Sem meio termo
Ao longo dos primeiros meses desse ano, acompanhei muitos artigos que, de maneira contundente, urgem a comunidade científica brasileira a assumir um verdadeiro compromisso com a qualidade da ciência produzida no país. Não podemos considerar nosso critério adequado com os indicadores que temos hoje. Eu sou daqueles que concorda, em grau, número e gênero, com o texto do artigo “Produção científica e lixo acadêmico no Brasil” do professor Rogério Cezar de Cerqueira Leite publicado na Folha de São Paulo em 06/01/15.
No artigo É hora de rever o sistema de pós-graduação brasileiro de 26/01/15, o professor emérito da Unicamp Lewis Joel Greene aponta o problema: “Em meados da década de 1970, houve muitas discussões sobre o fato de que o Brasil precisava produzir milhares de doutores para chegar a níveis de primeiro mundo em número de doutores/100.000 habitantes. Reconhecia-se que a maioria dos primeiros formados teriam uma formação menos que ideal, porém entendia-se e esperava-se que o sistema se tornasse mais rigoroso com o tempo. Infelizmente, isso não ocorreu e, para piorar a situação, os doutores mal treinados estão agora formando a próxima geração de doutores.”
O artigo me fez lembrar do que li no livro ‘Aprendiz da ciência’ de Carlos Chagas Filho. Ele fala da importância da “criação de um conceito fundamental para o nosso país: o emprego de modelos nacionais estudados pelas técnicas as mais avançadas, o que, de um modo geral, significam técnicas internacionais. Esse conceito define e determina o que se deve chamar ‘a ciência nacional’. Isto não significa nenhum tipo de xenofobismo ou de estreito nacionalismo, mas é o melhor caminho para o desenvolvimento natural e social de nosso país.”
Para mim, e acredito que para ele também, não eram apenas as técnicas internacionais, mas também os critérios internacionais de qualidade. A ciência é um conjunto de ferramentas para entender como o mundo funciona. Seus critérios não podem ser flexíveis, porque as leis da natureza não são. Não há como discutir e chegar a um ‘consenso’ do que é o melhor. Não há ‘negociação’ com as evidências. Não há meio termo.
Ainda que eu admire o discurso do professor Domenico de Masi que diz que “as universidades do Brasil só não são consideradas as melhores do mundo porque os critérios para a escolha das melhores são determinados pelas mesmas universidades que publicam o ranking“, tendo tido a oportunidade e o privilégio de visitar Harvard e Stanford, não posso dizer que sejam critérios ruins.
Ainda assim, para mim, existe um critério melhor do que qualquer ranking. Um critério absoluto. O critério do que funciona e do que resolve problemas no mundo real. Quando Ioannidis publicou Why most published research findings are false‘ em 2005, era exatamente disso que ele estava falando: basta de coisas que não são replicáveis, não são confiáveis, coisas que não funcionam!
Nós precisamos fazer coisas que funcionem. Sejam elas teorias ou patentes, precisamos de ciência que ajude a resolver problemas no mundo real.
Precisamos do padrão Richard Feynman: “O que eu não posso criar, eu não posso entender.”
Ou do critério Ayn Rand em ‘A Revolta de Atlas’: “Não há nada de importante na vida exceto sua competência no seu trabalho. Nada. Só isso. Tudo o mais que você for, vem disso. É a única medida do valor humano. Todos os códigos de ética que vão tentar enfiar na sua cabeça não passam de dinheiro falso impresso por vigaristas para despojar as pessoas de suas virtudes. O código de competência é o único sistema moral baseado no padrão ouro.”
A comunidade científica acredita hoje que os artigos científicos são o propósito. O ‘fim’. Entendi, recentemente, ainda que só tenha consolidado essa compreensão agora, neste exato momento, que os artigos científicos são apenas o começo. Se um artigo científico se encerra em si, ele não fez jus aos recursos que foram empenhados nele. Estou falando de transformar dados em informação e informação em conhecimento. E sim, conhecimento em coisas que funcionem.
Patentes ou teorias, artigos tem que se transformar em coisas que funcionem.
Lembrei da metáfora da fábrica de tijolos. Em 1963 Bernard K. Forscher enviou uma carta a Science na qual usava a metafora de uma fábrica de tijolos para fazer exatamente essa crítica a ciência que estava sendo produzida no mundo (Caos na Fábrica de Tijolos, Chaos in the brickyeard).
Sou um cientista que entende que o modelo de financiamento de ciência no mundo está esgotado. Também sei que a percepção do cientista sobre seu papel no desenvolvimento social e econômico do país é uma, a percepção da sociedade sobre esse mesmo papel é outra e o seu real papel, outro ainda. Espero contribuir com inovações que ajudem a chegarmos a um novo modelo, onde todas essas variáveis se reconciliem em um equilíbrio sustentável. Porque voltar ao que era (“nós pesquisamos o que quisermos e vocês pagam a conta”) simplesmente não é mais uma opção.
Há 4 anos atrás o artigo ‘Fabrica de doutores’ (PhD Factory) publicado na Nature chamava a atenção para o excesso de doutores sendo produzidos no mundo. Na semana passada, outro artigo na Nature, ‘O futuro do Postdoc’ (The future of postdoc), mostra como o problema aumentou.
