Oficina de Escrita Criativa em Ciência
Dias 08 e 09 de Agosto de 2009 (e por mais 4 semanas on line) realizaremos mais uma edição da “Oficina de Escrita Criativa em Ciência” pela coordenação de atividades de extensão do Instituto de Biofísica da UFRJ.
O curso tem cargo horária de 16h presenciais e 72h a distância, sob responsabilidade dos professores Mauro Rebelo e Cláudia Nobre. Entre na página do curso para ver todos os detalhes.
As inscrições custam R$160,00 e podem ser feitas no site do CATE-IBCCF pelo e-mail cate@biof.ufrj.br ou pelo tel: 21 2562 6722.
O curso tem cargo horária de 16h presenciais e 72h a distância, sob responsabilidade dos professores Mauro Rebelo e Cláudia Nobre. Entre na página do curso para ver todos os detalhes.
As inscrições custam R$160,00 e podem ser feitas no site do CATE-IBCCF pelo e-mail cate@biof.ufrj.br ou pelo tel: 21 2562 6722.
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Quem pode falar de política científica?
Um dos primeiros textos que escrevi, em 2002, foi sobre a conversa dos presidenciáveis com cientistas. Ou melhor, o monólogo, já que apenas um dos presidenciáveis havia comparecido ao evento. No ano que vem teremos eleições novamente, então acho que posso voltar a esse assunto.
O que os candidatos a presidente poderiam falar sobre ciência aos cientistas? Tudo! A política científica se tornou parte importante da realização de ciência e deveria ser parte fundamental da vida dos cientistas. De TODOS os cientistas. Sim, porque para muitos, apenas cientistas seniores (o que no Brasil significa pesquisador nível 1 do CNPq) estariam aptos a opinar sobre política científica. Principalmente para os próprios cientistas seniores, em uma endogamia de idéias que muitas vezes atravanca o desenvolvimento da ciência.
Vejam, a política científica de um país interfere com a vida dos cientistas desse país através das agências de fomento. No Brasil essas agências são principalmente o CNPq e a FINEP (vinculados ao MCT), a CAPES (vinculada ao MEC) e as FAP (fundações de amparo a pesquisa dos governos estaduais). São elas que criam os programas de fomento a pesquisa, que determinam os valores e prazos de financiamentos, além dos critérios e regras dos editais.
Essas agências tem a difícil tarefa de avaliar os cientistas para decidir quais devem receber financiamento, bolsas e outros tipos de incentivos para a pesquisa. Porém, essa não é, de forma alguma, uma decisão tomada de forma científica: os critérios se aproximam mais da numerologia e do sobrenatural: número de artigos publicados, número de artigos publicados nos últimos 3, 5 ou 10 anos; número de artigos publicados como primeiro/último autor, número de citações, fator de impacto da revista, Qualis da revista, índice de impacto do pesquisador, índice H…
Claro que precisamos de um sistema de avaliação. No seu vídeo ‘A explosão do saber’, Leopoldo de Meis mostra que com a institucionalização da ciência, o número de cientistas no mundo que era de 150 no sec XVII (passou para 4500 em 1900 e) hoje esta estimado em mais de 30 milhões. Os recursos para a ciência não acompanharam esse número um a determinação de um ranque é inevitável.
Mas será que a os fatores de impacto são a melhor ferramenta? Não poderia dizer que a avaliação da ciência por índices é o pior sistema possível, mas definitivamente é um sistema ruim o suficiente para ser extinto. O próprio Eugene Garfield, que inventou o fator de impacto em 1961, disse que ele não era apropriado para avaliar indivíduos. Há uma infinidade de artigos, publicados exatamente nas revistas com os mais altos fatores de impacto (veja “The politics of publication” por Lawrence PA, na Nature 422: 259-261), questionando com argumentos fortíssimos a ‘cienciometria’ vigente.
“Nós chegamos ao ponto de considerar a revista onde um artigo é publicado mais importante do que a mensagem científica que ele traz” faz uma mea culpa um dos principais editores da Nature (Lawrence no mesmo artigo citado acima).
