto a ‘fazer pesquisa’ para desenvolver suas próprias soluções, ao invés de comprar as importadas que vem prontas mas não solucionam os nossos problemas (como as usinas de Angra 1, 2 e 3).
É difícil para os noruegueses entender os problemas e o povo brasileiro. Entender essa coisa de passar fome e brincar carnaval, de virar a panela vazia para fazer batucada. É difícil para mim também, devo confessar. Mas é assim que é e eu sou feliz de que seja assim. E se isso se reflete na nossa forma de resolver problemas, é importante que quem esteja interessado em participar da solução desses problemas, entenda, ou simplemente aceite, isso: chegou a hora do Brasil produzir e exporta soluções! O que os noruegueses, e todos os outros povos interessados no dinheiro para pesquisa do petróleo brasileiro tem que pensar é “o que nós podemos desenvolver aqui no Brasil e que poderemos usar de volta em nossos países para melhorar – ainda mais, que seja – a nossa qualidade de vida?”. E com R$ 2 bilhões por ano… eu aposto que tem muita coisa que pode ser feita.
Mas para isso, tem que inovar. E me parece que é bem mais difícil inovar se você é uma ostra feliz.
Antes tarde do que nunca
“O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) vai acrescentar, na plataforma eletrônica Lattes, que traz currículos e atividades de 1,8 milhão de pesquisadores de todo o País, duas novas abas para divulgação pública. Em uma delas, os cientistas brasileiros informarão sobre a inovação de seus projetos e pesquisas; e na outra, deverão descrever iniciativas de divulgação e de educação científica.”
A matéria do jornal da ciência anunciando que finalmente o CNPq, o conselho nacional de ciência e tecnologia, vai reconhecer divulgação científica como produção científica é um alento para a sociedade, para os cientistas e para os blogueiros. A sociedade porque financia a ciência com os seus impostos mas não é capaz de entender os artigos científicos extremamente técnicos que órgãos financiadores exigem, e os cientistas porque vão poder divulgar seu trabalho e se aproximar do seu público sem que isso signifique ‘desperdício’ do tempo que deveria ser investido em artigos técnicos. Finalmente, para os blogueiros, que vêm fazendo essa divulgação sem nenhum apoio dos órgãos de fomento ou dos seus próprios pares. Tomara que os alunos de pós-graduação percebam a importância de divulgar seus trabalhos para a sociedade e, ao escrever, praticar a sua escrita.