No mundo inteiro, em qualquer área, as únicas pessoas com trabalho garantido são aquelas que aprenderam a se tornar indispensáveis. A maior parte das pessoas quer fazer o que quer fazer e ser paga, com benefícios, por isso. Temo que não seja possível.
Precisamos de muitas pessoas fazendo muita ciência, mas não qualquer pessoa e não qualquer ciência.
Porque eu tenho que escrever um blog?
“Mas porque você acha que todo mundo tem de ter um blog? Nem todo mundo quer, ou tem de querer, ter um.”
De todas as coisas que ouvi esse ano na FLIP, a que mais me motivou a escrever foi a pergunta da minha namorada. Mais importante do que as coisas que ouvi de Stephen Greenblatt falando de Shakespeare, Gabeira falando sobre autoritarismo ou Roberto da Matta falando sobre cidades e urbanismo. A resposta para essa pergunta é a razão pela qual deveríamos vir até Paraty, ano após ano, ouvir escritores falando sobre suas obras e sobre a arte de escrever.
E ao tentar responder a pergunta dela, vejo que a minha instrução para os meus alunos, meus pares, meus pais, meus amigos e para todo mundo que eu sugiro escrever um blog, pode estar errada, ainda que esteja certa. Explico:
Nunca antes na história a escrita foi tão importante para a comunicação. A tecnologia nos oferece diversas formas de comunicação, diversos veículos, diversas mídias, mas a escrita permeia todas elas. Fazemos vídeos, fazemos musicas, podcasts, discursos, palestras… e ainda assim o texto está lá. Se não é em primeiro plano, dominando completamente o ambiente, está nas entrelinhas ou nos bastidores, porque nada disso pode funcionar sem um roteiro escrito anterior a obra. Não é a toa que a escrita foi inventada para certificar transações comerciais e depois para escrever leis. Nada pode funcionar baseado apenas na volatilidade do discurso falado.
No entanto, acho que não são todas as pessoas que reconhecem isso. E mesmo aquelas que reconhecem a importância da escrita, não acreditam no fato que não sabem se comunicar habilmente por escrito. Elas acham que, porque conseguem se comunicar com habilidade no discurso falado, podem fazer o mesmo por escrito. Será que podem? Não!
A diferença fundamental entre os dois discursos é a sincronia. O discurso falado é síncrono: enquanto eu falo com alguém, tenho uma serie de sinais verbais e não verbais do meu interlocutor que me ajudam a saber se a minha mensagem esta sendo comunicada corretamente (da maneira como eu gostaria que fosse). Já o discurso escrito é assíncrono e quando eu escrevo, não tenho os mesmo sinais. Quando escrevo, não sei se serei entendido como eu espero quando for lido, se serei entendido de uma outra maneira ou se simplesmente não serei entendido. Como lidar com isso? Como aprender a lidar com isso? Ai vem a minha proposta: escrevendo um blog.
Hum… você ainda não se convenceu?! Quer mais motivos?!
No mundo de hoje, na verdade há muito tempo, somos avaliados por escrito. Não importa o que você pensou, o que você disse ou o que você diz: importa o que você escreve na sua carta de intenção, no seu CV, na sua resposta de prova, na sua tese, no torpedo, no seu twitter, no facebook. Apesar disso, na escola não nos ensinam a escrever. Quer dizer, ensinam, mas só a escrever. Na escola aprendemos a escrever, mas não aprendemos a nos comunicar por escrito. Precisamos, agora mais do que nunca, aprender a nos comunicar por escrito.
E o que é a comunicação por escrito? Como se alcança ela? Como fazemos para aprender? A resposta é, de novo: escrevendo um blog.
Eu, como cientista, tento buscar o lado científico das coisas. Mas acho que a escrita náo é só ciência. Ela esta mais para a psicanálise: um misto de técnica e arte que parece mas não é ciência. E quando é assim não adianta dar um método, uma receita, um truque, uma dica. É preciso praticar. É preciso escrever. É preciso ler, reescrever, reler e reescrever de novo. A comunicação eficiente com o leitor depende de empatia, senso estético e senso critico que são muitas vezes subjetivos. O importante não é tentar agradar a todos (ainda que sim, seja importante comunicar a todos), mas desenvolver uma linguagem própria, cuja qualidade mais desejável é a autenticidade. Não há outra maneira de encontrar essa linguagem própria que não seja a pratica freqüente e consistente da leitura e da escrita. E é por isso que o blog é tão importante.