Mas porque nada, nada consegue livrar o sistema desse vício?
A resposta é simples: porque ele convém as pessoas que mais se beneficiam do sistema, que são as mesmas que criam as políticas científicas. E esses são os cientistas seniores. Os índices, quaisquer que sejam, beneficiam quem está fazendo ciência há mais tempo. Em países como o Brasil, onde a verba para ciência é escarça, vale o dito popular: “Quem parte e reparte e não fica com a melhor parte ou é tolo ou não tem arte”.
Em outro comentário na Nature (423:585), Robert Insall da Universidade de Birmingham (Inglaterra) diz que “Seria mais fácil fazer frio no inferno que conseguir que cientistas mais velhos mudem alguma coisa, muito menos alguma coisa que beneficia muitos deles”.
A forte endogamia na ciência dificulta a objetividade na avaliação da produtividade científica. Cientistas seniores convidam uns aos outros para participarem de comités e conferencias, distribuem prêmios uns aos outros e apoiam publicações mutuamente. Olhem os comités das agências de fomento (ok, não olhei todos, mas posso apostar a bolsa de produtividade científica que eu ainda não tenho): não há 1 (um), nenhum, cientista com menos de 40 anos.
Ei, mas vejam bem, esse texto não é um lamento tendencioso de um cientista com (um pouco) menos de 40 anos para com seus pares seniores. O sistema é sim pernicioso e a razão é simples: é mais fácil criar bons indicadores do que fazer boa ciência!. E é por isso que deveria ser modificado.
Cientistas, mesmo os não tão bons, não são bobos (uma das poucas coisas que podem se gabar). Mesmo os jovens já perceberam que o importante não é mais fazer boa ciência e sim fazer bons ‘indicadores de ciência’ (já que na maioria das vezes não é a mesma coisa). No máximo, fazer boa ciência enquanto faz bons indicadores de ciência.
A única saída é colocar ‘sangue novo’ nas agências de fomento. É definitivamente mais fácil mudar a composição dos conselhos deliberativos das agências que nominei no início desse artigo, do que a cabeça dos cientistas seniores que participam desses mesmos conselhos. Enquanto não houver cientistas jovens participando das instâncias decisórias da ciência no Brasil, vamos continuar sofrendo dessa endogenia. Até lá, as agências de fomento, assim como as revistas científicas, poderiam pelo menos solicitar aos cientistas que declarassem algum tipo de conflito de interesse em suas propostas de projetos: Você de alguma forma está se beneficiando de contribuições que tenha feito na preparação desse edital?
O interessante seria um ‘índice conflito’ com base na resposta dessa pergunta.
O que os candidatos a presidente poderiam falar sobre ciência aos cientistas? Tudo! A política científica se tornou parte importante da realização de ciência e deveria ser parte fundamental da vida dos cientistas. De TODOS os cientistas. Sim, porque para muitos, apenas cientistas seniores (o que no Brasil significa pesquisador nível 1 do CNPq) estariam aptos a opinar sobre política científica. Principalmente para os próprios cientistas seniores, em uma endogamia de idéias que muitas vezes atravanca o desenvolvimento da ciência.
Vejam, a política científica de um país interfere com a vida dos cientistas desse país através das agências de fomento. No Brasil essas agências são principalmente o CNPq e a FINEP (vinculados ao MCT), a CAPES (vinculada ao MEC) e as FAP (fundações de amparo a pesquisa dos governos estaduais). São elas que criam os programas de fomento a pesquisa, que determinam os valores e prazos de financiamentos, além dos critérios e regras dos editais.
Essas agências tem a difícil tarefa de avaliar os cientistas para decidir quais devem receber financiamento, bolsas e outros tipos de incentivos para a pesquisa. Porém, essa não é, de forma alguma, uma decisão tomada de forma científica: os critérios se aproximam mais da numerologia e do sobrenatural: número de artigos publicados, número de artigos publicados nos últimos 3, 5 ou 10 anos; número de artigos publicados como primeiro/último autor, número de citações, fator de impacto da revista, Qualis da revista, índice de impacto do pesquisador, índice H…
Claro que precisamos de um sistema de avaliação. No seu vídeo ‘A explosão do saber’, Leopoldo de Meis mostra que com a institucionalização da ciência, o número de cientistas no mundo que era de 150 no sec XVII (passou para 4500 em 1900 e) hoje esta estimado em mais de 30 milhões. Os recursos para a ciência não acompanharam esse número um a determinação de um ranque é inevitável.
