Deixe o texto descansar

Há alguns dias escrevi sobre porque devemos escrever um blog. Na verdade estava escrevendo sobre porque devemos praticar a escrita, principalmente no meio acadêmico onde escrever dissertações, teses e artigos é mais do que uma obrigação, é uma questão de sobrevivência.

Hoje, corrigindo um texto de uma tese, tive uma epifania: descobri o que significa ‘deixar o texto descansar’.

Obviamente é uma metáfora e nunca ninguém que escreve, principalmente teses e artigos, duvidou da importância desse procedimento, por mais obscuro que sejam suas razões e significados. Porque um texto tem que descansar?

Na verdade, somos nós que temos que descansar do texto. Mas isso também não ajuda a esclarecer porque o processo é importante. Ainda que muitas pessoas consigam executar um procedimento apenas com base na instrução para vê-lo funcionar; outras precisam de explicação para compreender o processo e assim aplicá-lo. Nem sempre é possível. Inúmeras vezes, na FLIP, vi escritores experientes descreverem de maneira completamente hermética, como decidiam quando um texto estava bom: “Eu lia e relia, escrevia e rescrevia, até que achava que estava bom”.

Hoje, discutindo a tese de um aluno, percebi porque é importante. Quando estamos escrevendo, a leitura que fazemos do nosso texto é influenciada pela idéia que temos em nossa mente. Escrevemos achando que estamos conseguindo colocar no papel tudo que está na cachola.

Paramos para ler o que escrevemos, para ver se está tudo claro, e olhamos mas não vemos: a nossa visão não repete o que está no papel, mas o que está na cabeça.

Vocês já viram aquele texto escrito apenas com partes das palavras, mas que não impede que tenhamos a compreensão total da idéia? Que nos deixa até nervosos com o quanto é automática a leitura, apesar de tantas letras estarem fora do lugar? Não?! Copio ele aqui então antes da minha conclusão:

“De aorcdo com uma peqsiusa de uma uinrvesriddae ignlsea, não ipomtra em qaul odrem as lteras de uma plravaa etãso, a úncia csioa iprotmatne é que a piremria e útmlia lteras etejasm no lgaur crteo. O rseto pdoe ser uma bçguana ttaol, que vcoê anida pdoe ler sem pobrlmea. Itso é poqrue nós não lmeos cdaa ltera isladoa, mas a plravaa cmoo um tdoo. Sohw de bloa!”

Você precisa deixar um texto na gaveta até que sua mente se esqueça do que você queria dizer na hora que estava escrevendo e você possa finalmente ler o que escreveu, ao invés de ‘ler’ o que queria ter dito. Quanto tempo de descanso? Acho que um mês de férias 🙂

Porque é importante para um cientista ir a uma festa literária?

Para mim, a principal atividade do cientista é estudar.

Produzir dados no laboratório (ou no campo) é uma das coisas que o cientista faz, mas transformar esses dados em informação e conhecimento é (ou deveria ser) a sua principal atividade. E para isso o domínio da linguagem escrita, da habilidade de se comunicar por escrito, de ler de maneira critica desvendando um texto e de criticar o próprio texto são fundamentais.

Por isso, vir para Paraty ouvir Roberto da Matta dizer que “quanto mais velhos fixamos, mais temos opiniões sobre tudo” ouvir Stephen Greenblatt dizer que Shakespeare “rescrevia incansavelmente seus textos”, ouvir James Shapiro falar sobre como “os autores tinha pavor de serem ‘rescritos’ por Shakespeare“, ver a empatia infinita de Gabeira, ou como uma boa idéia (“E se Renè Descartes tivesse vindo ao Brasil com Maurício de Nassau?”) ser destruída por Cao Guimarães no chatíssimo filme Ex-isto; é tão importante.

Nos ajuda a criar valores e parâmetros que são importantes para o nosso senso crítico na atividade de ler e escrever, que é uma atividade fundamental e complexa para o cientista. E que não se aprende e não se desenvolve a não ser pela prática.

Porque eu tenho que escrever um blog?

“Mas porque você acha que todo mundo tem de ter um blog? Nem todo mundo quer, ou tem de querer, ter um.”

De todas as coisas que ouvi esse ano na FLIP, a que mais me motivou a escrever foi a pergunta da minha namorada. Mais importante do que as coisas que ouvi de Stephen Greenblatt falando de Shakespeare, Gabeira falando sobre autoritarismo ou Roberto da Matta falando sobre cidades e urbanismo. A resposta para essa pergunta é a razão pela qual deveríamos vir até Paraty, ano após ano, ouvir escritores falando sobre suas obras e sobre a arte de escrever.