O blog demanda atenção constante do autor para sobreviver. Se você não publicar no seu blog todo dia, toda semana, ele morre. Ou nem nasce. É como no meio acadêmico: ‘publish or perish’ (publique ou pereça)! E assim, você é obrigado a exercitar freqüência. Mas não é só uma questão de obrigação: o blog te coloca em contato com o público, com o seu público, muito rápido. E também coloca o público em contato com você, o autor. É perfeito para aprender a lidar com a assincronicidade da mensagem, porque o leitor não esta ‘ali’, mas esta mais próximo do que em um livro, uma revista ou um artigo em jornal. O leitor comenta, ‘curte’, compartilha, te xinga. Com ferramentas relativamente fáceis de usar e gratuitas, você instala um contador de acessos e pronto… tem um monte de informações sobre quem, como onde e quando te lê. É bem mais fácil colocar o blog na trilha certa e saber se seu conteúdo está angariando leitores ou sendo ignorado. Finalmente, quando você tem que escrever um texto curto, que o tamanho mais adequado ao blog, fica um pouco mais fácil se dedicar aos atributos que defendo que o texto tenha na Oficina de Escrita Criativa em Ciência: concisão, coesão, consistência, clareza (precisão) e criatividade.
Pronto, terminei. Espero que eu tenha te convencido. Mas é provável que não tenha. A experiência mostra que não convenço os outros a começarem a escrever assim… tão facilmente.
É uma pena. Entendo que Rubens Figueiredo, um escritor/tradutor/professor que dá aulas de língua portuguesa no turno da noite em uma escola da rede publica do subúrbio de São Paulo tem dificuldade de convencer seus alunos da importância daquilo que ele diz, eu entendo. Mas eu? Eu dou aula para a elite intelectual: alunos de pós-graduação (e professores) das universidades públicas federais. O ‘crème de la crème’. Meus alunos de PG não deveriam ter a dificuldade em ver a importância de escrever e de escrever bem. Mas tem e oferecem grande resistência a tudo que está relacionado com a prática da escrita. E isso me irrita e me entristece.
Diário de um biólogo – segunda, 13/02/2012 – Assembléia
Chego em casa e como um pacote de amendoins. É segunda-feira e a maldita piscina está fechada (ela passa mais tempo fechada do que aberta, apesar do quanto deve custar ao condomínio) e eu estou cansado demais para correr. Recorro ao amendoin, me controlando para não abrir uma cerveja. Não resisto, pego mais um pacote de amendoins e abro uma cerveja.
Sai de uma reunião de 4 horas com o corpo docente da pós-graduação do Instituto de Biofísica da UFRJ. Uma reunião longa e tensa.
“Somos um curso de pós-graduação grande, que fez a opção de se manter multidisciplinar enquanto outros se fragmentaram criando cursos com diferentes níveis de qualidade” disse a coordenadora.
Sabe quando uma empresa grande quebra, por má administração, e ai se transforma em duas, uma com a parte boa pra ser vendida e outra com a parte ruim que acaba falída na conta de algum credor (em geral o governo)? Mais ou menos a mesma coisa. Colocam o Filet mignon de laboratórios, orientadores e orientados em um curso nota 7 (a nota máxima conferida pela CAPES) e deixam os outros em cursos 5, 4, 3… Uma vergonha!
“Nossas atividades diversificadas contam muito como critério de qualidade, o diferencial para que um curso nota 5 se torne um curso nota 6 ou 7. Mas para que um curso se torne 5, ele precisa atender alguns critérios de quantidade…”
Tudo é dose… já falei sobre isso aqui! Qualidade demais te dá pouca quantidade. Quantidade demais, te dá pouca qualidade. Mas como qualidade é subjetivo, então… temos um grande problema.
“Precisamos que nossos docentes publiquem mais, precisamos também que eles publiquem em revistas melhores. E precisamos ainda que nossos alunos sejam autores. Mas temos cada vez menos alunos se inscrevendo na pós-graduação e cada vez menos sendo aprovados nos processos seletivos.”
Até aqui, apesar das notícias não serem boas, eu não estava me preocupando. Eu conseguia identificar claramente o problema que, verdade seja dita, já se anunciava no horizonte.
O problema é que nem todo mundo vê o problema do mesmo jeito.
“Se sua unica ferramenta é um martelo, você tende a ver todo problema como um prego” disse Abraham Maslow.
Isso ficou muito claro hoje com relação as propostas que foram apresentadas. Elas não solucionavam efetivamente os problemas, mas eram as ferramentas que estavam a disposição. Só que… NÃO ADIANTA! O problema não vai desaparecer por causa da nossa boa vontade em resolvê-lo!
Eu sou um cara prático. Tive que aprender a ser prático, porque sempre gostei de conviver em meio aos grandes. E os grande… bem, eles tem muito pouca tolerância com os pequenos. Então se aprende a ouvir muito e falar pouco, a saber distinguir entre o que é viável e o que não é, e, principalmente, quais lutas enfrentar e quais lutas abandonar. É verdade que nunca se sabe o suficiente sobre isso, mas acho aprendi muito. E hoje vi que aprendi mais do que muitos dos grandes que eu achava que tinham a ensinar.
Mas falar sobre o conflito de gerações hoje seria justamente perder o aspecto prático da discussão. Ele existe, está lá, e desejar que ele não estivesse é pouco prático: o conflito de gerações continuará lá! Eu deveria aprender a lidar com ele. A questão, é que isso não é prático também.