Mas será que a os fatores de impacto são a melhor ferramenta? Não poderia dizer que a avaliação da ciência por índices é o pior sistema possível, mas definitivamente é um sistema ruim o suficiente para ser extinto. O próprio Eugene Garfield, que inventou o fator de impacto em 1961, disse que ele não era apropriado para avaliar indivíduos. Há uma infinidade de artigos, publicados exatamente nas revistas com os mais altos fatores de impacto (veja “The politics of publication” por Lawrence PA, na Nature 422: 259-261), questionando com argumentos fortíssimos a ‘cienciometria’ vigente.
“Nós chegamos ao ponto de considerar a revista onde um artigo é publicado mais importante do que a mensagem científica que ele traz” faz uma mea culpa um dos principais editores da Nature (Lawrence no mesmo artigo citado acima).
Mas porque nada, nada consegue livrar o sistema desse vício?
A resposta é simples: porque ele convém as pessoas que mais se beneficiam do sistema, que são as mesmas que criam as políticas científicas. E esses são os cientistas seniores. Os índices, quaisquer que sejam, beneficiam quem está fazendo ciência há mais tempo. Em países como o Brasil, onde a verba para ciência é escarça, vale o dito popular: “Quem parte e reparte e não fica com a melhor parte ou é tolo ou não tem arte”.
Em outro comentário na Nature (423:585), Robert Insall da Universidade de Birmingham (Inglaterra) diz que “Seria mais fácil fazer frio no inferno que conseguir que cientistas mais velhos mudem alguma coisa, muito menos alguma coisa que beneficia muitos deles”.
A forte endogamia na ciência dificulta a objetividade na avaliação da produtividade científica. Cientistas seniores convidam uns aos outros para participarem de comités e conferencias, distribuem prêmios uns aos outros e apoiam publicações mutuamente. Olhem os comités das agências de fomento (ok, não olhei todos, mas posso apostar a bolsa de produtividade científica que eu ainda não tenho): não há 1 (um), nenhum, cientista com menos de 40 anos.
Ei, mas vejam bem, esse texto não é um lamento tendencioso de um cientista com (um pouco) menos de 40 anos para com seus pares seniores. O sistema é sim pernicioso e a razão é simples: é mais fácil criar bons indicadores do que fazer boa ciência!. E é por isso que deveria ser modificado.
Cientistas, mesmo os não tão bons, não são bobos (uma das poucas coisas que podem se gabar). Mesmo os jovens já perceberam que o importante não é mais fazer boa ciência e sim fazer bons ‘indicadores de ciência’ (já que na maioria das vezes não é a mesma coisa). No máximo, fazer boa ciência enquanto faz bons indicadores de ciência.
A única saída é colocar ‘sangue novo’ nas agências de fomento. É definitivamente mais fácil mudar a composição dos conselhos deliberativos das agências que nominei no início desse artigo, do que a cabeça dos cientistas seniores que participam desses mesmos conselhos. Enquanto não houver cientistas jovens participando das instâncias decisórias da ciência no Brasil, vamos continuar sofrendo dessa endogenia. Até lá, as agências de fomento, assim como as revistas científicas, poderiam pelo menos solicitar aos cientistas que declarassem algum tipo de conflito de interesse em suas propostas de projetos: Você de alguma forma está se beneficiando de contribuições que tenha feito na preparação desse edital?
O interessante seria um ‘índice conflito’ com base na resposta dessa pergunta.
