Navalha na carne

Esse dias li o conto de uma amiga, que em algum momento tentou justificar que nem sempre a navalha de Ockham funciona. Fiquei pensando que muitos amigos ao lerem o mesmo conto se perguntariam: O que é a navalha de Occam?

Como estou com um pouco de tempo livre nessa antevéspera de ano novo, resolvi contar pra vocês, porque é um dos princípios que acho mais bonitos na natureza.

A teoria já começa com uma confusão no nome. Ela é atribuída a William de Ockham que viveu na vila de Ockham nos arredores de Londres nos idos de 1200. Mas ele também era conhecido como Guilherme de Occam. Por isso vocês podem encontrar o princípio com os dois nomes: Ockam e Occam. Como quer que se chamesse, o que importa é que ele foi um cara precoce e brilhante. Se juntou a ordem fransiscana ainda muito jovem e estudou (e lecionou) filosofia e matemática nos séculos XIII e XIV (até ser vitima da peste negra em Munique em 1349).

Como Frei franciscano, Ockham acreditava na no despojo de todos os bens materiais, por isso fez votos de pobreza e a única coisa que lhe pertencia era a sua túnica. Isso parece ter sido importante para sua filosofia, pois como dizem algumas fontes, parece que ele aplicou essa idéia da desnecessidade das coisas superfluas a outros fenômenos da natureza:
É inútil fazer com mais o que pode ser feito com menos” (O que mais tarde seria conhecido como princípio da economia).

Ele tinha um problema com os escolásticos da sua universidade que procuravam sempre as explicações mais complexas para os eventos que poderiam ser explicados de forma mais simples. Se para comprovar um teorema, existissem dois caminhos que levavam ao mesmo resultado, e um deles possuísse cálculos bem mais simples que o outro, então essa solução do teorema deveria ser escolhida como a melhor, ou a verdadeira. E foi assim, através da lógica e da matemática, que ele conseguia provar que estava certo.

A frase mais famosa de Ockham é: “Pluralitas non est ponenda sine neccesitate” que quer dizer “Pluralidades não devem ser postas sem necessidade”. Mas acho que com outra frase dele podemos compreender melhor a sua idéia: “as entidades não devem ser multiplicadas além do necessário, a natureza é por si econômica e não se multiplica em vão”.

Ockham defendia a necessidade da experimentação como fonte do conhecimento, em oposição uso da razão pura; e julgava impossível provar a existência de Deus através de qualquer ferramenta racional (apesar de não questionar a sua existência). Assim, Ockham separou a fé da razão e libertou a filosofia da teologia. Com isso ele conseguiu muitos inimigos (era uma época em que a igreja costumava a queimar quem quer que questionasse o seu poder e ele foi rapidamente excomungado e acusado de herege, o que o fez passar a vida fugindo dos longos braços do papa), mas também é lembrado até hoje como o primeiro pensador moderno (ou o último grande pensador medieval).

A idéia de Ockham era partir da intuição para explicar os fenômenos: “Não se deve aplicar a um fenômeno nenhuma causa que não seja logicamente dedutível da experiência sensorial.” Com isso ele conseguiu muitos adeptos na ciência, que aplicou o princípio de Ockham ao método científico e sua formulação, um pouco diferente da original, ficou conhecida como a Navalha de Occam: “se há várias explicações igualmente válidas para um fato, então devemos escolher a mais simples”.

Muitos cientistas usaram o princípio da navalha de Occam em suas teorias. Alguns, como Newton, que acreditava que Deus fosse importante para manter os planetas ao longo do tempo nas órbitas que ele (Newton) tão brilhantemente descreveu, precisaram ser contestados por outros, no caso Laplace (muitos anos depois), mostrando com o uso da “navalha”, que Deus era desnecessário nas equações de Newton.

Um erro que comumente é aplicado a “Navalha de Occam“, é achar que ela é um sinônimo de simplismo. A navalha não diz que entre duas teorias, a mais simples é a verdadeira, mas sim que entre duas ou mais teorias, a mais simples, que explique o fenômeno, é a verdadeira. Isso quer dizer que simplificar um fenômeno para que uma teoria se aplique a ele, valendo-se da navalha de occam, não é correto. Foi o que Einstein quis dizer quando escreveu que “as teorias devem ser tão simples quanto possível, mas nem sempre devemos escolher as mais simples”.

Mas eu volto ao conto da minha amiga. Ela incorreu nesse erro: De achar que a navalha não poderia ser aplicada porque a explicação simples não funcionava. A explicação simples não funciona, então ela não é a explicação. A navalha sempre funciona!

O que temos que descobrir é quais elementos incorporar a explicação sem que eles se tornem “multiplicativamente desnecessários“?

Porém, muitas vezes, o problema está no “que” se quer explicar. Karl Pope, outro filosofo de quem eu já falei alguma coisa, mas que de quem eu quero falar mais qualquer dia, explicou que uma teoria só é uma teoria se puder ser refutada. Isso quer dizer que ao formular um problema ou uma hipótese, devemos tomar alguns cuidados, sob pena de escapar da ciência e começar a cair na filosofia ou na fé. Todos nós, em diferentes momentos (e acho que minha amiga no momento em que escreveu o texto) queremos que as coisas sejam de um jeito, que não é necessariamente o jeito que elas são. Mas para isso não precisamos de razão. Precisamos (quem precisa) de fé.

Quantas gotas de adoçante eu devo por no meu café?

Eu sei que estou há muito tempo sem escrever gente, mas dá um desconto ai, vocês não imaginam o número de provas, e segundas chamadas, e provas finais, e revisões de provas, pelos quais eu tenho que passar cada final de semestre.

Essa pergunta foi feita em diferentes momentos por diferentes pessoas, algumas vezes suscitando discussões apaixonadas. Quantas gotas de adoçante você deve por no seu café?