Eu não sou comunista. Também não sou capitalista. Não sou a favor da tirania, mas também não sou a favor da democracia. Eu só acredito nas ‘Estratégias Evolutivamente Estáveis’ (sobre as quais eu já falei aqui). Podemos discutir amplamente um problema em busca de idéias, mas não em busca de consenso! Consenso é muito bonito na teoria, mas na prática é muito mais difícil do que almeja a nossa vã humanidade, e mesmo quando ele é possível, em geral chega tarde demais.
“Quando se tenta resolver um problema técnico de forma política, muitas vezes acabamos com dois problemas: o técnico que não foi resolvido e o político que foi criado”. A frase (algo parecido com isso) é de Phillip Howard, autor do livro ‘A morte do bom senso’, sobre o qual eu já falei aqui.
Me desespero, primeiro com as opiniões das pessoas que, em princípio, deveriam saber mais do que eu; mas depois me desespera simplesmente o fato das opiniões serem tantas e tão variadas que é óbvio que o consenso é impossível. E ainda que as pessoas concordassem quanto ao problema, ainda restaria estabelecer as prioridades. E nunca… nunca, jamais, em tempo algum, haverá consenso quanto as prioridades.
É preciso uma mudança radical de olhar, é preciso inovação, é preciso pensar ‘outside the box’, é preciso coragem! A solução depende de algumas outras coisas, mas basicamente do que se está disposto a abrir mão e do quanto estamos dispóstos a nos comprometer com a solução do problema.
E foi ai que eu me toquei… e que o desespero se abateu sobre mim.
Não tem solução! Vivemos em um país que tolera a corrupção de tal maneira, que crianças são aprovadas automaticamente nas escolas para criar indicies de escolaridade que beneficiem os governantes. Se algo tão deplorável é aceito pelos políticos, e pela sociedade, que esperança podemos ter que os valores das bolsas de pós-graduação serão revistos? Minha aluna de IC ganha menos que um pedinte no sinal, minha aluna de mestrado menos que minha faxineira e meu aluno de doutorado menos que meu porteiro! Que esperança podemos ter do problema das importações ser resolvido? De termos alojamento, transporte e alimentação decentes para os alunos que vem (do e) de fora do Rio?
Não, a universidade é engessada demais para poder resolver esses problemas. A solução terá de vir de outro lugar. Não sei ainda que lugar é.
Afundados em pilhas de artigos – PhD Movie
O título é a tradução livre do título do filme Piled Higher and Deeper (PhD movie), dos mesmos produtores das famosas(!) tirinhas sobre a vida dos alunos de pós-graduação.
Se você nunca leu, não pode perder. Se você já leu, deve ter ficado, como eu (que não tem tanto tempo assim era aluno de pós-graduação também) curiosíssimo sobre o PhD filme.
Eu assisti o trailer no cinema e quando resolvi procurar onde o filme passaria, qual não foi a minha surpresa ao descobrir que ele NÃO PASSARIA. Não nos cinemas. Alguém, em alguma universidade, deveria organizar uma projeção do filme. Até agora a única no Brasil (de acordo com o site deles) tinha sido na UNICAMP em Novembro. Bom… como eu disse, eu queria ver o filme, então resolvi organizar uma sessão.
Achei que isso poderia ser um processo lento e doloroso. Mesmo assim, resolvi escrever para o pessoal do site, que prontamente me responderam. Também consegui com a secretaria da pós-graduação da Biofísica a reserva do Auditório Rodolpho Paulo Rocco, o Quinhentão, pra fazer a exibição. O preço foi salgado, mas decidi fazer uma boa ação de final de ano e dar a exibição de presente para todos os alunos de PG da UFRJ. Na verdade, para todos que couberem dentro do auditório. Talvez para homenagear minhas lembranças dos meus bons tempos de bolsista. Talvez porque o mundo precise que as coisas legais da ciência sejam mostradas pra todo mundo e divulgadas ao máximo. Talvez porque quisesse eu escrever, produzir, dirigir e estrelar um filme desses, mas como não dá, pelo menos eu posso exibir!
O número de assentos é limitado, por isso, se você quiser assistir, se inscreva na página do evento no Facebook. Será dada preferência para os alunos de PG da UFRJ e se for necessário haverá distribuição de senhas antes do expetáculo (com sotaque carioca).
Divirtam-se!
Batendo o martelo
Eu sabia que entrariam no mundo profissional e criaram novos e fantásticos programas de computação, projetos de animação e recursos de entretenimento. Mas eu também sabia que que eles tinham o potencial para frustrar milhões de pessoas no processo.
Nós, engenheiros e cientistas da computação, nem sempre criarmos coisas fáceis de usar. Muitos de nós somos terríveis quando explicamos tarefas complexas de modo simples. Já leram algum manual de instruções de um videocassete? Então já viveram a frustração a que me refiro. Por isso sempre quis enfatizar a meus alunos a importância de pensarem nos usuários finais de suas criações. Como eu poderia tornar clara para eles a necessidade de não criarem uma tecnologia frustrante? Arranjei um meio sensacional de lhes prender a atenção.