"Esse relâmpago fantasmagórico"
Você provavelmente sabe que Roentgen descobriu os raio-X por acaso. E que eles levam esse nome justamente porque ele não tinha a menor idéia do que se tratavam aqueles prováveis raios, invisíveis, emitidos por uma engenhoca chamada ‘tubo de Crookes’ e que faziam brilhar, com um brilho amarelo-esverdeado, a distância, placas cobertas com platinocianeto de bário que estavam em um canto.
Vamos combinar, quem é que tem placas cobertas com isso em cima de uma cadeira em casa? Roentgen tinha. Mas vamos dar um desconto porque a casa também era o laboratório dele e essa era, já naquela época, uma conhecida substância fosforescente (e esse um fenômeno ainda longe de ser explicado).
Além do fato de Roentgen ter sido o primeiro contemplado do recém instituído premio Nobel de física em 1905, a sua descoberta traz outras curiosidades. Essa foi a tecnologia com menor tempo entre a sua descoberta e utilização prática. Isso mesmo considerando que esses raios eram tão misteriosos que raramente a primeira pessoa a observar um fenômeno foi aquela que visualizou a aplicação para o fenômeno.
A fluorescência a distância indicativa da emissão dos raios já havia sido observada pelo menos duas vezes antes de Toentgen. Primeiro pelo inventor dos próprios tubos catódicos, o brilhante físico inglês William Crookes e depois pelo também física Phillip Lenard, mas ambos desconsideraram o efeito como relevante e não dedicaram tempo a sua explicação.
Roentgen começou a testar o que os raios X NÃO podiam atravessar e segurando um cachimbo de chumbo contra uma chapa fotográfica durante a produção dos raios catódicos, descobriu que esse era um metal que bloqueava os raios X. Mas essa não foi a unica revelação. Como Roentgen estava segurando o cachimbo com os dedos, ao revelar a chapa fotográfica encontrou, além da sombra produzida pelo cachimbo, a silueta dos ossos de seus dois dedos.
“O que estou vendo não é um fenômeno científico, é do outro mundo, é definitivamente místico. O que meus colegas irão pensar desses raios X que, ao contrário da luz ou do ultravioleta ou mesmo das ondas Hertzianas, são capazes de revelar as partes mais escondidas do corpo humano, os ossos?”
Roentgen ficou tão assustado que não percebeu a enorme potencialidade de sua descoberta para a medicina.
Para ter certeza que os Raios X não eram uma alucinação, ele convidou sua mulher Bertha um dia depois do jantar para descer ao laboratório, colocou sua mão esquerda em cima de uma chapa fotográfica virgem e ligou seu tubo de Crookes. Em seguida, mostrou a Bertha a primeira radiografia jamais tirada (veja no detalhe. A mancha na imagem é a aliança de casamento de Bertha).
“Ah, meu Deus, estou vendo meus ossos. Dá impressão de que estou olhando minha própria morte”. Bertha também ficou horrorizada, e nem ela percebeu o que tinha em mãos.
Roentgen tinha consciência de ter feito uma grande descoberta científica e se trabalhou dia e noite, em completo segredo, durante as semanas que antecederam a reunião da sociedade físico-médica de Würzburg era porque queria evitar que algum dos muitos cientistas da Europa trabalhando com ‘Tubos de Crookes’ em seus laboratórios publicassem primeiro que ele os raios X.
Já o editor da revista teve uma percepção diferente do relatório apresentado por Roentgen, principalmente depois de ver a chapa da mão de Bertha e esse se tornou o artigo publicado mais rapidamente em toda a história da ciência: menos de uma semana.
Como se tratava de uma revista pequena, Roentgen mandou fazer separatas do artigo, acompanhadas das radiografias da mão de berta e dos pesos de chumbo e mandou para os físicos mais eminentes da Europa. Em menos de uma semana de novo, a foto era manchete de jornais como o Die Presse Alemão e o London Chronicles Inglês. A razão da publicidade era a incrível ferramenta diagnóstica para a Medicina, que o próprio autor não havia realizado totalmente, apesar de já ter percebido o potencial para estudar fraturas ou danos ósseos. Ainda no mesmo ano, um juiz norte-americano passou a aceitar as radiografias como prova na corte e abriu um outro filão de aplicação dos raios X.
