O que são 'órbitas'? O que são 'elípticas'? O que são 'planetas'?

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(Professor – “Como vocês podem ver, a órbita de um planeta é elíptica”. Aluno #1 – O que é uma órbita?; Aluno #2 – O que é um planeta?; Aluno #3 – O que é elíptica?. Retirado do livro “Good practice in science teaching: what research has to say’ de Jonathan Osborne e Justin Dillon)

Assisti Jonathan Osborne na Academia Brasileira de Ciências em novembro de 2013 no simpósio ‘Educação Científica: um desafio para a sociedade’ falando sobre a importância e os desafio do ensino de ciências. No ano passado tive o privilégio de conversar com ele em sua sala na Universidade de Stanford sobre o que motiva os alunos: “Mauro, as pessoas buscam duas coisas: Felicidade e Significado. Em geral, quanto mais temos de uma, menos temos da outra.”

Isso por sí só já tornaria qualquer empreitada de ensino um desafio gigantesco para um professor em uma sala de aula com 60 alunos.

Mas não para por aí. Na palestra de 2013, ele mostrou a grande diferença entre o que os professores ensinam e o que os alunos querem aprender, e que isso também varia de meninos para meninas. Em seu livro ‘Good practice in science teaching: what research has to say’ (Boas práticas no ensino de ciências: o que a pesquisa tem a dizer) ele mostra quais são os 5 principais tópicos que os alunos querem aprender:

  • Meninos
    • Produtos químicos explosivos
    • Como se sente ao ficar sem peso no espaço
    • Como funcionam as bombas atômicas
    • Armas químicas e biológicas e o que eles fazem com o corpo humano
    • Os buracos negros, supernovas e outros objetos espetaculares no espaço exterior
  • Meninas
    • Por que nós sonhamos quando estamos dormindo e o que os sonhos podem significar
    • Câncer – o que sabemos e como podemos tratá-lo
    • Como realizar os primeiros socorros e uso básico de equipamento médico
    • Como exercitar o corpo para mante-lo forte e em forma
    • Doenças sexualmente transmissíveis e como se proteger contra elas

Em um mundo perfeito, esses seriam os desafios de um professor de ciências. No mundo real, no entanto, temos outros problemas. O principal deles, que os alunos chegam até a universidade com grandes diferenças entre o que sabem e o que deveriam saber. É de se esperar que essa diferença tenha aumentado com as cotas, mas ela já existia antes delas.

Em uma enquete simples que realizei com alunos do 4o período do curso de Biologia da UFRJ prestes a cursar a disciplina de biofísica, os resultados foram muito esclarecedores e mostram o enorme desafio dos professores, não só no dia a dia na sala de aula, como na discussão de um curriculo base (até mesmo sobre a ‘possibilidade’ de um currículo base). A enquete tinha 3 perguntas objetivas:

“Enuncie 3 coisas que você ACREDITA que PRECISA saber para aprender BIOFÍSICA e que você JÁ SABE?”
“Enuncie 3 coisas que você ACREDITA que PRECISA saber para aprender BIOFÍSICA e que você NÃO SABE?”
“Enuncie 3 coisas que você GOSTARIA DE APRENDER em BIOFÍSICA?”

A primeira coisa que aparece na enquete é a dificuldade dos alunos se expressarem. São perguntas objetivas e ainda assim, grande parte deles deu respostas vagas (artigo da sonia no bioletim). Na primeira pergunta, ‘o que você já sabe’, as respostas que mais apareceram foram “Física Básica” (27), “Biologia Básica” (24) e “química básica” (13) . A quarta foi: “Não sei” (12).

Não precisamos entrar no mérito da discussão do significado de ‘básico’ e o que eles quiseram dizer com isso, porque, logo depois, na pergunta ‘o que precisa saber mas não sabe’, eles responderam: “Física avançada”, “Biologia avançada” e “Química avançada”. As vezes ‘mais física’ e ‘mais química’. Ainda que as palavras sejam vagas, o contra-ponto sugere que eles tem critério o suficiente para saber que o seu conhecimento do assunto é insuficiente. Isso deveria ser um grande motivador para a aprendizagem, mas como essa atitude não aparece em sala de aula, o que será que está errado?