No primeiro dia de aula eu levava um aparelho de videocassete funcionando. Colocava o aparelho sobre uma mesa, na frente da sala, pegava uma marreta e o destruía. Em seguida, dizia: “Quando se constrói algo difícil de usar, as pessoas se aborrecem. Ficam tão irritadas que querem destruí-lo. E nós não queremos criar objetos que as pessoas queiram destruir”.
Sensacional esse trecho do texto “Atraia a atenção das pessoas” de Randy Pausch (do livro “A lição final”, presente da minha querida amiga Cristine Barreto.
Mas não são apenas os engenheiros que constroem coisas difíceis de usar. Alunos de pós-graduação em geral fazem isso. Constroem teses dificilíssimas de ler. Por isso lembrei desse texto, porque foi exatamente assim que eu me senti depois de ler uma tese essa semana: vontade de pegar um martelo e destruí-la!
Porque as pessoas querem fazer coisas que ninguém entende depois? Ou pior, como é que aluno e orientador podem ler um trem daquele e achar que está bom? Preguiça, só pode ser preguiça. E ai passam a responsabilidade pro revisor.
Dá vontade de martelar.
Diário de um biólogo – Terça, 17/05/2011 – PRIMO's Next
Abaixo você pode ver a apresentação da escola no congresso internacional. O vídeo é de baixa qualidade, mas o som está muito bom e você pode acompanhar a apresentação preparada com o PREZI.
Comente e divulgue.
Ao mestre, com carinho
No mês passado, depois de 15 anos, voltei à Rio Grande, à FURG, à universidade onde fiz o mestrado em Oceanografia Biológica. Meu orientador, Euclydes Santos, estava para se aposentar (por motivos alheios a sua vontade) e seus ex-alunos prepararam uma pequena cerimônia de despedida, onde seria entregue uma placa e proferidas algumas palavras (e como tudo no RS, terminaria em churrasco). Uma pequena homenagem para um grande professor.
Então, quando um dos seus ex-alunos, o hoje prof. Luis Eduardo (ou o Carioca como é conhecido em Rio Grande), me perguntou se eu gostaria de ter meu nome na placa de homenagem, eu não hesitei. Mas quando ele perguntou se eu gostaria de mandar algumas palavras para serem lidas na homenagem, eu disse:
“Não, eu mesmo vou até ai para lê-las”.
Na prática a decisão foi facilitada por eu participar de um programa da CAPES chamado PROCAD que permite o intercâmbio de alunos e docentes entre as duas universidades. Eu teria que ir mesmo até lá em algum momento, e nenhum outro me pareceu mais oportuno do que esse. Mas ir até Rio Grande nunca é simples. Meus sentimentos com relação aquele lugar são muito ambíguos e por vezes, contraditórios.
Quem já me ouviu falar de Rio Grande, principalmente depois de duas cervejas, sabe que sobra veneno para destilar. Afinal, como diz meu amigo, dono de bar e filósofo Fernando Goldenberg: “a história verdadeira é sempre aquela que for a mais engraçada”. E como disse Nick Hornsby no livro ’31 canções’: “a crítica e a ironia sempre são mais divertidas que o temperança e a tolerância.” (bem, na verdade ele falou isso do preconceito, mas a idéia se aplica).
Mas quando penso de novo, vejo que foi um período de grande e intenso crescimento, pessoal e profissional. Talvez o maior que já experimentei. E quando penso mais ainda, me vêm tantas lembranças, e tão boas, das pessoas que lá conheci.
Mas outro motivo me motivou (Ugh! Essa até doeu) a despencar daqui pra lá. Eu tenho pensado muito na tarefa de orientar. Para mim, orientar é o maior desafio da vida acadêmica e provavelmente aquele para o qual somos menos preparados ao longo da nossa formação de cientistas. Nenhum curso de RH. Nenhum curso de psicologia. Nenhuma dica de sociologia e antropologia. Nenhuma aula de Judô ou Caratê.
E ao pensar nisso, cada vez mais pensava no meu antigo orientador, porque cada vez mais me vejo como ele. Euclydes se tornou meu principal modelo. E como disse uma vez minha querida amiga Celina, que trocou o Rio pelo Planalto Central mas esteve nos visitando no final de semana anterior a minha viagem: “Nós escolhemos uma coisa para fazer diferente dos nossos pais. O resto, todo o resto, fazemos igualzinho.”
Eu hoje sou orientador, já participei de muitas defesas de tese, várias de alunos meus, e hoje tenho 4 alunos de doutorado, 2 de mestrado e 1 de iniciação científica. E tenho me visto um orientador cada vez mais parecido com o Euclydes: serio, durão, inteligente e brilhante. Nós também compartilhávamos a modéstia 😉
Então, as coincidências não são realmente coincidências: Minha disciplina na pós, hoje, ‘Relações entre genes ambiente’ é parecida com a que fiz com ele no mestrado “Adaptações fisiológicas de animais estuarinos’. Uso até alguns dos mesmos artigos, como Gould e Lewontin (1979). Eu comecei a beber café em caneca de congresso que nem ele, porque, para mim, nada, nem mesmo os cabelos despenteados e a língua para fora de Einstein, era mais representativo da imagem do cientista, do que beber café no laboratório na caneca que você trouxe de um congresso internacional que participou, enquanto reflete sobre alguma questão fundamental da ciência. Também apliquei, com algum sucesso, uma estratégia de ação no ambiente profissional que aprendi com ele, que era “aumente o seu grupo além da sua capacidade de suporte, para que você se torne sempre uma prioridade nas disputas por recursos.”