E ao tentar responder a pergunta dela, vejo que a minha instrução para os meus alunos, meus pares, meus pais, meus amigos e para todo mundo que eu sugiro escrever um blog, pode estar errada, ainda que esteja certa. Explico:

Nunca antes na história a escrita foi tão importante para a comunicação. A tecnologia nos oferece diversas formas de comunicação, diversos veículos, diversas mídias, mas a escrita permeia todas elas. Fazemos vídeos, fazemos musicas, podcasts, discursos, palestras… e ainda assim o texto está lá. Se não é em primeiro plano, dominando completamente o ambiente, está nas entrelinhas ou nos bastidores, porque nada disso pode funcionar sem um roteiro escrito anterior a obra. Não é a toa que a escrita foi inventada para certificar transações comerciais e depois para escrever leis. Nada pode funcionar baseado apenas na volatilidade do discurso falado.

No entanto, acho que não são todas as pessoas que reconhecem isso. E mesmo aquelas que reconhecem a importância da escrita, não acreditam no fato que não sabem se comunicar habilmente por escrito. Elas acham que, porque conseguem se comunicar com habilidade no discurso falado, podem fazer o mesmo por escrito. Será que podem? Não!

A diferença fundamental entre os dois discursos é a sincronia. O discurso falado é síncrono: enquanto eu falo com alguém, tenho uma serie de sinais verbais e não verbais do meu interlocutor que me ajudam a saber se a minha mensagem esta sendo comunicada corretamente (da maneira como eu gostaria que fosse). Já o discurso escrito é assíncrono e quando eu escrevo, não tenho os mesmo sinais. Quando escrevo, não sei se serei entendido como eu espero quando for lido, se serei entendido de uma outra maneira ou se simplesmente não serei entendido. Como lidar com isso? Como aprender a lidar com isso? Ai vem a minha proposta: escrevendo um blog.

Hum… você ainda não se convenceu?! Quer mais motivos?!

No mundo de hoje, na verdade há muito tempo, somos avaliados por escrito. Não importa o que você pensou, o que você disse ou o que você diz: importa o que você escreve na sua carta de intenção, no seu CV, na sua resposta de prova, na sua tese, no torpedo, no seu twitter, no facebook. Apesar disso, na escola não nos ensinam a escrever. Quer dizer, ensinam, mas só a escrever. Na escola aprendemos a escrever, mas não aprendemos a nos comunicar por escrito. Precisamos, agora mais do que nunca, aprender a nos comunicar por escrito.

E o que é a comunicação por escrito? Como se alcança ela? Como fazemos para aprender? A resposta é, de novo: escrevendo um blog.

Eu, como cientista, tento buscar o lado científico das coisas. Mas acho que a escrita náo é só ciência. Ela esta mais para a psicanálise: um misto de técnica e arte que parece mas não é ciência. E quando é assim não adianta dar um método, uma receita, um truque, uma dica. É preciso praticar. É preciso escrever. É preciso ler, reescrever, reler e reescrever de novo. A comunicação eficiente com o leitor depende de empatia, senso estético e senso critico que são muitas vezes subjetivos. O importante não é tentar agradar a todos (ainda que sim, seja importante comunicar a todos), mas desenvolver uma linguagem própria, cuja qualidade mais desejável é a autenticidade. Não há outra maneira de encontrar essa linguagem própria que não seja a pratica freqüente e consistente da leitura e da escrita. E é por isso que o blog é tão importante.

O blog demanda atenção constante do autor para sobreviver. Se você não publicar no seu blog todo dia, toda semana, ele morre. Ou nem nasce. É como no meio acadêmico: ‘publish or perish’ (publique ou pereça)! E assim, você é obrigado a exercitar freqüência. Mas não é só uma questão de obrigação: o blog te coloca em contato com o público, com o seu público, muito rápido. E também coloca o público em contato com você, o autor. É perfeito para aprender a lidar com a assincronicidade da mensagem, porque o leitor não esta ‘ali’, mas esta mais próximo do que em um livro, uma revista ou um artigo em jornal. O leitor comenta, ‘curte’, compartilha, te xinga. Com ferramentas relativamente fáceis de usar e gratuitas, você instala um contador de acessos e pronto… tem um monte de informações sobre quem, como onde e quando te lê. É bem mais fácil colocar o blog na trilha certa e saber se seu conteúdo está angariando leitores ou sendo ignorado. Finalmente, quando você tem que escrever um texto curto, que o tamanho mais adequado ao blog, fica um pouco mais fácil se dedicar aos atributos que defendo que o texto tenha na Oficina de Escrita Criativa em Ciência: concisão, coesão, consistência, clareza (precisão) e criatividade.

Pronto, terminei. Espero que eu tenha te convencido. Mas é provável que não tenha. A experiência mostra que não convenço os outros a começarem a escrever assim… tão facilmente.

É uma pena. Entendo que Rubens Figueiredo, um escritor/tradutor/professor que dá aulas de língua portuguesa no turno da noite em uma escola da rede publica do subúrbio de São Paulo tem dificuldade de convencer seus alunos da importância daquilo que ele diz, eu entendo. Mas eu? Eu dou aula para a elite intelectual: alunos de pós-graduação (e professores) das universidades públicas federais. O ‘crème de la crème’. Meus alunos de PG não deveriam ter a dificuldade em ver a importância de escrever e de escrever bem. Mas tem e oferecem grande resistência a tudo que está relacionado com a prática da escrita. E isso me irrita e me entristece.

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