De 130 conceitos que os alunos listaram (veja tabela em anexo), 87 deles já deveriam ser do conhecimento dos alunos. De todos eles! Seja do ensino médio como de outros dos primeiros períodos de biologia. No entanto, pelo menos uma pessoa afirma não saber pelo menos 63 desses conceitos. Só que 53 deles são conceitos de importância fundamental! Que precisam saber! Sem esses conceitos, até a comunicação em sala de aula fica prejudicada (como mostra a charge acima). Um exemplo da enquete deixou isso claro. A Cinesiologia é o estudo do movimento animal (humanos incluídos). Ainda que 13 pessoas tenham falado do seu interesse em aprender sobre “como nos movimentamos” ou “como se movimentam os animais”, nenhuma tinha o termo preciso com o significado correto no seu vocabulário.

Outro exemplo, ainda mais sério – Uma pessoa responde no que SABE: “apenas um pouco de biologia”. No que NÃO SABE: “física, química e como a física afeta das funções dos seres vivos” e no que GOSTARIA DE APRENDER: “mecânica animal; como funciona o cérebro e pensamento multidisciplinar para que meus conhecimentos se completem”. Vejam que essa pessoa ‘sabe’ que sabe menos do que precisa saber, ‘sabe’ que não sabe coisas importantes e ‘sabe’ que coisas,  importantes ou interessantes, tem curiosidade de aprender. Mas não parece saber que, sem o básico, ela não pode relacionar e conteúdos, que é a principal ferramenta para o aprendizado, e completar seus conhecimentos.

Dos 71 conceitos que eles que querem saber, 32 eu considerei ‘interessantes’ e tem um maior potencial para despertar a atenção do aluno em sala de aula e para permitir diferentes abordagens de ensino ao professor. No entanto, 7 não tinham a ver com biofísica. Dos 20 conceitos que marquei como ‘fundamentais’ e que tiveram interesse manifestado dos alunos, 2 não tinham a ver com biofísica.

Uma análise mais cuidadosa das respostas fala muito sobre o público na sala de aula: temos sempre alguns engraçadinhos (JÁ SEI: “Que as rãs pulam”), os que tem conceitos equivocados (JÁ SEI: “Que a luz é a transmissão de elétrons”) e os que não dá pra entender (QUERO SABER: “Interdependência das coisas que permite a existência” -?!?). Sempre tem aqueles que não querem pensar: seja porque respondem o óbvio (NÃO SEI: “Biofísica” – que é justamente o que vão aprender), porque copiaram suas respostas de outras pessoas, ou porque repetiram coisas que eu mesmo havia falado antes de passar a enquete (como a diferença entre sentir e perceber). Temos sempre os pretensiosos (JÁ SEI: “origem da vida”, “Origem do universo”) e os mais ambiciosos (QUERO SABER: “Por que tudo existe?”, “Com funciona o universo?”). Até “Se Deus existe?” os alunos queriam saber.

Uma pessoa perguntou: “Como é possível os organismos possuírem uma programação que define o que fazem?” É muito preocupante que essa pergunta apareça no 4o período de biologia, já que o conhecimento da resposta, o DNA, deveria ser a razão que leva uma pessoa ao curso. Talvez o desconhecimento da ‘biologia’ pelos alunos de biologia explique o enorme percentual de evangélicos, que negam a teoria da evolução, o principal pilar da biologia, nas salas de aula desse curso.

Fiquei feliz ao ver que muitos alunos queriam saber como diferentes coisas FUNCIONAM (30). Richard Feynman dizia que “o que não podemos criar, não podemos entender”. Por isso, entender o funcionamento é fundamental para podermos criar novas coisas, que é o que o século XXI precisa que nossos cientistas façam. Outros queriam verificar SE (5) algumas premissas eram verdadeiras e outros queriam saber o por quê (5) de coisas.

Também fiquei feliz ao ver que alguns alunos queriam aprender a ‘pensar’ melhor: pensar com mais eficiência, pensar sobre o que não sabe, pensar de maneira multidisciplinar.

Finalmente, não pude deixar de perceber que os conceitos que alguns alunos dizem não saber ou querer saber, são dominados por outros. Mesmo quando são conceitos fundamentais e algumas vezes difíceis, como ‘termodinâmica’ (7 sabem, 12 não sabem e 9 querem aprender). Essa é a chave para resolver o problema da apatia na sala de aula, mas vou deixar para concluir abaixo, no final do texto.