Roentgen ainda publicou mais 3 artigos sobre os raios X, onde detalhava as propriedades desses raios e variáveis que afetavam essas propriedades. Nenhuma palavra sobre os usos médicos da sua incrível descoberta.
Até a descoberta dos raios X, os médicos podiam usar apenas os 5 sentidos para diagnosticar uma doença. Os raios X foram como um sexto sentido, uma visão além do alcance, e é difícil imaginar uma descoberta, ainda hoje, que tenha sido tão produtiva para médicos ou pacientes. Com o tempo, primeiro a absorção dos raios por sais de bário, e depois por outros compostos mais inofensivos, permitiu visualizar uma série de estruturas moles do corpo, como estomago e intestino. Era a radiografia de contraste. E em 1972, 50 anos depois de sua morte, um engenheiro de computação e um neurorradiologista ingleses criaram uma forma de bombardear raios X de múltiplos ângulos, focalizados em dinas seções do corpo. Essas laminas eram então integradas em um computador e conseguiam mostrar, pela primeira vez, de forma incrivelmente precisa, as partes internas do cérebro. Em menos de um século, a ciência transformara um papel brilhando no canto de uma sala nos escaner da Tomografia computadorizada.
Leitura complementar: O poder do Raio X – Revista Veja
Referências: Friedman M e Friedland GW. 1999. Wilhen Roentgen e os raios X. As 10 maiores descobertas da medicina. Capítulo 6. Companhia das Letras. 363pp.
Vamos combinar, quem é que tem placas cobertas com isso em cima de uma cadeira em casa? Roentgen tinha. Mas vamos dar um desconto porque a casa também era o laboratório dele e essa era, já naquela época, uma conhecida substância fosforescente (e esse um fenômeno ainda longe de ser explicado).
Além do fato de Roentgen ter sido o primeiro contemplado do recém instituído premio Nobel de física em 1905, a sua descoberta traz outras curiosidades. Essa foi a tecnologia com menor tempo entre a sua descoberta e utilização prática. Isso mesmo considerando que esses raios eram tão misteriosos que raramente a primeira pessoa a observar um fenômeno foi aquela que visualizou a aplicação para o fenômeno.
A fluorescência a distância indicativa da emissão dos raios já havia sido observada pelo menos duas vezes antes de Toentgen. Primeiro pelo inventor dos próprios tubos catódicos, o brilhante físico inglês William Crookes e depois pelo também física Phillip Lenard, mas ambos desconsideraram o efeito como relevante e não dedicaram tempo a sua explicação.
Roentgen começou a testar o que os raios X NÃO podiam atravessar e segurando um cachimbo de chumbo contra uma chapa fotográfica durante a produção dos raios catódicos, descobriu que esse era um metal que bloqueava os raios X. Mas essa não foi a unica revelação. Como Roentgen estava segurando o cachimbo com os dedos, ao revelar a chapa fotográfica encontrou, além da sombra produzida pelo cachimbo, a silueta dos ossos de seus dois dedos.
“O que estou vendo não é um fenômeno científico, é do outro mundo, é definitivamente místico. O que meus colegas irão pensar desses raios X que, ao contrário da luz ou do ultravioleta ou mesmo das ondas Hertzianas, são capazes de revelar as partes mais escondidas do corpo humano, os ossos?”
Roentgen ficou tão assustado que não percebeu a enorme potencialidade de sua descoberta para a medicina.
Para ter certeza que os Raios X não eram uma alucinação, ele convidou sua mulher Bertha um dia depois do jantar para descer ao laboratório, colocou sua mão esquerda em cima de uma chapa fotográfica virgem e ligou seu tubo de Crookes. Em seguida, mostrou a Bertha a primeira radiografia jamais tirada (veja no detalhe. A mancha na imagem é a aliança de casamento de Bertha).
“Ah, meu Deus, estou vendo meus ossos. Dá impressão de que estou olhando minha própria morte”. Bertha também ficou horrorizada, e nem ela percebeu o que tinha em mãos.