Coincidência talvez seja que hoje tenho até a idade que Euclydes tinha quando eu fui seu aluno.
Foi, mais uma vez, tão bom conversar com ele, com sua mente ágil e desperta, com sua inteligência privilegiada. Descobri que meu orientador não divide comigo o gosto pela biologia molecular, mas gosta de cozinhar e tem um blog de cozinha; que fez direito e publicou um livro sobre a ética no uso de animais em pesquisa. E que mesmo sendo durão, foi o coração, que ele tanto desvendou em sala de aula, e não o cansaço, que o obrigou a se afastar prematuramente da universidade. Descobri um amigo e fiquei tão feliz com isso.
Acabei descobrindo que os desafios que com os quais me debato hoje são os mesmos com os quais ele se debatia antes: “Nenhum aluno é igual ao outro. O que funciona pra um, simplesmente não funciona pra outro. E não tem uma fórmula. As vezes você está, ao mesmo tempo, acertando com um e errando com outro. Não tem como acertar com todos.”
E finalmente, descobri que como professor e orientador não poderei ser querido por todos os meus alunos. E tenho que me preparar psicologicamente para isso.
Eu já disse aqui que a ciência é democrática mas não é uma democracia. Acredito que o que me aproxima do meu antigo orientador, é que assim como ele, acredito que a ciência não pode flexibilizar seus requisitos. E nem nós podemos. E assim como ele, eu posso lidar com as conseqüências disso para mim. E espero que assim como eu, meus alunos possam lidar com as conseqüências disso para eles.
Espreguiçado
Mas tive um problema com o professor que, até hoje (na minha cabeça) não resolvi direito. O problema é que ele meu deu B em um curso que eu (achava que) merecia A (bom, houve outros problemas também, mas isso fica pra outra vez – ou não). Como eu disse, eu gostava e entendia do tema. Também lia os artigos e participava das aulas. Mas isso não era suficiente para ele. Ele queria superação! E ao invés disso eu optei por ir passar o final de semana em Santa Maria na véspera do prova dele. Fui lendo os artigos pra prova na viagem de ônibus, mas era de noite e eu acabei optando por dormir. Acabei deixando os artigos na poltrona do ônibus e não estudei nada o final de semana todo. Peguei o ônibus de volta no domingo a noite e cheguei de volta em Rio Grande na hora da prova. Fiz uma boa prova mesmo sem ter estudado (afinal, eu assistia atentamente todas as aulas) e quando recebi o B no final do curso, fui falar com ele pra tentar entender o porquê. A resposta foi frustrante:
“Mauro, você é muito bom e você sabe que é bom. E por isso você é preguiçoso. E é por isso que eu te dei B.”
Talvez seja importante acrescentar que o mané da oceanografia física que fez uma bosta de prova tirou A, porque ele se ‘superou’.
Hoje eu reconheço que eu era (e em parte ainda sou) meio preguiçoso mesmo. Mas também hoje, que dou meus próprios cursos e tenho meus próprios alunos de pós-graduação, discordo, veementemente, da estratégia de avaliação dele.
Ele quis me dar uma lição, que eu provavelmente precisava, enquanto me avaliava com relação a disciplina que ele ministrou. Mas nem sempre dois coelhos podem ser mortos com uma cajadada só. É que a preguiça é um critério difícil de avaliar de forma acadêmica. Acredito que um professor pode usar o critério que lhe convier para avaliar os alunos. A justiça não está no critério em si, mas no conhecimento dos critérios a priori. Se eu soubesse que o critério era superação, talvez tivesse me comportado de maneira diferente. Ou, mais provavelmente, não teria feito a disciplina.
O resultado é que ele perdeu meu respeito como professor (como eu disse, houve outros motivos) e pra me dar meia lição, eu nunca mais aprendi nada com ele.
Porque lembrei disso hoje? Porque eu tenho um aluno que também é brilhante e preguiçoso. E ainda teimoso (como eu também era/sou). E como meu professor 15 anos atrás, me debato em como lidar com a preguiça dos alunos brilhantes.
A preguiça não é um problema quando você tem critério. Eu acho que já tinha critério, por isso acho que minha preguiça nunca me impediu de progredir. Mas o problema da preguiça é que ela pode corroer os seus critérios, e ai você afunda.
Envolvi meus alunos de doutorado em um projeto interessantíssimo chamado TRIVIA, coordenado pela Sonia Rodrigues, que envolve preparação para o vestibular (ou ENEM), inclusão digital e inclusão científica. O trabalho parecia simples: formular questões de biologia que preparassem os alunos para as provas que tem de enfrentar ao final do ensino médio. Mas como as questões seriam oferecidas na internet, o formato e a linguagem tinham especificidades. E para um aluno de doutorado que almeja um futuro na academia, uma oportunidade dessas é, mais do que a chance de conseguir uns trocados, é a chance de aprender algo novo que poderá ser útil no futuro. E nesse caso, não é a ‘biologia’ das questões que eles vão aprender, mas a linguagem e o formato da WEB, que estarão cada vez mais presentes no presente de professores e alunos.