Antes de terminar, me permitam enunciar algumas das curiosidades que os alunos querem saciar:

  • Como a borracha apaga o lápis?
  • Como funciona o cérebro apaixonado? (dá uma aula incrível sobre química a anatomia do cérebro)
  • Como é feito leite em pó?
  • Como uma árvore constata seu tamanho exato para o equilíbrio?
  • O que é o De ja vu? (dá uma aula bacana de percepção, memória, atenção e como nossos sentidos nos enganam)
  • Deus existe? (Não é uma questão científica)
  • Sobre Fenomenos sobrenarurais? (Não é uma questão científica, mas dá pra falar um monte de coisas sobre estatística e método científico)
  • Sobre a Física no dia a dia do biólogo
  • O que são as Marés?
  • O que é preciso para entender uns aos outros? (se alguém soubesse…)
  • Qual a Origem de tudo? (se alguém soubesse…)
  • Por que a Terra é o único planeta com H2O líquida? (Não é!)
  • Por que a voz soa diferente no gravador?
  • Por que raio X não imprimi papel?
  • Como tudo acontece? (se alguém soubesse…)
  • O que leva a tudo isso?  (se alguém soubesse…)
  • Por que existem coisas? (se alguém soubesse…)
  • Como funciona o Telefone Celular?
  • O Teletransporte é possível?
  • Questões relacionadas a ‘Vida’ que eu agrupei em: definição, componentes, origem, funcionamento, relação com universo.

Cheguei a e conclusões:

  1. Precisamos, PRECISAMOS, fazer palestras sobre o Instituto de Biofísica na Biologia e nos outros Institutos da UFRJ. Até chegarem ao 4o período, nenhum aluno tem, sequer, uma vaga idéia do que seja a Biofísica.
  2. Direcionar o curriculo para cobrir lacunas ou diferenças no conhecimento dos alunos, é impossível, porque são muito diferentes e os temas em que são diferentes variam de ano a ano. Não é novidade que existem mais temas para serem tratados em biofísica do que tempo para tratar deles e por isso é preciso estabelecer quais são os conceitos fundamentais, que os alunos precisam saber para que possam depreender o maior número possível de novos conceitos, o que permitirá a eles aprenderem novos conceitos (e responderem as perguntas especificas de interesse geral ou individual). É preciso determinar quais são os conceitos básicos que eles precisam saber (e saber corretamente) ANTES de iniciar o curso, sem os quais a aprendizagem será praticamente impossível.
  3. É fundamental, para aumentar a eficiência do processo de ensino e aprendizagem, que o professor, em sala de aula, envolva os alunos que JÁ SABEM conceitos fundamentais ou interessantes no ensino dos que ainda não sabem esses conceitos (veja De muitos para muitos). E, fora da sala de aula, que disponibilize conteúdo original ou ‘não-formatado’ para que os alunos possam preencher as lacunas de conhecimento básico que trazem consigo.

Sem meio termo

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Ao longo dos primeiros meses desse ano, acompanhei muitos artigos que, de maneira contundente, urgem a comunidade científica brasileira a assumir um verdadeiro compromisso com a qualidade da ciência produzida no país. Não podemos considerar nosso critério adequado com os indicadores que temos hoje. Eu sou daqueles que concorda, em grau, número e gênero, com o texto do artigo “Produção científica e lixo acadêmico no Brasil” do professor Rogério Cezar de Cerqueira Leite publicado na Folha de São Paulo em 06/01/15.

No artigo É hora de rever o sistema de pós-graduação brasileiro de 26/01/15, o professor emérito da Unicamp Lewis Joel Greene aponta o problema: “Em meados da década de 1970, houve muitas discussões sobre o fato de que o Brasil precisava produzir milhares de doutores para chegar a níveis de primeiro mundo em número de doutores/100.000 habitantes. Reconhecia-se que a maioria dos primeiros formados teriam uma formação menos que ideal, porém entendia-se e esperava-se que o sistema se tornasse mais rigoroso com o tempo. Infelizmente, isso não ocorreu e, para piorar a situação, os doutores mal treinados estão agora formando a próxima geração de doutores.”