Roentgen tinha consciência de ter feito uma grande descoberta científica e se trabalhou dia e noite, em completo segredo, durante as semanas que antecederam a reunião da sociedade físico-médica de Würzburg era porque queria evitar que algum dos muitos cientistas da Europa trabalhando com ‘Tubos de Crookes’ em seus laboratórios publicassem primeiro que ele os raios X.
Já o editor da revista teve uma percepção diferente do relatório apresentado por Roentgen, principalmente depois de ver a chapa da mão de Bertha e esse se tornou o artigo publicado mais rapidamente em toda a história da ciência: menos de uma semana.
Como se tratava de uma revista pequena, Roentgen mandou fazer separatas do artigo, acompanhadas das radiografias da mão de berta e dos pesos de chumbo e mandou para os físicos mais eminentes da Europa. Em menos de uma semana de novo, a foto era manchete de jornais como o Die Presse Alemão e o London Chronicles Inglês. A razão da publicidade era a incrível ferramenta diagnóstica para a Medicina, que o próprio autor não havia realizado totalmente, apesar de já ter percebido o potencial para estudar fraturas ou danos ósseos. Ainda no mesmo ano, um juiz norte-americano passou a aceitar as radiografias como prova na corte e abriu um outro filão de aplicação dos raios X.
Roentgen ainda publicou mais 3 artigos sobre os raios X, onde detalhava as propriedades desses raios e variáveis que afetavam essas propriedades. Nenhuma palavra sobre os usos médicos da sua incrível descoberta.
Até a descoberta dos raios X, os médicos podiam usar apenas os 5 sentidos para diagnosticar uma doença. Os raios X foram como um sexto sentido, uma visão além do alcance, e é difícil imaginar uma descoberta, ainda hoje, que tenha sido tão produtiva para médicos ou pacientes. Com o tempo, primeiro a absorção dos raios por sais de bário, e depois por outros compostos mais inofensivos, permitiu visualizar uma série de estruturas moles do corpo, como estomago e intestino. Era a radiografia de contraste. E em 1972, 50 anos depois de sua morte, um engenheiro de computação e um neurorradiologista ingleses criaram uma forma de bombardear raios X de múltiplos ângulos, focalizados em dinas seções do corpo. Essas laminas eram então integradas em um computador e conseguiam mostrar, pela primeira vez, de forma incrivelmente precisa, as partes internas do cérebro. Em menos de um século, a ciência transformara um papel brilhando no canto de uma sala nos escaner da Tomografia computadorizada.
Leitura complementar: O poder do Raio X – Revista Veja
Referências: Friedman M e Friedland GW. 1999. Wilhen Roentgen e os raios X. As 10 maiores descobertas da medicina. Capítulo 6. Companhia das Letras. 363pp.
Razão e sensibilidade
Não costumo a publicar citações, mas essa do Dobzhansky continua atual e tem tudo a ver com a causa dos blogueiros de ciência, o combate ao avanço da pseudociências e a exclusão científica.
“Nos gostaríamos de acreditar que se conseguíssemos adequar com segurança dados em relação a qualquer problema científico, então qualquer pessoa com uma inteligência normal, que se da ao trabalho de tomar conhecimento desses dados, deveria necessariamente chegar a mesma conclusão sobre o problema em questão. Nos gostamos de falar de conclusões demonstradas, estabelecidas, provadas e aprovadas. Parece, no entanto, que nenhuma evidencia cientifica é forte o suficiente para forçar a aceitação de uma conclusão que é emocionalmente não aprazível”
Se não aprendermos a tocar o emocional das pessoas com a ciência, nos servirá de muito pouco a razão.
“Nos gostaríamos de acreditar que se conseguíssemos adequar com segurança dados em relação a qualquer problema científico, então qualquer pessoa com uma inteligência normal, que se da ao trabalho de tomar conhecimento desses dados, deveria necessariamente chegar a mesma conclusão sobre o problema em questão. Nos gostamos de falar de conclusões demonstradas, estabelecidas, provadas e aprovadas. Parece, no entanto, que nenhuma evidencia cientifica é forte o suficiente para forçar a aceitação de uma conclusão que é emocionalmente não aprazível”
Se não aprendermos a tocar o emocional das pessoas com a ciência, nos servirá de muito pouco a razão.