As questões deveriam ser curtas, objetivas e o mais importante, deveriam, no enunciado e no gabarito, SEMPRE, ensinar alguma coisa. É simples e deveria ser fácil. E é, mas fazer direito, dá trabalho.
Os alunos foram aprendendo e incorporando o formato a medida que preparavam as questões. Mas ainda assim, um deles continuou cometendo os mesmos erros de forma desde o início. E hoje, quando estou para entregar a última fornada, vejo que é por uma dificuldade de incorporar o modelo. Como eu disse, o cara é brilhante. O problema é preguiça.
Existe alguma outra explicação para um cara brilhante fazer a seguinte pergunta:
Pergunta: As espécies que se alimentam de plâncton são chamadas de:
a) Planctívoras
b) Herbívoras
c) Carnívoras
Gabarito:
a) Correto. Espécies planctívoras se alimentam de plâncton.
b) Incorreto. Herbívoras se alimentam de vegetais e o plâncton também é composto por animais.
c) Incorreto. Carnívoros se alimentam de carne e o plâncton também é composto por vegetais.
Isso me frustra, como orientador, de diferentes maneiras (que eu ainda vou discutir no próximo post), porque mostra que eu não estou sendo orientador o suficiente (e não é por preguiça). Mas me estimula também a buscar novas maneiras de dizer as principais coisas que alunos de pós-graduação precisam aprender:
- Que a seleção natural não dorme nunca! Que enquanto eles deixam de aprender uma coisa, outro aprende, essa e mais algumas outras.
- Que no mundo de hoje, mais importante que acumular conhecimento, é ter critério para selecionar conhecimento que realmente importa.
- Que se não dá pra fazer tudo, e se é importante namorar, dormir, fazer festa e ir a praia, use a sua preguiça para não aceitar todos os desafios. É mais honesto e menos arriscado do que tentar fazer mais do que você consegue de forma preguiçosa.
É isso. Todos precisamos nos superar.
Os cientistas e seus egos
Desde que tomei conhecimento dessa informação, quando ainda era um estudante de pós-graduação, comecei a lutar por essa causa. Hoje fazemos parte de um grupo que defende os interesses dos jovens cientistas, definidos atualmente como os doutores com algo entre 5 e 10 anos da defesa da tese de doutoramento. Esse grupo tem sido especialmente preterido no Brasil nos últimos 10 anos. Aqui, os jovens tem de ficar mercê dos cientistas seniores, que são os capazes de determinar linhas de pesquisa e conseguir financiamento dentro do sistema de financiamento de ciência brasileiro.
Isso vai continuar acontecendo enquanto as agências de fomento a pesquisa, fundações de apoio a pesquisa em nível estadual (como a FAPERJ) e o CNPq e a CAPES em nível nacional, não possuírem jovens pesquisadores em suas instâncias decisórias (os conselhos diretores e comitês assessores). Pra entender que essa o quanto essa presença é fundamental, basta ver o quanto são insipientes e ineficientes os programas de fomento para jovens pesquisadores.
O que forma um novo paradoxo, já que é nessa fase da vida que os cientistas são mais produtivos. Basta ver que Einstien, Newton, Watson e Crick… tinham todos menos de 40 anos quando fizeram suas grandes descobertas.
“O Gabeira disse que o mundo inteiro quer paz”, essa tirada de uma amiga que assistiu o Gabeira na FLIP virou pra mim retrato daquelas coisas que são fáceis de todo mundo querer, e de todo mundo saber. Então vou dar a minha: O ego e a sede de poder são inerentes ao ser humano! Apenas me parece que naquelas profissões onde a remuneração não é compatível com o nível intelectual, a inteligência acaba sendo super valorizada, já que só sobra ele como moeda de valorização do ego. “Eu ganho pouco, mas olha aqui o que eu sei e que ninguem mais entende”! Mas ainda é impressionante ver mesmo nesses círculos super restritos, a sede por um poder minúsculo, reconhecido apenas por uma meia dúzia de pares, é grande. E as batalhas intensas. Só que os jovens são tirados fora dessas brigas pelo poder. A eles cabe trabalhar enquanto aos “Grandes” cabe decidir. Resta saber quem decidiu isso?
Na semana passada estive no Congresso da FeSBE em Águas de Lindóia e quando perguntei a um professor catedrático, chefe de um comitê assessor da CAPES, como ele explicava que os jovens cientistas serem os principais atores nos planos da CAPES para nuclear novos grupos de pós-graduação em áreas do Brasil sem tradição em pesquisa, mas não terem assento nos comitês assessores (como aquele que ele presidia no momento), a resposta dele foi: vocês ainda tem que comer muito arroz com feijão!
Como li em um artigo da Nature que não consigo mais encontrar de jeito nenhum: “É mais fácil fazer um dia frio no Inferno que os pesquisadores estabelecidos permitirem mudanças nas regras da distribuição de verbas para pesquisa”.