O artigo me fez lembrar do que li no livro ‘Aprendiz da ciência’ de Carlos Chagas Filho. Ele fala da importância da “criação de um conceito fundamental para o nosso país: o emprego de modelos nacionais estudados pelas técnicas as mais avançadas, o que, de um modo geral, significam técnicas internacionais. Esse conceito define e determina o que se deve chamar ‘a ciência nacional’. Isto não significa nenhum tipo de xenofobismo ou de estreito nacionalismo, mas é o melhor caminho para o desenvolvimento natural e social de nosso país.”

Para mim, e acredito que para ele também, não eram apenas as técnicas internacionais, mas também os critérios internacionais de qualidade. A ciência é um conjunto de ferramentas para entender como o mundo funciona. Seus critérios não podem ser flexíveis, porque as leis da natureza não são. Não há como discutir e chegar a um ‘consenso’ do que é o melhor. Não há ‘negociação’ com as evidências. Não há meio termo.

Ainda que eu admire o discurso do professor Domenico de Masi que diz que “as universidades do Brasil só não são consideradas as melhores do mundo porque os critérios para a escolha das melhores são determinados pelas mesmas universidades que publicam o ranking“, tendo tido a oportunidade e o privilégio de visitar Harvard e Stanford, não posso dizer que sejam critérios ruins.

Ainda assim, para mim, existe um critério melhor do que qualquer ranking. Um critério absoluto. O critério do que funciona e do que resolve problemas no mundo real. Quando Ioannidis publicou Why most published research findings are false‘ em 2005, era exatamente disso que ele estava falando: basta de coisas que não são replicáveis, não são confiáveis, coisas que não funcionam!

Nós precisamos fazer coisas que funcionem. Sejam elas teorias ou patentes, precisamos de ciência que ajude a resolver problemas no mundo real.

Precisamos do padrão Richard Feynman: “O que eu não posso criar, eu não posso entender.”

Ou do critério Ayn Rand em ‘A Revolta de Atlas’: “Não há nada de importante na vida exceto sua competência no seu trabalho. Nada. Só isso. Tudo o mais que você for, vem disso. É a única medida do valor humano. Todos os códigos de ética que vão tentar enfiar na sua cabeça não passam de dinheiro falso impresso por vigaristas para despojar as pessoas de suas virtudes. O código de competência é o único sistema moral baseado no padrão ouro.”

A comunidade científica acredita hoje que os artigos científicos são o propósito. O ‘fim’. Entendi, recentemente, ainda que só tenha consolidado essa compreensão agora, neste exato momento, que os artigos científicos são apenas o começo. Se um artigo científico se encerra em si, ele não fez jus aos recursos que foram empenhados nele. Estou falando de transformar dados em informação e informação em conhecimento. E sim, conhecimento em coisas que funcionem.

Patentes ou teorias, artigos tem que se transformar em coisas que funcionem. 

Lembrei da metáfora da fábrica de tijolos. Em 1963 Bernard K. Forscher enviou uma carta a Science na qual usava a metafora de uma fábrica de tijolos para fazer exatamente essa crítica a ciência que estava sendo produzida no mundo (Caos na Fábrica de TijolosChaos in the brickyeard).

Sou um cientista que entende que o modelo de financiamento de ciência no mundo está esgotado. Também sei que a percepção do cientista sobre seu papel no desenvolvimento social e econômico do país é uma, a percepção da sociedade sobre esse mesmo papel é outra e o seu real papel, outro ainda. Espero contribuir com inovações que ajudem a chegarmos a um novo modelo, onde todas essas variáveis se reconciliem em um equilíbrio sustentável. Porque voltar ao que era (“nós pesquisamos o que quisermos e vocês pagam a conta”) simplesmente não é mais uma opção.

Há 4 anos atrás o artigo ‘Fabrica de doutores’ (PhD Factory) publicado na Nature chamava a atenção para o excesso de doutores sendo produzidos no mundo. Na semana passada, outro artigo na Nature, ‘O futuro do Postdoc’ (The future of postdoc), mostra como o problema aumentou.

No mundo inteiro, em qualquer área, as únicas pessoas com trabalho garantido são aquelas que aprenderam a se tornar indispensáveis. A maior parte das pessoas quer fazer o que quer fazer e ser paga, com benefícios, por isso. Temo que não seja possível.

Precisamos de muitas pessoas fazendo muita ciência, mas não qualquer pessoa e não qualquer ciência.

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