Quando é legítimo uma descoberta científica ser divulgada publicamente?
Quando recebi um e-mail ontem convidando para o evento acima, fiquei entusiasmado. O tema de grande importância e o time é de feras.
Isso me lembrou de parte do texto que escrevi na proposta para solicitar fundos para o II EWCLiPo (o encontro de blogueiros de ciência em português). É sobre a diferença no enfoque da ciência pelo cientista e pelo jornalista.
Um artigo publicado na revista Nature (vol 458, Março de 2009) mostra que muitos jornais estão fechando suas seções de ciência enquanto jornalistas científicos ficam sobrecarregados e cada vez mais dependentes dos press releases de RPs. Isso tem acontecido nos estados unidos, Europa e também no Brasil.
Apesar das queixas dos jornalistas de ciência, as redações dos jornais mostram duas coisas: primeiro que as seções de ciência não dão lucro (e por isso estão fechando). O público tem uma grande afinidade com a ciência, mas não busca ciência todos os dias (uma tendência medida nos sites dos grande jornais do mundo). A segunda, e bem mais triste, é que os jornais perceberam que podem capturar audiência com ciência de má qualidade e sensacionalismo. Na maior parte dos casos, seria melhor não ter ciência alguma.
Hoje grande parte do jornalismo científico é feito com base em press releases e existem algumas agências de notícias que se especializaram até mesmo em publicar citações de cientistas famosos, para que os jornalistas possam ‘referenciar’ os press releases. Para que se dar ao trabalho de perguntar ao cientista se uma agencia já coloca na sua mão o que ele disse?
O artigo da nature continua dizendo que a ciência, como toda empreitada humana, está sujeita a (e cheia de) falhas, preconceitos e egos inflados; e precisamos muito de jornalistas para filtrar esse tipo de coisas. Mas o diálogo entre pesquisador e jornalista é muito difícil. Enquanto o jornalista quer a contundência, o cientista não abre mão da incerteza; enquanto o jornalista tem pressa, o cientista tem cautela. Os jornalistas querem que os cientistas reconheçam suas necessidades, mas não querem reconhecer as necessidades dos cientistas.
O resultado é que quem escreve os press release tem grande influência sobre o que o público vai ler sobre ciência, e por isso as instituições de pesquisa estão contratando os jornalistas científicos e montando assessorias de imprensa e escritórios de relações públicas científicas. Para escapar desse tiroteio, os cientistas estão mirando no grande público através da internet. Não só para publicar/divulgar seus trabalhos, mas também para ‘traduzirem’ os temas científicos para o público leigo, principalmente através de blogs (como esse!).
Os (nós) blogueiros se consideram uma fonte de informação científica confiável para o grande público. E são! Atualmente, mais que os jornalistas.
Mas vejam, os blogueiros não querem substituir (e nem poderiam) os jornalistas. Principalmente porque querem ter compromisso apenas com eles mesmos e publicarem o que quiserem. E por mais essa razão, sempre será necessário ter jornalistas profissionais sendo pagos para escreverem sobre o que está sendo publicado em um determinado momento.
De qualquer forma, em um país de tantos excluídos, a “exclusão científica” da população é uma das mais graves, porque as pessoas estão ouvindo falar de genoma, vacina gênica, transgênicos, mutantes, clones, células tronco… sem ter noção de como avaliar o quanto as informações que chegam até elas são verdadeiras.
Acredito que a descoberta científica é um processo e que esse processo possui marcos e que é legítimo que o cientista divulgue o processo e os marcos, mesmo antes da descoberta. Para aumentar ainda mais a credibilidade, seria importante que esses marcos fossem determinados a priori, no momento em que se estabelece o desenho de um experimento ou de um projeto, evitando rompantes de exibicionismo. Mas não deve haver a menor dúvida da importância de se divulgar essas descobertas, tanto para prestar contas a sociedade (que é a grande financiadora da atividade científica) quanto para mostrar a sociedade a importância do pesquisador.