Quem tem medo da gente?
O pós-graduando (PG) vive em um limbo. De onde, ao que parece, não quer sair.
Ou talvez, como na Divina comédia, que nesse caso me parece mais trágica que cômica, no purgatório.
Começa por sua situação profissional, já que, com mais formação que 99,99% da população brasileira e beirando a casa dos 30 anos, um aluno de doutorado ainda não é considerado capaz de gestir sua própria formação, a escolha de sua linha de pesquisa e seus experimentos. E certamente passa por sua situação transitória, já que com bolsas de 2-4 (5, 6, 7, 8…) anos, e sem vinculo com as instituições onde trabalha, hoje ele está aqui, amanhã… A situação se estende a recém-doutores, Pos-docs e afins. A “Casta” que de elegantemente denominamos “Os Jovens cientistas”
Sua auto-estima é lapidada por uma bolsa que não é compatível com o seu nível de formação e nem com o nível cultural que dele se espera. Seu caráter é deformado um documento de dedicação exclusiva que tem que assinar e que certamente vai ter que fraudar para dar aula em universidades particulares, representar produtos de laboratório, consertar computadores, fazer horóscopo ou vender sanduíche na praia (afinal, não é apenas depois que se torna professor que se tem aluguel pra pagar, tanque pra encher e filhos pra sustentar). Sua esperança é frustrada por um possível e irrisório aumento de 10% para o próximo ano.
“Você ainda não é um cientista, precisa completar sua formação”, dizem seus orientadores e professores. “Você não é mais um estudante” dizem seus pais. “Você não é nada” acaba acreditando.
Apesar disso o PG existe. Está inserido dentro de um contexto científico e tem um papel importante. Talvez o papel mais importante. Não precisamos repetir as estatísticas que mostram o quanto à produtividade dos institutos de pesquisa está relacionada com o numero de pós-graduados, ou o quanto à ciência brasileira cresceu com a crescente escassez de recursos devido a manutenção das bolsas de PG, ou o quanto um instituto cresce quando cria e investe em PG.
E por que os próprios alunos não conseguem enxergar isso? Não podemos esquecer que o PG não está só, não é o único desestimulado e, às vezes, desesperado. Os professores, pesquisadores e chefes de laboratório também estão. Porem, infelizmente, a noção de que o pupilo tem que superar o mestre, por que é assim que avança a ciência e o mundo, aqui não vale. O sistema social cientifico brasileiro é formado por um número de “castas” muito bem definidas e a forma de manter a auto-estima é sair pisando de cima pra baixo. “Manda quem pode, obedece quem tem juízo” diz a máxima.
Mas um sistema subversivo também é desestimulante e destruidor, e é necessário criar um efeito ilusionista pra manter seus membros felizes e produtores. Professores se apegam a suas vaidades científicas por que é o único que lhes resta. Conquistas cada vez menores são comemoradas com cada vez mais euforia. E chegaremos a ponto de comemorar a compra de reagentes ou mais um ano sem que o laboratório tenha fechado. Na base do sistema de “castas”, aos pós-graduandos resta pisarem uns nos outros. “A tese dele é repetida”, “Eu tenho dois escravos de iniciação científica”, “Eu tenho 1,37 trabalhos publicados, 1,25 quase aceitos e 2,62 submetidos e 3,47 em preparação, e você?”; “Alô?! É da CAPES?! Queria denunciar um PG que dá aula!”; “O simpósio deles é um fracasso”. Pequenas perversões. Pequenas tiranias. Os prazeres do inferno. A saída mais fácil que acaba se tornando o caminho natural pra quem não quer ficar no purgatório.
Mas tem gente que não pensa assim. Que não acredita no paraíso, mas nem por isso quer viver no purgatório. E nem ir pro inferno. Gente que prefere abrir os olhos, encarar o pesadelo e acordar. Que alem do trabalho no laboratório ainda encontra tempo e um mínimo de altruísmo, para organizar um evento que pode trazer benefícios pra todos. Gente que deveria ser um exemplo a seguir, mas que vira uma pedra no caminho dos “prazeres do inferno”. “Good girls go to heaven, bad girls go everywhere”, mas ninguém foi ao simpósio.
“Ser tolerante é cansativo. Ser crítico é muito mais divertido” escreveu recentemente Bruce Horny. Um “prazer infernal”. Um valor que está sendo passado pela “casta” que aprova seus próprios projetos, que se confere suas próprias bolsas de produtividade, que avalia seus próprios artigos, que festeja suas pequenas vitórias.
A questão é que ninguém tem medo dos jovens cientistas. Enquanto continuarem na base de um sistema que privilegia a “casta” mais que a capacidade, por mais importância que tenham, não representam uma ameaça a ninguém. Já que parece impossível mobilizar os jovens cientistas e organizar uma “rebelião” contra o sistema de castas da ciência brasileira, cabe a eles, quando chegar a sua vez, dizer NÃO a esse sistema, e quem sabe assim, começar a contribuir para verdadeiro progresso da ciência no Brasil.