Eu uso adoçante (depois dos 30… uma necessidade!) no café e tomo Coca-Light, então vou tentar ser o menos tendencioso possível.

O gosto “doce” é sentido na ponta da língua, onde se localizam as papilas gustativas para esse paladar (também é na ponta da língua que fica a maior concentração de sensores de tato de todo corpo humano). Mas os receptores celulares para o doce são bastante promíscuos e se deixam sensibilizar por muitos açúcares diferentes.

Parênteses:
Os receptores para salgado, que ficam nas laterais da parte da frente de língua, diferentemente, são muito exclusivos e acionados apenas pelo NaCl (cloreto de sódio, o sal de cozinha). O Na+ (sódio) é um mensageiro celular importantíssimo e fundamental na transmissão dos impulsos nervosos. Sem ele, as células não conseguem transmitir para o cérebro a informação dos outros “gostos” (doce, amargo, ácido e umami – o sabor do glutamato). E é por isso que a comida sem sal fica com menos TODOS os outros gostos!
Fecha parênteses

Mas como eu ia dizendo, a promiscuidade dos receptores da língua para açúcares se estendem a outros compostos, que apesar de não serem glicídios, sensibilizam as papilas gustativas do doce. Esses compostos são chamados edulcorantes.

Os edulcorantes também servem para adicionar outras propriedades dos áçúcares nos alimentos, servindo como espessantes, tendo inclusive o mesmo ou maior valor calórico, mas isso é uma outra história. Hoje vamos falar dos edulcorantes “não nutritivos”, de diets, daquelas gotinhas mágicas que em quantidades muito pequenas adoçam sem praticamente adicionarem calorias.

Pra não me estender muito, vamos concentrar nos mais tradicionais e que a gente encontra no supermercado com mais freqüência:

A sacarina (ou sacarina sódica, já que no vidrinho de adoçante o que você encontra é o sal de sódio) é o mais antigo dos edulcorantes e foi descoberta em 1879 por um químico norte-americano. A sacarina poderia ser perfeita… é 300 vezes mais doce que a sacarose, altamente solúvel em água e com ZERO de calorias. Mas, como muitos de vocês já devem ter atestado, ela possui um forte sabor residual. Uma coisa meio… metálica, um amargor. Por isso, aproveite toda a doçura da sacarina e ponha a menor quantidade de gotas suficientes para o seu gosto de doce. Quanto mais gotas colocar, mais dessa sensação metálica você vai ter.

O ciclamato foi descoberto em 1937 por outro norte-americano, após uma contaminação acidental de um cigarro com um derivado da ciclohexilamina (não, nem eu sei o que é isso!). O Ciclamato de Sódio (como é comercializado, na forma do sal de sódio) é 30 vezes mais doce que a sacarose e também tem zero de caloria. É facilmente solúvel em água quente ou fria (o que é importante pra poder adoçar tanto suco e sorvete quanto o cafezinho) e estável a uma ampla faixa de pH (o que também é importante já que uma limonada é muito ácida). Mas a sua percepção de doçura é lenta e o sabor residual amargo. Por isso o ciclamato é quase sempre utilizado misturado com outros edulcorantes como a sacarina e o aspartame.

O Aspartame foi descoberto em 1965 e é um adoçante artificial constituído de dois aminoácidos, o ácido aspártico a fenilalanina, que são encontrados normalmente em frutas e legumes. Ao contrário dos outros edulcorantes, o aspartamente é calórico, mas possui apenas quatro calorias por grama. No entanto, é 200 vezes mais doce que o açúcar e seu sabor doce é muito semelhante ao da sacarose. Como vocês já devem ter visto, quase sempre vem um aviso de que pessoas fenilcetonúricas, ou deja, sensíveis ao aminoácido fenilalanina não devem consumi-lo.

Uma das grandes vantagens dos edulcorantes é o seu sinergismo. Quando misturados eles maximizam suas qualidades (doçura) e minimizam seus defeitos (o amargor residual). A maior parte deles não são tóxicos. A toxicidade dos edulcorantes, principalmente os artificiais, está relacionada com a presença de impurezas (da extração ou das reações químicas para obtê-los).

A sacarina por exemplo, não é metabolizada pelo organismo e é rapidamente excretada pelos rins. Não ser metabolizada pode ser uma grande vantagem, já que quase todos os elementos tóxicos, tem a sua toxicidade ativada depois de passarem pelos processos de chamados de biotransformação (que podemos discutir outro dia).

Mesmo assim, uma vez que 500 anos atrás Paracelcius definiu que a toxicidade depende da dose, e que portanto tudo pode ser tóxico; definiu-se uma a dose diária permitida para os principais edulcorante. A dose depende do peso corporal da pessoa, então para saber o quanto você pode consumir por dia, multiplique o seu peso pelos fatores: Sacarina – 3,5 mg; Ciclamato – 11mg e Aspartame 40mg.

Como eu tenho 80kg então poderia ingerir diariamente 280 mg de sacarina, 880mg de ciclamato e 3200mg de aspartame.

Mas veja, isso basicamente quer dizer que, se você chegar ultrapassar esse limites diários, é por que está tomando café ou refrigerante demais. E que a quantidade de outras porcarias que tem em todos os diets da vida, ou os próprios compostos ativos (como a cafeína e a teína), vão estar prejudicando muito mais a sua saúde que os edulcorantes.

Por isso, seja moderado nas gotinhas, mas não por causa da toxicidade delas. E sim porque elas são tão doces, mas tão doces, que você pode adoçar tudo o que quiser com poucas gotas, e quanto menos gotas colocar, menos amargor fica no final.

E se você pode ter só o doce, porque vai querer levar o amargor também?

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