Espero que esses assuntos sejam discutidos amanhã, e estarei lá pra ver.
Isso me lembrou de parte do texto que escrevi na proposta para solicitar fundos para o II EWCLiPo (o encontro de blogueiros de ciência em português). É sobre a diferença no enfoque da ciência pelo cientista e pelo jornalista.
Um artigo publicado na revista Nature (vol 458, Março de 2009) mostra que muitos jornais estão fechando suas seções de ciência enquanto jornalistas científicos ficam sobrecarregados e cada vez mais dependentes dos press releases de RPs. Isso tem acontecido nos estados unidos, Europa e também no Brasil.
Apesar das queixas dos jornalistas de ciência, as redações dos jornais mostram duas coisas: primeiro que as seções de ciência não dão lucro (e por isso estão fechando). O público tem uma grande afinidade com a ciência, mas não busca ciência todos os dias (uma tendência medida nos sites dos grande jornais do mundo). A segunda, e bem mais triste, é que os jornais perceberam que podem capturar audiência com ciência de má qualidade e sensacionalismo. Na maior parte dos casos, seria melhor não ter ciência alguma.
Hoje grande parte do jornalismo científico é feito com base em press releases e existem algumas agências de notícias que se especializaram até mesmo em publicar citações de cientistas famosos, para que os jornalistas possam ‘referenciar’ os press releases. Para que se dar ao trabalho de perguntar ao cientista se uma agencia já coloca na sua mão o que ele disse?
O artigo da nature continua dizendo que a ciência, como toda empreitada humana, está sujeita a (e cheia de) falhas, preconceitos e egos inflados; e precisamos muito de jornalistas para filtrar esse tipo de coisas. Mas o diálogo entre pesquisador e jornalista é muito difícil. Enquanto o jornalista quer a contundência, o cientista não abre mão da incerteza; enquanto o jornalista tem pressa, o cientista tem cautela. Os jornalistas querem que os cientistas reconheçam suas necessidades, mas não querem reconhecer as necessidades dos cientistas.
O resultado é que quem escreve os press release tem grande influência sobre o que o público vai ler sobre ciência, e por isso as instituições de pesquisa estão contratando os jornalistas científicos e montando assessorias de imprensa e escritórios de relações públicas científicas. Para escapar desse tiroteio, os cientistas estão mirando no grande público através da internet. Não só para publicar/divulgar seus trabalhos, mas também para ‘traduzirem’ os temas científicos para o público leigo, principalmente através de blogs (como esse!).
Os (nós) blogueiros se consideram uma fonte de informação científica confiável para o grande público. E são! Atualmente, mais que os jornalistas.
Mas vejam, os blogueiros não querem substituir (e nem poderiam) os jornalistas. Principalmente porque querem ter compromisso apenas com eles mesmos e publicarem o que quiserem. E por mais essa razão, sempre será necessário ter jornalistas profissionais sendo pagos para escreverem sobre o que está sendo publicado em um determinado momento.
De qualquer forma, em um país de tantos excluídos, a “exclusão científica” da população é uma das mais graves, porque as pessoas estão ouvindo falar de genoma, vacina gênica, transgênicos, mutantes, clones, células tronco… sem ter noção de como avaliar o quanto as informações que chegam até elas são verdadeiras.
Acredito que a descoberta científica é um processo e que esse processo possui marcos e que é legítimo que o cientista divulgue o processo e os marcos, mesmo antes da descoberta. Para aumentar ainda mais a credibilidade, seria importante que esses marcos fossem determinados a priori, no momento em que se estabelece o desenho de um experimento ou de um projeto, evitando rompantes de exibicionismo. Mas não deve haver a menor dúvida da importância de se divulgar essas descobertas, tanto para prestar contas a sociedade (que é a grande financiadora da atividade científica) quanto para mostrar a sociedade a importância do pesquisador.
Espero que esses assuntos sejam discutidos amanhã, e estarei lá pra ver.